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Entrevista com o professor Marcos Neira falando sobre tema
Tipologia: Notas de estudo
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Não perca as partes importantes!
Para o especialista da Universidade de São Paulo, a função da disciplina é investigar como os grupos sociais se expressam pelos movimentos
De todas as disciplinas do Ensino Fundamental, provavelmente a Educação Física foi a que sofreu transformações mais profundas nos últimos tempos. Mudanças pedagógicas e na legislação fizeram com que até mesmo sua missão fosse questionada. Se até a década de 1980 o compromisso da área incluía a revelação de craques e a melhoria da performance física e motora dos alunos (fazê-los correr mais rápido, realizar mais abdominais, desenvolver chutes e cortadas potentes), hoje a ênfase recai na reflexão sobre as produções humanas que envolvem o movimento. Se antes o currículo privilegiava os esportes, hoje o leque se abre para uma infinidade de manifestações, da dança à luta, das brincadeiras tradicionais aos esportes radicais. Ecos da perspectiva cultural, que domina pesquisas e ganha cada vez mais espaço nas escolas. MARCOS GARCIA NEIRA "As aulas de esportes, jogos, lutas e danças não se esgotam na prática. É preciso refletir sobre essas manifestações para entendê-las de fato." Foto: Marina Piedade
Considerado um dos principais investigadores dessa tendência, o professor Marcos Garcia Neira, da Universidade de São Paulo (USP), defende que a principal função da Educação Física escolar é analisar a diversidade das práticas corporais da sociedade - mesmo as consideradas mais polêmicas, como danças do tipo funk e axé. Amparado por 17 anos de docência na Educação Básica e pela participação na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e das Orientações Curriculares do município de São Paulo, Neira discute essa questão provocadora e avalia os principais desafios da disciplina.
Por que a Educação Física mudou tanto nos últimos anos?
MARCOS GARCIA NEIRA Foi uma mudança que acompanhou uma série de outras transformações. Na sociedade, grupos que não tinham sua voz ouvida ganharam espaço, o que impactou o currículo. A escola, antes voltada apenas para o conhecimento acadêmico ou a inserção no mercado, passou a visar a participação do aluno em todos os setores da vida social, o que mexeu com os objetivos da área. E a própria legislação, que desde a década de 1970 apontava um compromisso com a melhoria da performance física e a descoberta de talentos esportivos, foi substituída em 1996 pela
Com base nessas informações, voltam à prática já atentos a novas questões: é preciso arbitrar os jogos? Como fazer meninos e meninas participar simultaneamente? E as crianças com deficiência?
Apesar de a disciplina ter se tornado mais reflexiva, as atividades práticas continuam sendo
importantes?
NEIRA É claro. A vivência segue sendo fundamental porque é somente por meio dela que a turma sente a necessidade de fazer adaptações, algo presente em todas as modalidades. Afinal, elas se transformam conforme "conversam" com a sociedade. O voleibol, por exemplo, mudou seu sistema de pontuação principalmente para se adaptar às transmissões de TV. Essa lógica vale para todas as manifestações corporais, mesmo as mais lúdicas. Quando alguém brinca de pega- pega na rua, brinca de certo jeito. Quando vai brincar com 35 crianças na escola, precisa adaptar a atividade para que ela funcione.
Campeonatos e festivais esportivos continuam tendo espaço?
NEIRA Particularmente, acho que montar uma seleção com seis a 12 alunos e deixar 300 sem aula para disputar uma competição é fabricar adversários. Não podemos partir do pressuposto de que um pequeno grupo vai ser privilegiado e participar da atividade enquanto a maioria vai apenas torcer, ou nem isso. Agora, se os educadores consideram a competição algo importante, é possível, sim, organizar eventos, mas de uma perspectiva diferente. Sugiro, por exemplo, combinar de levar uma turma de 5ª série para jogar com a de uma escola próxima, negociar regras, fazer todo mundo participar da experiência e realizar uma avaliação conjunta depois, discutindo o que os jovens acharam da atividade e como melhorá-la numa próxima vez.
Como lidar com crianças que demonstram especial habilidade em alguma modalidade
esportiva?
NEIRA Devemos estimulá-las a prosseguir. Entretanto, o lugar para continuar com o trabalho não pode ser a escola, mas instituições especializadas para a prática esportiva. A escola tem como função ajudar a compreender o mundo e sua cultura. Não há como desenvolver um projeto esportivo se o que se pretende é contemplar todos os alunos.
Alguns países, como Estados Unidos e Inglaterra, usam as escolas como base para revelar
atletas. Isso pode ser uma alternativa para o Brasil?
NEIRA O incentivo ao esporte visando a participação em eventos internacionais já foi a política oficial da Educacão Física em nosso país na década de 1970. Não deu certo. Ainda que algumas nações vejam na disciplina uma forma de
aprimorar o desenvolvimento motor e físico, esse enfoque competitivo e as atividades de treinamento costumam ocorrer em momentos extra-aula.
Como saber quais esportes, jogos, lutas, danças e brincadeiras devem fazer parte do
currículo?
NEIRA O ponto de partida é sempre o diagnóstico inicial. O interessante é que esse mapeamento do patrimônio cultural corporal da turma - as práticas ligadas ao movimento que os alunos conhecem ou realizam - revela uma realidade mais diversificada do que imaginamos. A garotada brinca de esconde-esconde, conhece skate pela TV, tem algum parente que pratica ioga e conhece malha ou bocha porque os idosos jogam na praça. É possível ainda fazer outros mapeamentos. O professor pode passear pelo bairro observando manifestações corporais e equipamentos esportivos. Há academias ou ruas de caminhada, por exemplo?
Mas é preciso escolher algumas práticas no meio de tanta diversidade. Como fazer isso?
NEIRA Antes de mais nada, é fundamental ter em mente as finalidades do projeto pedagógico da escola - devemos lembrar que a Educação Física não pode ser uma prática alienada. Além disso, a perspectiva cultural da disciplina considera quatro princípios importantes na definição do currículo. O primeiro é que a matriz de conteúdos deve dialogar com todos os grupos que compõem a sociedade - e trabalhar só com esportes modernos contradiz esse princípio. O segundo é a noção de que o aluno precisa enxergar na sociedade as manifestações que está estudando. O terceiro é entender e respeitar as possibilidades de cada estudante, evitando, por exemplo, as avaliações por performance. E o quarto é o professor repensar constantemente a própria identidade cultural para aperfeiçoar o currículo.
Qual deve ser a postura da escola quando a cultura corporal dos alunos inclui danças como o
funk e o axé?
NEIRA Não devemos fechar os olhos para essas manifestações, pois podem ser danças que os estudantes cultuam fora da escola. Isso não significa que devemos ficar apenas com aquilo que eles conhecem. Se o professor focar só os aspectos superficiais do funk e do axé, ensaiando coreografias, por exemplo, não estará cumprindo seu papel. Por outro lado, um trabalho crítico ajuda as crianças a analisar e interpretar o que são essas danças, contribuindo para que elas conheçam a própria identidade cultural e entendam quem são. A chamada cultura de chegada dos estudantes é um bom ponto de partida para um trabalho em direção a uma cultura mais ampla. A escola deve sempre fazer essa ponte entre o repertório conhecido e o desconhecido.