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A análise de thiesse sobre a importância do culte aos ancestrais e do patrimônio cultural na formação da identidade nacional no rio grande do sul. Ele discute a substituição da antiguidade grego-romana pela europa do norte e a importância dos trabalhos de autores como delfina benigna da cunha, cezimbra jacques e apolinário porto alegre na literatura do rio grande do sul. Além disso, ele aborda a importância dos mitos e lendas na tradição sul-rio-grandense e a figura de sepé tiaraju na história e cultura local.
O que você vai aprender
Tipologia: Resumos
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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO PROGRAMA DE POS-GRADUAÇÃO EM LETRAS, CULTURA E REGIONALIDADE
A literatura regional folclórica e a atualidade da tradição.
Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós- Graduação em Letras, Cultura e Regionalidade, pela Universidade de Caxias do Sul. Orientadora: Prof. Dra. Luciana Murari
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Universidade de Caxias do Sul UCS - BICE - Processamento Técnico
Índice para o catálogo sistemático:
Catalogação na fonte elaborada pela bibliotecária Nicole Tirello Acquolini – CRB 10/
N972L Nunes, Paulo Ricardo 1961- Lendas do Rio Grande do Sul : a literatura regional folclórica e a atualidade da tradição. - 2014. 212 f. : il. ; 30 cm Apresenta bibliografia. Dissertação (Mestrado) – Universidade de Caxias do Sul, Programa de Pós-Graduação em Letras, Cultura e Regionalidade, 2014. Orientadora: Profa. Dra. Luciana Murari.
CDU 2.ed.: 398.21(816.5)
Dedico este trabalho àqueles que encontram na pesquisa o caminho que faltava trilhar para a sua realização profissional.
Agradecimentos
Torna-se mais que justo eu fazer um agradecimento especial a todas estas pessoas e instituições, pois sem elas este trabalho não estaria completo: À Prof. Dra. Luciana Murari pela dedicação em suas orientações prestadas na elaboração deste trabalho, me incentivando e colaborando no desenvolvimento de minhas ideias. Paula Vicentina Ferreira Machado – Secretária Municipal de Educação e Cultura de São Sepé, RS; Analice Ineu Chiappta – Departamento Pedagógico SMEC São Sepé, RS; Elsa Gass Vegner – Departamento Pedagógico, Coordenadora da Educação Especial na Rede Municipal de Ensino de São Sepé, RS; Paulo Rosso, funcionário da Fundação Cultural Afif Jorge Simões Filho; Tatiane Braga dos Reis; à minha família; minha namorada, Maria Claudete Boenny.
Este estudo tem como objetivo analisar a construção da identidade regional do Rio Grande do Sul a partir das lendas de Sepé Tiaraju, A Salamanca do Jarau e o Negrinho do pastoreio. A escolha dessas lendas teve como critérios a circulação pelo estado na forma literária e o pertencimento ao folclore do estado a partir das referências de escritores gaúchos. O estudo tratará inicialmente de uma análise sobre a constituição das nações na Europa, no século XVIII, com a criação de uma literatura baseada em elementos do passado dos povos, uma das características do período do Romantismo. Após será apresentado como esse mesmo processo aconteceu no Rio Grande do Sul no século XIX para ser criada uma literatura que identificasse a região a partir das representações simbólicas do gaúcho. Finalmente, cada lenda será analisada para identificar os elementos dessas mesmas representações, suas reelaborações, como mantém um diálogo entre as versões dos diversos autores e como elas contribuem para outras manifestações artísticas numa forma de dar continuidade à tradição.
Palavras-chave: Lendas do Rio Grande do Sul, identidade regional, folclore, tradições.
