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Prática e didática da música de câmara (metodologias)
Tipologia: Trabalhos
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http://dx.doi.org/10.5965/
ORFEU, v.4, n.1, julho de 2019
LPCM-EMAC-UFG sonia_ray@ufg.br
ORFEU, v.4, n.1, julho de 2019
Resumo
Questões relativas à fundamentação da atuação do músico camerista e do pro- fessor de música de câmera são o foco deste texto. A pouca atenção de pesquisa- dores da área de performance musical aos fundamentos da realização e ensino desta prática tem levado a uma multiplicidade, por vezes desorientada, de ações na for- mação do camerista. O objetivo principal da discussão aqui apresentada é gerar re- flexão sobre o tema, bem como oferecer diretrizes para estudantes e professores de música de câmara. Partindo dos conceitos de Performance Musical (2015a) e Pedago- gia da Performance Musical (RAY, 2015b), são apresentados fundamentos e suges- tões de organização didática da música de câmara em nível intermediário (gradu- ação). Para tanto, o texto está organizado em três partes principais: 1) Fundamentos para uma Didática da Música de Câmara, 2) Elementos da prática e didática da música de câmara e 3) Considerações para o pla- nejamento da disciplina. A discussão e su- gestões aqui apresentadas evidenciam os benefícios de estudos conceituais focados na prática e didática da música de câmara, sobretudo em processos formais de ensino.
Palavras-chave: Pedagogia da Per- formance Musical, didática da música de câmera, formação do músico camerista.
Abstract
This text focuses on questions related to fundaments for the chamber musician and chamber music teacher’s work. The little attention music performance schol- ars have been given to the fundaments of its practice and teaching, has caused many uninformed instructions through- out chamber musicians’ education. The main goal of the present paper is to dis- cuss the theme as well as to offer direc- tions to both chamber music students and teachers. Based on the concepts Musical Performance (Ray, 2015a) and Musical Performance Pedagogy (Ray, 2015b), this article presents fundaments and sugges- tions on how to organize an undergrad- uate chamber musiccourse. The text is organized in three main parts: 1) Funda- mental approaches to chamber music di- dactics; 2 Practice and didacts of chamber music elements; and 3) Considerations on how to plan a chamber music course. The discussions and suggestions here pre- sented showed clearly that there are ben- efits of the conceptual studies addressed to chamber music students and teachers, particularly those involved in formal edu- cational.
Keywords: Music Performance Peda- gogy, Didacts of chamber music, Chamber musician’s education.
1 Graduada em Composição e Regência pela Universidade Estadual Paulista em 1993. Concluiu seus cursos de Mestrado e Doutorado na Universidade de Iowa. É sócia fundadora da Associação Brasileira de Contrabaixistas. Na Escola de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG) é professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação e tem projetos em andamento com temas variados relacionados à divulgação do contrabaixo e da música brasileira.
Sonia Ray
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Neste sentido, discutir fundamentos para uma didática da música de câmara impli- ca localizar no referido conceito os alicerces para se definir a didática desejada. Ao considerar a PPM uma área interdisciplinar, o conceito abriga a ideia de que não se faz performance musical apenas com o conhecimento de uma única área, no caso, a música. Como diz Cazarim (2007),
A formação do performer musical envolve, além dos aspectos teóricos e técni- cos inerentes à sua prática musical, saberes de várias áreas do conhecimento, como a psicologia, aspectos músculo esqueléticos [ sic ], física (acústica), filoso- fia, entre outras. Por isso, a performance musical tem se caracterizado como um campo de estudos interdisciplinares. (CAZARIM, 2007, p.582).
