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wolfgang iser - o ato da leitura - teoria do efeito estético. parte IV. a interação entre texto e leitor, Notas de estudo de Literatura

Uma Teoria do Efeito Estético

Tipologia: Notas de estudo

2015

Compartilhado em 12/05/2015

gabriel-vieira-98
gabriel-vieira-98 🇧🇷

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DEDALUS - Acervo - FFLCH-LE MORO 21300130618 Wolfgang Iser O ATO DA LEITURA Uma Teoria do Efeito Estético Vol. 2 Tradução Johannes Kretschmer SBD-FFLCH-USP 242344 editoral34 tura só serve para incorporar à consciência a espontaneidade des- pertada e formulada sob condições que não valem para ela. Tal *. processo sem dúvida afetará a consciência existente, pois a incor- poração do novo se confere na medida em que a consciência co- meça a assumir uma outra forma. IV. A Interação entre Texto e Leitor Wolfgang Iser imprevisibilidade dominante em toda interação representa a con- dição constitutiva e diferencial para a relação interativa dos par- ceiros envolvidos. . 1. A pseudocontingência prevalece quando ambos os par- ceiros conhecem tão bem o “plano de conduta” (behavioral plan) do outro que é possível prever com precisão as réplicas e suas conseqiiências; desse modo, a conduta dos parceiros se assemelha- ria à cena bem ensaiada de uma peça de teatro. Tal interação ritualizada elimina a contingência. 2. Temos contingência assimétrica quando o parceiro A desis- te de atualizar o seu próprio “plano de conduta” e segue sem resis- tência o do parceiro B. Ele se adapta à estratégia de conduta de B e é por esta absorvido. 3. Ocorre contingência reativa caso os respectivos “planos de conduta” dos parceiros sejam constantemente encobertos por eações momentâneas àquilo que se acaba de dizer ou experimen- tar. À contingência se torna dominante neste esquema de reação momentânea, inviabilizando todas as tentativas dos parceiros de fazer valer os seus próprios “planos de conduta”. o 4. Na contingência mútua, por fim, domina o esforço de orientar a reação de acordo tanto com o próprio “plano de condu- ta”, quanto com as reações momentâneas do parceiro. Daí duas consegiiências: The interaction might be a triumph of social cre- ativity in which each is enriched by the other, or it might be a spiraling debacle of increasingly mutual hostility from which neither benefits. Whatever the content of the interaction”s course, there is implied a mixture of dual resistance and mutual change that distinguishes mutual contingency from other classes of interaction.! F) ! Edward E. Jones e Harold B. Gerard, Foundations of Social Psycho- logy, Nova York, 1967, pp. 505-12 (citação p. 512). 98 Wolfgang Iser Se os tipos acima mencionados de fato abrangem todo o fenômeno da interação social é uma questão que não precisamos discutir aqui. O que importa é a conclusão metódica que pode- mos deduzir do esquema descrito. A tipologia desenvolvida das relações interativas leva em consideração em que medida a con- tingência é reduzida. Em outras palavras, a contingência é fun- damento constitutivo da interação; trata-se de um fundamento, contudo, que de modo algum antecede à interação e portanto não pode ser captado como causa anteriormente dada para efeitos sub- seqiuentes. Ao contrário, a contingência nasce da interação em si, uma vez que no início os respectivos “planos de conduta” não são afinados um com o outro; desse modo, os elementos contingen- tes daí resultantes provocam ajustes táticos e estratégicos, exigindo até esforços de interpretação. A interação submete os “planos de conduta” dos parceiros a várias provas, assinalando-se em segui- da uma série de deficiências; estas são contingentes por evidenciar em que medida os “planos de conduta” podem ser controlados. Mas essas deficiências tendem em princípio a ser produtivas. Elas são capazes de re-orientar estratégias de conduta ou imprimir modificações nos “planos de conduta”. Sempre que isso sucede, transforma-se a contingência e cons- tituem-se diferentes tipos de interação, conforme a capacidade de transformação. A contingência revela assim a sua ambivalência produtiva: ela se forma a partir da interação e ao mesmo tempo a impulsiona. Quanto mais ela é reduzida, tanto mais a interação entre os parceiros se ritualiza; quanto mais ela aumenta, tanto menos consistente se torna a sequência das reações, culminando no caso extremo na destruição de toda a estrutura interativa. Conseqgiiências bastante semelhantes se deixam inferir dos estudos psicanalíticos da comunicação apresentados por R. D. Laing, H. Phillipson e A. R. Lee; seus resultados podem ser apro- veitados para nossa análise da interação entre texto e leitor. Laing descreve a problemática da Interpersonal Perception, no livro que leva o mesmo título, da seguinte maneira: O Ato da Leitura - Vol. 2 99 H/ USP 165) md [EE o = Q r My field of experience is, however, filled not on- Iy.by my direct view of myself (ego) and of the other (alter), but of what we shall call metaperspectives — my view of the other's view of me. I may not act- ually be able to see myself as others see me, but [am constantly supposing them to be seeing me in particular ways, and I am constantly acting in the light of the actual or supposed attitudes, opinions, needs, and so on the other has