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TOXICIDADE DOS FARMÁCOS
Tipologia: Notas de estudo
Compartilhado em 09/08/2010
4.8
(355)772 documentos
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Cullen M. Taniguchi, Sarah R. Armstrong, Laura C. Green, David E. Golan e Armen H. Tashjian, Jr.
Introdução Caso Mecanismos de Toxicidade dos Fármacos Efeitos Adversos sobre o Alvo Efeitos Colaterais Indesejados não Relacionados ao Alvo Produção de Metabólitos Tóxicos Respostas Imunes Prejudiciais Toxicidade Idiossincrásica Contextos da Toxicidade dos Fármacos Overdose de Fármacos Interações Medicamentosas Interações Medicamentosas Farmacocinéticas
Interações Medicamentosas Farmacodinâmicas Interações entre Fármacos e Ervas Patologia da Toxicidade dos Fármacos Aspectos Temporais da Toxicidade Toxicidade Celular: Apoptose e Necrose Toxicidade dos Órgãos e Tecidos Fibrose Carcinogênese Teratogênese Conclusão e Perspectivas Futuras Leituras Sugeridas
Os médicos prescrevem fármacos para prevenir ou tratar doenças. Entretanto, esses mesmos fármacos podem ser tóxi- cos para certos pacientes, devido à predisposição genética, ação não-seletiva ou uso ou administração inapropriados do fármaco. A United States Food and Drug Administration (FDA) investe uma parte significativa de seu orçamento de um trilhão de dólares para assegurar que as novas substân- cias desenvolvidas não sejam notória ou desnecessariamente perigosas. Além disso, as companhias farmacêuticas e de biotecnologia levam anos e gastam milhões de dólares em estudos clínicos visando estabelecer a segurança e a toxici- dade inerente de suas substâncias. Com freqüência, fármacos potenciais não são aprovados em virtude de níveis inaceitáveis de toxicidade em experimentos pré-clínicos ou em estudos clínicos (ver Cap. 48 e Cap. 49). A despeito de todo esse esforço, até mesmo fármacos comuns de venda livre, como o acetaminofeno , podem ser letais (neste caso, devido à sua capacidade de causar hepatite fulminante) se forem tomados em doses supraterapêuticas. É preciso reconhecer que não existe nenhuma substância totalmente específica. Todos os fármacos possuem efeitos pre- tendidos primários e efeitos não-pretendidos secundários; os efeitos não-pretendidos são conhecidos como efeitos colaterais ou efeitos adversos. Embora os efeitos colaterais possam ser neutros ou até mesmo benéficos, eles são tipicamente indesejá- veis. Os efeitos adversos podem variar quanto à sua gravidade, incluindo desde um efeito prejudicial a um efeito passível de ameaçar a vida do indivíduo. Em conseqüência desses efeitos,
muitos pacientes demonstram relutância em tomar fármacos de modo regular, e essa falta de aderência do paciente ao tra- tamento representa uma importante limitação prática da far- macologia. A toxicologia farmacológica enfoca os efeitos prejudiciais de fármacos em animais e no corpo humano. Em praticamen- te todos os aspectos, os princípios farmacológicos discutidos nos capítulos anteriores aplicam-se ao estudo da toxicidade das substâncias. Por conseguinte, assim como as interações fár- maco-receptor são fundamentais para compreender as proprie- dades benéficas de um fármaco, essas interações também são cruciais na compreensão dos efeitos adversos de um fármaco. Embora a compreensão dos vários efeitos tóxicos de qualquer fármaco seja importante, a tarefa de aprender e lembrar os inúmeros efeitos adversos pode ser árdua e desalentadora. Por conseguinte, em lugar de repetir os princípios gerais discutidos nos Caps. 1 a 4, ou de fornecer tabelas extensas de informações que podem ser encontradas em muitos recursos digitais, este capítulo trata dos mecanismos comuns subjacentes aos efeitos tóxicos das substâncias. A discussão começa com os efeitos tóxicos que derivam da ativação ou inibição inapropriadas do alvo pretendido da substância ( efeitos adversos direcionados para o alvo ) ou de alvos não-pretendidos ( efeitos adversos não direcionados para o alvo ). A seguir, são discutidos os efeitos fenotípicos dessas toxicidades em níveis fisiológico, celular e molecular. Os quadros de Resumo Farmacológico no final da maioria dos capítulos deste livro ressaltam os efeitos tóxicos importantes de fármacos específicos. A toxicidade de substân- cias xenobióticas — como monóxido de carbono, chumbo e pesticidas — e o tratamento do envenenamento são discutidos no Cap. 51.
