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Rituais Pankararu, povos indígenas no Nordeste, Resumos de História

Rituais Pankararu Povos Indígenas nos Sertões Pernambuco Pankararu Terra Indígena TI Pankararu e Entre Serras

Tipologia: Resumos

2022

Compartilhado em 03/07/2025

polly-menezes
polly-menezes 🇧🇷

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Valmir dos Santos Batalha
Os rituais Pankararu: memória e resistência
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS (ANTROPOLOGIA)
SÃO PAULO
2017
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Valmir dos Santos Batalha

Os rituais Pankararu: memória e resistência

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS (ANTROPOLOGIA)

SÃO PAULO

Valmir dos Santos Batalha

Os rituais Pankararu: memória e resistência

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS (ANTROPOLOGIA)

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais (Antropologia), sob a orientação da professora Dra. Dorothea Voegeli Passetti.

SÃO PAULO

AGRADECIMENTOS

Só foi possível concluir este trabalho graças à colaboração de diversas e generosas pessoas, em diversos momentos. Agradeço ao povo Pankararu, de modo especial aos que habitam a aldeia do Brejo dos Padres, pelo acolhimento. Principalmente ao cacique Zé Auto (José Auto dos Santos), à Família Binga (em memória: Sr. Zé Binga e dona Verônica). Ao Major (José Antônio Felix de Souza), Marco Souza e ao Povo Pipipã, da aldeia Pedra Tinideira, Cacique José Silvio, ao pajé Genilson. Um obrigado muito especial à minha orientadora professora, Dra. Dorothea Voegeli Passetti, que, com sua sapiência, guiou os rumos deste trabalho; às doutoras Sandra Maria Cristiani de La Torre Lacerda Campos e Maria Helena Villas Boas Concone, com suas valorosas e sábias palavras no Exame de Qualificação. Minha gratidão a Carla Cristina Garcia, Mônica Caetano, Natam, Caetano Misael Caetano, Alaide Batalha, Lindomar Caetano, José Caetano, Maria de Lourdes e Marconi. A minha gratidão ao Pe. Sergio Henrique Nouh, pelo auxílio e acolhimento ao chegar em São Paulo. Minha intensa gratidão à professora Maristela, que tanto me auxiliou. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro. À minha família mais próxima: minha mãe, em memória, Maria José dos Santos Batalha; meu pai, Amarilho Vieira Batalha; meus irmãos, que sempre me apoiaram nas minhas escolhas, Valdeni Batalha, Damião Batalha, Valdirene Batalha, José Amauri Batalha e Marly Batalha. Ao padre José de Anchieta, que leu os meus primeiros escritos. Aos meus amigos, que tanto me ajudaram: Luzia Estela Longhi, Flávio Longhi, Aparecido Longhe, Gecione Longhe e todos os paroquianos da Paróquia Nossa Senhora Aparecida de Ferraz de Vasconcelos - SP. À Katia Cristina da Silva Rafael Diego Garcia, do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Aos membros do núcleo INANNA.

RESUMO

Este estudo etnográfico, que ora apresento, dos rituais do Menino do Rancho, Mesa de Cura, Corrida do Imbu, Penitência e Pagamento de Prato, da sociedade indígena Pankararu, apresenta um alto valor cultural, social, religioso e político. A pesquisa de campo foi direcionada à compreensão das representações e relações dos Encantados com os humanos, que estabelecem contratos através de trocas. Esta Tese pretende colaborar na compreensão da cultura ritualística complexa de um povo que estabeleceu no passado relação social com outros povos indígenas para manter vivas suas tradições; perderam a língua materna, mas mantiveram seus hábitos. Os Pankararu têm como aldeia mãe o Brejo dos Padres, no município de Jatobá, no Estado de Pernambuco, na região do submédio do rio São Francisco. Os Encantados têm poder de curar e agregar na vida social os membros dessa sociedade. Os ritos Pankararu, aos poucos, vão absorvendo valores urbanos e da Igreja Católica.

Palavras-chaves: Pankararu. Etnologia indígena. Rituais. Resistência. Cosmologia.

Praiás no Terreiro

Fonte: Matheus Levi (2015).

