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Os princípios fundamentais do DP: elementos principais, Resumos de Direito Penal

resumo principios direito penal

Tipologia: Resumos

2012

Compartilhado em 12/06/2012

isabel-vieira-12
isabel-vieira-12 🇧🇷

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MÓDULO 1
Os Princípios Fundamentais do Direito Penal
Segundo consta na obra de Fernando ( CAPEZ, 2004, p. 14), é da dignidade da pessoa humana
que nascem os princípios orientadores e limitadores do Direito Penal (DP). Damásio (JESUS,
2009, p. 9-12) define quatorze Princípios Fundamentais do Direito Penal:
a) Princípio da Legalidade ou da reserva legal: Não crime sem lei anterior que o defina,
nem pena sem prévia cominação legal (CF/88, art. 5º, XXXIX e Código Penal (CP) art. 1º).
b) Princípio da proibição da analogia “in malam partem”: Proibição da adequação típica
“por semelhança” entre os fatos.
c) Princípio da anterioridade da lei: crime e pena se o ato foi praticado depois de lei
que os define e esteja em vigor.
d) Princípio da irretroatividade da lei mais severa: A lei só pode retroagir para beneficiar o
réu.
e) Princípio da fragmentariedade: O estado só protege os bens jurídicos mais importantes,
assim intervém só nos casos de maior gravidade.
f) Princípio da intervenção mínima: O estado deve intervir pelo DP “quando os outros
ramos do Direito não conseguirem prevenir a conduta ilícita.” (JESUS, 2009, p. 10).
g) Princípio da ofensividade: Não basta que a conduta seja imoral ou pecaminosa, ela deve
ofender um bem jurídico provocando uma lesão efetiva ou um perigo concreto ao bem.
h) Insignificância ou Bagatela: Baseia no pressuposto de que a tipicidade penal exige um
mínimo de lesividade ao bem jurídico, reconhecendo a “atipicidade do fato nas perturbações
jurídicas mais leves.” (JESUS, 2009, p. 10).
Segundo informações do site de notícias Supremo Tribunal Federal (STF) (BRASIL, 2009a), o
Supremo aplicou o “ princípio da insignificância a pedidos de habeas corpus”. São 18 pedidos de
habeas corpus fundados no princípio da insignificância, “15 foram analisados, sendo 14
concedidos em definitivo e um foi negado por uma questão técnica, mas teve a liminar concedida.
Três habeas ainda não foram julgados.”
Ainda segundo a notícia:
“Os ministros aplicam a esses casos o chamado “princípio da insignificância”, preceito que reúne
quatro condições essenciais: mínima ofensividade da conduta, inexistência de periculosidade
social do ato, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão
provocada.
As decisões também levam em conta a intervenção mínima do Estado em matéria penal. Segundo
esse entendimento, o Estado deve ocupar-se de lesões significativas, ou seja, crimes que têm
potencial de efetivamente causar lesão.” (BRAZIL, 2009a).
Num dos casos de Habeas Corpus (HC) 98.152 (BRASIL, 2009b), o relator ministro Celso de
Mello afirmou a existência de diferença entre absolver o acusado com base no princípio da
insignificância (conforme decisão do STJ) e a extinção de punibilidade. Segundo o Min., conforme
notícia publicada no domínio do STF,:
“[...] a extinção da punibilidade por si só não exclui os efeitos processuais. Ou seja, a tentativa de
furto ficaria registrada e poderia pesar contra o acusado caso ele venha ser reincidente, na
qualidade de maus antecedentes. Ao ser absolvido, todavia, o acusado volta a ser considerado
primário caso seja réu posteriormente em outra ação.” (BRASIL, 2009c).
No citado HC a decisão do STF havia reformado a pena de um ano e quatro meses de reclusão,
aplicada pela primeira instância, a um caso de uma tentativa de furto de cinco barras de chocolate
Diretoria de Formação, Aperfeiçoamento e Pós-Graduação
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MÓDULO 1