Toxicidade dos Fármacos | 59
A Sra. G, uma professora de piano de 80 anos de idade, vem sentindo uma dor progressivamente intensa na perna direita, cuja duração se estende ao longo de um período de 5 a 10 anos. Apesar da dor e da fadiga crescentes, continuou dando aulas em seu estúdio. Os exames de imagem revelam osteoartrite grave do quadril direito. A Sra. G deve ser submetida a uma substituição eletiva do quadril direito, com prótese articular. A substituição total do quadril é efetuada sem complicações imediatas. Nos primeiros dias após a cirurgia, a Sra. G recebe hepa- rina de baixo peso molecular e varfarina como profilaxia contra a trombose venosa profunda. Seis dias após a operação, aparece uma dor excruciante na área da cirurgia. O exame físico revela edema da parte lateral do quadril direito e nádega. O hemograma completo demonstra uma perda significativa de sangue (queda do hematócrito de 35 para 25%), e a Sra. G é novamente levada ao centro cirúrgico para evacuação de um grande hematoma que se formou ao redor da prótese articular. Embora o hematoma não pareça estar infectado, as culturas de amostras do hematoma são positivas para Staphylococcus aureus. Como é difícil tratar com sucesso as infecções de próteses arti- culares sem a sua remoção, a Sra. G recebe um ciclo agressivo de 12 semanas de antibióticos combinados, com administração de vancomicina intravenosa e rifampicina oral durante 2 semanas, seguidas de ciprofloxacino e rifampicina orais durante 10 sema- nas. A paciente tolera as primeiras 2 semanas de antibióticos sem qualquer complicação. Entretanto, 36 horas após a substituição da vancomicina pelo ciprofloxacino, a Sra. G desenvolve febre alta de 39,4oC e fraqueza extrema. A aspiração do quadril revela ape- nas uma quantidade escassa de líquido cor de palha (isto é, não- purulento). Por conseguinte, a Sra. G é internada para observação rigorosa. Doze horas após a sua internação, surge um exantema macu- lopapular extenso no tórax, nas costas e nos membros. O ciproflo- xacino e a rifampicina são suspensos, e reinicia-se a vancomicina. Gradualmente, no decorrer das próximas 72 horas, a temperatura cai para o normal, e o exantema começa a desaparecer. A cultura do aspirado do quadril direito é negativa. A Sra. G continua rece- bendo vancomicina como monoterapia nas próximas 4 semanas sem qualquer incidente; a rifampicina também é reiniciada, sem qualquer incidente, e, por fim, o ciclo de antibióticos de 12 semanas é completado com uma associação de sulfametoxazol-trimetoprim e rifampicina. Quatro meses após a cirurgia do quadril, a Sra. G volta a dar suas aulas de piano e está fazendo um progresso lento, porém contínuo, no seu programa de reabilitação.
n 1. Qual o fundamento racional para a co-administração de heparina de baixo peso molecular e varfarina no período pós-operatório imediato? n 2. Houve uma relação de causa e efeito entre a administração dos anticoagulantes profiláticos e a complicação hemorrágica potencialmente fatal da Sra. G? n 3. Qual o fundamento racional para a administração de vanco- micina e rifampicina, seguidas de ciprofloxacino e rifampici- na, para o tratamento da infecção pelo S. aureus? n 4. Como a febre alta, a fraqueza e o exantema cutâneo da Sra. G provavelmente representaram uma reação medicamento- sa ao ciprofloxacino?
A possibilidade de um fármaco causar mais prejuízo do que benefício a determinado paciente depende de muitos fatores, incluindo idade do indivíduo, constituição genética e condições preexistentes, dose do fármaco administrado e outros fárma- cos em uso pelo paciente. Por exemplo, os indivíduos muito idosos ou a criança muito pequena podem ser mais suscetí- veis aos efeitos tóxicos de um fármaco, devido a diferenças dependentes da idade no perfil farmacocinético ou nas enzimas envolvidas no metabolismo de fármacos. Conforme discutido no Cap. 4, os fatores genéticos podem alterar o modo pelo qual uma pessoa metaboliza ou responde a determinado fármaco. Por conseguinte, podem ocorrer também respostas individuais, devido a diferenças genéticas no metabolismo do fármaco ou na atividade do receptor, bem como a diferenças nas atividades dos mecanismos de reparo. Pode haver maior tendência a rea- ções medicamentosas adversas em pacientes com condições preexistentes, como disfunção hepática ou renal, função imune deprimida ou gravidez. A determinação clínica da toxicidade de um fármaco nem sempre pode ser direta: conforme obser- vado no caso da Sra. G, por exemplo, um paciente que está recebendo tratamento antibiótico para combater uma infecção pode desenvolver febre alta, exantema cutâneo e morbidade significativa, devido à recidiva da infecção ou a uma reação adversa ao antibiótico. Enquanto um espectro de efeitos adversos pode estar asso- ciado ao uso de qualquer fármaco ou classe de fármacos, é útil conceituar os mecanismos de toxicidade das substâncias, com base em vários paradigmas gerais:
Cada um desses mecanismos é discutido adiante.