This study aims to analise the construction of the regional identity of Rio Grande do Sul from the legends of Sepé Tiaraju, A Salamanca do Jarau and O negrinho do Pastoreio. The choice of these legends had as criterion the circulation around the state in the literary form and the belonging to the state folklore from the references of Gauchos writers. The study will start with na analisys of the consistution of European Nations in the XVIII century, with the creation of a literature based on elements from the peoples past, one of the characteristics of the Romantic period. Later it will be presentes the way it same process has happened in Rio Grande do Sul the XIX century to create a literature which identify the region from the simbolicrepresentations of Gaucho.Finally, each legend will be analised in order to identify the elements of these same representations, their re-elaborations, the way they keep a dialogue among versions of different authors and the way they contribute for other artistic manifestations in order to continue the tradition.
Key-words: Rio Grande do Sul, regional identity, folklore, literature.
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O meu interesse pelas lendas tomou um rumo definitivo quando, em 2000, eu participei do projeto de um filme em que era o autor do roteiro. Foi necessário fazer mais pesquisas sobre a história e as lendas do Rio Grande do Sul. Percebi que a circulação de uma literatura específica era muito difícil, muito reduzida, quase uma exclusividade de bibliotecas públicas. Alguns livros, inclusive, eestavam catalogados como obras raras em bibliotecas de Universidades. Também constatei que havia grande precariedade de informações e de conhecimento sobre os assuntos relacionados ao folclore e às lendas do Estado em bibliotecas escolares. Até mesmo na graduação em Letras o assunto foi tratado de forma, extremamente, superficial. A minha fonte de pesquisa para o roteiro incluiu pessoas ligadas ao Movimento Tradicionalista Gaúcho^1 (MTG), pois este se nomeia como o defensor de uma pureza cultural contra os estrangeirismos ou qualquer influência que não pertença à cultura sul-rio-grandense. No entanto, os resultados não foram além do que já havia sido encontrado em outras fontes. A partir desse panorama, foram surgindo questões que vieram nortear este estudo: as atuais obras literárias folclóricas do Rio Grande do Sul contribuem para a preservação de sua identidade cultural e literária? Quais são as alterações nas reelaborações das obras clássicas do folclore do Rio Grande do Sul? Existe mudança de conteúdo, de linguagem, de ideologia, de gênero textual, nessas novas versões? Para responder a essas questões, o presente estudo tem como objetivo geral investigar a produção literária folclórica do Rio Grande do Sul para identificar sua atualização e reelaboração. Serão analisadas as produções literárias e de cunho folclórico, em seus vários gêneros, para questionar e discutir qual a contribuição destas narrativas para a identidade cultural do Rio Grande do Sul. Pela análise, será verificado se as histórias tradicionais permanecem fieis às suas formulações originais ou se são recontadas. Busco compreender o diálogo dos autores com as gerações que os antecederam, fazendo uma análise diacrônica da reescrita e reelaboração literária destas lendas em diferentes contextos. Também identificarei as diversas manifestações artísticas que tenham como tema as lendas do Rio Grande do Sul. Todos estes pontos farão parte dos meus objetivos específicos. O método de pesquisa será de natureza analítica e crítica, a partir de obras que tratem, especificamente, sobre o tema deste projeto. Para entender como circulam as lendas e como elas contribuem para a continuidade do projeto de identidade cultural do Rio Grande do Sul, foram adotados três critérios.
(^1) O MTG é uma sociedade civil sem fins lucrativos que se dedica à preservação, resgate e desenvolvimento da cultura gaúcha. Foi criado oficialmente em 28 de outubro de 1966.