in respect of me.? Laing parte da observação de que no ato da percepção in- terpessoal as reações recíprocas não só são determinadas pelo que cada parceiro quer do outro, senão mais uma vez pela imagem que um fizera do outro para si e que portanto dirige de maneira sig- nificativa as reações de ambos os parceiros. Tais imagens, contu- do, não mais podem ser qualificadas de percepções “puras”, pois resultam de interpretações. A necessidade de interpretação advém da estrutura peculiar à experiência interpessoal. Temos experiên- cias dos outros à medida que conhecemos nosso comportamento e o dos outros. Mas não temos experiências de como os outros nos experimentam, ou seja, de que tipo é a experiência que os ou- tros adquirem em relação a nós. Daí conclui Laing num outro li- vro, chamado The Politics of Experience: “[...] your experience of me is invisible to me and my experience of you is invisible to you. Icannot experience your experience. You cannot experience my experience. We are both invisible men. All men are invisible to one another. Experience is man's invisibility to man”.3 O que para ninguém de nós é dado constitui no entanto o fundamento constitutivo em que se baseiam as relações interpessoais; base essa * R. D. Laing, H. Phillipson, A. R. Lee, Interpersonal Perception: A Theory and a Method of Research, Nova York, 1966, p. 4. *R. D. Laing, The Politics of Experience, Penguin Books, Harmonds- worth, 1968, p. 16. Wolfgang Iser que Laing chama “No thing”.4 “That which is really between cannot be named by any things that come between. The between is itself no-thing.”5 Todas as nossas relações interpessoais se fundam nesse no- thing, pois reagimos como se conhecêssemos as experiências dos nossos parceiros; criamos sem cessar imagens de como os parcei- ros nos experienciam e agimos em seguida como se as nossas ima- gens fossem reais. A relação interpessoal é portanto um constan- te balanço que fazemos a respeito dessa lacuna inerente a nossa experiência. Laing, Phillipson e Lee desenvolveram a partir dessa observação um método de diagnose, analisando não só o que pro- duzimos ao preencher tal lacuna, mas o coeficiente da percepção pura, da pulsão das fantasias projetadas e da interpretação.é Os detalhes desse estudo não são tão importantes para nosso argu- mento, mas talvez seja interessante analisar uma observação dos autores baseada em experimentos, segundo a qual a relação in- terpessoal assume traços patológicos à medida que os parceiros ocupam a lacuna da experiência com fantasias projetadas. Mas vale lembrar que a diversidade das relações interpessoais não exis- tiria se o fundamento das relações fosse fixado. A interação diá- dica ganha vida apenas pelo fato de sermos incapazes de experi- mentar a experiência do outro, incapacidade essa que nos impul- siona a agir. Ao mesmo tempo se evidencia o alto grau de interpre- tação que domina e regula a interação. Como não há percepção que não se funde em pressupostos, toda percepção só tem senti- do se for processada, sendo impossível qualquer percepção pura. Em conseqiiência, a interação diádica não é um evento natural, 4 Idem, p. 34. 5 Idem; neste contexto deve ser vista uma observação de Umberto fico, Einfibrung in die Semiotik (UTB 105), trad. alemã de Júrgen Trabant, Mu- nique, 1972, p. 410. Eco diz que “na raíz de toda comunicação possível não há código, mas somente a ausência de todos os códigos”. $ CE. Laing, Phillipson, Lee, pp. 18 ss. O Ato da Leitura - Vol. 2 toi Modo, o texto Provoca uma multiplicidade de representações do ot leitor, pelas quais a assimetria dominante Começa a ser dissolvi- da, dando lugar a uma situação comum a ambos os pólos da co- strutura do texto, porém, dificulta à ituação por Parte do leitor. As dificul- se na vida Pragmática. Neste Pproces- So se suspende a assimetria i A interação diádica s ao contrário, é apenas super: isso, os Pressupostos em qu determinação, Por outro lado, a assimetria de texto e leito; menor grau de determinação, amplia as Possibilidades de comunicação. Para que essas Possibilidades se realizem e a c entre texto e leitor seja bem-sucedida, T Possui em Princípio e é essa falta de determinação que omunicação € preciso que a atividade ituation e o código em Comum que re- Cabe-lhes então pôr em movimento a Te iniciar um Processo comunicativo, gulam a interação diádica. interação entre texto e leito comunicação. Uma observação de Virginia Woolf sobre os roman- ces de Jane Austen esclarece do que se trata aqui. Uma autora de romances descreve o processo comunicativo desenvolvido no ro- mance de uma outra escritora da seguinte maneira: Jane Austen is thus a mistress of much deeper e- motion than appears upon the surface. She stimulates us to supply what is not there. What she offers is, ap- Parently, a trifle, yet is composed of something that expands in the readers mind and endows with the most enduring form of life scenes which are outwardly tri- vial. Always the stress is laid upon character [...] The turns and twists of the dialogue keep us on the tenter- hooks of suspense. Our attention is half upon the pre- Sent moment, half upon the future [...] Here, indeed, in this unfinished and in the main inferior story, are all the elements of Jane Austen's greatness.8 : “Tm thinking furiously about