Um conceito importante na toxicidade de substâncias é que um efeito adverso pode representar um exagero da ação farmacológica desejada, devido a alterações na exposição à subs tância (ver Fig. 5.1). Isso pode ocorrer através de um erro deliberado ou acidental de dose, alterações na farmacociné- tica da substância (por exemplo, devido a doença hepática ou renal ou a interações com outras substâncias) e alterações na farmacodinâmica da interação substância–receptor, alterando a resposta farmacológica (por exemplo, mudanças no número de receptores). Todas essas alterações podem levar a um aumento na concentração efetiva da substância e, portanto, a um aumen- to da resposta biológica. Uma importante classe de efeitos adversos sobre o alvo pode ocorrer em conseqüência da interação do fármaco ou de um de seus metabólitos com o receptor apropriado, porém no
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em relação à versão racêmica, o enantiômero purificado pode ser reconhecido como novo fármaco. Por exemplo, o inibidor racêmico da bomba de prótons, o omeprazol , e seu enantiô- mero ( S ), o esomeprazol (como no [ S ]-omeprazol), são comer- cializados como fármacos separados. Outro efeito comum não relacionado ao alvo é a ativação não-pretendida de diferentes subtipos de receptores. Por exem- plo, o receptor 1 -adrenérgico é expresso no coração, e a sua ativação aumenta a freqüência cardíaca e a contratilidade mio- cárdica. Receptores 2 -adrenérgicos estreitamente relacionados são expressos primariamente nas células musculares lisas das vias respiratórias e na vasculatura, e a ativação desses recepto- res 2 leva ao relaxamento do músculo liso e dilatação desses tecidos (ver Cap. 9). Os usos clínicos dos antagonistas dos receptores -adrenérgicos (os denominados b-bloqueadores ) são freqüentemente direcionados para o receptor 1 , a fim de controlar a freqüência cardíaca e reduzir a demanda de oxigênio
do miocárdio em pacientes com angina ou com insuficiência cardíaca. Entretanto, alguns antagonistas dos receptores 1 não são totalmente seletivos para o receptor 1 e também podem antagonizar o receptor 2. Por conseguinte, os antagonistas dos receptores -adrenérgicos com efeitos não-seletivos estão con- tra-indicados para pacientes com asma, visto que esses fárma- cos têm a capacidade de causar inadvertidamente constrição das vias respiratórias através do antagonismo dos receptores 2. Curiosamente, os efeitos de um fármaco sobre o alvo podem ser explorados com o uso de animais geneticamente modifica- dos, em que o receptor alvo pretendido sofre deleção genética. Se os camundongos que carecem do alvo pretendido respon- derem ao fármaco de alguma maneira, deduz-se que as ações do fármaco devem estar sendo exercidas através de um alvo diferente do alvo pretendido. As modernas técnicas de biologia molecular também possibilitaram a deleção do receptor alvo em tecidos específicos, facilitando, assim, a identificação de
Proteína
Hapteno 1 2
Proteína ligada ao hapteno
Antígenos ligados ao eritrócito
Complexos antígeno-anticorpo
Célula T ativada
Apresentação do antígeno
Ligação de anticorpos ao eritrócito
Lise do eritrócito mediada pelo complemento
Remoção do eritrócito pelo sistema reticuloendotelial
Mastócito
A
B
C
2 3
2 3
1
1
Proteína
Hapteno 1 2
Proteína ligada ao hapteno Fagocitose do antígeno
D
3
Eritrócito
Anticorpos
Antígeno
Antígeno
Deposição de imunocomplexos nos tecidos
Macrófago
Lise do eritrócito
Célula T citotóxica
Fig. 5.2 Mecanismos de reações de hipersensibilidade. A. Ocorrem reações de hipersensibilidade tipo I quando um hapteno liga-se a uma proteína (1). O antígeno estabelece ligações cruzadas com anticorpos IgE sobre a superfície de um mastócito, resultando em desgranulação da célula (2). Os mastócitos liberam histamina e outros mediadores inflamatórios. B. Ocorrem reações de hipersensibilidade tipo II quando um antígeno liga-se à superfície de uma célula sangüínea circulante, habitualmente um eritrócito (1). A seguir, anticorpos contra o antígeno ligam-se à superfície do eritrócito (2), atraindo células T citotóxicas (3), que liberam mediadores que lisam o eritrócito. A ligação de anticorpos aos eritrócitos também pode estimular diretamente a lise dos eritrócitos mediada pelo complemento e a sua remoção pelo sistema reticuloendotelial. C. Ocorrem reações de hipersensibilidade tipo III quando anticorpos ligam-se a uma toxina solúvel, que atua como antígeno (1). A seguir, os complexos antígeno-anticorpo depositam-se nos tecidos (2), atraindo os macrófagos (3) e dando início a uma seqüência de reações mediadas pelo complemento ( não mostrado ). D. Ocorrem reações de hipersensibilidade tipo IV quando um hapteno liga-se a uma proteína (1) e a proteína ligada ao hapteno é fagocitada por uma célula de Langerhans (2). A célula de Langerhans migra para um linfonodo regional, onde apresenta o antígeno a uma célula T, ativando-a (3).
62 | Capítulo Cinco
efeitos não-pretendidos e de efeitos adversos sobre o alvo ante- riormente desconhecidos.
