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Liliana BEATRIR GLABGUEZ. CAPITALISMO Transição 2: EDIÇÃO | Organização e introdução de Theo Araujo Santiago O eldorado NOTAS « Este texto, preparado inicialmente por Charles Parain para que sc constituísse numa ampla base de discussão, foi retomado e completado por Pierre Vilar. “A feudalidade não foi trazida já completamente elaborada da Alemanha, mas teve sua origem, do lado dos conquistadores, na organização militar do exérci- to durante a mesma conquista; esta organização desenvolveu-se depois da con- quista, sob o efeito das forças produtivas encontradas nos países conquistados, e somente então converteu-se na feudalidade propriamente dita” — K. Marx, F. Engels: LTdéologie Allemande, primeira parte: “Feuerbach”, Editions Sociales, Paris, 1968, pág. 101. 3. Carta de 22 de dezembro de 1882. 4. Ibidem S. Um dos primeiros “códigos” que reúne os usos feudais, os “UTISAGES” de Barcelona (1008), diz: “As calçadas e vias públicas, as águas correntes e as fontes vivas, os prados, os campos de pastagem, os bosques e as rochas . . . são dos senhores não porque os tenham em alódio (ou seja, em propriedade absolu- ta) ou os tenham em seu senhorio, mas para que em todos os momentos seu desfrute passe a seu povo.” 6. K. Marx: Le Capital, livro IH, t, VI, cap. XVII, 2 7. K. Marx: Le Capital, Paris, Editions Sociales, 1967, livro III, t. VIII, cap. XLVII, 5, PS. 186. . Um exemplo particularmente esclarecedor encontra-se reproduzido por G. Le- febyre, Questions agraires au temps de la Terreur, 1932, pág, 193. Um memo- rial enviado pela municipalidade de Mornand (departamento do Loire) e assina- do pelos habitantes de outras comunas, 5 de setembro de 1790, explica que aquilo que o parceiro ou granjeiro recolhe “não é para ele senão um módico e cruel salário; penosamente encontra aqui uma alimentação grosseira: o mais grosseiro pão, uma água pútrida, alguns legumes e queijo; ainda lhe tiram tudo O que podem destes dois últimos artigos, que são para ele bastante necessários; se ele não possui o que lhe pede 0 arrendamento, é preciso que o compre, assim como os ovos e as aves domésticas que são para ele como o fruto proibido”. Os granjeiros que têm sorte devem, adiantado, 800 libras pelo me- nos, que recebem de seu pai ou que economizam. Também a municipalidade vê os granjeiros como “servidores domésticos, os primeiros valets de labour, bem menos assalariados e com muito mais riscos que aqueles a quem (os senhores) dão, com este nome, um salário de criados bem mais seguro”. 9. K. Marx: Le Capital, Paris, Editions Sociales, 1969, livro I, t. III, cap. XXIX. » o Tradução: Theo Santiago 34 A Transição do Feudalismo ao Capitalismo! Pierre Vilar A passagem qualitativa da sociedade feudal à sociedade capitalista não deve ser colocada de uma maneira acabada (existem variações se- gundo os diversos países); mas não deixa de ser útil assinalar desde seu aparecimento os fatores que preparam, desde longo tempo, essa mudan- ça de natureza. Temos de imediato que todo elemento contrário ao princípio do modo de produção feudal prepara sua destruição. Este princípio é a propriedade da terra em diferentes graus, e a propriedade limitada sobre as pessoas, daí resultando um circuito quase totalmente fechado entre o produto agrícola e o consumo conjugado das classes camponesas e das classes feudais. As trocas exteriores, perturbam este circuito, a circulação mone- tária desenvolve-se, a propriedade absoluta progride (em lugar de retro- ceder) diante da propriedade feudal, os homens livres (ricos ou pobres) são cada vez mais numerosos que aqueles ainda vinculados às relações feudais, a cidade adquire uma grande importância ao lado dos campos, constituem-se fortunas mobiliárias, os impostos do Estado vêm compe- tir com os tributos senhoriais: todos estes fatos são ameaças à pureza do regime feudal e preparam suas desagregação. Alguns deles aparecem desde o século XI, daí sucedendo