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Este documento aborda o princípio da insignificância no direito penal, analisando sua origem, princípios fundamentadores e a necessidade de sua aplicação. O texto também discute a natureza jurídica e o entendimento predominante da jurisprudência atual, além da importância de incluir este princípio no ordenamento jurídico pátrio. O documento também inclui palavras-chave relacionadas.
Tipologia: Exercícios
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Advogada. Ex-estagiária do Ministério Público de São Paulo. Graduada pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus.
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histórica e as divergências acerca de seu marco inicial, bem como alguns de seus princípios embasadores, de suma importância para a demonstração da necessidade de sua aplicação, passando-se, então, à análise de seu conceito, definição esta in- dispensável à delimitação da abrangência do Princípio estudado. Ademais, analisam-se os conceitos de tipicidade formal e de tipicidade ma- terial, situando-os no âmbito da Teoria Constitucionalista do Delito, a qual afirma a necessidade da configuração de ambos para a existência de eventual fato típico. Em momento posterior destaca-se a natureza jurídica deste Princípio, em que são analisadas as três posições e ressaltadas as consequências do acolhimento de cada uma delas. São tecidas considerações acerca da corrente de maior expressividade atual- mente, que é aquela que considera o Princípio da Insignificância causa excludente da tipicidade material. Nesse sentido o posicionamento prevalente no Supremo Tri- bunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesse diapasão, ressalta-se relevante decisão do Supremo Tribunal Federal, na qual o Ministro Celso de Mello aponta os vetores para a aplicação do Princípio em epígrafe. Tal julgado possui demasiada relevância, pois consolida, por meio de apontamentos para sua utilização no caso concreto, o tema ora estudado. Destaca-se, contudo, a divergência das opiniões acerca da possibilidade de análise das circunstâncias judiciais no momento da aplicação do Princípio da Insignificância. Ao final, demonstrada a possibilidade e relevância de sua aplicação imediata por meio da analogia ou interpretação interativa, sugere-se a elaboração de norma que concretize, legalmente, a existência do Princípio da Insignificância no Código Penal, a fim de dirimir eventuais controvérsias acerca do tema, uma vez que não é pacífico.
A origem do Princípio da Insignificância (ou Bagatela) é tema demasiada- mente polêmico, não se podendo precisar o termo exato de seu advento. A controvérsia divide-se, basicamente, em duas posições. Defendida por Diomar Ackel Filho e Carlos Vico Mañas, vertente majoritária sustenta seu início no Direito Romano, em que o brocardo minima non curat praetor era aplicado e o pretor, de maneira geral, não se ocupava dos delitos de bagatela 1. Há, contudo, outra corrente que nega a origem do Princípio no Direito Ro- mano Antigo, seja pelo fundamento de que a máxima supra era aplicada sob a ótica civil, dado o desenvolvimento romano sob o aspecto do Direito Privado, conforme
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sustenta Maurício Ribeiro Lopes, seja em virtude da negativa da existência do bro- cardo na época, pois seria desconhecida, em seu sentido atual que possui, dos ju- ristas romanos antigos a ideia de insignificância e por estar ausente das compilações dos principais glosadores, tese esta sustentada por Guzmán Dalbora^2. Ressalta-se que o Princípio da Insignificância ( Geringfügirkeitsprinzip ) foi in- troduzido no Direito Penal por Claus Roxin como causa excludente da tipicidade 3 , o qual tinha o brocardo minima non curat praetor como regra auxiliar, uma vez que a mera previsão da adequação social a ser observada pelo legislador, não bastaria, por si só, para afastar o injusto, sendo, assim, tal princípio imprescindível para afastar os danos de pequena monta. Atualmente, são muitos os princípios fundamentadores da insignificância. Dá-se, contudo, especial destaque a dois deles, quais sejam, o da Proporcionalidade e o da Intervenção Mínima. O Princípio da Proporcionalidade dispõe que a pena deve ser proporcional à gravidade da infração praticada, de maneira que, quanto mais grave o delito, maior a pena. Dispôs Beccaria, ao tratar da “Proporção entre os Delitos e as Penas”, que: Se o prazer e a dor são a força motora dos seres sensíveis, se entre os motivos que impelem os homens às ações mais sublimes foram colocados pelo Legis- lador invisíveis o prêmio e o castigo, a distribuição desigual destes produzirá a contradição, tanto menos evidente quanto mais é comum, de que as penas punem os delitos que fizeram nascer. Se uma pena igual é destinada a dois delitos que ofendem desigualmente a sociedade, os homens não encontraram um obstáculo forte o suficiente para não cometer um delito maior, se dele resultar uma vantagem maior^4. Nesse diapasão é que o Princípio da Insignificância emerge, afastando a punição excessiva que viria a ser aplicada por ocasião da prática de ato de mínima lesividade, mas que se enquadrou perfeitamente ao tipo penal descrito e desestimulando a prática de condutas mais graves, diante de consequências praticamente idênticas. Por sua vez, a noção de intervenção mínima, que se consolidou com o ad- vento da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789 5 , consiste na abstenção do Direito Penal quando for possível atingir a eficácia e o objetivo da norma de maneira menos gravosa, sendo aplicado, apenas, como ultima ratio. O Princípio da Intervenção Mínima é sustentado, basicamente, por dois pila- res, representados pela fragmentariedade e subsidiariedade.
