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Psicologia do juiz Psicologia do juiz, Notas de aula de Psicologia

Psicologia do juiz Psicologia do juiz

Tipologia: Notas de aula

2020

Compartilhado em 15/04/2020

angelic-almeida
angelic-almeida 🇧🇷

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Introdução

O processo desperta sentimentos em todos os envolvidos, in- clusive no juiz. Tais sentimentos decorrem, em uma análise mais apro- fundada, dos ajustamentos peculiares que cada indivíduo realiza ao meio, também chamados de personalidade. A personalidade é constituída de tendências determinantes que desempenham papel ativo no comportamento do indivíduo. Assim, cada

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Trata-se de um exercício de reconhecimento e administração dos próprios sentimentos, pois vários recursos emocionais podem ser uti- lizados produtivamente para a tomada de decisão. Cite-se, como exemplo, o uso da intuição para detectar se uma pessoa mente ou pretende fazê-lo. Pela intuição, o juiz deixa de usar exclusivamente o pensamento racional e os sentidos, para captar algo importante no sujeito. Assim, a intuição pode ser um instrumento útil para a Justiça desde que seja seguida pela verificação objetiva do juiz.

Conquanto o julgamento reflita, inevitavelmente, a personali- dade do juiz, o conhecimento de seus aspectos emocionais pode evitar que ele aceite ou rejeite, de imediato, os argumentos das partes porque destoantes de seus valores, crenças e sentimentos. Não se pode opor-se à realidade só porque ela é contrária ao seu pensamento pré-constituído. Ainda que tentado a admitir ou repelir tais ideias externas por meio de uma análise superficial dos fatos, o juiz deve conter seu espírito para não descuidar de pontos que podem ser essenciais para o deslinde da causa e que servirão de fundamento para uma decisão mais justa. Não é o caso concreto que deve se adequar ao sistema conceitual do juiz, mas é o ma- gistrado que deve ser capaz de adotar novos pensamentos conforme exija o caso submetido a julgamento. Trata-se de tendência inconsciente do juiz de usar seus próprios valores para julgar a conduta alheia, mas imperfeita na medida em que a análise acurada das circunstâncias que motivaram o comportamento da parte pode levar a decisão em sentido contrário da inicialmente intuída pelo julgador. Um juiz excessivamente preso a detalhes pode ter uma compre- ensão inexata dos verdadeiros elementos relevantes para a causa, assim como o magistrado com perfil sintético pode generalizar inadequadamen- te situações com natureza diversa e que, portanto, comportam julgamen- tos distintos adaptados às suas peculiaridades. Os altamente sintéticos

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tendem a repetir sentenças aplicadas a casos análogos, baseando-se ex- clusivamente em sua sensibilidade, mas isso pode levar a decisões in- justas. Assim, deve o juiz estar atento ao automatismo com que profere decisões, pois a conduta humana não se enquadra em classes comporta- mentais rígidas e estanques, sendo múltiplas as causas que motivam o comportamento do homem. É o cuidado para que casos semelhantes não sejam tomados como idênticos, sobretudo se considerada a complexidade de nossa sociedade, que exige decisões judiciais plásticas e mutáveis, de- vidamente adequadas às circunstâncias da vida social. A personalidade do juiz pode explicar diversos comportamen- tos, tais como dificuldade em condenar, atitudes agressivas, falta de pa- ciência, constante posição defensiva, medo, otimismo exagerado, super- ficialidade, humor instável, ira, indiferença, arrogância, dificuldades de relacionamento, timidez, temores, angústias, frustrações, apatia, com- pulsões, disciplina, ordem, seriedade, flexibilidade, detalhamento inútil, perfeccionismo, controle, estresse, desgaste, responsabilidade, satisfa- ção, comprometimento, competitividade, dificuldade em lidar com críti- cas, insegurança, equilíbrio, dentre outros. A propósito da influência dos diferentes tipos de personalidade do juiz na decisão jurisdicional, o médico psiquiatra David Zimerman afir- ma que “a capacidade de julgar a realidade exterior depende diretamente de como é o juízo crítico de cada pessoa em relação ao seu mundo inte- rior” (ZIMERMAN, 2002a, p. 103). Nesse sentido, afirma esse autor que se a personalidade do juiz for depressiva , ele terá sérias dificuldades em condenar alguém, pois abri- ga sentimentos de culpa e fantasias de que é corresponsável pelos ma- les e tragédias dos outros. Se a personalidade for paranoide , manter-se-á em constante posição defensiva e responderá com atitudes agressivas, pois sua tomada de conhecimentos se processa à margem da realidade. Se a personalidade for maníaca , ele apresentará humor instável e, dian- te de qualquer frustração, sua manifesta alegria se transformará em ira, pois ostenta um otimismo exagerado para, no fundo, fugir de uma de- pressão. Se a personalidade for esquizoide , ele terá sérias dificuldades de

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como a influência de fatores emocionais de simpatia ou de antipatia, que se projetam sobre as testemunhas, os advogados e as partes.