Reading and Writing. Lhave no time to describe my plans. [should say a good deal about The Hours and my discovery: how I dig out beautiful caves behind my charac- ters: 1 think that gives exactly what I want; humanity, humour, depth. The idea is that the caves shall connect and each comes to daylight at the present moment”. À Writer's Diary: Being Extracts from the Diary of Virginia Woolf, Leonard Woolf (org.), Londres, 1953, p. 60. Os efeitos sugestivos de “bcau- fiful caves” continuam em sua obra pelo que ela deixa de lado. A respeito, T.S. Eliot escreveu uma vez: “Her observation, which operates in a continuous way, implies a vast and sustained work of organisation. She does not illumine with sudden bright flashes but diffuses a soft and placid light. Instead of looking for the primitive, she looks rather for the where nevertheless something is found to be left out. And this something is deliberately left out, by what could be called a moral effort of the will. And, being left out, this something is, in a sense, in a melancholy sense, present”. “T. 8. Eliot, “places” Virginia Woolf for French Readers”, in Virginia Woolf. O Ato da Leitura - Vol. 2 105 O não-dito de cenas aparentemente triviais e os lugares va- zios do diálogo incentivam o leitor a ocupar as lacunas com suas projeções. Ele é levado para dentro dos acontecimentos e estimu- lado a imaginar o não dito como o que é significado. Daí resulta um processo dinâmico, pois o dito parece ganhar sua significância só no momento em que remete ao que oculta. Mas, sendo uma implicação do dito, o ocultado ganha próprio contorno. Quan- do o que é ocultado ganha vida na representação do leitor, o dito emerge diante um pano de fundo que o faz aparecer — como acredita Virginia Woolf — mais importante do que se supunha. Assim, cenas triviais podem expressar uma surpreendente e pro- funda capacidade de viver (enduring form of life). E isto não se manifesta verbalmente no texto senão provém do enlace de texto pYe leitor(Portanto, 9 processo de comunicação se põe em movimen- *, to ese regula não por causa de um código mas mediante a dialé- deh tica de mostrar e de ocultarÃO não dito o estimula Os atos de cons- «tituição, mas ao mesmo têmpo essa produtividade é controlada v pelo dito e este por sua vez deve se modificar quando por fim vem à luz aquilo a que se referia. A observação de Virginia Woolf se fundamenta no caráter específico da linguagem que Merleau-Ponty descrevera assim: A ausência de signo pode ser ela mesma um sig- no, e a expressão não consiste em que a cada elemento de sentido seja amoldado um elemento da linguagem, mas em que a linguagem exerça influência sobre a lin- guagem, influência que de súbito se desloca em direção a seu sentido. Dizer não significa substituir cada pen- samento por uma palavra: se o fizéssemos, nada seria dito e não teríamos a sensação de viver na linguagem, ficaríamos no silêncio, já que o signo desapareceria re- pentinamente diante de um sentido [...] A linguagem diz The Critical Heritage, Robin Majumdar e Allen McLaurin (org.), Londres, 1975, p. 192. “06 + A Wolfgang Iser a irrefutavelmente quando renuncia a dizer a coisa em si [...] A linguagem significa quando, em vez de copiar o pensamento, se deixa por ele dissolver e refazer.” Como O texto forma um sistema desse tipo de combinações, seu sistema abriga também um lugar para aquele que deve reali- ar a combinação. O lugar sistêmico é dado pelos lugares vazios, os quais são lacunas que marcam enclaves no texto e demandam serem preenchidos pelo leitor. Com efeito, os lugares vazios deum sistema se caracterizam pelo fato de que não podem se Ip: dos pelo próprio sistema, mas apenas por um outro. Quando isso acontece, inicia-se a atividade de constituição do leitor, razão pela qual esses enclaves representam um relé importante onde se arti- cula a interação entre texto e leitor. Os lugares vazios regulam a formação de representações do leitor, atividade agora emprega- da sob as condições estabelecidas pelo texto]Mas existe um ou- tro lugar sistêmico onde texto e leitor convergem; tal lugar é mar- cado por diversos tipos de negação, que surgem no decorrer da leitura. Os lugares vazios e as potências de negação dirigem de maneiras diferentes o processo de comunicação; mas precisamente por isso eles agem juntos como instâncias controladoras. Os lu- gares vazios omitem as relações entre as perspectivas de apresen- tação do texto, assim incorporando o leitor ao texto para que ele mesmo coordene as perspectivas] Em outras palavras, eles fazem com que o leitor aja dentro do texto; sendo que sua atividade é ao mesmo tempo controlada pelo textol As potências de negação evocam dados familiares ou em si determinados a fim de cancelá- los; todavia, o leitor não perde de vista o que é cancelado, e isso modifica sua posição em relação ao que é familiar ou determina- do. Em outras palavras, eles fazem com que o leitor se situe a si mesmo em relação ao texto. A assimetria de texto e leitor estimula uma atividade de constituição e esta atividade ganha uma deter- ? M. Merleau-Ponty, Das Auge und der Geist: Philosophische Essays, trad. alemã de Hans Werner Arndt, Reinbek, 1967, pp. 73 ss. O Ato da Leitura - Vol. 2 (107 da necessidade de assegurar ao objeto inten- e — se não como texto, em última