Conforme descrito no Cap. 4, praticamente todas as moléculas de fármacos são metabolizadas pelo fígado e/ou outros tecidos. Algumas vezes, o metabolismo produz um metabólito farma- cologicamente ativo, como no caso do antagonista do receptor de angiotensina losartana e do anti-histamínico ebastina , que são convertidos de suas formas de pró-fármacos inativos nos fármacos ativos, E3174 e carebastina , respectivamente. Em outros casos, um metabólito de um fármaco pode ter um efeito adverso. Um exemplo clinicamente significativo é o do acetaminofeno, um analgésico e antipirético de uso comum. Em sua faixa posológica terapêutica, o acetaminofeno é meta- bolizado predominantemente por glicuronidação e sulfatação, e esses produtos conjugados respondem por cerca de 95% dos metabólitos totais excretados. As enzimas do citocromo P oxidam uma pequena porcentagem do acetaminofeno a um intermediário reativo, a N -acetilbenzoquinoneimina , que é imediatamente conjugado com glutationa. Entretanto, quando o nível de acetaminofeno ultrapassa a faixa terapêutica, as vias de glicuronidação e sulfatação tornam-se saturadas, e ocorre depleção das reservas de glutationa no fígado. Isso resulta em acúmulo excessivo de N -acetilbenzoquinoneimina, um eletró- filo que reage com grupos nucleofílicos sobre proteínas, pro- duzindo derivados protéicos covalentes. Embora os mecanismos biológicos envolvidos ainda não estejam bem elucidados, alguns desses complexos entre o meta- bólito do fármaco e as proteínas celulares são altamente tóxicos para o fígado e, no caso de overdose de acetaminofeno, podem causar hepatotoxicidade fulminante e morte. Um antídoto para a overdose de acetaminofeno é a N -acetilcisteína , que reage diretamente com a iminoquinona (com conseqüente destoxifi- cação). Quando administrada dentro de 8-16 horas após uma overdose de acetaminofeno, a N -acetilcisteína pode salvar a vida do indivíduo. Esse exemplo demonstra a importância da dose , um axioma da toxicologia. Apesar de o acetaminofeno ser utilizado com segurança por milhões de indivíduos a cada dia, este mesmo fármaco é responsável por cerca de 50% dos casos de insuficiência hepática aguda nos Estados Unidos. A toxicidade dos metabólitos dos fármacos só pode ser deter- minada empiricamente. Isso ressalta a importância de testes farmacológicos extensos, tanto em experimentos pré-clínicos quanto em estudos clínicos. Apesar desses testes, alguns efei- tos tóxicos raros dos fármacos são apenas descobertos quando ocorre exposição a uma população muito maior do que aquela exigida para estudos clínicos. Por exemplo, as fluoroquinolo- nas , uma classe de antibióticos de amplo espectro derivados do ácido nalidíxico, apresentaram efeitos tóxicos mínimos nos estudos pré-clínicos e clínicos. Entretanto, uma maior exposição clínica a esses fármacos levou a relatos de anafilaxia, prolonga- mento do intervalo QTc e cardiotoxicidade potencial, determi- nando a retirada do mercado de dois fármacos dessa classe, o temafloxacin e o grepafloxacin. O uso de outro fármaco dessa classe, o trovafloxacin , é significativamente restrito, devido à sua hepatotoxicidade. Em comparação, o ciprofloxacin e o levofloxacin são fluoroquinolonas geralmente bem toleradas e utilizadas, com freqüência, no tratamento de infecções bacte- rianas. Entretanto, conforme observado no caso da introdução, até mesmo esses agentes podem, em certas ocasiões, causar uma grave reação de hipersensibilidade a fármacos.
Os fármacos são xenobióticos que podem ser reconhecidos pelo sistema imune como substâncias estranhas. As substâncias que consistem em pequenas moléculas, com massa inferior a 600 daltons, não são, em sua maioria, imunógenos diretos, porém atuam como haptenos , em que a substância liga-se (freqüente- mente de modo covalente) a uma proteína no corpo e, a seguir, torna-se capaz de deflagrar uma resposta imune. Se uma subs- tância for grande o suficiente (por exemplo, um peptídio ou proteína terapêuticos), ela pode ativar diretamente o sistema imune. Os dois mecanismos imunes principais pelos quais as substâncias podem provocar lesão são as respostas de hiper- sensibilidade (respostas alérgicas) e as reações auto-imunes. As respostas de hipersensibilidade são classicamente dividi- das em quatro tipos, que estão descritos na Fig. 5.2. O Quadro 5. fornece uma informação mais detalhada acerca dos mediadores das reações de hipersensibilidade e das manifestações clínicas dos quatro tipos de reações de hipersensibilidade. É necessária uma exposição prévia a uma substância para a ocorrência de cada um dos quatro tipos de reações de hipersensibilidade. A resposta de hipersensibilidade tipo I (hipersensibilidade imediata) resulta da produção de IgE após exposição a um antígeno. O antígeno pode ser uma proteína estranha, como o agente trombolítico derivado de bactéria, a estreptoquinase, ou pode ser uma proteína endógena modificada por um hap- teno para se tornar imunogênica. Os fragmentos de penicilina formados in vivo ou na formulação administrada do fármaco podem atuar como haptenos e são responsáveis por essas rea- ções de hipersensibilidade. A exposição subseqüente ao antí- geno provoca desgranulação dos mastócitos, com liberação de mediadores inflamatórios, como a histamina e os leucotrienos, que promovem broncoconstrição, vasodilatação e inflamação. A resposta de hipersensibilidade tipo I, que se manifesta na pele, resulta em uma reação de pápula e eritema. Nas vias respiratórias superiores, surgem sintomas de “febre do feno”, como conjuntivite e rinite, ao passo que, nas vias respiratórias inferiores, pode ocorrer broncoconstrição asmática (ver Cap. 46). Ocorre uma resposta de hipersensibilidade tipo II ( hiper- sensibilidade citotóxica dependente de anticorpos ) quando uma substância liga-se a células, habitualmente eritrócitos, e é reconhecida por anticorpo, geralmente IgG. O anticorpo desen- cadeia a lise da célula ao propiciar a fixação do complemento e a ação das células T citotóxicas ou a fagocitose pelos macrófa- gos. As respostas tipo II são respostas adversas raras a diversos fármacos, incluindo a penicilina e a quinidina. Ocorrem respostas de hipersensibilidade tipo III ( hipersen- sibilidade mediada por imunocomplexos ) quando há forma- ção de anticorpos, habitualmente IgG ou IgM, contra antígenos solúveis. Os complexos antígeno-anticorpo depositam-se em tecidos como os rins, as articulações e o endotélio vascular pulmonar (Quadro 5.1). Esses complexos provocam lesão, ini- ciando uma resposta inflamatória denominada doença do soro , em que ocorre ativação dos leucócitos e do complemento no interior dos tecidos. Por exemplo, a hipersensibilidade do tipo III pode ser causada pela administração de antivenenos, isto é, proteínas séricas eqüinas obtidas pela inoculação, em um cava- lo, do veneno a ser neutralizado. Exemplos de outros fármacos que podem estar associados a um risco de doença do soro são a bupropiona e o cefaclor. A resposta de hipersensibilidade tipo IV (hipersensibilida- de de tipo tardio) resulta da ativação das células TH 1 e células T citotóxicas. Manifesta-se mais comumente na forma de der-
64 | Capítulo Cinco
aumentou. Foram identificadas numerosas interações adversas, cujos mecanismos envolvem freqüentemente efeitos farmaco- cinéticos ou farmacodinâmicos. As interações entre fármacos e ervas também constituem um importante subgrupo de inte- rações medicamentosas.