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O primeiro constituiu-se em identificar as lendas que tivessem procedência no Rio Grande do Sul. O segundo constituiu-se em escolher textos em prosa e poesia que circulam em obras literárias, sobre folclore e outras formas de representação artística, que demonstrassem os processos de adaptação, versão e elaboração de novas narrativas, assim como as tentativas recentes de recoleta e escrita literária de material pertinente à cultura popular oral. Como último critério, as lendas deveriam fazer referência aos povos formadores do Rio Grande do Sul. Para atender a esses critérios, adotei como critério de fonte de pesquisa os autores gaúchos Cezimbra Jacques, Apolinário Porto Alegre, Simões Lopes Neto, Augusto Meyer, Alcides Maya, Darcy Azambuja, Barbosa Lessa, Guilhermino César, Moysés Vellinho e Manoelito de Ornellas. A partir da leitura desses autores, foram escolhidas as lendas de Sepé Tiaraju, Salamanca do Jarau e Negrinho do Pastoreio para comporem o corpus de pesquisa. A estrutura da pesquisa está dividida em cinco capítulos. O primeiro será do voltado para o embasamento teórico do trabalho, apresentando estudos de vários autores sobre a construção da identidade das nações, a invenção das tradições, a recepção e as formas de apropriação de textos tidos como populares, sobre o poder simbólico, o Romantismo e o folclorismo, ocorridos na Europa. O segundo analisa como o mesmo processo de formação da identidade das nações europeias pode ser aplicado ao projeto de identidade regional do Rio Grande do Sul e ao seu folclore. Os capítulos seguintes analisarão, cada um, as lendas Sepé Tiaraju , A salamanca do Jarau e O Negrinho do pastoreio. Segue-se a conclusão do trabalho.
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Na obra La création des identités nationales: Europe XVIII – XIX siécle, Thiesse sustenta o argumento de que as atuais nações europeias foram construídas de forma diferente do que contam os seus livros de História, e as suas origens não se afastam muito no tempo. Pelo contrário, são bastante recentes em termos históricos. Conforme a autora, o verdadeiro momento de uma nação é aquele em que algumas pessoas declaram que ela existe e se comprometem a provar isto. Antes do século XVIII não havia nenhuma nação no sentido político atual. Foi durante esse século que a nação foi concebida como uma grande comunidade. Conforme Ernest Renan, filósofo e historiador francês do século XIX, citado por Thiesse, a nação “c’est un riche legs de souvenirs”^2 e que “Le culte des ancêtres est de tous le plus légitime”^3 (THIESSE, 2001, p. 12). Isso significa dizer que uma nação para existir, legitimamente, deveria olhar para o seu passado e encontrar as suas fontes, as suas raízes históricas. Desta forma, ir em busca de seus ancestrais representaria ir em busca de suas origens. Nas palavras de Thiesse, “appartenir à la nation, c’est un heritage symbolique et materiel. Appartenir à la nation, c’est être un des héritiers de ce patrimoine commun et indivisible, le connaître et le révérer”^4 (THIESSE, 2001, p. 12). O processo de formação da identidade de uma nação consistiu em determinar, inicialmente, a herança de seus antepassados, um processo de busca e descoberta. Após isto, deveria ser transmitido de maneira a tornar-se um culto em torno destes mesmos antepassados para, desta forma, reverenciá-los. Como os antepassados não deixaram um testamento ou um documento para os seus descendentes, os pesquisadores teriam que ir atrás das suas relíquias para, assim, torná-las parte de sua história. Consoante Thiesse, não bastou fazer um inventário do patrimônio histórico, seria preciso também inventá-lo (THIESSE, 2001, p 12-13). Os estudos e a busca de todo esse material do passado foi fruto de um trabalho intenso por parte de pesquisadores que iniciou no século XVIII, sendo o século seguinte o que houve a sua maior produtividade. No começo, não houve uma metodologia bastante confiável por parte de pesquisadores de vários países que se empenharam nesse trabalho, porém, no final, trouxe os resultados que serviram para os projetos de criação das identidades nacionais. Alemães, ingleses, espanhóis, russos e dinamarqueses se dedicaram a buscar o seu passado e