Apesar de ocupar um lugar principal e indispensável, a música precisa ser integra- da a outras áreas do conhecimento para que uma performance musical seja construída. Para tal, considera-se o conceito de Performance Musical (PM), desenvolvido em 2005, quando da apresentação dos Elementos da Performance Musical, aqui revisados. À épo- ca, a PM fora pensada como o “momento da performance”, o que não considero mais pertinente, uma vez que se trata de uma atividade interdisciplinar e que extrapola a ação de um ou mais elementos para se tornar o contexto todo em que ocorre a exposição do músico (ou a expectativa de estar exposto) à apreciação de outro(s). Assim, atualizando minha afirmação de 2015, diria que a Performance Musical se dá na prática do músico que necessariamente atua em público ou com a expectativa de estar em público em sua atividade principal.
Podemos estar falando de um recital, um concerto solista (ou camerista), um concerto com grandes conjuntos (como coral ou orquestra), uma prova com banca (em escola, concurso ou audição para emprego) ou até mesmo uma aula (onde frequentemente se “simula” uma apresentação). O fato aparentemente simples de estar sendo observado muda a atitude do performer diante da músi- ca que ele executa. [Assim,] toda performance musical envolve pelo menos um agente (instrumentista, cantor ou regente) e quatro fundamentos: 1) o domínio da manipulação física do instrumento; 2) o amplo conhecimento do texto musi- cal a ser interpretado, bem como as considerações estéticas a ele relacionadas;
Na especificidade da didática da música de câmara, há ainda que se considerar na PM a mistura de fontes sonoras distintas (instrumentos ou vozes diferentes), conceitos variados de execução de estilos, níveis de execução técnica distintos (muito comum entre alunos de um mesmo período nas IES), multiculturalismo (especialmente num país com as dimensões do Brasil, onde as IES recebem alunos de várias partes do país) e experiência prévia em tocar com outros tipos de instrumento (experiência essa que é menos comum em instrumentistas de instrumentos harmônicos ou não orquestrais). No ensino da performance musical, os aspectos cognitivos assumem papel de grande importância, tanto para a formação do aluno quanto para a preparação do professor. Nas palavras de Villegas (2017),
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O nível pedagógico está relacionado à cognição da performance musical através de seus componentes afetivos, motores e cognitivos, uma vez que esses com- ponentes se referem ao armazenamento de informações, sensações e ações de longo prazo (RUSINEK, 2003), portanto, o estudante teria a capacidade de reproduzir os conhecimentos adquiridos tanto em seu instrumento como na prática da música de câmara, convertendo-os em um suporte pedagógico para a formação musical integral e para o seu futuro trabalho docente 3. (VILLEGAS, 2017, p.473). [Trad. da Autora]
Uma visão pedagógica que possa ser ampla o suficiente para acessar os compo- nentes dos quais nos fala o autor e ainda estar próxima do fazer artístico-criativo indis- pensável na prática da música de câmara precisa considerar três agentes principais: a instituição, o professor e o aluno. Uma Instituição de Ensino Superior (IES) se faz conhecer através de documentos obrigatórios que definem sua missão, objetivos, compromisso social, educacional e pe- dagógico. Este último, em universidades regulamentadas pelo Ministério da Educação (MEC), é definido em um Projeto Político Pedagógico (PPP). Nele se baseiam os Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC), sobre os quais se constroem os Planos de Ensino de cada disciplina num determinado curso. Não há novidades aqui para professores que lidam com disciplinas estruturais, musicológicas ou ligadas diretamente à área de edu- cação, mas estas informações costumam estar bem distantes da prática dos professo- res de performance musical, naturalmente sem familiaridade com aspectos legislativos da sua prática. Contudo, se atentos a estes documentos, professores localizariam com certa facilidade o contexto em que sua disciplina prática se insere dentro da matriz