Os Princípios Fundamentais do Direito Penal

Segundo consta na obra de Fernando ( CAPEZ, 2004, p. 14), é da dignidade da pessoa humana que nascem os princípios orientadores e limitadores do Direito Penal (DP). Damásio (JESUS, 2009, p. 9-12) define quatorze Princípios Fundamentais do Direito Penal :

a) Princípio da Legalidade ou da reserva legal: Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (CF/88, art. 5º, XXXIX e Código Penal (CP) art. 1º).

b) Princípio da proibição da analogia “in malam partem”: Proibição da adequação típica “por semelhança” entre os fatos.

c) Princípio da anterioridade da lei: Só há crime e pena se o ato foi praticado depois de lei que os define e esteja em vigor.

d) Princípio da irretroatividade da lei mais severa: A lei só pode retroagir para beneficiar o réu.

e) Princípio da fragmentariedade: O estado só protege os bens jurídicos mais importantes, assim intervém só nos casos de maior gravidade.

f) Princípio da intervenção mínima: O estado só deve intervir pelo DP “quando os outros ramos do Direito não conseguirem prevenir a conduta ilícita.” (JESUS, 2009, p. 10).

g) Princípio da ofensividade: Não basta que a conduta seja imoral ou pecaminosa, ela deve ofender um bem jurídico provocando uma lesão efetiva ou um perigo concreto ao bem.

h) Insignificância ou Bagatela: Baseia no pressuposto de que a tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico, reconhecendo a “atipicidade do fato nas perturbações jurídicas mais leves.” (JESUS, 2009, p. 10).

Segundo informações do site de notícias Supremo Tribunal Federal (STF) (BRASIL, 2009a), o Supremo aplicou o “ princípio da insignificância a pedidos de habeas corpus”. São 18 pedidos de habeas corpus fundados no princípio da insignificância, “15 foram analisados, sendo 14 concedidos em definitivo e um foi negado por uma questão técnica, mas teve a liminar concedida. Três habeas ainda não foram julgados.”

Ainda segundo a notícia:

“Os ministros aplicam a esses casos o chamado “princípio da insignificância”, preceito que reúne quatro condições essenciais: mínima ofensividade da conduta, inexistência de periculosidade social do ato, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão provocada.

As decisões também levam em conta a intervenção mínima do Estado em matéria penal. Segundo esse entendimento, o Estado deve ocupar-se de lesões significativas, ou seja, crimes que têm potencial de efetivamente causar lesão.” (BRAZIL, 2009a).

Num dos casos de Habeas Corpus (HC) – 98.152 (BRASIL, 2009b), o relator ministro Celso de Mello afirmou a existência de diferença entre absolver o acusado com base no princípio da insignificância (conforme decisão do STJ) e a extinção de punibilidade. Segundo o Min., conforme notícia publicada no domínio do STF,:

“[...] a extinção da punibilidade por si só não exclui os efeitos processuais. Ou seja, a tentativa de furto ficaria registrada e poderia pesar contra o acusado caso ele venha ser reincidente, na qualidade de maus antecedentes. Ao ser absolvido, todavia, o acusado volta a ser considerado primário caso seja réu posteriormente em outra ação.” (BRASIL, 2009c).

No citado HC a decisão do STF havia reformado a pena de um ano e quatro meses de reclusão, aplicada pela primeira instância, a um caso de uma tentativa de furto de cinco barras de chocolate

num supermercado – O voto do ministro Celso de Mello, acompanhado por unanimidade, absolveu o acusado e ordenou extinta a ação penal porque, segundo ele, a conduta sequer poderia ser considerada crime.

É tênue o limite da aplicabilidade ou não deste princípio, e até controverso. Veja-se que há dois casos recentes no STJ, nos quais a diferença entre os valores do bem objeto de delito foi de R$70,00. Em janeiro do ano corrente:

“A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou o princípio de insignificância ao conceder habeas corpus e extinguir ação penal imposta a um réu pelo furto de duas calotas de um automóvel, avaliadas em R$ 70,00, e pela tentativa de furto de outro veículo, no estado de Minas Gerais em junho de 2007.” (BRASIL, 2010a).