Interações Medicamentosas Farmacocinéticas
As interações farmacocinéticas entre fármacos surgem quando um fármaco modifica a absorção, a distribuição, o metabolismo ou a excreção de outro fármaco, alterando, assim, a concentra- ção do fármaco ativo no organismo. Esses mecanismos, que são revistos aqui com ênfase, são discutidos de modo mais pormenorizado no Cap. 4. Conforme discutido no Cap. 4, os fármacos podem inibir ou induzir as enzimas hepáticas do citocromo P450. Quando dois fármacos são metabolizados pela mesma enzima P450, a inibição competitiva ou irreversível dessa enzima P450 por um fármaco pode levar a um aumento na concentração plasmática do segundo fármaco. Por outro lado, a indução de uma enzima P450 específica por um fármaco pode levar a uma redução nas concentrações plasmáticas dos outros fármacos que são meta- bolizados pela mesma enzima. Além de alterar a atividade das enzimas P450, os fármacos podem afetar o transporte de outros fármacos para dentro e para fora dos tecidos. Conforme discutido no Cap. 4, a bomba de efluxo de resistência a múltiplos fármacos 1 (MDR1) transporta fármacos na luz intestinal. Um fármaco capaz de inibir a MDR pode resultar em aumento das concentrações plasmáticas de outros fármacos que normalmente são bombeados para fora do corpo através desse mecanismo. Outros transportadores, como o polipeptídio transportador de ânions orgânicos 1 (OATP1), medeiam a captação de fármacos nos hepatócitos para o seu metabolismo, bem como o transporte de fármacos através do epitélio tubular dos rins para excreção; ambos os mecanismos promovem a depuração do fármaco do corpo. As interações de um fármaco ou um de seus metabólitos com essas classes de transportadores podem resultar em concentrações plasmáticas inapropriadamente altas de outros fármacos que são processa- dos pelo mesmo transportador. Algumas vezes, uma interação farmacocinética pode ser desejável. Assim, por exemplo, como a penicilina é depurada através de secreção tubular nos rins, a meia-vida de eliminação desse fármaco pode aumentar se for administrado concomitan- temente com probenecid , um inibidor do transporte tubular renal. Um segundo exemplo é fornecido pela combinação de imipeném , um antibiótico de amplo espectro, com a cilastati- na , um inibidor seletivo de uma dipeptidase da borda em escova renal (desidropeptidase I). Como o imipeném é rapidamente inativado pela desidropeptidase I, a co-administração de imi- peném com cilastatina é necessária para produzir concentrações plasmáticas terapêuticas do antibiótico. Um fármaco que se liga às proteínas plasmáticas, como a albu- mina, pode deslocar um segundo fármaco da mesma proteína, aumentando a sua concentração plasmática livre e, conseqüen- temente, a sua biodisponibilidade para tecidos-alvo e não-alvo. Esse efeito pode ser intensificado em uma situação em que os níveis circulantes de albumina estão baixos, como na insuficiên- cia hepática ou desnutrição (síntese diminuída de albumina) ou na síndrome nefrótica (excreção aumentada de albumina).