que, localmente, pode ser esboçado um modo de produção capitalista. Marx o admite para algumas cidades italianas no século XIV. Mas estes esboços isolados retrocedem em seguida, e não podemos falar de verdadeira passagem ao capitalismo senão quando regiões sufi- cientemente extensas vivem sob um regime social completamente novo. A passagem somente é decisiva quando as revoluções políticas sancio- nam juridicamente as mudanças de estrutura, e quando novas classes Vilar, P.: “La transition du féodalisme au capitalisme”, in Sur le féodalis- me, C.E.R.M, [Editions Sociales, Paris, 1971. - 35 minam-se reciprocamente ou firmam compromissos, No caso das cida- des marítimas mais importantes (Veneza), aristocratas mercadores dis- põem de poderes militares, navais e políticos bastante amplos. Em algu- mas dessas cidades mediterrâneas (e também em Flandres) a produção têxtil destinada à exportação adquire, excepcionalmente, aspectos de grande produção controlada por um poderoso capital mercantil. É o esboço mais próximo do capitalismo?. Mas um esboço que, historica- mente, não é determinante. Com efeito, vemos que se a crise geral do feudalismo, nos séculos XIV e XV, deixa que flutuem algumas ilustres prosperidades urbanas, algumas brilhantes fortunas mercantis, essa visão é mais uma aparência que uma realidade. É o tempo do luxo, das grandes construções, dos mecenas das artes. Mas não é o do auge produtivo. As grandes burgue- sias enriquecidas vivem daí em diante de rendas, ou compram terras feudais; imitam os grandes senhores. Podemos observar que são elas que sustentam sempre os senhores quando se produzem as guerras campone- sas. No interior das comunidades, as lutas de classe agravam-se e os sistemas representativos, que sempre foram oligárquicos, transfor- mam-se em “tiranias”. Por último, as cidades que haviam realizado as mais importantes “repúblicas mercantis”, as'do Mediterrâneo, caem em decadência, pelo menos relativa, devido ao fato da conquista do Oriente pelos turcos e diante do próximo triunfo das rotas comerciais do Atlântico. Será agora em Flandres, na Inglaterra, em Portugal e Espanha onde aparecerão as novidades decisivas para a transformação do Ocidente europeu. De fato, a primeira etapa da formação do capitalismo, depois da crise dos séculos XIV e XV, não poderia fundar-se senão por um avanço das forças produtivas: o que ocorreu entre meados do século XV e XVI. C. Séculos XV-XVI. As forças produtivas: invenções e descobrimentos. , Foi precisamente ao longo da crise geral do feudalismo (como reação a ela, sem dúvida) que numerosas invenções vieram modificar o nível das forças de produção. Recentes estudos precisaram que no sé- culo XV o número de inventos foi maior que no século XVII. O uso da artilharia obrigou a impulsionar a produção de metal. O primeiro alto forno data do século XV. A difusão do pensamento humano, com a invenção da imprensa, o progresso da ciência da navegação desempenha- ram um papel não menos importante. Observamos que, pela primeira vez, técnicas industriais e técnicas de comunicação ultrapassam a técni- ca agrícola. É o começo de um processo que colocará a indústria no primeiro plano do progresso. Na agricultura, a horticultura (Itália, vale do Loire) e talvez a viticultura, conhecem algumas melhoras. Mas o 38. rendimento dos grãos não irá sentir um progresso antes do século XVIII, e as colheitas continuarão a ser irregulares, com carestias periódi- cas. Em contrapartida, o apelo comercial da indústria têxtil, faz com que na Inglaterra e em Castela à criação de carneiros concorra com a agricultura e despovoe os campos. É uma especialização que vai no sentido do capitalismo (produção para o grande comércio, êxodo rural com vantagem para as cidades, proletarização do campesinato). Mas isto contribui para que diminua a massa de alimentos disponível para a população. Contudo, em outros lugares, como na França, as terras aban- donadas, quando da fome do século XIV e durante as