curricular do curso, bem como as expectativas do mesmo para o perfil do aluno que se pretende formar. Seguindo esta lógica, conhecer a visão pedagógica da IES tornaria possível a de- finição de uma visão pedagógica que una concepções do professor de um curso com as diretrizes da IES, no sentido de nortear as ações didáticas deste docente visando à formação do músico-camerista. Da mesma forma, seria possível reunir um grupo de professores de instrumento (da mesma família ou não) para unirem suas visões peda- gógicas e implementarem ações didáticas comuns num determinado curso. Cabe ainda ressaltar que a didática que se deseja fundamentar é justamente “uma teoria da instru- ção e do ensino” (LIBÂNEO, 1990, p.53), um conceito que mantém intrinsicamente rela- cionados instrução, currículo, metodologias e técnicas (LIBÂNEO, 1990, p.53). O caminho que se propõe para unir as concepções pedagógicas do professor, as diretrizes da IES e a realidade do aluno parte de dois conceitos preliminares aqui apre- sentados: Performance Musical (PM) e Pedagogia da Performance Musical (PPM). O professor, assim, disporá de elementos para se colocar dentro das seguintes premissas:
3 No original: “El nivel pedagógico se relaciona com la cognición de la ejecución musical através de sus componente afectivos, motrices y cognitivos, y a que dichos componentes hacen referencia al almacenamiento de información, sensaciones y acciones a largo plazo (RUSINEK, 2003), por lo tanto, el estudiante tendría la capacidad de replicar los conocimientos adquiridos tanto em su instrumento como em la práctica de música de cámara, convirtiéndo se esto em un aporte pedagógico para la formación musical integral y su futura labor docente”.
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Contudo, vários desses autores, ao ressaltar as competências que um camerista deve adquirir para ser bem-sucedido, ou seja, ser capaz de realizar performances pú- blicas com qualidade, abordam aspectos que interessam à Pedagogia da Performance Musical. Além da preocupação com a formação artística, está também a importância do fazer coletivo inerente à música de câmara, que contribui significativamente para a formação do indivíduo.
Embora seja importante que estudantes de música se baseiem em suas experiên- cias artísticas para tomar decisões interpretativas, assume-se que outros conhe- cimentos sejam essenciais para a formação musical. Portanto, faz-se necessário desenvolver didáticas que auxiliem estudantes de música de câmara a valorizar outros tipos de conhecimento musical, assim como a interação da teoria com a prática. (YAMAUCHI; SINICO; GUALDA, 2012, p.160).
Corroborando a conclusão dos autores, as sugestões a seguir oferecem ao mesmo tempo objetivos e metodologias que podem auxiliar o professor a embasar suas deci- sões por materiais (publicações em texto, material audiovisual, partituras, encartes de gravações, notas de programas, dissertações e teses etc.) que sirvam ao seu propósito didático, sempre aliados à sua experiência pessoal.
2.1 Objetivos e metodologias
Os elementos da prática e da didática da música de câmara a seguir sugerem si- multaneamente objetivos e metodologias e seguem a ordem das seis premissas elenca- das na parte 1 deste artigo, mas não há hierarquia envolvida na sequência.
2.1.1 Exposição ao público
A adoção de performances públicas curtas e programadas ao longo do semestre colocam em “teste” os estudos em andamento e preparam o grupo de câmara para as provas de banca e para um futuro de muitas exposições públicas. Sempre importante ir aumentando o tempo destas performances curtas, começando com peças curtas ou movimento de obras (3 a 5 minutos) até chegar a obras mais extensas (15 a 20 minutos) a cada semestre.
2.1.2 Expectativa de estar exposto
O ensino da expectativa de estar em público pode ser realizado através de simu- lados de prova entre alunos de uma turma ou com gravações. Ambas as metodologias promovem a sensação de estar sendo observado, gerando uma expectativa que pode ser até mais tensa que de fato estar em público, pois o aluno sabe que a gravação pode- rá ser ouvida por outros, e, sobretudo, por ele mesmo.