SUMÁRIO

  • 1 INTRODUÇÃO
  • 2 O MÉTODO DA PESQUISA
  • 2.1 Contextualização do Povo Pankararu
  • 2.2 Conflitos entre os Pankararu e os posseiros
  • 2.3 A Usina Hidroelétrica de Itaparica e a violação dos direitos humanos
  • 2.4 Abordagem arqueológica
  • 2.5 Povos indígenas que habitam o estado de Pernambuco
  • 3 O MENINO DO RANCHO: ALIANÇA COM OS ENCANTADOS
  • 3.1 Os Toantes
  • 3.2 O Maracá
  • 3.3 O Toré
  • 4 A CORRIDA DO IMBU
  • 4.1 Os ciclos da Corrida do Imbu: o fechamento
  • 4.2 A abertura do terreiro
  • 4.3 Oferta de cestos aos praiás
  • 4.4 Organização da Corrida do Imbu
  • 4.5 Noite dos Passos
  • 4.6 Penitência
  • 5 OS PANKARARU E A DEVOÇÃO A NOSSA SENHORA DA SAÚDE
  • 5.1 Origens da devoção à Nossa Senhora da Saúde
  • 5.2 O Novenário dedicado à Nossa Senhora da Saúde
  • 5.3 A devoção à Nossa Senhora da Boa Morte
  • 5.4 A estrutura do Rosário
  • 6 A MESA DE CURA
  • 6.1 O Catimbó
  • 6.2 A Jurema nos rituais
  • 6.3 A influência dos orixás entre os Pankararu
  • 6.4 Encantados e Obaluaê: a influência dos Exus
  • 6.5 As plantas mais usadas pelos Pankararu
    • CONSIDERAÇÕES FINAIS
    • REFERÊNCIAS

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velho índio Anselmo que ali havia uma gruta “na qual tinham sido queimados vivos um padre e uma moça” (ESTEVÃO, 1943, p. 157). Interessado na lenda, descobriu que o relato informava que o padre fugiu do Piauí com uma moça. A família dela, não aceitando o fato, perseguiu os fugitivos, encontrou-os nessa gruta e os matou asfixiados dentro da mesma. A lenda contada pelo índio Anselmo não o convenceu. Ao chegar à gruta, viu, “logo à primeira vista, que a história do Padre que, aliás, já havia servido para dar nome ao Serrote e à Gruta, não passava, efetivamente, de lenda” (ESTEVÃO, 1943, p. 157). Nos dias passados entre os Pankararu, Estevão pôde participar do cotidiano da vida social e religiosa desse povo. Descobriu que não havia apenas Pankararu (Pancararús) na aldeia, e sim remanescentes de diversas outras etnias: Macarús, Geripancós, Quaças ou Ituaçás, Pipipões, e todos participavam das mesmas manifestações religiosas. Carlos Estevão chegou à aldeia no período da realização do ritual da Corrida do Imbu e foi possível participar e fazer uma descrição de parte do mesmo. Porém, como as festividades se estendem durante o mês inteiro, não conseguiu acompanhar toda a sua execução. Na ocasião, ele participou também do ritual do Ajucá (Jurema), hoje pouco realizado entre os Pankararu, mas largamente realizado entre outros povos indígenas do Nordeste, entre eles os Pipipã, que realizam constantemente o ritual da Jurema e mantêm o segredo da confecção da bebida servida durante esse período. A presente pesquisa parte do pressuposto de que cada povo, em qualquer época, constrói a sua história partindo das suas necessidades e estabelecendo relações com o ambiente em que vive, produzindo, assim, instrumentos que sirvam para o coletivo e que instrumentalizem normas e formas para melhor viver nesse contexto. Não desenvolvem apenas instrumentos de sobrevivência, mas também produzem cultura, política e religião. Dominar a natureza ou adaptar-se a ela é um mecanismo de integração, superação ou convívio pacífico com a mesma. Os povos Pankararu não estão desvinculados da natureza, mas sim integrados a ela, utilizando-se dos meios naturais para melhor integrar-se com o cosmo e suas crenças nos seus principais rituais, que agora são apresentados após sete meses de observação e convivência na aldeia do Brejo dos Padres no município de Jatobá (PE). Após esses meses, foi possível apresentar uma etnia com seus rituais, forma social e política organizacional em torno de um pensamento mítico real para todos que vivem essa realidade. As Ciências Sociais apresentam o Homem como sendo o agente de seus atos e, enquanto são atos humanos, os leva à liberdade e a liberdade os leva a buscar a autonomia e esta, por sua vez, o conduz a defrontar-se com os desafios da natureza e os de cunhos