A emoção e a decisão

Além do perfil caracterológico, as emoções também influen- ciam na atuação do juiz. O próprio magistrado está sujeito a mecanismos psíquicos de defesa, como perda de atenção, esquecimento ou desconsi- deração de detalhes, quando se vê diante de temas ou situações que lhe ocasionam sofrimento psíquico, ou seja, quando seus valores pessoais são confrontados ou agredidos. Além disso, existe a tendência de o juiz rejeitar argumentos que contrariem suas crenças e aplicar esquemas de pensamentos próprios na valoração de depoimentos e provas. A propósito do tema, David Zimerman afirma que o juiz deve desenvolver empatia , entendida como a capacidade de se colocar no papel do outro, de modo a sentir o verdadeiro sofrimento alheio e, com isso, desenvolver um mínimo de sadio envolvimento afetivo para a solução da causa. Aliás, ressalta esse autor que a falta de um interesse autêntico do juiz pode resultar em falta de sintonia com o trabalho, o qual passa a ser nada além de um “processo unicamente protocolar, monótono e muitas vezes estéril” (ZIMERMAN, 2002b, p. 584-585). Da mesma forma, experiências anteriores do juiz podem inter- ferir na sentença, gerando comportamentos favoráveis ou desfavoráveis. Essas experiências podem explicar, por exemplo, porque o magistrado involuntariamente tem afeição ou repulsa por mulheres loiras, homens violentos, pais, mães, policiais, vítimas em geral, padres, pastores, médi- cos, professores, mecânicos, etc. Assim, o equilíbrio para o julgamento só é alcançado por meio do controle do mecanismo psicológico do juiz, que permite o reconhecimento e o direcionamento de tudo o que é captado pelos sentidos. Sendo assim, David Zimerman defende que o juiz deve desen- volver a capacidade de ser continente , ou seja, poder conter dentro de

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si, durante certo tempo, sem a necessidade de devolver imediatamente, toda a carga de necessidades, demandas e angústias que os interessados no processo projetam dentro dele. E esse atributo deve se estender ain- da para a autocontinência , para que o juiz possa conter dentro de si suas próprias angústias e sentimentos difíceis que lhe foram despertados pelo processo para melhor proferir sua decisão ZIMERMAN; COLTRO, 2002b, p. 585-586). Daí resulta a importância, segundo o autor, de o juiz fazer uma dissociação útil do ego , isto é, mesmo que esteja passando por alguma crise emocional, o juiz deve intimamente reconhecer e assumir o que se passa consigo e “manter bem separados o homem que tem plenos direi- tos a toda ordem de sentimentos e o profissional que deve manter a sua neutralidade, disponibilidade e um verdadeiro interesse na sua função” (ZIMERMAN; COLTRO, 2002b, p. 590). No mesmo sentido, José Osmir Fiorelli e Rosana Cathya Ragazzoni Mangini (2009, p. 174) advertem que quando o juiz se deixa dominar pela emoção compromete percepção, atenção, pensamento e me- mória, abrindo-se espaço para enganos de raciocínio, falhas de percepção, lapsos e outros fenômenos psíquicos que sujeitam o julgador a crenças ina- dequadas, esquemas rígidos de pensamento, pensamentos automáticos, preconceitos e mecanismos de defesa que comprometem o desempenho do seu papel profissional.

Os valores sociais e a decisão

Outro desafio daquele que julga é desvencilhar-se dos efeitos do social sobre si. Falar de subjetividade humana é falar da objetividade em que vivem os homens. A compreensão do mundo interno exige a compre- ensão do mundo externo , pois são dois aspectos de um mesmo processo no qual o homem atua e constrói/modifica o mundo, e este, por sua vez, propicia os elementos para a constituição psicológica do homem. Assim, o mundo psicológico do juiz está em relação dialética com o mundo social.