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2.1.3 Domínio do instrumento
Existem diferenças em dominar um instrumento em atuação solo ou em grupos de câmara que podem dificultar o processo de assimilação de conteúdo da aula de MC. A preparação deve envolver exercícios que levem cada membro a perceber como seu instrumento se insere na sonoridade do grupo. A técnica sofrerá ajustes para que haja um resultado sonoro que amalgame diferentes fontes sonoras. Um recurso bastante in- dicado, principalmente para o primeiro semestre da disciplina, é a escolha de repertório que permita experimentos timbrísticos (a exemplo de obras abertas onde instrumentos de famílias diferentes podem ser mesclados, e elementos como altura, divisão rítmica e dinâmica podem ser escolhidos pelo grupo – vide obras de John Cage e Philip Glass, entre outros). A escolha/busca de repertório inclui também a realização de arranjos, adaptações e transcrições pelo grupo, colocando em prática o conhecimento de outras competências dos músicos em função da MC. 2.1.4 Aspectos interdisciplinares Aspectos cognitivos da aprendizagem musical estão entre os aspectos interdisci- plinares mais recorrentes na preparação da PM. Os estudos sobre memória (ter sempre um pequeno desafio de tocar algo memorizado, ainda que curto); estudos de fisiologia (analisar a musculatura utilizada nos movimentos necessários para a execução de cada instrumento e para a comunicação efetiva do grupo); estudos de percepção auditiva, corporal, visual e tátil (que devem ser estimulados em exercícios de aquecimento no início das aulas e em momentos específicos da preparação da aula, de forma a localizar pontos de apoio que mantenham o grupo conectado e interagindo ao longo da perfor- mance). Além disso, os estudos de psicologia da performance musical, apesar de ainda tímidos na universidade brasileira (RAY; KAMINSKI, 2011, 2012, 2016), são fundamentais para que o grupo aprenda a estabelecer metas plausíveis de forma integrada.
2.1.5 Educação e música
A “relação dialética entre educação e música” na abordagem do professor indica que este deve ser o agente que orienta as etapas metodológicas, partindo dos objeti- vos musicais e mesclando procedimentos didáticos, tanto advindos da prática musical quanto do cânone tradicional da área de educação. A estruturação de aulas pode seguir roteiros definidos por estudos da didática, mas as aulas devem sofrer as alterações ne- cessárias para que se adaptem às necessidades da aula de música de câmara. Da mesma forma, metodologias em sala de aula podem mesclar abordagens individuais e coletivas com aproveitamento de todos, desde que todos os alunos do grupo tenham uma fun- ção dentro da metodologia adotada (por exemplo: observadores de diferentes aspec- tos, executores da ação, auxiliares de execução, orientadores da ação, registradores da ação etc.)
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(1990, p.51-76) discute os itens de um plano de ensino em sua publicação dedicada à didática, na qual corrobora a ideia de que alguns itens são indispensáveis para o PE de qualquer área do conhecimento. O que os PE têm em comum é a obrigatoriedade de al- guns itens estruturais, como identificação, ementa e objetivo, metodologia e materiais, conteúdo, formas de avaliação e bibliografia. O detalhamento a seguir, apesar de co- mum a qualquer disciplina curricular, é pouco discutido na concepção didática do ca- merista-professor e precisa ser desmembrada para que este possa considerar como se inserir neste contexto teórico. Apesar de não ser um ‘passo-a-passo’ o texto apresenta algumas considerações aplicativas mesclando conceitos da disciplina do conhecimento educação, sustentadas pela disciplina do conhecimento música, como proposto pelo conceito de PPM (RAY, 2015b) 3.1 A identificação é um cabeçalho onde devem cons- tar o nome da IES, do curso e da disciplina, além da carga horária semestral, dia, sala e horário dos encontros semanais, nome e identificação do professor. São informações básicas que identificam a disciplina no curso e na IES. Para fazer isso o docente não precisa ter amplo conhecimento de tabelas e grá- ficos. Basta incluir as informações. Se houver um formulário próprio da IES fica mais simples. Do contrário, pode ser simples assim (Tabela 1):
IES: UNIVERSIDADE XXX Curso: BACHARELADO EM MÚSICA Disciplina: MÚSICA DE CÂMARA Carga horária semestral: 64 horas/aula Funcionamento (dia, sala e horário): quartas, sala 001, 10h10-12h Professor: XXX