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sobrenaturais, levando-o ao desígnio da divindade, da humanidade e o homem ao questionamento da ação e da existência dos mesmos. À luz desses pensamentos, vemos que o homem, desde os tempos remotos, busca acalmar as divindades oferecendo algo em troca para manter sua harmonia com a natureza. Hoje, vivendo num mundo “autossuficiente”, pode-se compreender o sentido de sua existência, o sentido da história e o sentido de seus próprios atos humanos. O Homem e o universo não são absolutos, ambos estão abertos ao transcendente, à pluralidade e sujeitos às transformações. Sabemos que a música é objeto de muita relevância nos rituais entre os Pankararu e está dividida entre Toantes e Torés, e tem relação direta com os Encantados. Além disso, a influência deles não se restringe apenas à religiosidade e, sim, a todo o contexto social e político — afinal, a família que possui um maior número de Encantados ou é a dona do Terreiro, tem mais direitos políticos. Os rituais de maior relevância para esse povo são: a corrida do Imbu, o Toré, o Menino do Rancho e a Mesa de Cura. Estas celebrações não têm datas fixas para acontecer: a corrida do Imbu, por exemplo, está atrelada a fenômenos da natureza (chuva). O ritmo dos rituais Pankararu não está confinado a uma estrutura executada em toda etnia, ou seja, pode haver variações do mesmo ritual em outras aldeias, conforme o que Boas diz: “o ritmo não está confinado as unidades maiores, sendo aplicado como recursos artísticos na estrutura detalhada” (BOAS, 2014, p. 301). Há discurso social de pesquisador, que apresenta muitas vezes o seu imaginário e este, somado a outros, produzem algo mais que o real da realidade vivida, deixando assim de lado, os fatos que compõem o cenário pesquisado. Nesse contexto, a etnografia fica no imaginário do pesquisador e se soma ao seu ideário social, deixando para trás os fatos reais apresentados no dia a dia do povo pesquisado. Às vezes, o pesquisador é levado a contaminar a cultura pesquisada com sua cultura. Aqui podemos nos lembrar dos relatos dos viajantes que, muitas vezes, descreviam suas experiências a desenhistas e estes imprimiam na tela o imaginário do que observaram acrescido de fantasia e relatando desta forma o não real. É comum, nos relatos dos europeus, no período colonial, a descrição de sereias, cobras gigantes e voadoras e monstros marinhos que engoliam as embarcações. O Novo Mundo apresentava pessoas sem alma, religião, moral, família, seres parecidos com homens selvagens que comiam os homens civilizados... A imaginação levava a criar os habitantes das terras “recém-descobertas” e que tinham cara de cachorro ou mesmo de outros animais. Dentro de um contexto real, a etnografia deve ser apresentada como ela, de fato, é: pessoas que vivem em uma sociedade pautada nos seus antepassados e que, apesar de terem

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2 O MÉTODO DA PESQUISA

Figura 1 – Pagamento de prato

Fonte: arquivo pessoal do autor (2016).

A metodologia utilizada neste trabalho de pesquisa foi etnográfica, fazendo uso de fontes orais, depoimentos, relatos de vida e a convivência com os Pankararu. O estudo, a leitura e a pesquisa de muitos e variados documentos e livros sobre o assunto também foram de suma importância para a obtenção de mais dados e informações, que agregaram mais conhecimento e embasamento teórico. A escolha da metodologia foi sendo tecida a partir da convivência e da participação no cotidiano da comunidade, sendo compreendido gradativamente o processo organizacional, político, cultural e religioso. Além disso, a observação, as entrevistas e a interação entre o pesquisador e o objeto pesquisado propiciaram mais enriquecimento ao projeto, mostrando não somente a teoria (dados, documentos, registros...), mas também a prática (visitas, obtenção de fotos, participação nos rituais...) e a perfeita articulação entre ambas. O processo de identidade foi sendo processado ao longo dos anos, tendo como referência os antepassados, que guardam os seus feitos na memória do sujeito e são externados nos rituais e nas manifestações coletivas ou privadas na aldeia Brejo dos Padres. A convivência com os índios e a participação na vida cotidiana e nos rituais descritos foram de grande auxílio para comprovar tudo o que é relatado no projeto, sendo mantida a visão dos sujeitos pesquisados, como prova de sua cultura e costumes.