O entendimento do relator neste processo - HC 147.052 (BRASIL, 2010b), Min. Arnaldo Esteves Lima, foi o de que apesar de se definir como crime nas modalidades tentada e consumada o furto não ultrapassou o exame da “tipicidade material, sendo desproporcional a sanção penal imposta”.

Todavia, em março do mesmo ano, a mesma quinta turma do STJ, ao julgar o HC nº 152.738), “indeferiu habeas-corpus a estudante de Direito que tentou furtar um Código de Processo Civil interpretado, no valor de R$ 150, em uma livraria de Brasília.” (BRASIL, 2010c. No processo, o mesmo Min. Arnaldo Esteves Lima afirmou ser impossível aplicar o “princípio da insignificância [...], tendo em vista a má-fé do universitário. Considerou que cabe ao fato a medida proporcional da pena pela relevante lesão ao estabelecimento.” (BRASIL, 2010d).

i) Princípio da culpabilidade: Só será penalizado quem agiu com dolo ou culpa cometeu um fato atípico e antijurídico.

j) Princípio da humanidade: O réu deve ser tratado como pessoa humana.

l) Princípio da Proporcionalidade da pena: “A pena não pode ser superior ao grau de responsabilidade pela prática do fato.” (JESUS, 2009, p. 11.).

m) Princípio do estado de inocência: “Ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” (CF/88, art. 5º, LVII).

n) Princípio da igualdade: Todos são iguais perante a lei. (CF/88, art. 5º, caput ).

o) Princípio do “ne bis in idem”: É dizer que ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato

Disponível em http://www.domtotal.com/direito/pagina/detalhe/28250/os-principios-fundamentais-do-direito-penal Acesso em 28 mar. 2012

De acordo com a posição extensiva, o conceito de norma penal em branco abrange todos os casos em que "uma disposição não consigna em si mesma seu pressuposto de fato, incluindo a hipótese em que o complemento necessário se encontra em outro preceito da própria lei à qual remete de forma explícita".[11]

Para a tese restritiva, somente configura norma penal em branco a que remete o aplicador a uma instância legislativa inferior, seja penal ou extrapenal. [12]

A corrente intermediária[13]^ considera leis penais em branco as que apresentam complemento situado fora do tipo, independentemente da questão da homogeneidade ou heterogeneidade de instâncias legislativas.[14]^ Nelas, o complemento é fornecido por outras leis, regulamentos e atos administrativos. [15]

Preferimos a posição intermediária, mantendo a classificação bipartida, uma vez que inexiste razão para considerar norma penal em branco somente aquela em que o complemento procede de instância legislativa ou órgão administrativo inferior. Além disso, como ensina GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, todas as questões relacionadas com o erro sobre o conteúdo e alcance da norma extrapenal e sobre a retroatividade da lei mais favorável recebem o mesmo tratamento, solução possível na tese eclética, que não discrimina a natureza e classe do complemento.[16]

Foi Binding quem pela primeira vez usou a expressão "lei em branco" para batizar aquelas leis penais que contêm a sanctio juris determinada, porém o preceito a que se liga essa conseqüência jurídica do crime não é formulado senão como proibição genérica, devendo ser completado por outra lei (em sentido amplo).[17]^ Na Alemanha, recorda PEDROSA MACHADO, esse conceito foi empregado para permitir ao Código Penal do Reich deixar "a determinação da hipótese de fato nas mãos dos Estados federados (Länder) ou dos municípios". [18]^ De modo que, historicamente, a norma penal em branco caracteriza-se pela circunstância da delegação ou autorização de uma instância legislativa superior para que um órgão inferior a complete. Daí a qualificação em branco, dando a entender que o órgão superior outorga carta branca ao inferior no sentido de completar o tipo incriminador. Esse fundamento histórico, porém, não se mostra suficiente para impedir que se reconheça como norma penal em branco a que remete a outra lei ou disposição da mesma fonte legislativa.