Tabela 1: Identificação (cabeçalho) do PE
3.2 A ementa (do latim ementum ), que também significa ideia ou pensamento, é ex- pressa em um texto curto que serve como sustentação para conceitos e procedimentos de uma disciplina. Em geral composta por frases sem hierarquia, a ementa aponta pen- samentos que permeiam o conteúdo que será abordado. Deve estar diretamente ligada ao perfil do aluno que o curso quer formar. A ementa deve constar no PC e não deve ser alterada pelo professor individualmente, pois é parte integrante de um documento que rege todo o curso. Desta forma, se houver mais professores para uma mesma disciplina, a ementa será o item que garantirá a coerência entre as atuações didáticas de cada um deles, evitando que se perca o “pensamento” estabelecido pelo curso no planejamento da disciplina em questão. O objetivo da disciplina, diferentemente da ementa, explicita onde se quer chegar com o conteúdo no período a que o PE se refere (semestre, ano, curso todo). Tende a ser mais detalhado quando semestral e mais genérico quando en- globa vários semestres (ou o curso todo). A construção de uma ementa de MC deve considerar a importância da disciplina no curso inteiro, isto é, como esta disciplina ajuda na construção do egresso que se quer formar. Se o curso tem por objetivo, por exemplo: formar um profissional capaci-
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tado para dominar o conhecimento musical, atuar como instrumentista/cantor e pro- pagar o conhecimento adquirido em vias formais ou informais. Esta ementa pode partir da ideia de que, à disciplina MC compete cuidar o domínio do conhecimento associado a fazer música em conjunto. A ementa poderia ser: conhecimento e prática da música composta/adaptada ou arranjada para execução em grupos reduzidos de instrumen- tistas ou cantores em grupos homogêneos e/ou heterogêneos. O objetivo poderia ser: Instrumentalizar o músico para atuar como camerista lidando com estilos, gêneros e formações variadas ao longo de sua formação. 3.3 Metodologia, materiais e procedimentos são, na verdade, itens distintos que costumam ser incluídos em uma única etapa nos formulários, por vezes confundindo o professor. Metodologia se refere à forma de aplicação do método de ensinar. Materiais são os “instrumentos” através dos quais o ensino será efetuado (publicações, grava- ções... no caso da música, instrumentos musicais seriam considerados materiais indis- pensáveis). Procedimentos são etapas da metodologia, o passo a passo pretendido para se ensinar o conteúdo no decorrer dos encontros semanais. As práticas metodológicas partem da visão pedagógica do professor (respeitan- do-se a IES). No caso de uma instituição pública de ensino superior, a visão certamente inclui, além da construção do conhecimento musical do aluno e sua capacidade de absorver e propagar o conhecimento adquirido para a comunidade. As escolhas meto- dológicas então, devem partir de uma visão mais holística possível, pois tais instituições em geral recebem alunos de realidades diferentes, com formações prévias distintas. Posto que estarão aprendendo a atuar em palco juntos, precisam de um método que abrigue a todos. Sugeriria a não adoção de um único método, mas sim a mesclagem de vários, dependendo do grupo a cada semestre, sempre embasados por uma visão pedagógica ampla. O método mais tradicional e mais antigo de se ensinar performance musical é cer- tamente a prática da repetição do mestre, o que se torna inviável em grupos de câma- ra heterogêneos ou que lidem com instrumentos/vozes não dominadas tecnicamente pelo professor. Nestes casos, seria mais coerente a adoção de estudos teórico-práticos de estilo/gênero do repertório escolhido. O método pode ser aplicado coletivamente antes e depois do início do estudo da/s obra/s e implica em observação e discussão de material audiovisual de obras de referência do compositor estudado e/ou de seus con- temporâneos. Pode-se ainda adotar a prática de uma mesma articulação ou expressão existente no repertório em instrumentos distintos buscando diferenças e similaridades que atuarão cognitivamente de várias formas ao longo do estudo e performance do grupo. Menos comuns, mas pertinente, é a utilização de métodos de musicalização que podem ser aplicados parcialmente no ensino da música de camerista, pois frequente- mente propõem treino de percepção corporal (como Dalcroze) e auditiva (como Gainza e Fonterrada) que ampliam a capacidade de execução em conjunto do músico em pro- cesso de profissionalização.