guerras, recupe- ram-se a partir dos anos 1460-1470, e isto (que corresponde a um aumento demográfico) desempenha durante certo tempo o papel de um progresso das forças de produção. Este impulso interno foi finalmente interrompido, a partir dos últimos anos do século XV, por uma injeção de riqueza exterior devido à expansão marítima e colonial. . A circunavegação da África, o descobrimento da rota das Índias por Vasco da Gama, o da América por Colombo e a volta ao mundo por Magalhães elevaram o nível científico e ampliaram a concepção do mun- do na Europa. Mas ao mesmo tempo (era a verdadeira finalidade dos “descobri- dores”) o grande comércio de produtos exóticos, de escravos e metais preciosos, voltava a ser aberto e extraordinariamente ampliado. Uma nova era abria-se para o capital mercantil, mais fecunda que a das repú- blicas mediterrâneas da Idade Média, porque desta vez constituía-se um mercado mundial e seu impulso afetava todo o sistema produtivo euro- peu, e porque grandes Estados (e não mais simples cidades) daí iriam aproveitar-se para se constituírem. D. A acumulação primitiva de capital. Os economistas burgueses, ao fazerem do capital a origem da produção, viam-se com dificuldades para explicar, por sua vez, a origem do capital. Marx ridicularizou esta evasiva diante deste “pecado origi- nal” e sua idílica explicação a partir do espírito de poupança dos bons e o espírito perdulário dos maus. Max Weber, ao atribuir este espírito de poupança ao protestantismo, não fez mais que somar um novo mito à velha fábula apologética. Marx demonstrou magistralmente? que, se o capital se reproduz e se acumula somente pelo livre jogo das forças econômicas, foi preciso, entretanto, que sua acumulação primitiva se fizesse graças às crises, às violências, aos desequilíbrios, aos açambarcamentos e às. usuras que marcaram o fim do regime feudal e a expansão dos europeus através do mundo. Devemos assinalar aqui suas principais modalidades, modalida- 39 des que, entretanto, hoje, a história econômica européia deforma em muitos casos (Max Weber e Keynes conservam uma influência nefasta), mas sobre as quais as investigações históricas mais profundas não dei- xam: de, trazer complementos e confirmações dos geniais esboços que Marx traçou, confirmações que nem sequer os historiadores mais hones- tos preócupam-se em colocar claramente. a) — Expropriação agrária e proletarização das massas rurais, Na Inglaterra, a pequena propriedade e o gozo dos direitos contri- buíram para desenvolver, à partir do século XIV, uma classe rural preco- cemejite comprometida na produção artesanal e na comercialização dos produtos. Por esta mesma razão, a diferenciação entre aldeãos ricos e pobres £ O incentivo de grandes lucros conseguidos sobre os campos de pastagem, devido à extensão da indústria de lã, trouxeram como conse- qiência uma expulsão em massa dos pequenos agricultores durante os séculos XV e XVI e uma apropriação sistemática de suas parcelas, ao mesmo tempo que das terras comunais, pelos grandes proprietários. O despovoamento, o empobrecimento dos campos, são descritos de forma dramática pelos contemporâneos. Thomas Morus, na Utopia, fala do país “onde os carneiros devoram os homens”. A legislação foi impoten- te contra este movimento. E foi contra os pobres, desocupados e vaga- bundos que a lei acabou voltando suas armas. A primeira “lei dos po- bres”, no reinado de Elizabeth, preparou, sob o pretexto de ajuda obri- gatória, essas futuras “casas de trabalho” onde o pobre “que não tinha onde cair morto” seria colocado à disposição do produtor industrial. Expropriação-proletarização: são os dois termos da “acumulação primitiva” no estado puro, a perfeita separação, mediante a violência legalizada, do produtor com seus meios de produção. Por isto Marx elegeu o exemplo inglês dos séculos XV e XVI como símbolo. Para dizer a verdade, teremos que esperar o século XVIII para que q processo seja concluído, e somente na Inglaterra “cumpriu-se de uma maneira radical”: Mas em todos os países da Europa Ocidental produz-se o mesmo movimento, ainda que, mediante o meio, mude de cor local ou encerre-se num círculo mais estreito, ou apresente um caráter menos pronunciado ou siga uma ordem de sucessão diferentes Na Rússia, por exemplo, Lênin descreve o movimento de expro- priação-proletarização como consequência da libertação dos servos em 1861. Na França, onde é mantida a propriedade em pequenas parcelas, é diante de nossos olhos, com a ajuda da legislação degaullista, onde 40 prossegue-se a expropriação—proletarização do camponês. Nos Estados Unidos, considera-se que a baixa percentagem da população ocupada na agricultura seja um sinal de “desenvolvimento”. Também é a medida de uma proletarização. O número dos trabalhadores que dispõem de seus meios de produção chegou a ser ínfimo. O capitalismo mais avançado expropriou completamente o camponês. Fez o que finge repróvar no socialismo. b) — Saque e exploração colonial. Diversos aspectos de suas consegiiências. A colonização européia em escala mundial determina outro aspec- º da acumulação primitiva. Realiza-a por mecanismos bastante varia- os: — Os saques. Delicadas jóias arrebatadas dos índios das ilhas, imensos tesouros dos príncipes mexicanos e incas: tudo foi diretamente transferido para a Europa. É correto que os “conquistadores” espanhóis e o imperador Carlos V dedicaram essencialmente estes primeiros lucros a suas empresas militares ou suntuárias, mas o ouro passou às mãos dos mercadores, dos banqueiros que, como os Fiigger ou os Welser, conver- teram-se nos intermediários da aventura colonial. claro que uma economia não pode basear-se durante muito tempo no simples e puro saque. Mas tampouco devemos crer que se tratou de um breve episódio. Os holandeses, que difundiram uma versão bastante negra das crueldades espanholas na América, não foram menos cruéis nas ilhas do Extremo Oriente, as quais ocuparam no século XVII. Nem os ingleses na Índia (século XVIII). Além do que, desde o tempo de Elizabeth, uma das grandes fontes de enriquecimento da corte real inglesa fora a pirataria, a pilhagem direta dos carregamentos espanhóis. A esta economia de pilhagem, a colonização a seguir acrescenta uma exploração contínua e sistemática. — Exploração colonial e alta de preços na Europa. Muitos histo- riadóres contentam-se em constatar: é produzida, na Europa no século XVI, uma chegada em massa de ouro, e sobretudo de prata: isto desen- cadeia uma “revolução nos preços”; o preço dos produtos europeus sobe, por vezes, numa proporção de 1 a 4. Como os salários sobem muito menos, produz-se uma “inflação de lucros”, e o primeiro grande episódio de criação capitalista. O esquema não é falso, e Marx foi o primeiro a descrevê-lo em 1847 no Trabalho assalariado e capital: No século XVI, a quantidade de ouro e prata em circulação na Europa aumentou por conseqiiência do descobrimento das minas 4 “Tocamos no aspecto dialético do fenônemo: a acumulação primi- tiva de capital engendra sua própria destruição. Numa primeira fase, a alta dos preços, o aumento dos impostos reais, os empréstimos grandio- sos estimulam os usurários e os especuladores, mas, no final, em graus diferentes segundo os países, as taxas médias de juros e dos lucros tendem a igualar-se e a diminuir. Então é necessário que o capital acumulado busque outro meio de reproduzir-se. É preciso que os ho- mens de dinheiro — que se haviam mantido relativamente à margem da à margem da sociedade feudal — invadam todo O corpo soctal e tomem o controle da produção. , aaa — .— —— E. As etapas finais da transformação. a) — Primeiro controle do capital mercantil sobre a produção industrial É no curso do século XVII, menos favorável aos lucros extraídos das colônias, que os mercadores, aproveitando as dificuldades do artesa- nato corporativo e o excesso de mão-de-obra existente no campo, põem-se a distribuir primeiro matéria-prima e logo após instrumentos de produção (matérias têxteis), tanto a domicílio entre os camponeses, quanto às grandes oficinas (em geral privilegiadas pelo Estado). É a época da “manufatura”, importante etapa em direção ao capitalismo: — 1.