Interações Medicamentosas Farmacodinâmicas
Surgem interações farmacodinâmicas quando um fármaco modifica a resposta dos tecidos-alvo ou não-alvo a outro fár-
maco. Podem ocorrer interações farmacodinâmicas tóxicas quando dois fármacos ativam vias complementares, resultando em efeito biológico exagerado. Um exemplo dessa interação farmacológica é fornecido pela co-administração de sildenafil (para a disfunção erétil) e nitroglicerina (para a angina de peito). O sildenafil inibe a fosfodiesterase tipo 5 (PDE5) e, portanto, prolonga a ação do GMP cíclico, enquanto a nitroglice- rina estimula a guanilil ciclase a aumentar os níveis de GMP cíclico no músculo liso vascular. A co-exposição a esses dois fármacos aumenta o cGMP em grau ainda maior, aumentando o risco de hipotensão grave (ver Cap. 21). Um segundo exemplo é fornecido pela co-administração de agentes antitrombóticos. Após cirurgia de substituição de qua- dril, os pacientes são tratados com varfarina profilática duran- te várias semanas para evitar o desenvolvimento de trombose venosa profunda no pós-operatório. Como as concentrações plasmáticas de varfarina podem não alcançar um nível tera- pêutico durante vários dias, algumas vezes administra-se con- comitantemente heparina de baixo peso molecular e varfarina durante esse período. Entretanto, conforme observado no caso da Sra. G, pode ocorrer sangramento significativo se os efeitos da heparina e da varfarina forem sinérgicos, produzindo níveis supraterapêuticos de anticoagulação.
Interações entre Fármacos e Ervas A segurança e a eficácia de um fármaco também podem ser alteradas pela co-exposição a vários produtos não-farmacêu- ticos, como alimentos, bebidas, ervas e outros suplementos dietéticos. Muitos produtos herbáceos consistem em misturas complexas de compostos biologicamente ativos, e a sua segu- rança e eficiência raramente foram testadas em estudos contro- lados. O largo uso de produtos herbáceos não regulamentados entre o público deve levar o médico a investigar o uso desses produtos pelo paciente. A literatura contém diversos relatos de falha terapêutica de fármacos utilizados juntamente com produtos herbáceos, bem como alguns relatos de toxicidade. Por exemplo, a preparação ginkgo biloba (da árvore do mesmo nome) inibe a agregação plaquetária. O uso simultâneo de ginkgo e de antiinflamató- rios não-esteróides (AINE) , que também inibem a agregação plaquetária, pode aumentar o risco de sangramento. Os produ- tos da echinacea contêm alcalóides que podem causar depleção das reservas hepáticas de glutationa, aumentando o risco de toxicidade do acetaminofeno. Em combinação com inibidores seletivos da recaptação de serotonina , o hipérico (erva-de- são-joão) pode causar uma síndrome serotoninérgica leve.
Como se vê na Fig. 5.3, os fármacos e seus metabólitos con- seguem interagir com vários receptores e, assim, medeiam efei- tos adversos in vivo. Algumas vezes, o fármaco original, não metabolizado, provoca efeitos tóxicos, mas freqüentemente é um metabólito que reage com as proteínas, o DNA e as molécu- las de defesa oxidativa (como a glutationa) e provoca lesão celular e outras reações adversas.
Pode ocorrer toxicidade farmacológica em muitas escalas tem- porais diferentes. A toxicidade aguda resulta de uma única
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exposição a determinado fármaco, cujos efeitos adversos apare- cem dentro de alguns minutos a horas. Exemplos de toxicidade aguda incluem a necrose hepática maciça, que pode ocorrer após uma única dose tóxica de acetaminofeno , e exacerbações da broncoconstrição aguda em pacientes com asma intolerante à aspirina. Muitos efeitos adversos imunologicamente mediados ocorrem dentro de poucas horas a dias após a administração do fármaco. Por outro lado, a toxicidade crônica refere-se a um efeito adverso de um fármaco que ocorre ao longo de um período prolongado de tempo. O tratamento a longo prazo com anta- gonistas dos receptores de dopamina para a esquizofrenia pode resultar em discinesia tardia, um lamentável efeito adverso sobre o alvo, que resulta do papel crítico da dopamina como neurotransmissor no córtex motor (ver Cap. 12). Algumas vezes, a toxicidade de um fármaco só se manifesta quando já se encontra disponível no mercado há vários anos. Por exemplo, o agente sensibilizador da insulina, a troglita- zona , só foi removido do mercado após a constatação de que cerca de 1 em 10.000 pacientes em uso do fármaco morria de insuficiência hepática aguda. A terapia de reposição hormonal para mulheres pós-meno- páusicas é outro exemplo importante de toxicidade crônica. Enquanto a administração de estrógenos reduz significativa- mente vários dos efeitos da menopausa (por exemplo, ondas de calor, atrofia vaginal e adelgaçamento da pele), a ativa- ção contínua da via dos receptores de estrógeno pode levar ao câncer endometrial. Conforme discutido adiante, a exposição prolongada a certos fármacos ou seus metabólitos pode resul- tar em fibrose, disfunção orgânica e defeitos congênitos, bem como câncer.
As células possuem mecanismos para o reparo das lesões, e as exposições tóxicas que provocam disfunção celular não levam
necessariamente à morte celular. Um exemplo de reparo de lesão macromolecular é a redução de grupos tióis oxidados em proteínas pela tioredoxina e glutaredoxina. As proteínas desnaturadas podem readquirir o seu dobramento através de chaperonas moleculares, como as proteínas do choque térmico. A lesão do DNA, como a formação de complexo em conseqüên- cia da ligação covalente de agentes citotóxicos para o câncer ao DNA de fita dupla ou a nucleotídios específicos, pode ser revertida por mecanismos de reparo do DNA. Em alguns casos, a exposição crônica a fármacos que provocam lesão do DNA pode sobrepujar esses mecanismos de reparo, resultando em mutagênese, carcinogênese (ver adiante) ou morte celular. Dependendo da gravidade da agressão tóxica, uma célula pode sofrer apoptose (morte celular programada). No processo de apoptose, a célula sofre autodestruição ordenada pela ativa- ção coordenada de diversas proteínas específicas. A apoptose pode ser benéfica quando é capaz de eliminar células lesadas. A inibição da apoptose é comum em muitas células cancerosas. Se a agressão tóxica for significativa a ponto de impedir a morte celular ordenada, a célula sofre necrose. A necrose caracteriza-se pela digestão enzimática do conteúdo celular, desnaturação das proteínas celulares e ruptura das membranas celulares. Enquanto as células apoptóticas sofrem morte celu- lar com inflamação e ruptura mínimas do tecido adjacente, as células necróticas atraem células inflamatórias e podem causar lesão das células sadias adjacentes.