(^2) “é um rico legado de lembranças”. [minha tradução] (^3) “o culto aos ancestrais é o mais legítimo”. [minha tradução] (^4) “Pertencer a uma nação é uma herança material e simbólica. Pertencimento à nação é ser um dos herdeiros desta herança comum e indivisível, o conhecer e o reverenciar”. [minha tradução]
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construir a sua identidade a partir de seu legado. Thiesse cita o trabalho do tcheco Miroslav Hroch sobre a busca pela identidade da nação. Ele a dividiu em três fases, sendo que a fase A se constitui na descoberta da cultura nacional pelos estudiosos; a fase B, o período de agitação patriótica e a fase C, o surgimento de um movimento de massa responsável em transmitir e dar continuidade ao processo de construção e criação (THIESSE, 2001, p 157). Para fazer o trabalho de busca, seria preciso encontrar uma fonte que pudesse ter preservado toda a pureza de um passado cheio de riquezas culturais e também tivesse sido transmitida de geração em geração. Seria necessário, conforme as próprias palavras de Thiesse, “correr contra o tempo” para não perder esta fonte. Acreditava-se que a fonte não poderia estar nas grandes cidades, um lugar em que os costumes da época não guardavam nada que pudesse ter pertencido a um passado remoto. A busca foi dirigida ao camponês, pois era visto como ingênuo e puro, não ter sofrido as interferências da vida moderna, assim como não tinha assimilado a cultura letrada abarrotada de abstrações filosóficas. O camponês seria, portanto, a expressão mais autêntica da relação íntima com a sua terra, a mesma que estaria dentro dos limites geográficos formadores da nação. Para Thiesse, a questão não seria apenas a entrada na legitimação da história, mas uma determinação territorial, porque todo esse processo de formação de uma nação diz respeito também à institucionalização de um poder que busca, inicialmente, ir contra um poder dominante para tornar-se um poder dominador territorialmente definido (THIESSE, 2001, p 161-162). Houve um amplo processo de elaboração coletiva das identidades nacionais que seguiu alguns procedimentos. Entre eles, fazer uma listagem de tudo o que pudesse servir para este projeto. Thiesse apresenta uma lista de itens simbólicos e materiais que deveriam representar uma nação neste projeto de construção de uma identidade. O primeiro item do que ela nomeia de check-list de identidade diz respeito a uma história que estabelece continuidade com os seus ancestrais, concomitantemente, os seus heróis nacionais como modelos de virtudes e de perfeição. Ou seja, a nação para existir, precisaria estar ligada ao seu passado histórico e aos seus fundadores. Os outros itens que fazem parte desse check-list são a língua comum, os monumentos culturais, o folclore, os lugares de culto, um animal emblemático, uma paisagem típica, trajes e culinária típicos, e as representações oficiais e simbólicas que pudessem incluir estes itens, como por exemplo, uma bandeira nacional e um hino. As nações foram criadas a partir desse trabalho de busca, de suposições e de invenções. Elas não foram criadas a partir do camponês, o escolhido como a fonte de todo o patrimônio cultural do passado, e sim através de um trabalho de construção feito por pessoas letradas. Thiesse nos explica:
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O ato de nascimento de uma nação estabelece uma filiação, pois começa com a apresentação de seus antepassados. O caminho para o retorno às origens para recolher o legado precioso já havia sido definido: o camponês, considerado o guardião do espírito dos grandes ancestrais no coração da modernidade, a “primeira academia de cultura” (THIESSE, 2001, p. 20). A partir do século XVIII iniciaram-se as primeiras expedições rústicas, em que exploradores percorreram campos, vales e montanhas em busca dos restos menos alterados daquilo que sobrou do legado original e antigo. O trabalho tornou-se uma busca pelo “Graal Nacional” e em caráter de urgência para muitos, pois, de acordo com Thiesse, a porta para o passado e seus heróis estava para ser fechada, no entanto, havia “un chemin d’accès aux origines, qui permet de retrouver les aïeux fondateurs et de recueillir leur legs précieux”^6 (THIESSE, 2001, p. 21). Essa procura viria gerar outro acontecimento: a criação de novos gêneros literários, artísticos e formas de expressão (THIESSE, 2001, p 21). A formação das nações iniciou-se em um período de modernização econômica e social, transformando os seus modos de produção, expandindo seus