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O método etnográfico é utilizado nas ciências sociais por considerar-se um instrumento que coloca a comunidade em evidência, dando voz e vez à forma de ser e de viver numa comunidade à qual se pertence, reproduzindo desta forma a cultura. Assim, a análise descritiva dos fatos ganha maior relevância na descrição e na apresentação dos resultados obtidos. Nesse cenário, a etnografia é qualitativa, tendo sua origem na antropologia cultural, que apresenta a cultura de uma sociedade como ela é, fazendo uso das variações culturais em áreas específicas, estudando os grupos humanos em uma perspectiva social, abordando a cultura, normas morais, valores e experiências de vida. Franz Boas e Bronislaw Malinowski foram os primeiros a desenvolver o método na antropologia, indo a campo com o objetivo de responder a perguntas antes não respondidas ou compreendidas. Nessa perspectiva, propõem um estudo profundo e contínuo baseando-se na observação e interação com o povo pesquisado. No livro Os argonautas do Pacífico Ocidental , Bronislaw Malinowski (1922) sistematiza o método etnográfico e mostra a função do “Kula”, que é o sistema de troca (sem a ideia de posse permanente) dos nativos das Ilhas Trobriand, na Nova Guiné. O trabalho foi realizado nos anos de 1914 e 1918. A abordagem é feita de forma que o leitor compreenda os acontecimentos, sendo possível a descrição a partir da vivência do pesquisador entre os nativos:

Antes de prosseguir com a descrição do Kula, será conveniente fazer uma descrição dos métodos utilizados na recolha do material etnográfico. Em qualquer ramo do conhecimento, os resultados de uma pesquisa científica devem ser apresentados de maneira totalmente neutra e honesta. Não ocorreria a ninguém fazer uma contribuição experimental no âmbito da ciência física ou química sem dar conta detalhada de todos os passos das experiências que efetuou, uma descrição exata dos instrumentos utilizados, da maneira como as observações foram conduzidas, do seu número, da quantidade de tempo que lhe foi dedicado e do grau de aproximação com o qual cada medida foi realizada. Nas ciências menos exatas, como na Biologia ou na Geologia; isto não pode ser feito de forma tão rigorosa, mas qualquer estudioso fará o seu melhor de maneira a fornecer ao leitor todas as condições em que as experiências ou observações foram efetuadas (MALINOWSKI, 1922, p. 18).

Compreender a cultura a partir da sua essência é conviver e ouvir dos próprios nativos as suas narrativas e explicações e a sua forma de ser e agir no meio em que vivem. É uma ciência do concreto, tendo, como ponto de partida, a interação entre pesquisador e pesquisado. O pesquisador deve despir-se e colocar-se na pessoa do outro. É deixar o seu conforto para viver como o outro:

Imagine o leitor que, de repente, desembarca sozinho numa praia tropical, perto de uma aldeia nativa, rodeado pelo seu material, enquanto a lancha ou pequena baleeira

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A memória^1 é formativa de um coletivo que consegue preservar a cultura na forma de celebração nas representações dos sujeitos e na constituição de novos membros que sempre recorrem a fatos para preservar a maneira de ser de uma sociedade humana. Ela precisa do testemunho do outro e, nesse processo de relacionar-se, é perpetuada a memória coletiva; dentro desse coletivo, o ser humano faz a história. “Cada memória é única, tem a marca e é constitutiva de nossa identidade, fazendo parte, simultaneamente, das comunidades restritas ou ampliadas das quais participamos; ligando-nos também às memórias comuns, sócio- históricas” (BRANDÃO, 2008, p. 16). Quando o homem se esquece de esquecer algo, ele sempre terá em si o acontecimento positivo ou negativo. Para conservar os acontecimentos, é preciso ter uma relação afirmativa, seja ela positiva ou negativa. A escolha dos informantes da pesquisa aqui apresentada foi feita observando-se alguns critérios preestabelecidos como: a) pertencer ao tronco velho Pankararu; b) morar em terras Pankararu; c) exercer alguma liderança na aldeia. Estabelecidos os critérios seletivos, busquei conversar com os selecionados e explicar do que se tratava. Uma vez aceita a proposta, deveria assinar um termo de compromisso, o qual especificava que não lhes traria nenhum prejuízo. Eu buscava respostas para perguntas como:

  1. Como surgiu a figura do Praiá?
  2. Quais os rituais de maior relevância na aldeia do Brejo dos Padres e quando eles eram realizados?
  3. Como surgiram os índios Pankararu?
  4. Como se dá a organização religiosa e política da aldeia?
  5. Qual é o meio de sobrevivência deles no período de seca?
  6. Como foi o processo de demarcação das terras tradicionais?
  7. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) presta assistência aos membros da aldeia? Depois de elaborados os critérios de perguntas aos informantes selecionados no decorrer dos trabalhos, foi necessário também buscar informações fora da aldeia, mas não fora do meio indígena. Havia informações não precisas dos aldeados no tocante aos conflitos agrários — ocorridos na construção da usina hidroelétrica Luiz Gonzaga — e conflitos entre

(^1) A origem da palavra memória vem da mitologia greco-romana, precisamente à deusa Mnemósine: personificação das lembranças (BRANDÃO,2008, p.8).