A norma penal em branco não se confunde com o tipo aberto, aquele que não apresenta a descrição típica completa e exige uma atividade valorativa do Juiz. Nele, o mandamento proibitivo inobservado pelo sujeito não surge de forma clara, necessitando ser pesquisado pelo julgador no caso concreto. [19]

São hipóteses de crimes de tipo aberto: a) delitos culposos: neles, é preciso estabelecer qual o cuidado objetivo necessário descumprido pelo autor; b) crimes omissivos impróprios: dependem do descumprimento do dever jurídico de agir (CP, art. 13, § 2.º); c) delitos cuja descrição apresenta elementos normativos ("sem justa causa", "indevidamente", "astuciosamente", "decoro", "dignidade", "documento", "funcionário público" etc.): a tipicidade do fato depende da adequação legal ou social do comportamento, a ser investigada pelo julgador diante das normas de conduta que se encontram fora da definição da figura penal.

Assim, diferenciam-se normas penais em branco e elementos normativos do tipo (c). Nestes casos, não se cuida de uma complementação do tipo por meio da aplicação de outro mandamento derivado da mesma instância ou inferior, como nas normas penais em branco, e sim da compreensão da existência ou não de violação do dever de agir ou de não agir em face de regras legais e de cultura.

Neste tema, cumpre não esquecer o princípio fundamental de "conformidade à Constituição":[20]^ é necessário, seja o tipo aberto ou remetido, haja elemento normativo ou se apresente caso de norma penal em branco, que a interpretação e a aplicação da lei se realizem obedecidos os princípios constitucionais, sob pena de atipicidade do fato.

Notas 1.A idéia de escrever este pequeno artigo surgiu da leitura do trabalho "Breve confronto entre normais penais em branco e tipos abertos", de MIGUEL PEDROSA MACHADO, Livro de Estudos Jurídicos,

Rio de Janeiro, Instituto de Estudos Jurídicos, 1995, 11:147. Vide sobre o assunto: ANTONIO DOVAL PAIS, Posibilidades y límites para la formulación de las normas penales. El caso de las leyes em blanco, València, Universitat de València, 1999. 2.LUIZ REGIS PRADO, Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, São Paulo, RT, 1999, p. 93. 3.Disposição introduzida pela Lei n. 9.983, de 14.7.2000. 4.Reclusão, de 2 a cinco anos, e multa. 5.No Brasil, por todos: MAGALHÃES NORONHA, Direito Penal, Introdução e Parte Geral, atualiz. por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, São Paulo, Saraiva, 2000, p. 48; DELMANTO & DELMANTO, Código Penal comentado, Rio de Janeiro, Renovar, 2000, p. 9. 6.Art. 12 da Lei n. 6.368, de 21.10.1976. 7.Nesse sentido: RT, 522:361 e 566:283; STF, HC n. 68.904, RTJ, 139:216; STF, HC n. 69.904, 2.ª T., RTJ, 139:216; TAMG, ACrim n. 120.413-5, RJTAMG, 46:413; STJ, ROHC n. 9.800, 5.ª T., Rel. Min. Félix Fischer, DJU 29.5.2000, p. 66 e 67. 8.Nesse sentido: STF, HC n. 69.411, RTJ, 143:208 e 210; RT, 672:308; TJSP, RT, 670:280 e RJTJSP, 130:496; TJSP, ACrim n. 105.382, RT, 682:307; JTACrimSP, 62:182; Jurisprudência Mineira, 105:231. 9.FRANCISCO MUÑOZ CONDE e MERCEDES GARCÍA ARÁN, Derecho Penal, Parte General, València, Tirant lo Blanch, 1996, p. 38. 10.ANTONIO GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Derecho Penal, Introducción, Madri, Universidade Complutense, 2000, p. 258, n. 4. 11.ANTONIO GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, op. e loc. cits. No mesmo sentido: RODRÍGUEZ DEVESA, Derecho Penal español, Parte General, p. 153. 12LUZÓN PEÑA, Curso de Derecho Penal, Parte General, 1996, p. 148. 13.Vencedora na doutrina espanhola. 14.MIR PUIG, Derecho Penal, Parte General, 5.ª ed., p. 34 e 35. 15.MIR PUIG, op. cit., p. 35. 16.Op. cit., p. 261; MIR PUIG, p. 34 e 35. 17.Vide sobre o assunto: SOLER, Derecho Penal argentino, Buenos Aires, TEA, 1976, I:122. 18.Idem, p. 149. 19.No Brasil, nesse sentido: MIRABETE, Manual de Direito Penal, Parte Geral, São Paulo, Atlas, 1998, p. 50. 20.MIGUEL PEDROSA MACHADO, idem, p. 151.