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mento entre a conduta humana e o tipo penal. A adequação típica, por sua vez, con- siste no encaixe supramencionado somado a uma análise subjetiva, ou seja, ela “[...] vai além, investigando se houve vontade, para só então efetuar o enquadramento”^11. Contudo, desde o advento da Teoria Finalista da Ação, a realização de tal distinção perdeu seu escopo principal. Como bem observa Fernando Capez, “para essa adequação, a teoria finalista exige o comportamento doloso ou culposo, e a teoria social, além disso, a vontade de produzir um dano socialmente relevante” 12.
2.1. Tipicidade formal O fato é considerado típico, do ponto de vista meramente formal, quando adequado à letra da lei, ou seja, ao tipo legal do crime, que é a descrição do con- junto dos requisitos linguísticos, literais ou gramaticais fundamentadores de deter- minada forma de ofensa ao bem jurídico 13. Nesse sentido, afirma Francisco de Assis Toledo que tal tipicidade é, antes, um juízo formal de subsunção, que decorre da “função de garantia” do tipo, a fim de que se observe o princípio da anterioridade da lei penal 14. É cediço que, para a configuração de um fato típico, devem estar presentes, em síntese, a conduta voluntária, o resultado, a tipicidade e o nexo de causalidade. Assim, a ausência de um requisito elementar conduz à atipicidade total ou parcial, a qual ocorre quando uma conduta fática, real, não corresponder à descri- ção típica da norma em abstrato, de maneira que a tipicidade formal restará excluí- da, inexistindo, pois, fato típico.
2.2. Tipicidade material A concepção material da tipicidade penal consiste na exigência de a conduta típica ser concretamente lesiva ao bem jurídico tutelado, em razão do conteúdo va- lorativo do tipo penal, traduzido em verdadeiro modelo de conduta proibida, o qual não é apenas pura imagem formal, eminentemente diretiva 15. É evidente, pois, que a mera subsunção formal do fato real ao tipo penal não é apta, por si só, à configuração da adequação típica ou tipicidade. Nesse sentido preceitua Luiz Flávio Gomes que “O Direito penal moderno não é um puro raciocínio de lógica formal. É necessário considerar o sentido huma- nístico da norma jurídica. Toda lei tem um sentido teleológico” 16. Assim:
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Como cediço, por imperativo do princípio da legalidade, somente a adequa- ção total da conduta do agente ao tipo penal incriminador faz surgir a tipi- cidade formal ou legal. No entanto, esse conceito não é suficiente para a concretude da tipicidade penal, uma vez que essa deve ser analisada também sob a perspectiva de seu caráter material, tendo como base a realidade em que a sociedade vive, de sorte a impedir que a atuação estatal se dê além do reclamado pelo interesse público^17.