instância ção — uma finalidade que caracteriza tanto que se debruçam sobre objetos reais, quan- is. Não há dúvida de que a em concluir que a multiplicidade de aspectos provoca a necessi- a, de de determinação; Porém, quanto maior a determinação, tanto maior será também o número de qualidades não-realizadas. Para mais um texto aprimora seu padrão de apresentação, diversifican- do os aspectos esquemáticos responsáveis pelo esboço do objeto textual, tanto mais cresce a indeterminação. Mas se insistirmos no caráter Polifônico da obra de arte, então deve haver limites para a tolerância da indeterminação, Pois se os limites forem ultrapas- sados, O caráter polifônico da obra explodirá — Ou nem sequer Vai constituir-se. Por essa razão, Ingarden se vale de um argumento de certo modo lógico quando diz que a indeterminação, no ato de concretização, pode ter efeitos negativos para a “constituição “2 Ingarden, Kunstwerk, p. 277, 110 DT Wolfgang Iser de certas qualidades esteticamente relevantes”;13 isso ocorre na medida em que a eliminação das lacunas “ou impede a constitui- são dessas qualidades ou resulta na constituição de uma qualida- de que discorda das outras qualidades esteticamente válidas” .14 A “discórdia” reina na literatura moderna como a condição básica da comunicação, algo que o argumento de Ingarden não leva em conta; evidencia-se assim a função que a seus olhos cabe aos lugares indeterminados. Por um lado, eles diferenciam o ob- jeto intencional de outras definições de objeto, mas, por outro lado, precisam ser limitados em seus efeitos por um postulado — o do caráter polifônico da obra de arte —, Porque só nesse caso O objeto intencional pode ser fechado e assim identificado como objeto. Parece que a obrigação de manter a premissa fez Ingarden recorrer à idéia da concretização da obra, uma vez que é só atra- vés desta que o objeto da obra literária, aberto por natureza, pode ganhar sua identidade. Essa suspeita parece se confirmar com o postulado de Ingarden da concretização “adequada”. Esta implica uma norma, a qual é cumprida ou não no ato de concretização. O que orienta tal norma é para Ingarden o valor estético e as qualidades metafísicas da obra. Quanto ao valor, Ingarden diz que descrevê-lo é difícil, lançando um desafio para futuras pesquisas;15 em relação às qualidades metafísicas, ele acredita que o leitor deve captá-las por empatia, !6 pois não se revelam na linguagem. Em outras palavras, tanto o valor estético quanto as qualidade meta- físicas são lugares vazios que o leitor preenche com as suas repre- sentações a fim de constituir o sentido da obra. Todavia, essa conclusão dificilmente segue a linha de argumentação desenhada “ Ingarden, Vom Erkemnen, p. 300. !º Idem, ibidem. "CE a respeito Roman Ingarden, Erlebnis, Kunstwerk und Wert, Tú- bingen, 1969, pp. 21-7 passim. "É CE a respeito Ingarden, Vom Erkemmen, pp. 275 ss. O Ato da Leitura - Vol. 2 111 Eee E Ce Por Ingarden. Ela se impõe sobretudo Porque o valor estético e as qualidades metafísicas, como condição e meta daquela norma que controla a adequada Soncretização, permanecem tão pouco determinados. A falta de determinação apenas se justificaria se eles tivessem seu fundamento na concretização em si, pela qual vêm à luz; isso, no entanto, significa entregar o valor estético e as qua- lidades estéticas a um mero processo de atualização, ao Passo que 112 Wolfgang Iser perde sua Plausibilidade, conceito introduzido com o fito de des- erever uma relação comunicativa sem todavia estar preparado para tal tarefa. Este fato se torna mais evidente ainda se em vez de con- tinuarmos discutindo a origem dos lugares indeterminados foca- lizamos agora a sua função. Em várias Passagens de seus dois li- Ora, o princípio de diferenciar a obra literária de Suas concretizações está na afirmação de quea própria obra contém lugares indeterminados, assim como vá- rios elementos Potenciais (como Por exemplo os aspec- tos, as qualidades esteticamente relevantes), ao passo que, devido à concretização, são em parte extintos, isto é, atualizados.17 A paralela esboçada por Ingarden entre lugares indetermi- nados e elementos Potenciais é instrutiva Porque ambos, tendo a mesma função de distinguir a obra de sua concretização, na verda- de cumprem papéis diferentes no processo da concretização. Os lugares indeterminados devem ser eliminados e os elementos po- tenciais devem ser atualizados. Ambas as Operações quase não são. sincronizadas. Se então os lugares indeterminados são preenchidos 9u complementados, isso não significa para Ingarden que eles se transformariam em estímulos para a atualização dos elementos Potenciais. Pois quem atualiza esses elementos é a emoção origi- nal; “no fundo, é ela o ink o do processo específico da experiên- cia estética”. 18 Ela Provoca aquela turbulência no leitor que dá partida à atividade constitutiva e só se tranguiliza quando pro- duz o objeto estético. ” Idem, p. 250. 