Autor Damásio E. de Jesus advogado em São Paulo, autor de diversas obras, presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus atuou durante 26 anos no Ministério Público do Estado de São Paulo, tendo se aposentado em 1988 como Procurador de Justiça. Teve papel significativo em trabalhos importantes realizados para o Ministério da Justiça, a Prefeitura da Cidade de São Paulo, a Câmara dos Deputados, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e a Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo. Com vasto reconhecimento internacional, atuou também como representante brasileiro nas várias sessões organizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em todo o mundo, onde já discutiu variados temas, a maioria abordando a prevenção ao crime e a justiça penal, os crimes de corrupção nas transações comerciais internacionais, o controle de porte e uso de armas de fogo, entre outros. http://www.damasio.com.br Informações sobre o texto Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT JESUS, Damásio E. de. Normas penais em branco, tipos abertos e elementos normativos. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/2286. Acesso em: 28 mar. 2012.

De acordo com o conceito de anomia, verifica-se que no Direito Penal existem regras de conduta que são relegadas pela sociedade e, em face dessa repulsa, passa-se a observar um grave enfraquecimento do poder coercitivo do comando normativo. Nesse sentido é o escólio de René Ariel Dotti (2001, p. 37-38): "(...) a primeira das propostas fundamentais para reverter esse quadro de anomia que envolve o sistema criminal consiste na necessidade de se levar à frente um amplo movimento de descriminalização e despenalização. Somente por esse caminho será possível resgatar o prestígio do magistério penal que ficou profundamente abalado nas últimas décadas diante da massificação dos processos de incriminação e da conseqüente ineficácia das reações penais contra o delito." Portanto, a despeito de algumas normas permanecerem com sua validade formal, percebe-se que, em face da anomia legal, não são cumpridas devido à grande resistência que encontram por parte da sociedade. Tanto o conceito de antinomia quanto o de anomia é importante para uma melhor compreensão dos problemas acerca dos conflitos normativos, especialmente no que tange aos comandos penais, posto que é por meio destes que o Estado faz valer seu poder-dever de punir.