Impõe-se, assim, mencionar os elementos da tipicidade material, sob dife- rentes prismas. Segundo o autor supramencionado, eles estão divididos em três juízos valorati- vos, quais sejam, juízo de desaprovação da conduta (criação ou incremento de riscos proibidos relevantes), juízo de desaprovação do resultado (ofensa desvaliosa ao bem jurídico ou desvalor do resultado, que significa a exigência de lesão ou perigo concre- to de lesão ao bem jurídico, em observância à máxima nullum crimen sine iniuria ) e imputação objetiva do resultado (o resultado deve ter ligação direta com o risco criado ou incrementado, ou seja, nexo de imputação) e, nos crimes dolosos, sua constatação, bem como de outros eventuais requisitos subjetivos especiais (dimensão subjetiva)^18. Faz-se mister ressaltar posição doutrinária, representada por Zaffaroni, em que se defende um conceito de Tipicidade Conglobante, segundo a qual juízo de tipicidade deve ser concretizado de acordo com o sistema normativo considerado em sua globalidade. O que Zaffaroni chama de tipicidade conglobante, consistente na somatória da ofensividade e a imputação objetiva, Luiz Flávio Gomes denomina de tipicida- de material, a qual requer, segundo este, não dois, mas sim, três juízos valoratvos distintos 19. Assim, através da tipicidade conglobante, aquelas situações consideradas tí- picas, porém lícitas, isto é, enquadráveis nas excludentes de ilicitude, deveriam ser consideradas atípicas, pela falta de tipicidade conglobante, haja vista que um fato que aparentemente viola uma norma penal incriminadora ou proibitiva, não deve ser permitido, tampouco incentivado por outra norma 20. Nesse sentido, Rogério Greco preceitua que, para poder se falar em tipici- dade penal, é preciso haver a função da tipicidade formal ou legal com a tipicidade conglobante, formada pela antinormatividade e pela tipicidade material. Assim, a conduta seria antinormativa por não ser ela imposta ou fomentada pelo Estado. A tipicidade material, por sua vez, representaria o critério para se aferir
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tal e qual propõe a doutrina finalista, mas com o controle material dos princípios constitucionais do direito penal”^28. Afirma, ainda, ser ela, “no fundo, uma teoria finalista acrescida de rigoroso controle material sobre o conteúdo do fato típico”^29. A Teoria Constitucionalista do Delito representa, pois, a união dos elemen- tos configuradores da tipicidade penal em sentido material, também chamada de constitucional, acolhida pelo entendimento moderno, cujos elementos integrantes consistem na somatória da tipicidade formal e tipicidade material ou normativa 30. Nesse sentido, preceitua Fernando Capez que: O fato típico será, por conseguinte, resultante da somatória dos seguintes fa- tores: subsunção formal (era o que bastava para a teoria naturalista ou causal)
Tal teoria vem ganhando expressividade atualmente no âmbito jurisprudencial. Nesse diapasão, ressalta-se a adesão dos Tribunais a essa Teoria. Cumpre salientar que, no julgamento do Habeas Corpus 161800/MG, o Ministro Arnaldo Es- teves Lima sustentou que “A moderna doutrina (Teoria Constitucionalista do Delito) desmembra a tipicidade penal, necessária à caracterização do fato típico, em três aspectos: o formal ou objetivo, o subjetivo e o material ou normativo”^32 , corroboran- do, assim, o entendimento supraexposto.