18 Idem, p. 195. O Ato da Leitura - Vol. 2 113 ou completados para que as camadas se inter. consegiiência, venham à luz as qualidades este: À essa meta serve a desconstrução, ou seja, lugares indeterminados que existem no t algo mais nesse Processo do que apenas ao objeto intencional da obra de arte a Ou seja, se quisermos surpreender condiç: lugares indeterminados, -relacionem e, em ticamente válidas. a complementação dos exto. Se quisermos ver a tentativa de assegurar finalidade necessária — ões de comunicação nos apesar de estes serem subordinados à emoção original, o verdadeiro impulso da concretização —, en- tão essas condições de comunicação são as da arte de ilusão. tanto pela eliminação quanto pela com indeterminados, Pois são estes que indicam a do objeto intencional € portanto devem ser Possa constituir-se a determinação do ob eliminados para que jeto estético. Se esse for são na arte. Numa série de acréscimos Posteriores a seu livro Von Erken- nen des literarischen Kunstwerks, Ingarden observa como é proble- mática a literatura moderna, na qual “muitas vezes surgem incom- preensibilidades por assim dizer Programáticas”,22 as quais ele não mais entende. Agora, essas “incompreensibilidades programá- ticas”? aparecem na literatura : moderna sobretudo por causa da omissão de informações; em Conseqiiência, os lugares indeter- perde a função que Sendo assim, o conceito dos lugares in- * Idem, p. 278, nota de pé de página (acrescentada em 1967). Wolfgang Iser determinados começa a assumir um caráter híbrido que já era próprio do conceito de concretização. Enquanto os lugares inde- terminados funcionam como traço característico do objeto inten- cional, sua função é sistemática; no entanto, como o objeto lite- rário é incompleto, eles podem ser entendidos também como con- ceito da recepção, e isso reduz sua validade à uma forma histo- ricamente definida de literatura, a da ilusão na arte. Ao caracte- rizarem o objeto intencional, os lugares indeterminados têm a mesma função tanto na literatura moderna quanto na literatura em geral. Todavia, sendo conceito de recepção, eles são apenas capazes de evidenciar o arruinado valor estético, se não de des- truí-lo. Em todo caso, os lugares indeterminados possuem, tanto em relação ao objeto quanto à recepção da obra, parâmetros bas- tante diferentes que definem o seu alcance e o seu significado. A relevância limitada dos lugares indeterminados para a re- cepção se revela com clareza quando perguntamos de que maneira Ingarden pensa o seu preenchimento. Se por exemplo a narração fala do destino de um homem bastante idoso, sem entretanto explicitar a cor de seus cabelos, pode-se, na concretização, atribuir a ele em princípio qualquer cor; mas o mais provável é que ele seja grisalho. Pois se os seus cabelos fossem de cor preta intensa — apesar de sua idade avançada —, isso seria fixado pelo texto como algo digno de nota, algo importante para este homem que seguramente en- velhecera um pouco. Assim, seria mais provável e tam- bém recomendável, por motivos artísticos, dar concre- tude a tal homem atribuindo-lhe cabelos grisalhos e não cabelos pretos. E tal modo de concretizar esse detalhe aproxima essa concretização mais da obra do que con- cretizações que oferecem outras cores de cabelo.23 23 Idem, p. 409. O Ato da Leitura - Vol. 2 117 O próprio Ingarden chamara esse exemplo de banal; porém, procurando ilustrar como hão de ser preenchidos os lugares in- determinados, os seus dois livros apenas dão exemplos banais. Embora esse fato seja em si significante, o que nos interessa aqui é a complementação dos lugares indeterminados, concepção essa que é pensada de maneira bastante mecânica. Pois vale perguntar Se a cor não mencionada dos cabelos do senhor idoso — em outro exemplo são os não mencionados olhos azuis do cônsul Budden- brook24 — aparece de fato na concretização, de modo que a ima- gem do ancião possa alcançar um grau de determinação, normal- mente reservada à percepção visual. Mas isso significaria: a concre- tização deve produzir o objeto de tal modo que este provoque a ilusão de uma Percepção. Esse tipo de ilusão, contudo, é uma instância paradigmática na formação das representações e de mo- do algum idêntica a este Processo. A imagem do velho senhor pode ser tão concreta na representação que seria desnecessário acres- centar-lhe os cabelos grisalhos. Pois em regra a apresentação de fatos por textos ficcionais é apenas de interesse em vista de sua função, ou seja, a idade avançada do protagonista ganha relevân- cia apenas se houver uma relação com fatos ou situações diferen- tes. Em face da falta de função, é bastante difícil imaginar-se a idade enquanto idade. Por outro lado, se à idade avançada cabe uma determinada função, a nossa representação aviva essa rela- ção no ato da leitura, mas certamente não imaginará a cor dos cabelos. Nesse caso, ou se torna problemática a pouca qualidade dos exemplos que Ingarden selecionara para ilustrar seu argumen- to, ou ele pensa realmente gue preencher os lugares indetermina- dos significa sempre produzir apenas uma ilusão de percepção na consciência do leitor. Mesmo gue este fosse o caso, o processo em questão se realiza sob condições outras do que as indicadas por Ingarden, que visam somente à complementação ilusória do ob- jeto intencional. É questionável se tal “necessidade de complemen- tar? teria a força necessária para pôr em cena a imaginação do 24 Cf. idem, p. 49. 