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além das referências específicas de preparação para a MC como alguns já citados no presente texto. Pode-se também adotar referências que inspirem o professor em sua atitude pedagógica, como visões filosóficas e abordagens sócio-culturais, desde que as fontes estejam disponíveis na biblioteca da IES ou on-line em sites seguros (SciELO, RILM, Web of Science etc.) Cabe ressaltar que um plano existe para registrar uma intenção e servir como uma guia, e não como uma limitação ao trabalho do professor. Uma vez organizada e plane- jada a disciplina, eventuais alterações que se façam necessárias ao longo do semestre ou ao longo do curso ficam mais fáceis de serem realizadas e justificadas.
Considerações finais
Ao abordar a atuação do músico camerista e do professor de música de câmara, este texto discutiu fundamentos para ações na formação deste músico. As reflexões sobre o tema evidenciaram que os estudos sobre Pedagogia da Performance Musical no Brasil apenas tangenciam o ensino da música de câmara e ainda assim se limitam a abordagens que versam sobre aspectos analíticos e musicológicos envolvendo grupos de instrumentos iguais ou da mesma família. Quanto aos fundamentos para uma Didática da Música de Câmara, partiu-se dos conceitos de Performance Musical (RAY, 2015a) e Pedagogia da Performance Musi- cal (RAY, 2015b), constatou-se que uma visão pedagógica ampla o suficiente abarca as competências necessárias à formação, e um músico-camerista precisa integrar três agentes principais: a instituição, o professor e o aluno. Essa integração parte de seis premissas: 1) a prática da música de câmara precisa considerar a exposição ao público como um de seus objetivos; 2) a prática da música de câmara deve considerar também situações de expectativa de estar em público; 3) é obrigatório o treino do domínio do instrumento atuando em grupo; 4) é fundamental que aspectos interdisciplinares sejam abordados na preparação do músico-camerista; 5) a relação dialética entre educação e conhecimentos musicais deve estar presente; e 6) a prática da música de câmara deve ter a música como orientadora dos aspectos didáticos. Quanto aos elementos da prática e da didática da música de câmera, são indicados objetivos e metodologias sobre as seis premissas apresentadas, que podem auxiliar o professor a embasar suas decisões por materiais didáticos a serem aplicados de forma sempre aliados à sua experiência pessoal. Quanto à organização em planejamentos da disciplina música de câmara, foram apresentadas as bases para elaboração de Planos de Ensino considerando as visões pro- postas pela IES e pelo curso no qual a disciplina se insere. Concluiu-se que os estudos atuais sobre elaboração de PE têm em comum a obrigatoriedade de itens estruturais, como identificação; ementa e objetivo; metodologia e materiais, conteúdo, formas de avaliação e bibliografia, os quais são detalhados no texto.
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Fica evidente a grande contribuição que discussões conceituais têm sobre a prática da música de câmara e as ações didáticas aplicadas a seu ensino. A fundamentação da prática aqui discutida mostra o quanto estudos teóricos e a prática do músico-professor camerista poderiam ser mescladas trazendo mais uniformidade na formação deste mú- sico. Documentos, como o plano de ensino, se visto como um suporte para a didática, pode otimizar as ações do professor e o aprendizado do aluno, pois sua elaboração em si exige reflexão sobre as razões que levam o professor a adotar procedimentos meto- dológicos e materiais em seu trabalho semanal na universidade. Por fim, acredita-se que a reflexão e as sugestões apresentadas podem contribuir para o desenvolvimento dos estudos conceituais sobre prática e didática da música de câmara.
Referências
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