  1. Conflito Aparente de Normas Penais Inicialmente, importa ressaltar que a colisão existente entre as normas penais é tratada erroneamente por alguns juristas, quando mencionam que os preceitos normativos penais concorrentes entre si consubstanciam um "conflito de normas". Não é nada disso. O que existe, em verdade, é um conflito "aparente" entre duas ou mais normas penais, e não um confronto real entre elas. Nesse particular, para que o conflito aparente de normas seja reconhecido, deve-se partir de alguns elementos essenciais, sem os quais tal embate normativo inexiste:
  2. a unidade do fato
  3. pluralidade de normas
  4. aparente aplicação de todas as normas
  5. efetiva aplicação de apenas uma delas A unidade de fato significa que a conduta do agente tenha implicado em apenas uma infração penal. No tocante à pluralidade de normas, como se depreende da própria expressão, é imprescindível que exista mais de um dispositivo legal tipificando a mesma conduta. Por derradeiro, a incidência de todas as normas a uma conduta deve ser apenas aparente, porquanto só uma delas é que será efetivamente aplicada. Na verdade, o legislador, quando introduz no ordenamento jurídico determinado tipo penal, o faz direcionada a uma conduta específica. Então mesmo que esta norma venha a colidir com outra mais antiga, ou mais genérica, com ela nunca se confundirá, justamente em razão da existência de princípios, que, em sendo aplicados ao caso concreto, suprimirão por completo qualquer dúvida quando do enquadramento da norma ao fato. São eles os seguintes princípios:
  6. princípio da especialidade
  7. princípio da alternatividade
  8. princípio da subsidiariedade
  9. princípio da consunção 3.1) Princípio da Especialidade De acordo com o brocardo jurídico lex specialis derrogat generali [1], a lei de natureza geral, por abranger ou compreender um todo, é aplicada tão-somente quando uma norma de caráter mais específico sobre determinada matéria não se verificar no ordenamento jurídico. Em outras palavras, a lei de índole específica sempre será aplicada em prejuízo daquela que foi editada para reger condutas de ordem geral. Rogério Greco (2003, p. 30-31), explanando sobre o assunto, aduz que: "Em determinados tipos penais incriminadores há elementos que os tornam especiais em relação a outros, fazendo com que, havendo uma comparação entre eles, a regra contida no tipo especial se amolde adequadamente ao caso concreto, afastando, desta forma, a aplicação da norma geral." Assim, a norma penal especial (Cf. Bitencourt, 1999, p. 166) se evidencia a partir da combinação entre os elementos da lei geral e novos elementos, estes, por sua vez, chamados de especializantes. Além disso, é interessante lembrar que o princípio da especialidade afasta a incidência de dois tipos a uma mesma conduta, ou seja, impede que ocorra o bis in idem e, por conseqüência, evita que a punição seja duplamente aplicada em face de um mesmo delito. Ademais, pertinente mencionar que o princípio da especialidade está expressamente previsto no art. 12 do Código Penal, cujo texto legal se encontra assim redigido: "Art. 12. As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso."