118 Wolfgang Iser leitor. A respeito desse argumento há uma observação instrutiva de Arnheim: Instead of presenting a static world with a cons- tant inventory, the artist shows life as a process of ap- pearing and disappearing. The whole is only partly pre- sent, and so are most objects. One partofa figure may be visible while the rest is hidden in darkness. In the film The Third Man the mysterious protagonist stands unseen in a doorway. Only the tips of his shoes reflect a street light, and a cat discovers the invisible stranger and sniffs at what the audience cannot see. The frigh- tening existence of things that are beyond the reach of Our senses and that yet exercise their power upon us is represented by means of darkness. It is often asserted that when objects are partly hidden, “imagination com- pletes” them. Such a statement seems easily acceptable until we try to understand concretely what is meant by it and we compare it with what happens in experien- ce. No one is likely to assert that imagination makes him actually see the whole thing. This is not true; if it were, it would destroy the effect the artist tried to achieve.25 Se portanto os lugares indeterminados omitem algo, na me- lhor das hipóteses eles nos estimulam, mas certamente não exi- gem que preparemos as complementações necessárias em nosso repertório de conhecimentos. Tais como descritos por Ingarden, os lugares indeterminados funcionam apenas na publicidade, so- bretudo ali onde o texto e o som interagem; nesse caso, o nome do produto é omitido pelo texto, embora seja marcado com pon- tinhos para que o público possa completá-lo com facilidade ao * Rudolf Arnheim, Art and Visual Perception, Berkeley e Los Angeles, 1966, p. 318. O Ato da Leitura - Vol. 2 19 B. ESTÍMULOS DA ATIVIDADE DE CONSTITUIÇÃO 1. OBSERVAÇÕES PRELIMINARES Ingarden descreve a obra literária como construção esque- mática que prefigura o seu objeto. Tal objeto intencional se dis- tingue tanto de objetos reais, quanto de objetos ideais por sua in- determinação. A definição submete o texto a uma referência que o classifica de acordo com a presença ou a falta de traços carac- terísticos. Isso significa que o texto literário deve ser apreendido: ou até definido por um conjunto de posições dadas e familiares. Porém, como entender um texto que só ganha sentido ao romper- se a sua referenciabilidade? Quando Arnold Bennett diz: “You can't put the whole ofa character into a book”,1 ele pensa na discrepância que existe en- tre a vida de alguém e a forma necessariamente limitada em que essa vida é apresentada. Daí é possível chegar a duas conclusões bastante diferentes. Poderíamos dizer com Ingarden que há uma série de aspectos esquematizados, cuja tarefa é desenvolver o per- sonagem, e que cada qualidade imperfeita de um aspecto é su- plementada pela qualidade do aspecto seguinte, de modo que e- merge a ilusão de uma apresentação completa. Mas poder-se-ia realçar também as decisões seletivas que devem ser tomadas para que o personagem se apresente de tal maneira que o leitor possa identificá-lo. Nesse caso, focalizamos não tanto sua realidade si- mulada, mas o campo de referências de onde foram selecionados 1 Citado segundo Miriam Allott, Novelists on the Novel, Columbia Paperback, Nova York, 1966, p. 290. O Ato da Leitura - Vol. 2 123 os elementos do Personagem. Para o leitor, contudo, tais decisões seletivas não possuem a determinação revelada nos aspectos for- mulados do personagem, ainda que estes recebam sua significância devido à sua origem não-formulada. A origem, de onde é feita a seleção dos aspectos formulados, dificilmente pode ser relacionada a alguma referência. Em cada caso, a realidade — o que quer que seja — não serve como referência. Mesmo que o personagem seja concebido com o fito de simular sua realidade, esta não é finali- dade em si, mas signo. O emprego da realidade simulada enquanto signo não pode consumir-se na denotação de uma realidade já conhecida. Stanley Cavell observara uma vez, tendo em vista o ci- nema, sem dúvida o meio de comunicação mais permeado pelo real: “[...Jifa person were shown a film ofan ordinary whole day in his life, he would go mad”.2 Efeitos desse tipo são produzidos por filmes como os de Antonioni e Godard, visto que é justamente a equivalência crescente entre a vida cotidiana e sua apresenta- ção que revela os limites de tolerância do espectador. O fato de que o cinema, interessado em provocar determinados efeitos, lance mão da semelhança com o cotidiano, transformando-a em repe- tição obsessiva, indica que nem sequer aqui a realidade cotidiana funciona como referência para a apresentação. O mesmo argumento se aplica às decisões que organizam o texto ficcional. Aqui é válida a observação de Adorno: “A arte é de fato o mundo mais uma vez, tão igual a este quanto não-igual”,3 O texto ficcional é Parecido com o mundo na medida em que pro- jeta um mundo que concorre com aquele. Este mundo se distingue das representações existentes do mundo pelo fato de não poder ser derivado de conceitos dominantes do real. Se medimos a ficção e a realidade, tendo por critério a qualidade do que é dado, consta- tamos apenas que a ficção não dispõe de traços objetivos. A fic- 2 Stanley Cavell, Must we Mean what we Say?, Nova York, 1969, p. 119, atribui essa afirmação a René Clair. | Theodor W. Adorno, Asthetische Theorie, Gesammelte Schriften 7, Frankfurt, 1970, p. 499. 