mercados, com o surgimento de novos grupos sociais, como o proletariado e a burguesia. Foi um período em que os grupos de intelectuais iniciavam uma luta contra o Classicismo, pela liberdade de criação artística, também contra o formalismo imposto por uma escola literária que via na cultura grega e romana o seu ideal de cultura, de forma de pensamento, assim como colocar o homem no Universo. As mudanças se iniciaram quase na metade do século XVIII, redefiniram a relação entre o universal e o particular, levando a uma transformação da legitimidade cultural. Sob este aspecto, Thiesse comenta que a “ l’Antiquité gréco-romaine sont substitués les âges barbares, au monde méditerranéen Europe du Nord, aux salons de l’élite raffinée les chaumières rustiques”^7 (THIESSE, 2001, p. 23). As mudanças iniciaram quando um dos pupilos de James Macpherson pediu-lhe para traduzir algumas lendas escocesas do gaélico para o inglês. Ele então forneceu ao aluno alguns textos que, alegadamente, circulavam por Edimburgo. Os fragmentos despertaram o interesse das pessoas ao seu redor e solicitaram que ele seguisse na busca por outros textos. Assim, em 1760 é publicado um panfleto em Edimburgo com o título Fragments of Ancient Poetry, collected in the Highlands of Scothland and translated from the gaelic or erse
(^6) Tradução feita por mim: “existe um caminho de acesso para as origens, o que permite encontrar os Fundadores antepassados 7 e recolher o seu legado precioso”. “Antiguidade greco-romana é substituída pelas idades bárbaras, o mundo Mediterrâneo pelo norte da Europa, e os salões da elite refinada pelos chalés rústicos” [minha tradução]
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language by James Macpherson. O panfleto causou grande sensação e Macpherson foi incentivado a seguir na tarefa de garimpar mais canções escocesas antigas. Ele parte então para as ilhas e montanhas em busca de histórias orais e canções que pudessem compor uma obra grandiosa. No final do ano de 1761 é publicado Fingal, an ancient epic poem, in 6 books, together with several other poems, composed by Ossian, the son of Fingal; translated from the gaelic language by James Macpherson. Em 1763, Macpherson lança um segundo épico, Temora. Desta forma, ele apresenta monumentos culturais que poderiam ser comparados aos fundamentos greco-romanos da cultura europeia. Se o Classicismo reverenciava as epopeias dos bardos gregos e romanos, cantando os feitos dos grandes heróis e guerreiros lendários, surgia a possibilidade de, em terras europeias, haver um passado tão glorioso quanto aquele que vinha do outro lado do Mar Mediterrâneo. As canções que apresentavam como herói central, Fingal, na voz de Ossian, um bardo do terceiro século, traziam para terras europeias, mais precisamente a partir das terras nórdicas, um épico das profundezas dos séculos seguindo o modelo de Homero. Para os conhecedores dos clássicos, um épico que foi coletado da boca um bardo antigo tem muito mais valor do que o de um escritor contemporâneo. As baladas de Ossian se espalharam por toda a Europa obtendo grande sucesso, apesar de, desde o início, haver dúvidas entre o meio intelectual quanto à legitimidade do poema. Anos depois, foi constatado que tudo não passava de uma grande fraude e Macpherson foi acusado de ter forjado e inventado manuscritos antigos. Por outro lado, o épico ossiânico foi o grande motivador da querela entre Antigos e Modernos e, pelas palavras de Thiesse, o texto de Ossian recebe “une haute valeur stratégique” 8 (THIESSE, 2001, p. 28). O centro do debate era a Antiguidade greco-romana que os Antigos defendiam como legítima fonte da cultura contemporânea, sendo o classicismo seu legítimo e grande herdeiro. Já os Modernos, ao defenderem uma nova estética, justificavam através das baladas épicas de Ossian que havia outras tradições fundadoras das culturas europeias e que poderiam inspirar obras de arte. Na análise de Thiesse, a luta contra o Classicismo foi uma ofensiva contra a hegemonia cultural francesa. A cultura francesa, assim como o idioma francês, se impunha no século XVIII em todos os lugares, principalmente, nas cortes europeias, e a literatura francesa era um modelo a ser imitado. A circulação das baladas de Ossian criou um clima de euforia entre os intelectuais de vários países na busca pelas origens da nação que buscava proclamar-
(^8) “Um alto valor estratégico”, tradução minha.