3.1. Princípio da insignificância como causa excludente de tipicidade Consoante entendimento majoritário, sustentado por Francisco de Assis Tole- do, Diomar Ackel e Odone Sanguiné, o Princípio da Insignificância possui natureza jurídica de causa excludente de tipicidade. No mesmo sentido, tem se manifestado a jurisprudência pátria 33. Consoante tal entendimento, tem-se que o Princípio supra deve atingir, tor- nando-a atípica, conduta que tenha como consequência afetação insignificante ao
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bem jurídico penalmente tutelado, a qual, erroneamente, é alcançada pela abran- gência abstrata do tipo penal. O fato atípico não é ilícito penal, podendo, contudo, constituir um ilícito de outra natureza, seja ela civil, administrativa, ou mesmo ser objeto de tutela por outros controles formais e sociais eficazes^34. Assim exemplifica Fernando Capez: “[...]se a demissão com justa causa pa- cifica o conflito gerado pelo pequeno furto cometido pelo empregado, o direito trabalhista tornou inoportuno o ingresso do penal”. E ainda: “Se o furto de um chocolate em um supermercado já foi solucionado com o pagamento do débito e a expulsão do inconveniente freguês, não há necessi- dade de movimentar a máquina persecutória do Estado[...]” (^35). No caso de sanções administrativas como suficientes para a punição do agente, tem-se, por exemplo, o servidor público acusado de ter cometido peculato consistente no desvio de algumas poucas amostras de amêndoas 36. Tendo em vista que o escopo do tipo penal é tutelar um bem jurídico, todas as vezes que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o inte- resse protegido, não haverá adequação típica, haja vista que no tipo penal não estão descritas condutas incapazes de ofender o bem jurídico tutelado. Assim, os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos 37. Destarte, os delitos corriqueiros, presentes na realidade brasileira atualmen- te, não seriam objeto de tutela do Direito Penal, de maneira a afastar a responsabili- dade penal do agente, o qual, contudo, responderia perante outros ramos do direito, o que garantiria a punição de maneira proporcional e justa daqueles que atentassem infimamente contra ordenamento jurídico pátrio.
3.2. Princípio da insignificância como causa excludente de ilicitude A norma justificante, a qual contempla uma causa excludente da antijuridi- cidade, permite que, diante de uma situação de conflito, sejam realizadas condutas típicas lesivas para salvaguarda de um dos bens jurídicos que se acham em colisão^38. Nesse sentido, há posição que vincula o Princípio da Insignificância ao afas- tamento da ilicitude, de maneira a impossibilitar a configuração do crime. Tal entendimento é defendido, consoante citado por Ivan Luiz da Silva 39 , por Alberto Silva Franco, Carlos Frederico Pereira, Juarez Tavares e consiste na atribui- ção de essência material à ilicitude, representada pela lesão ou exposição à lesão dos bens jurídicos tutelados, de maneira que um fato irrelevante, do ponto de vista penal, apesar de típico, seria lícito, afastando-se o crime.
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havendo tão somente a exclusão da pena, devendo-se, assim, ser reconhecida sua incidência sobre a estrutura interna do delito, que é formada pelos elementos tipici- dade e antijuridicidade^43. Ademais, destaca-se que a culpabilidade é a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico, reprovabilidade esta que vem a recair sob o agente 44 , ou, nas palavras de Luiz Flávio Gomes, “é juízo de reprovação que recai sobre o agente do fato que podia se motivar de acordo com a norma e agir de modo diverso, conforme o Direito” 45. Destarte, uma vez que o Princípio da Insignificância é voltado a afastar do âmbito do Direito Penal fatos típicos que não ofendem o bem jurídico tutelado pela norma penal, não se tratando de juízo de reprovação ou censurabilidade acerca do autor do delito, não há que se conceber a insignificância como causa excludente de culpabilidade.
3.4. Posicionamento do supremo tribunal federal e do superior tribunal de justiça Uma vez firmada a ampla aceitação doutrinária do Princípio da Insignificân- cia, sobressai, da mesma maneira, seu reconhecimento pela jurisprudência brasilei- ra, que vem admitindo-o há anos 46. Primeiramente, vale ressaltar o entendimento sobressalente no Supremo Tribu- nal Federal, atribuindo-se especial destaque a duas decisões no âmbito desse Tribunal. Com efeito, o posicionamento que prevalece atualmente é no sentido da aceitação do Princípio da Insignificância como causa excludente da tipicidade, cor- roborando o entendimento de que, na lesão ou na conduta insignificante, o fato que pode ser formalmente típico pode, todavia, não o ser materialmente 47. Consoante bem observado pelo Ministro Celso de Mello, na decisão proferi- da no Habeas Corpus 84.412/SP:
O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em ma- téria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material.
No mesmo julgamento, estabeleceu relevantes critérios ou vetores que en- tende devam ser observados para que se reconheça o princípio da insignificância:
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2010. p. 163.
JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2006. p.155.
GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 543-544.
GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 58.
GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 317.