º) porque realiza, na indústria, a separação entre produtor e meio de produção; — 2.º) porque concorre mortalmente com o artesanato corporativo; 3.º) porque organiza a divisão do trabalho, que aumenta de modo considerável a produtividade do trabalho individual. / b)— Papel dos primeiros Estados nacionais e a acumulação primitiva. O domínio do capital mercantil corresponde, na Europá ociden- tal, a uma nova estrutura do Estado. Às vezes, como na França, esse Estado favorece diretamente à manufatura. Os impostos, cuja importân- cia aumenta, são cobrados geralmente mediante o sistema de fermes, ou seja, por companhias de financistas privados, que guardam para si gran- de parte dessas cobranças feitas a partir do produto nacional. É uma importante fonte de acumulação monetária. À organização do crédito, o aparecimento dos primeiros bancos estatais, se fazem baixar as taxas de juros usurários, em contrapartida, mobilizam o dinheiro dos “capita- listas” nas mãos de grupos restritos e poderosos. Por último, o Estado protege a produção nacional por intermédio das aduanas e da marinha nacional, pelos “atos de navegação” (que lhe reservam os transportes). A finalidade de todas estas medidas é bastante consciente; é expresso 44. amiúde pelos economistas “mercantilistas”, que representavam, como mostrou perfeitamente Marx, à forma primitiva, ingênua, do capitalis- mo: a finalidade de qualquer atividade é “fazer dinheiro”; a nação é rica se tem um saldo positivo de metais preciosos; pouco importa como é distribuído esse saldo: confundem-se “lucro nacional” e lucro dos co- merciantes (que, por sua vez, se confundem com os industriais). O país mais característico desta fase é a Inglaterra de finais do século XVII. A evolução que sofreu desde o século XV — concentração da propriedade agrária, proletarização da mão-de-obra, atividade maríti- ma e colonial — permitiu-lhe superar definitivamente os países dos pri- meiros descobrimentos — Espanha e Portugal, paralisados pelo excessivo afluxo de dinheiro e o parasitismo das rendas — e evoluir mais depressa que a Holanda (privada de recursos industriais) e a França (onde a estrutura agrária resistiu ao movimento de concentração das proprieda- des e de “cercamento” das terras comunais). Marx expressou este avan- ço da Inglaterra com a seguinte frase: Os diferentes métodos de acumulação primitiva, que a era capita- lista faz aparecer, dividem-se, primeiro, por ordem mais ou menos cronológica, entre Portugal, Espanha, Holanda, França e Inglater- ra, até que esta última combina-os todos, no último terço do século XVII, num conjunto sistemático que inclui por sua vez o regime colonial, o crédito público, as finanças modernas e o siste- ma protecionistas . / c) — O século XVII e o novo avanço das forças de produção: produção industrial em massa e “nova agricultura”. Será também na Inglaterra, que aparecerão, no curso do século XVIII, as novidades que caracterizam de forma decisiva a nova era, a era capitalista. — O aparecimento do maquinismo; a partir de 1730, e sobretudo a partir de 1760, ocorre uma série de invenções que irão substituir a “manufatura” pela “maquinofatura”, ou seja, que permitirão por sua vez multiplicar a produtividade do trabalho humano, reduzir este mes- mo trabalho a um mecanismo cada vez mais abstrato, cada vez menos unido ao objeto produtivo (de forma contrária ao trabalho artesanal), e, por último, utilizar uma mão-de-obra de força reduzida: é a mobilização maciça do trabalho de mulheres e crianças. Estas invenções são as que concernem à metalurgia (fundição do carvão) e, por último, à máquina a vapor. Este avanço das forças produtivas é necessário para subverter as estruturas econômicas e sociais. Daí em diante, a produção industrial 45 em massa