As normas de caráter especial podem ser evidenciadas das mais diversas formas. A primeira delas ocorre quanto às qualificadoras ou às causas de privilégio, tendo em vista que são consideradas disposições especiais em relação aos tipos fundamentais, geralmente descritos nos caputs dos dispositivos. Exemplo de norma especial da espécie descrita é aquela tipificada como lesão corporal de natureza grave (art. 129, § 1.º, CP), cujo preceito informa um plus em relação ao tipo penal básico descrito no caput do mesmo artigo (lesão corporal de natureza leve). Tem-se, ainda, como especiais aquelas normas que apresentam alguma elementar a mais do que o tipo geral. Como exemplo, pode-se citar o crime de infanticídio (art. 123, CP) em relação ao de homicídio (art. 121, CP), cujo tipo exige que a conduta de matar o recém-nascido parta da própria mãe, quando se encontrar sob a influência de estado puerperal. O legislador criou, ainda, a figura das leis penais especiais, cujo teor rege determinadas condutas, seja em razão de sua maior gravidade, seja pela menor intensidade do fato, mas, desde que mereçam um tratamento diferenciado. É o caso, por exemplo, da Lei de Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/90), que dispõe acerca de certos delitos que, por sua natureza, devem ser cuidados de forma mais severa. Pode-se falar, também, do tráfico de entorpecentes, na modalidade "importar" (art. 12, Lei n.º 6.368/76), em relação ao contrabando (art. 334, CP). O tipo do art. 12 é especial em relação ao contrabando, tendo em vista que, além de descrever alguns elementos gerais, tais como "importar mercadoria proibida", possui o elemento "substância entorpecente". Assim, a conduta de alguém que importa lança-perfume para o Brasil, subsumir-se-á ao tipo relacionado pelo art. 12 da Lei n.º 6.368/76, ficando, assim, o contrabando absorvido. Assim, desde que todos os requisitos do tipo geral estejam presentes no tipo especial, e que ambas as leis estejam vigendo naquele momento da aplicação, estará o intérprete apto para empregar a lei especial à conduta do agente. 3.2) Princípio da Alternatividade Pelo princípio da alternatividade também são resolvidos alguns dos conflitos aparentes entre as normas penais. Muitos doutrinadores, a exemplo de Damásio Evangelista de Jesus (1998, p. 117), ainda relutam em aceitar o princípio da alternatividade como uma opção para a resolução dos conflitos normativos, pois, ao ver do citado jurista e professor, "não se pode falar em concurso ou conflito aparente de normas, uma vez que as condutas descritas pelos vários núcleos se encontram num só preceito primário". Em que pese o posicionamento acima mencionado, sabe-se que o princípio da alternatividade hodiernamente se encontra elencado nos manuais de direito penal como um dos preceitos hábeis a solver os problemas atinentes ao concurso aparente entre as normas penais. Nesse pórtico, entende-se pelo princípio da alternatividade aquele que se volta à solução de conflitos surgidos em face de crimes de ação múltipla, que são aqueles em que o tipo penal expõe vários núcleos, correspondendo cada um desses núcleos a uma conduta. É exemplo de crime de ação múltipla (ou plurinucleares) o de receptação, relacionado no art. 180, caput, do Código Penal da seguinte maneira, verbis: "Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte." A despeito das várias modalidades de condutas praticadas no crime acima transcrito, é imprescindível que exista nexo de causalidade entre elas e que sejam praticadas no mesmo contexto fático. Nesse caso, o agente será punido apenas por uma das modalidades descritas no tipo. Caso contrário, haverá tantos crimes quantas forem as condutas praticadas. 3.3) Princípio da Subsidiariedade Por meio do princípio da subsidiariedade, depreende-se que alguns dispositivos penais prevêem o seu emprego apenas no caso de outra norma, de caráter primário, não poder ser aplicada ao mesmo fato. O princípio da subsidiariedade subdivide-se em duas espécies: subsidiariedade tácita e subsidiariedade expressa. Ocorre a subsidiariedade expressa, quando a própria norma reconhecer seu caráter subsidiário, admitindo incidir somente se não ficar caracterizado o fato de maior gravidade. Como exemplo, compete citar o crime de perigo para a vida ou saúde de outrem (art. 132, CP): "Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena – detenção, de 3 meses a 1 ano, se o fato não constituir crime mais grave". (grifei) Como se retira do preceito secundário do artigo transcrito, somente "se o fato não constituir crime mais grave" é que a pena relativa ao delito descrito no art. 132 será aplicada ao agente. No caso da subsidiariedade tácita, a norma nada diz, mas, diante do caso concreto, verifica-se seu caráter secundário. Exemplo claro é o do crime de roubo, em que a vítima, mediante emprego de violência, é constrangida a entregar a sua bolsa ao agente. Aparentemente, incidem o tipo definidor

Laura Raquel Tinoco dos Santos servidora pública federal - analista judiciário, da Justiça Federal do RN Informações sobre o texto Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT SANTOS, Laura Raquel Tinoco dos. Principios do conflito aparente de normas penais. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 128, 11 nov. 2003. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/4482. Acesso em: 28 mar. 2012.