Fibrose A resposta à lesão após um dano celular é determinada, em grande parte, pela capacidade de regeneração do órgão-alvo. Em órgãos com capacidade de regeneração, como o fíga- do, agressões repetidas podem ser seguidas de regeneração. Entretanto, com o decorrer do tempo, a lesão celular pode
Fármacos ou metabólitos
Complexos de proteína-fármaco
Destoxificação/ excreção
Reação com o DNA
Mutagênese
Reparo do DNA
Carcinogênese
Reação com pequenas moléculas (por exemplo, GSH)
Fibrose Necrose Apoptose (^) (por exemplo, reparo)Resposta protetora
Efeitos específicos nos receptores (sobre o alvo ou não relacionados ao alvo)
Defesas oxidativas
Deflagração de respostas reguladoras
Fig. 5.3 Mecanismos de toxicidade dos fármacos. Um fármaco ou seus metabólitos ou ambos interagem com receptores específicos, mediando efeitos adversos sobre o alvo ou não relacionados ao alvo. Além disso, os metabólitos podem ser destoxificados e excretados, ou podem reagir com uma variedade de macromoléculas, incluindo DNA, antioxidantes pequenos, como a glutationa (GSH), ou proteínas celulares ou plasmáticas. A formação de complexos de DNA sem reparo ou de reparo inadequado é freqüentemente mutagênica e pode levar ao câncer. O comprometimento das defesas oxidativas pode resultar em inflamação e morte celular (apoptose ou necrose). A formação de complexos fármaco-proteína pode deflagrar respostas imunes, que podem causar lesão de células e tecidos (ver Fig. 5.2). Independentemente do mecanismo de lesão, pode ocorrer uma graduação de respostas agudas, desde protetoras até a apoptose (morte celular programada) e necrose, dependendo da extensão da lesão e das relações temporais e de dose. A inflamação crônica e o reparo também podem levar à fibrose tecidual.
Toxicidade dos Fármacos | 67
profundos. Antes da terceira semana, os compostos tóxicos resultam, em sua maioria, em morte do embrião e aborto espon- tâneo, ao passo que, depois da organogênese, os compostos teratogênicos podem afetar o crescimento e a maturação fun- cional dos órgãos, porém não afetam o plano básico de desen- volvimento. Em vista da gravidade dos defeitos congênitos que podem ocorrer, as mulheres em uso de agonistas dos RAR/ RXR, como a isotretinoína , para o tratamento da acne devem assinar formulários de consentimento informados fornecidos pela FDA para demonstrar que estão cientes do risco de defeitos congênitos graves relacionados com o uso do fármaco. Outro exemplo de efeito teratogênico sobre o alvo é a expo- sição in utero do feto a inibidores da ECA. Embora os inibi- dores da ECA não fossem anteriormente contra-indicados no primeiro trimestre de gravidez, dados recentes indicam que a exposição do feto durante esse período aumenta significativa- mente os riscos de malformações do sistema cardiovascular e do sistema nervoso central. Os inibidores da ECA podem causar um conjunto de afecções, incluindo oligoidrâmnio, retardo do crescimento intra-uterino, displasia renal, anúria e insuficiência renal, refletindo a importância da via da angiotensina sobre o desenvolvimento e a função renais.