será a fonte essencial do capital, pela distância estabelecida entre o valor produzido pelo operário e o valor que lhe é restituído sob a forma de salário por aqueles que dispõem dos novos meios de produ- ção (máquinas, fábricas). A era da acumulação “primitiva” terminou. Tudo irâ"tornar-se “mercadoria” e as relações sociais se estabelecerão exclusivamente em termos de dinheiro. Já não há mais “feudalismo”. — A exploração cada vez mais acentuada do trabalho humano é sua consequência e seu preço. Por uma parte, o século XVIII é um século de alta geral dos preços, e já falamos da fonte colonial deste fenômeno: é ainda o século das grandes fortunas edificadas sobre o ouro do Brasil, da prata mexicana, do açúcar e do rum das ilhas, do algodão da América e da Índia, tudo isto extraído do trabalho dos povos coloni- zados. Na Europa, a alta dos preços tem como consequência uma dimi- nuição do salário individual diário real, da qual o capital aproveita-se. Constata-se, contudo que o século XVIII, especialmente nos países mais avançados como a Inglaterra, vê desaparecer senão a carestia, e a falta de pão, pelo menos as fomes mortais. Como se explica isto? Deve-se, em primeiro lugar, a que os operários trabalham mais (mais dias ao ano) e as mulheres e as crianças são postas a trabalhar. O salário familiar aumenta até o mínimo de subsistência, mas por uma quantidade de trabalho extraordinariamente aumentada. — À revolução agrícola e a liberdade do comércio de grão, permi- tem que sejam alimentados um maior número de homens e com maior regularidade; nos países mais adiantados, suprime-se o pousio e utiliza- se mais leguminosas e tubérculos. Isto faz com que diminuam os anti- gos lucros da especulação, quando se tirava proveito das crises de ali- mentação. O capital mercantil de tipo antigo ressente-se. Mas o capital industrial, cada vez que pode diminuir o conteúdo-valor da alimentação mínima do operário, assegura um lucro sempre maior. Vemos com cla- reza de que maneira, daí por diante, o capitalismo industrial, que neste caso, merece simplesmente o nome de capitalismo, substitui as modali- dades primitivas da formação do capital. Mas, ainda nos países ávança- dos como a Inglaterra, a agricultura, nas mãos dos granjeiros-capitalis- tas, adapta-se à produção em massa para a venda, ou seja, ao capitalis- mo. Temos de deixar claro que nem todos os países entram desde o século XVIII nesta fase decisiva. Por diversas características, a França se encontra bastante atrasada com relação à Inglaterra. A Europa oriental e meridional ainda custarão muito a criar as aglomerações urbanas dedi- cadas completamente à indústria, como Manchester, que durante bas- 46 tante tempo será um símbolo. Somente no século XIX o capitalismo industrial se propagará tal como havia nascido na Inglaterra a partir de 1760. Sabemos que ainda hoje não chegou a todos os continentes. Resta considerarmos que um regime social não está constituído exclusivamente por seus fundamentos econômicos. A cada modo de produção corresponde não somente um sistema de relações de produ- ção, como também um sistema de direito, de instituições e de formas de pensamento. Um regime social em decadência serve-se precisamente deste direi- to, dessas instituições e desses pensamentos já adquiridôs, para opor-se com todas as suas forças às inovações que ameaçam sua existência. Isto provoca a luta das novas classes, das classes ascendentes, contra as clas- ses dirigentes que ainda acham-se no poder e determina o caráter revolu- cionário da ação e do pensamento que animam estas lutas. O regime feudal não morreu sem defender-se. E o ataque que ele sofreu não começou somente com as formas mais desenvolvidas dos novos modos de produção. Estas formas, com efeito, só puderam triun- far quando já tinham se liberado dos inconvenientes, dos entraves que as instituições de tipo feudal necessariamente lhes opunham. Isto é a história das revoluções burguesas. - Tradução: Theo Santiago 47