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agricultores, granjeiros, índios e a Companhia hidroelétrica do São Francisco (CHESF). Com a construção do Lago de Itaparica, grande parte das terras férteis foi inundada, afetando índios e não índios. O projeto da CHESF era apresentado como algo muito positivo. No entanto, após a sua construção, o que se observa é o não cumprimento de grande parte do que foi prometido e a destruição de muitos planos e sonhos daqueles que viam na indenização uma oportunidade de melhorar suas vidas. No período da pesquisa, foi possível conviver com o sofrimento eminente e a ausência de políticas públicas em todos os níveis. A luta pela sobrevivência é algo constante na vida dos Pankararu. Tal luta não se restringe apenas às situações políticas, econômicas, sociais e territoriais, mas também à preservação de sua identidade, cultura e origens. Observa- se que, apesar das dificuldades e problemas enfrentados, eles não perdem seus costumes e rituais e fazem questão de manter ao máximo o que aprenderam de seus antepassados, garantindo, assim, a transmissão para as futuras gerações. No trabalho de campo, os informantes não só falaram do que foi perguntado, como também contaram seus problemas pessoais e suas memórias, as relações que tinham para com as outras aldeias e culturas diversas, mostrando, assim, que o homem é constituído de relações e de cultura; quando um povo deixa de realizar seus rituais, está deixando espaço para o esquecimento ou à demência. Por isso, é importante reforçar e buscar cada vez mais preservar as origens, a cultura, os conhecimentos e experiências que fazem parte do nosso país, valorizando-os e divulgando-os para que permaneçam vivos na memória e no coração de todos.

2.1 Contextualização do Povo Pankararu

O cenário sócio-político e cultural do Nordeste nos séculos XVII e XVIII foi marcado por conflitos e lutas entre colonizadores e índios. Os colonizadores invadiram a região do sertão nordestino usando as águas do rio São Francisco, com o objetivo de buscar ouro e pedras preciosas (ARRUTTI, 1995, p. 63-65). Nessas buscas, os colonizadores foram personagens de diversos massacres da população indígena do Nordeste. Quando não os massacravam, os tomavam como escravos. Muitos índios do sertão pernambucano foram obrigados a aderir a políticas de interesses do governo da época. Quando isso não acontecia, eram executados. Carvalho (2002, p. 84), afirma que “em 1824, uma aldeia sofreu um violento ataque das tropas do governo liberal da Confederação do Equador”. O autor, citando Pereira Costa, percebeu que,

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os colonos, o gado era a terceira fonte econômica, sendo a primeira a extração do pau-brasil e a segunda a cana-de-açúcar.^4 Em 1701, por Carta Régia, o governo português proibiu a criação de gado no litoral nordestino, ficando as terras destinadas à plantação de cana-de-açúcar. Com essa proibição, restaram de fato as terras do sertão, mas, com o avanço do gado no interior, surgiram também os conflitos com os índios dessa região. Povos como os Icó, Canindé, Surucu, Cariri, Janduíc e Paicu, não aceitando a invasão, reagiram contra a criação de gado em suas terras. Isso gerou conflitos entre os índios e os colonos, ficando conhecidos como Guerra dos Bárbaros, ocorrida entre 1683 e 1713. A Guerra está dividida em dois atos: a Guerra do Açu e a Guerra do Recôncavo, ocorridas na Bahia, gerando conflitos na Serra do Orobó,^5 Aporá^6 e no rio São Francisco. Esses conflitos ocorreram nos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Piauí e Paraíba. Os conflitos resultaram em um maior controle dos colonos sobre os índios do sertão, chegando ao extermínio. A Guerra dos Bárbaros teve como principal causa o avanço dos colonizadores nas terras dos diversos povos do Nordeste brasileiro. A presença dos índios nas terras era um grande problema para a expansão da criação do gado e do domínio territorial, causando conflitos e resistência dos silvícolas. Os índios começaram a se organizar, adotando o uso de cavalos: iniciaram uma ação não esperada pelos invasores e começaram a matar gado e vaqueiros e a incendiar sedes de fazendas. Os indígenas, antes pacíficos e amistosos descritos por Pero Vaz de Caminha, mediante a agressão sofrida pelos invasores, tornaram-se violentos para defender seus territórios. Povos como os Baicu, Tremembé, Anacé, Jaguaribara, Canindé, Jenipapos e Acriús aderiram ao movimento. Os colonizadores tinham como objetivo matar os índios e escravizar crianças e mulheres. Os silvícolas não dispunham de um comando único para enfrentar a guerra; isto os deixava vulneráveis e sem estratégias de ataques. Muitas vezes, os agressores dos índios os provocavam para que eles iniciassem o confronto e poderem declarar que a guerra era justa. Sendo declarada guerra justa, eles tinham o respaldo da Coroa para escravizar e vitimar. Como era de se esperar, os índios foram vencidos.