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O princípio da insignificância – que considera necessária, na aferição do re- levo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamen- to e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidi- ário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público^48.
A Ministra Ellen Gracie, no Habeas Corpus 96.688/RS, partilhando desse posicionamento, manifestou-se pela necessidade de reconhecimento do Princípio da Insignificância como excludente da tipicidade material ou normativa:
Considero, na linha do pensamento jurisprudencial mais atualizado que, não ocorrendo ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal, por ser mínima (ou nenhuma a lesão), há de ser reconhecida a excludente de tipicidade re- presentada pela aplicação do princípio da insignificância. O comportamento passa a ser considerado irrelevante sob a perspectiva do Direito Penal diante da ausência de ofensa ao bem jurídico protegido. O fato insignificante (ou irrelevante penal) é excluído de tipicidade penal, podendo, por óbvio, ser objeto de tratamento adequado por outras áreas do Direito, como ilícito civil ou falta administrativa 49.
Faz-se mister analisar, ademais, decisões do Superior Tribunal de Justiça, no que tange ao Princípio em destaque, que, da mesma maneira, vêm recrudescendo no sentido de seu acolhimento como causa excludente de tipicidade, uma vez pre- enchidos os requisitos pertinentes. O Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em voto proferido no Habeas Corpus 192534/SP, indicou os fundamentos de sua existência, situando-o no ordenamento jurídico pátrio 50 , e, ao analisar a incidência deste Princípio ao crime de furto praticado mediante inexpressiva lesão ao bem jurídico tutelado pelo Direito Penal, acabou por traduzir, em síntese, o entendimento prevalente no âmbito do STJ. Expõe o Ministro que o Princípio, diretamente ligado aos postulados da frag- mentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto do STJ quanto do Colendo STF, como causa supralegal de exclusão de tipicidade.
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mas para impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto”(HC n. 102.088/RS, Primeira Tur- ma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 21/5/2010)^54.
Como postulado de política criminal, o Princípio da Insignificância não pos- sui previsão expressa no Código Penal brasileiro, sendo patente sua relevância. Contudo, tem-se a possibilidade de sua atual aplicação, por ser um Princípio Geral de Direito. Consoante Vitor Frederico kümpel:
Os princípios gerais de direito são cânones, ou seja, proposições de caráter geral e amplo que englobam implícita ou explicitamente um conjunto de nor- mas, que determinam a produção de efeitos no sistema jurídico. São, portanto, diretrizes não só para a produção de efeitos das disposições normativas, como também para integrar a lacuna sistêmica^55. Nesse contexto, Eros Grau equipara os Princípios Implícitos aos Princípios Gerais do Direito, cabendo ao intérprete e/ou operador jurídicos descobri-los:
Os princípios gerais do direito são, assim, efetivamente descobertos no interior de determinado ordenamento. E o são justamente porque neste mesmo orde- namento – isto é, no interior dele – já se encontravam, em estado de latência^56. Assim, ante a dificuldade de se exaurir, por meio de leis, todas as normas necessárias no âmbito do Direito, mister realizar-se, por ora, interpretação, pelo operador do direito, a fim de aplicar o presente Princípio constitucional implícito, dada sua imprescindibilidade. Nesse sentido, dispõe Abel Cornejo que: carece de fundamento sustentar que não existe uma norma expressa que con- sagre ao princípio da insignificância, porquanto é costume inveterado, que a lei escrita não pode abarcar todas as possibilidades ou eventos que na vida se apresentam^57. Destarte, a despeito da ausência de previsão legal no Código Penal brasilei- ro, tal princípio pode ser reconhecido no sistema penal constitucional pela comple-