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judicial. Muitos são os sentimentos que motivam um processo judicial: ódio, vingança, necessidades financeiras, sentimento de justiça, desejo de desculpas, dentre outros. Além disso, as características das partes (valo- res, motivações, aspirações, objetivos, recursos físicos, intelectuais e so- ciais, crenças, expectativas), o relacionamento anterior havido entre os litigantes e o próprio ambiente social interferem diretamente no conflito. A apuração da verdade fica muito mais fácil quando o juiz desco- bre a causa psicológica da pretensão. Por isso, afirma-se que deve existir sintonia emocional (ZIMERMAN, 2002a, p. 112) entre o juiz e o entrevis- tado, a fim de que o julgador possa: perceber e interpretar as emoções que dominam os indivíduos e os efeitos que elas possam ocasionar em seu comportamento; identificar informações relevantes para a busca da ver- dade; formular questões adequadas à elaboração mental dos indivíduos; e utilizar uma linguagem compreensível pelo entrevistado. Da mesma forma, a análise prévia do tipo de personalidade e das relações afetivas da testemunha permite verificar se o testemunho é ou não imparcial. Entender a extensão com que ocorrem as interferências emocionais sobre o testemunho aumenta as chances de melhor lidar com a testemunha e obter dela um relato fático que seja mais próximo possí- vel da realidade. Esse conhecimento ainda auxilia o julgador no papel de conciliador, permitindo o oferecimento de propostas com ganhos mútuos e com maiores chances de aceitação pelas partes. Além disso, o juiz decide com base na realidade produzida pelas partes no processo, interpretada por seus fenômenos mentais e pelos mo- delos culturais existentes no ambiente social. É importante que o magis- trado tenha conhecimento de que a realidade exposta pela parte é fruto de seu subjetivismo , na medida em que os indivíduos interpretam os fatos de acordo com suas tendências afetivas (MIRA Y LOPEZ, 2009, p. 144). Nem sempre a realidade efetiva dos acontecimentos guarda relação direta com a realidade psíquica das partes. Um mesmo fato pode gerar diferentes in- terpretações, pois cada indivíduo possui uma visão particular de mundo influenciada por fatores que vão desde o aparelho sensório de cada pessoa até o contexto social e cultural em que ela está inserida.

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A realidade efetiva sofre tanto a deformação voluntária e cons- ciente do indivíduo como a distorção involuntária decorrente da afetivi- dade própria da cada pessoa. Os estímulos ambientais são interpretados pelas pessoas, de modo que um mesmo conjunto de estímulos pode gerar diferentes percepções em diferentes pessoas. As experiências passadas, os valores, as crenças, os conhecimentos, as características dos estímulos, os processos inconsciente, as expectativas, a violência e o estado emocional, dentre outros, são fatores que afetam profundamente a interpretação das informações pelo cérebro. Assim, em verdade, é a realidade psíquica , ela- borada pelos conteúdos mentais dos indivíduos, que é trazida ao processo para julgamento pelo juiz. Esse fenômeno de distorção subjetiva da realidade também afeta testemunhas, principalmente porque o processo de armazenamento das informações continua a sofrer atuação de outros fatores, como crenças, padrões, experiências vividas, novas informações, dentre outros. Quanto mais emotiva e intensa for a situação, menos a testemunha se recordará dos detalhes do fato, pois o que se observa é a atuação de mecanismos psí- quicos inconscientes do indivíduo que impõem o esquecimento de fatos traumáticos e dolorosos. Além disso, verifica-se uma diminuição no grau de retenção das informações à medida que o tempo passa. Assim, a construção da realidade efetiva depende do trabalho do juiz de confrontação dos depoimentos das partes, das testemunhas e de todos os elementos de prova trazidos aos autos. Trata-se de uma espécie de trabalho seletivo em que as semelhanças e coincidências são agrupadas para a apreensão dos eventos fáticos, afastando-se as predisposições per- ceptivas e emocionais das partes e testemunhas. No entanto, é importan- te ressaltar que esse trabalho de seleção do material sobre o qual será pro- ferido o julgamento depende da percepção do magistrado, pois somente será analisado aquilo que conseguiu adentrar a consciência do julgador. Em outras palavras, elementos importantes para o processo podem ser ignorados, pois não foram considerados relevantes para o juiz, confor- me seu processo subjetivo de focalização da percepção. Esse fenômeno pode se dar fora da consciência do magistrado, que deve ficar atento para

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este decide com base naquilo que adentrou, pela percepção, o mundo da sua consciência. O processo perceptivo, por sua vez, se dá sob a influência de di- versos fatores, alguns inconscientes e provenientes do ambiente social em que os homens estão inseridos. Assim, cabe ao juiz selecionar com atenção o material sobre o qual pronunciará o seu juízo e, conquanto não possa afas- tar totalmente suas emoções do produto do julgamento, deve estar atento a esse processo de interferência emocional, evitando atitudes precipitadas, rejeição de elementos importantes para o processo e juízos de valores que não refletem os verdadeiros interesses da sociedade.

Referências

FIORELLI, J. O. Psicologia aplicada ao Direito. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região , n. 15, p. 55-73, 2010.

FIORELLI, J. O.; MANGINI, R. C. R. Psicologia jurídica. São Paulo: Atlas, 2009.

MIRA Y LÓPEZ, E. Manual de psicologia jurídica. São Paulo: Vida Livros,

ZIMERMAN, D. A influência dos fatores psicológicos inconscientes na deci- são jurisdicional: a crise do magistrado. In: ZIMERMAN, D.; COLTRO, A. C. M. Aspectos psicológicos da atividade jurídica. Campinas: Millennium, 2002a. p. 11-143.

ZIMERMAN, D. Uma aproximação entre o perfil da figura do juiz de direito e a do psicanalista. In: ZIMERMAN, D.; COLTRO, A. C. M. Aspectos psicológicos da atividade jurídica. Campinas: Millennium, 2002b. p. 583-625.

Recebido: 30/11/ Received : 11/30/

Aprovado: 12/07/ Approved : 07/12/