n Conclusão e Perspectivas Futuras Este capítulo apresentou uma abordagem baseada nos mecanis- mos para explicar a toxicidade das substâncias. Com base nes- ses conceitos, as companhias farmacêuticas estão investigando a maneira de prever quais as populações de pacientes que deverão ser mais suscetíveis a uma reação farmacológica adversa. Uma das abordagens é encontrar correlações entre polimorfismos de nucleotídios simples (SNP) individuais e possíveis reações adversas ao comparar os SNP dos pacientes que apresentam rea- ções adversas com aqueles de indivíduos que não sofrem essas reações. A identificação de pacientes com variantes genéticas do alvo molecular (e alvos estreitamente relacionados) de um fármaco também pode fornecer informações úteis sobre os indi- víduos que têm mais tendência a apresentar efeitos adversos. Certas interações medicamentosas farmacocinéticas podem ser mais bem antecipadas com o advento de chips de P que permitem aos pesquisadores efetuar uma triagem de muitos compostos quanto à sua capacidade de inibir enzimas especí- ficas do citocromo P450. Hoje em dia, a toxicidade celular relacionada a fármacos está sendo prevista pela capacidade dos fármacos de ligar-se a antioxidantes importantes, como a glu- tationa, em triagens pré-clínicas de grande escala. Durante os
A gravidez introduz diversas considerações especiais na tomada de decisão terapêutica. Esses fatores incluem a saúde da mulher, bem como o parto de um recém-nascido sadio; a alteração da farmacocinética e da farmacodinâmica associada à gravidez; e a falta de informação relativa aos efeitos dos fármacos sobre o feto em desenvolvimento. A maioria dos fármacos apresenta advertências contra o seu uso durante a gravidez. Devido a essa escassez de dados, é difícil avaliar a relação risco-benefício para o uso de um fármaco durante a gravidez. Os médicos dependem, em parte, de estudos realizados em animais e de estudos epidemiológicos (que podem estar repletos de fatores geradores de confusão) para estabelecer o potencial teratogênico de um fármaco. A teratogênese refere-se à disgenesia estrutural ou funcional dos órgãos em desenvolvimento; cada tecido e órgão de um feto apresenta um período crítico durante o qual seu desenvolvimento pode ser afetado pela administração de um fármaco teratogênico. A FDA estabeleceu um sistema que classifica os fármacos com base em dados obtidos em seres humanos e em animais, que engloba fármacos da classe A (seguros) até a classe X (de teratogenicidade comprovada). Por exemplo, a metildopa possui um excelente registro de segurança no tratamento da hipertensão durante a gravidez; por conseguinte, é considerada um fármaco de classe A para uso durante a gravidez. Em contrapartida, os inibidores da ECA (outra classe de agentes anti-hipertensivos) estão absolutamente contra-indicados durante o segundo e o terceiro trimestres de gravidez (classe X), devido à sua associação com disfunção renal fetal e neonatal, incluindo oligoidrâmnio, anúria neonatal e insuficiência renal. Esse sistema de classificação é útil quando um fármaco encaixa-se em um dos dois extremos; as classificações nas categorias médias são, com freqüência, confusas e ambíguas. Por conseguinte, o médico depende sobremaneira do julgamento clínico para decidir se os benefícios potenciais de um
BOXE 5.1 Aplicação à Tomada de Decisão Terapêutica: Fármacos Durante a Gravidez por Vivian Gonzalez Lefebre e Robert H. Rubin
fármaco para a mãe superam o risco para o feto. Com freqüência, os médicos erram por não se arriscarem e decidem não tratar. As questões seguintes devem ser consideradas quando se prescreve um fármaco a uma gestante:
Quando se avalia a relação risco-benefício para a administração de um fármaco, é preciso reconhecer também que os fármacos que possuem efeitos teratogênicos em animais quando administrados em altas doses (por exemplo, aspirina) podem não representar um risco para os seres humanos quando utilizados em doses terapêuticas. Outros fármacos, como a talidomida e o ácido 13-cis-retinóico, são teratogênicos tanto em animais quanto em seres humanos. Além disso, é importante lembrar que o risco basal de malformações congênitas na população é de 3 a 5%. Quando apropriados, os fármacos de comprovada eficiência no tratamento de uma afecção subjacente da paciente devem ser mantidos, devendo-se evitar o uso de novos fármacos. Por fim, para minimizar o risco fetal, os fármacos devem ser prescritos na menor dose terapêutica, levando- se em conta as alterações metabólicas e fisiológicas normais que ocorrem durante a gravidez (por exemplo, metabolismo placentário; aumento da retenção de água, filtração renal, freqüência cardíaca e volume plasmático).
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estudos clínicos, os níveis plasmáticos de alanina aminotrans- ferase (ALT) são determinados para avaliar o risco de hepato- toxicidade que poderia ocorrer em uma população maior. Uma leitura dos níveis de ALT três vezes maior do que o normal é considerada como indicadora de lesão hepática iminente. A estrita vigilância de um fármaco após a sua comercialização em uma grande população também pode ajudar a identificar reações adversas raras ao fármaco. O benefício terapêutico de um fármaco deve ser sempre ava- liado em relação a seus efeitos tóxicos no contexto da doença, do tratamento e da constituição genética do paciente. O uso de biomarcadores e de testes genéticos pode ajudar a identi- ficar pacientes que correm maior risco de reações adversas a fármacos.
n Leituras Sugeridas
Agranat I, Caner H, Caldwell J. Putting chirality to work: the strategy of chiral switches. Nat Rev Drug Discov 2002;1:753–768. ( Resu- mo das propriedades enantioméricas específicas de fármacos e as estratégias para troca de formulações aquirais para quirais .)
Bugelski PJ. Genetic aspects of immune-mediated adverse drug effects. Nat Rev Drug Discov 2005;4:59–69. ( Resumo de efeitos adversos imunomediados, inclusive informações detalhadas de mecanismos .) Cooper WO, Hernandez-Diaz S, Arbogast PG, et al. Major congenital malformations after first-trimester exposure to ACE inhibitors. N Engl J Med 2006;354:2443–2451. ( Relato recente de efeitos tera- togênicos dos inibidores da ECA .) Knowles SR, Uetrecht J, Shear NH. Idiosyncratic drug reactions. Lan- cet 2000;356:1587–1591. ( Revisão dos mecanismos das reações idiossincráticas, dando ênfase aos metabólitos tóxicos .) Koop R. Combinatorial biomarkers: from early toxicology assays to patient population profiling. Drug Discov Today 2005;10:781–