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mentação natural, através de procedimento de interpretação/concretização entre o Princípio da Legalidade penal e os demais princípios penais expressos^58. No sentido do exposto, destaca-se a lição de Julio Fabbrini Mirabete, o qual dispõe que a excludente da tipicidade, ou seja, do injusto, pelo Princípio da Insig- nificância ou Bagatela, que a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo, não está inserta na lei brasileira, sendo, não obstante, aceita por analogia ou interpretação interativa, desde que não contra legem^59. Contudo, com o escopo de concretizar e nortear a jurisprudência e a dou- trina crescentes, faz-se mister a inclusão do presente Princípio, pelo legislador, por meio de cláusula geral bagatelar, ou seja, um auxiliar de interpretação restritiva, de observância necessária, no âmbito do Direito Penal, de maneira a restringir o teor literal do tipo, afastando-se a punição concreta. Desse modo, excluir-se-iam do âmbito do Direito Penal fatos que ofendem minimamente o bem jurídico por ele tutelado, de maneira a evitar a arbitrariedade e a insegurança, compensando o alcance indistinto do tipo penal em abstrato às inúmeras e diferentes situações concretas, que a ele se adequam, no que se refere à intensidade de lesão ao bem jurídico protegido. Tal sugestão atingiria o legislador no que diz respeito à realização de uma cláusula geral para evitar o enquadramento do fato à norma admitindo-se o Princí- pio da Insignificância como corretivo da abstração do tipo penal 60. Por sua vez, alcançaria, também, o operador do direito, que tem a meritória função de aplicar a lei ao caso concreto, devendo abster-se de enquadrar à descri- ção criminosa condutas que, apesar de típicas, não apresentam gravidade passível de represália. Assim:
é o julgador quem deverá determinar em cada caso concreto se nos encontra- mos frente a uma hipótese de insignificância – e, em consequência, da impu- nidade – ou se, pelo contrário, a conduta de entidade suficiente para constituir um ilícito penal [...].O julgador deverá determinar o âmbito da insignificância da mesma forma que faz com qualquer instituto a que se refere o legislador penal, como é o caso da ‘autoria’, ‘participação’, ‘começo de execução’, ‘deli- to impossível’, ‘erro de tipo’, ‘obediência devida’ [...]. A lei se refere a eles sem determinar seu alcance, pois isso forma parte da função judicial^61.
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social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inex- pressividade da lesão jurídica provocada, bem como foi analisada sua natureza jurí- dica, traduzida em causa excludente de tipicidade. Tais vetores de interpretação vêm sendo reiteradamente mencionados nos julgados e doutrinas atuais, representando nova tendência no Direito Penal. Atualmente, possui o Princípio sub examen aplicabilidade imediata, não sen- do escusa plausível para seu afastamento a ausência de previsão pelo ordenamento jurídico pátrio, haja vista se tratar de Princípio Geral de Direito, que é apto, por si só, à produção de efeitos no sistema jurídico. Outrossim, mediante a utilização da analogia ou da interpretação interativa, poder-se-ia sustentar a necessidade de seu reconhecimento, mesmo diante da ausência de norma específica e concreta nesse sentido no Código Penal. Todavia, a fim de dirimir as controvérsias atuais acerca da aplicação do Princípio da Insignificância, uma vez que não se trata de tema pacífico, sugere-se, a fim de con- cretizá-lo, a criação de norma penal, haja vista ser veículo de expressão do Direito Pe- nal, sendo possível, somente através dela, atingir seus fins estabelecidos legitimamente. Concretizando-se o Princípio em tela, garantir-se-ia a tão almejada previsão legal, a despeito da consciência da impossibilidade de o legislador esgotar, median- te norma escrita, todas as necessidades do Direito, mas, especialmente, pela rele- vância do tema, uma vez que se trata da liberdade individual do homem, princípio supremo no Regime Democrático de Direito vigente.
BECCARIA, Cesare Bonesana, Marchesi Di. Dos delitos e das penas. Trad. Lucia Gui- dicini, Alessandro Berti Contessa. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes. 2005. Titulo original: Dei delitti e dele pene.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. V.1.
ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. V.1.
GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito penal: parte geral_._ 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. V.2.
GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral: teoria constitucionalista do delito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 66. V.2.
______. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. V.1.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral_._ 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. V.1.
kÜMPEL, Vitor Frederico. Introdução ao estudo do direito: lei de introdução ao código civil e hermenêutica jurídica. São Paulo: Método, 2007.
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MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. 24.ed. São Paulo: Atlas,
SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. 1. ed. Curitiba: Juruá,
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal , 5. ed. São Paulo: Sarai- va,1994.