(^4) Progressivamente, a cana-de-açúcar foi substituindo a extração do pau-brasil, passando a ser a principal atividade econômica da região do Nordeste. 5 Atualmente, Município de Ruy Barbosa, no Estado da Bahia. Hoje, a base da economia é a pecuária de corte. Os bandeirantes paulistas, chefiados por Brás Rodrigo de Aragão, penetraram as terras de Orobó em busca de índios que habitavam a região. Mais tarde, sem a presença dos índios, as terras foram integradas às terras de Antônio Guedes de Brito, que logo iniciou a criação de gado na região. 6 Município do Estado da Bahia.

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Nada se fez para regulamentar as relações com os índios, embora nesse mesmo período a abertura de ferrovias através de mata, a navegação dos rios por barcos a vapor, a travessia dos sertões por linhas telegráficas, houvessem aberto muitas frentes de luta contra os índios, liquidando as últimas possibilidades de sobrevivência autônoma de diversos grupos tribais até então independentes (RIBEIRO, 1970, p. 127).

Com o extermínio dos índios, o governo distribuiu as terras aos colonos, que continuaram a criação de gado e a explorar as terras. Como o escoamento da carne era precário, eles começaram a fazer charques: a carne salgada poderia ser enviada para diversas partes do território sem prejuízo. Dados do IBGE^7 mostram que, desde 1530, o Brasil já tinha registro da escravização dos índios. Esta prática começou a ser combatida pelos padres da Companhia de Jesus, em 1549, com a implantação do processo de aldeamento. Neste processo, os padres jesuítas combatiam a escravidão dos índios pelos exploradores europeus. Já no século XVI, precisamente em 1570, foi editada a primeira lei contra o cativeiro indígena. A lei permitia escravizar os índios através de alegação de “guerra justa”. No ano de 1609, a Coroa portuguesa publicou a lei que reafirmava a liberdade dos índios do Brasil, lei esta que tentava, mais uma vez, garantir a liberdade dos índios. Outra lei, de 1755, proibia definitivamente a escravidão dos índios: ela procurava integrar os índios à vida social da colônia. Com a secularização dos aldeamentos, os índios foram declarados vassalos da Coroa Portuguesa. Em 1910, o Estado brasileiro tutelou os indígenas com a criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI). No ano de 1967, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). O encontro dos europeus com os índios de Porto Seguro, da Ilha de Vera Cruz,^8 assim descrito por Pero Vaz de Caminha, em 1º de maio de 1500, apresentou os índios como pacíficos e acolhedores, não mostrando resistência, mas, ao contrário, receptivos aos que estavam chegando. Em momento algum, o autor fez menção à agressividade para com os portugueses, mas descreveu:

Neste dia, enquanto ali andavam, dançaram e bailaram sempre com os nossos, ao som de um tamboril nosso, como se fossem mais amigos nossos do que dos seus. Se lhes a gente acenava, se queriam vir às naus, aprontavam-se logo para isso, de modo tal, que se os convidáramos a todos, todos vieram. Porém não levamos esta noite às naus senão quatro ou cinco; a saber, o capitão-mor, dois; e Simão de Miranda, um que já trazia por pagem; e Aires Gomes a outro, pagem também. Os que o Capitão trazia, era um deles um dos seus hóspedes que lhe haviam trazido à primeira vez quando aqui chegamos – o qual veio hoje aqui vestido na minha camisa, e com ele

(^7) INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. Políticas indigenistas : do século XVI ao século XX. Disponível em: http://cod.ibge.gov.br/213C6. Aceso em: 31 ago. 2014. 8 Em 23 de julho de 1883, a vila que pertencia a Porto Seguro foi emancipada, tornando-se município de Santa Cruz Cabrália. Neste município habitam os índios Pataxós.