124 Wolfgang Iser são se revela um modo deficiente e até é tida como mentira por não: Possuir os critérios do real, embora simule tê-los. Se a ficção for classificada só mediante critérios que definem o que é real, então seria impossível tornar a realidade representável por meio da fic- ção. Ela não ganha sua função pelo cotejo nocivo com a realida- de, mas pela transmissão de uma realidade que ela mesma organi- za. Essa a razão por que a ficção mente e é mentira desde que seja definida a partir do ponto de vista da realidade dada; no entanto, ela ilumina a realidade por ela fingida quando definida a partir de sua função comunicativa. Sendo estrutura de comunicação, ela não pode ser idêntica à realidade a que se refere, nem ao repertório de disposições relativas a seus Possíveis receptores. Ela virtualiza as diferentes interpretações da realidade, da qual empresta o reper- tório, bem como o repertório de normas e valores dos leitores. E justamente por não ser idêntica ao mundo, nem ao receptor, a fic- são possui capacidade comunicativa. Essa falta de identidade se manifesta em lugares indeterminados que inicialmente se referem menós ao texto do que à relação que emerge na leitura entre texto eleitor. Os graus de indeterminação desse tipo estimulam a comu- nicação, condicionando a “formulação” do texto pelo leitor. Pois a formulação constitui o componente essencial de um sistema, do qual temos apenas conhecimentos parciais. O repertório do texto tem a sua validade recodificada, ao passo que o fundamento da re- codificação permanece oculto. O que não foi dito é constitutivo Para o que o texto diz; e o não-dito, ao ser formulado pelo leitor, suscita uma reação às posições manifestas do texto, posições que normalmente apresentam realidades fingidas. Quando a “formu- lação” do não-dito se torna reação do leitor ao mundo apresentado, isso significa que a ficção transcende sempre o mundo a que se refere. “A tarefa da arte, mais do que reconhecer o mundo, é produzir complementos do mundo, formas autônomas que se acrescentam às existentes, exibindo leis próprias e vida pessoal.”4 A idéia das * Umberto Eco, Das offene Kunstwerk, trad. alemã de G. Memmert, Frankfurt, 1973, p. 46. O Ato da Leitura - Vol. 2 125 a / precisa ser primeiro produzido no uso ficcional, Enquanto a ob- servação da conectabilidade é um pressuposto básico da coerên- cia de textos, essa coerência é regulada no uso pragmático da fala por uma série de condições adicionais que inexistem no uso fic- cional da fala. Entre elas se encontra “o padrão de ação não-ver- bal [...] que é a matriz das enunciações”; a relação entre os par- eiros envolvidos na comunicação e “o sistema de referências que falante supõe ser comum a todos”; além disso, a referência “ao spaço comum da percepção”, isto é, à situação comunicativa e o “espaço de jogo das associações do falante”.7 Todos esses pres- upostos necessitam ser primeiro produzidos pelo uso ficcional da ala, conforme vimos na discussão sobre o modelo comunicativo do texto. A ausência das condições reguladoras se manifesta não em última instância no crescente número de lugares vazios em tex- tos ficcionais. Mas estes não indicam uma deficiência, mas apon- tam para a necessidade de combinar os esquemas do texto, pois só assim pode ser construído um contexto que dá coerência ao texto e sentido à coerência. No sentido proposto por Schmidt, o uso da linguagem na comunicação pragmática almeja a individualização crescente do ato da fala, restringindo cada vez mais O leque de possíveis signi- ficados até por fim eliminá-lo por completo; direção oposta to- mam as conexões em textos ficcionais, que são interrompidas pelos lugares vazios. Estes abrem uma multiplicidade de possibilidades, de modo que -a combinação dos esquemas textuais se torna uma decisã: seletiva por parte do leitor. Compreenderemos melhor esse processo se enfocarmos o repertório textual. As normas desprag- matizadas e as alusões literárias perdem seu contexto familiar; sua despragmatização é marcada no texto como lugar vazio que, quan- do muito, sugere possibilidades de conexão. Ao mesmo tempo, 7 Estes são os fatores que W. Kummer arrola numa concepção lingiiístico- pragmática com o intuito de explicar a coerência do texto. S. J. Schmidt, em Texttheorie, UTB 202, Munique, 1973, p. 158, oferece um breve resumo desses fatores. 128 Wolfgang Iser tais interrupções, indicadas pelos lugares vazios, liberam nos eles mentos selecionados do repertório algo que necessariamente per- manecia oculto, enquanto as normas e alusões se encontravam integrados nos contextos familiares. Tal liberação de aspectos encobertos começa então a orientar as possibilidades combina- tórias do leitor. Mas os lugares vazios não só fazem parte do re- pertório, mas também das estratégias. Sendo construção perspec- tivística, o texto demanda a inter-relação incessante de suas pers- pectivas. Visto que essas perspectivas formam camadas na cons- trução textual, a leitura deve produzir constantemente a relação entre os diversos segmentos de uma mesma perspectiva e entre os segmentos de diversas perspectivas. Com fregiência, os segmen- tos se justapõem. E écni ão só é usada por Joyce ou ela — literatura moderna, cuja narração segmentada aumenta o núme- ro de lugares vazios a tal ponto gue a falta « de “Conexões começa a desnortear a formação de rej dida pelo leitor. Basta lembrar o exemplo de Fielding, em que o confronto imediato de Allworthy e Captain Blifil opõe de imediato os segmentos das duas perspectivas dos Personagens, induzindo o leitor a imaginar a conectabilidade omitida. Já o fato de as perspectivas textuais Se apresentarem ao ponto de vista do leitor enquanto segmentos mostra que a coerência do texto somente pode ser estabelecida pelas representações do leitor. Os lugares vazios dos textos ficcionais estruturam esse pro- Sesso contra o pano de fundo do uso pragmático da fala; omitin- do suas referências, eles forçam o leitor a se desfazer de parte de suas expectativas habituais. Pois o leitor precisa reformular o texto formulado para poder incorporá-lo. Tal exigência não aparece no uso pragmático da fala que domina a interação diádica porque os falantes, caso uma conexão não seja explicitada, têm a possi- bilidade de estabelecê-la mediante perguntas, não precisando so- É Cf. a explicação mais detalhada desse exemplo em 1, A,3, pp. 122 s. (no primeiro volume de O ato da leitura) e IV, B, 3, pp. 150 55. (neste volume). O Ato da Leitura - Vol. 2 129 correr-se da imaginação. O texto não-ficcional tampouco reivin- dica essa exigência por regular grande parte das conexões com o fito de convencer o receptor a aceitar uma determinada intenção a respeito de um fato previamente dado. A desabituação condu- zida pelos lugares vazios de textos ficcionais toma outro caminho. Ao não cumprir uma expectativa básica do uso pragmático da fala, ela constitui um pressuposto importante para que a conectabi- lidade dos segmentos textuais interrompida pelos lugares vazios possa ganhar uma equivalência; esta permite ao leitor descobrir o “arquisema”? em que se fundam os segmentos não ligados e que, tão logo “encontrado”, reúne os segmentos numa nova unidade de sentido. A categoria da conectabilidade não se limita à construção de um texto, ela possui também relevância psicológica e pode ser apreendida pelo conceito da good continuation, tal como formu- lado pela psicologia da percepção. 10 Esse conceito indica a liga- ção consistente de dados da percepção que resultam numa Gestalt perceptiva e na junção de Gestalten perceptivas. Na psicologia fenomenológica, o conceito ganhou significação universal. Uma vez que os lugares vazios interrompem as possibilidades de cone- xão de segmentos textuais, esse processo só se completa na ima- ginação do leitor. A discussão da formação de representações mostrara que os esquemas do texto não só evocam determinados conhecimentos no leitor, como põem à disposição determinadas informações, mediante as quais o objeto intencionado — mas não dado — há de ser representado. Os textos ficcionais se caracterizam pelo fato de que seus procedimentos geralmente não organizam uma sequência previ- ? Cf, acerca desse termo e sua importância para a semântica de textos literáros, Ju. M. Lotman, Die Struktur literarischer Texte, UTB 103, trad. alemã de R.-D. Keil, Munique, 1972, pp. 216 ss. 10 Cf., para uma caracterização mais detalhada desse conceito, Aron Gurwitsch, The Field of Consciousness (2º ed.), Pittsburgh, 1964, pp. 150 ss. 130 Wolfgang Iser sível de normas do repertório e de segmentos de perspectivas. Até poderíamos dizer que os esquemas textuais a serviço da forma- ção de representações obedecem bem menos ao princípio da good continuation do que é indispensável para os atos da percepção cotidiana. O princípio de economia válido para toda percepção — princípio a partir do qual se constrói o objeto perceptivo — é antes abandonado do que adotado pelos textos ficcionais. Isso se deve ao grau relativamente alto de estruturação do texto que se refere às disposições dadas de possíveis receptores na medida em que amiúde se posiciona contra elas.!1 Ao suspenderem as com- binações dos esquemas, ou seja, ao fazerem com que se choguem as normas selecionadas do repertório e os segmentos das perspec- tivas, os lugares vazios superam a expectativa a respeito da good continuation. Por essa razão se intensifica a atividade das repre- sentações, pois agora se trata de superar as conexões aparente- mente não ordenadas dos esquemas, criando na representação uma ligação com uma Gestalt integrada. Assim, a good continuation, normalmente interrompida pelos lugares vazios, faz o leitor in- tensificar sua atividade combinatória; mesmo não cumprindo às vezes a expectativa da “boa continuação”, o leitor deve combi- nar normas e segmentos numa seqjiiência contrafactual, opositória, contrastiva, telescópica ou fragmentada. Quanto maior o núme- ro dos lugares vazios, tanto maior a afluência das representações. A razão disso é que, de acordo com Sartre, as representações não podem ser sintetizadas numa segiiência; precisamos abandonar as representações formadas ou sair delas quando as circunstâncias nos obrigam a produzir uma nova representação.!2 Com efeito, reagimos a uma representação construindo uma nova. Neste processo vem à luz a relevância estética do lugar va- zio. Ao interromper a good continuation, ela desempenha um 1 Cf. os procedimentos da formação de coerência que descrevemos em HI A, 3, pp. 28 ss.e 4655. 2 CE. J.P. Sartre, Das Imaginire: Phânomenologische Psychologie der Einbildungskraft, trad. alemã de H. Schôneberg, Reinbek, 1971, pp. 230 ss. O Ato da Leitura - Vol. 2 131