Evolução da Teoria da Tipicidade Penal - Luiz Flávio Gomes

Texto de : Luiz Flávio Gomes

Data de publicação: 06/06/

EVOLUÇÃO DA TEORIA DA TIPICIDADE PENAL

LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), Consultor e Parecerista, Fundador e Presidente do IELF-PRO OMNIS (Rede Brasileira de Telensino - 1ª do Brasil e da América Latina - www.lfg.com.br)

Primeira etapa: causalismo O tipo penal, no tempo do causalismo de von Liszt e de Beling (final do século XIX e começo do século XX), era puramente objetivo ou formal (leia-se: era só causalidade). A tipicidade, enfocada como requisito neutro pelo seu criador (Beling, 1906), exigia: (a) conduta; (b) resultado naturalístico (nos crimes materiais); (c) nexo de causalidade (nesses crimes materiais) e (d) adequação típica (subsunção do fato à letra da lei). O tipo penal era puramente formal (ou formal-objetivo). O "matar alguém" significava (só)"causar a morte de alguém". O eixo do tipo penal residia na mera causação. Provocar o aborto significava "causar o aborto". Bastava o nexo de causalidade (entre a conduta e o resultado) para se concluir pela tipicidade da conduta. Nessa perspectiva puramente causalista e formalista não havia dúvida que, por exemplo, "causar qualquer tipo de aborto" era um fato típico.

Preponderava, ademais, a teoria da equivalência dos antecedentes causais (teoria da conditio sine qua non ). Tudo que concorre para o resultado é causa do resultado (diz essa teoria). Cuida-se, entretanto, de premissa muito ampla. Ela permite o chamado regressus ad infinitum. O vendedor que vendeu a faca com a qual a vítima foi morta seria causa do resultado. Logo, deveria também responder pelo delito. Para não se chegar a esse absurdo, argumentava-se com a ausência de dolo ou culpa na conduta do comerciante. Como o dolo e a culpa pertenciam à culpabilidade , ficava esta afastada. O comerciante não respondia pelo crime por falta de culpabilidade (que, nesse tempo, integrava o conceito de crime). Aliás, a culpabilidade só foi admitida como categoria do delito para cumprir essa função de garantia (para se concluir pela inexistência de crime quando o agente atuava sem dolo ou culpa).

Segunda etapa: neokantismo O neokantismo (Frank, Mayer, Radbruch, Sauer, Mezger etc.) criticou duramente a concepção neutra da tipicidade, sublinhando o aspecto valorativo do tipo legal. O tipo não descreve uma conduta neutra, sim, uma conduta valorada negativamente pelo legislador (o matar alguém não é neutro, é algo valorativamente negativo). O tipo penal não objetivo e neutro, é objetivo e valorativo, ao mesmo tempo. Apesar de toda ênfase dada ao aspecto valorativo do Direito penal (que não é uma ciência naturalista, sim, valorativa), no que concerne à estrutura formal (ou objetiva) da tipicidade pouco se alterou: continuou sendo concebida preponderantemente como objetiva. A tipicidade penal, para o neokantismo, é tipicidade objetiva e valorativa. O lado subjetivo da tipicidade só viria a ser admitido (alguns anos depois) com o finalismo de Welzel.

Terceira etapa: finalismo Com o finalismo de Welzel (cujo apogeu, na doutrina européia, se deu entre 1945 e a década de sessenta do século passado) o tipo penal passou a ser composto de duas dimensões: objetiva e subjetiva. Esta última era integrada pelo dolo ou culpa (que foram deslocados da culpabilidade para a tipicidade).

Passou a ter grande relevância o desvalor da conduta (finalista). O comerciante que vendeu a faca (com a qual cometeu-se o homicídio) não responde pelo delito por falta de dolo ou culpa, isto é, por falta de tipicidade. Já não é preciso chegar à culpabilidade para se afastar a sua responsabilidade. No próprio âmbito da tipicidade a questão é resolvida satisfatoriamente. Mais relevante para o crime (leia-se: para a própria tipicidade) não é o desvalor do resultado, sim, o desvalor da conduta.

bens jurídicos e princípio da ofensividade (que é chamado por Zaffaroni e Ferrajoli, dentre outros, de princípio da lesividade).

Sintetizando:

(a) da primeira dimensão (formal-objetiva) fazem parte: (a) conduta; (b) resultado naturalístico (nos crimes materiais); (c) nexo de causalidade e (d) adequação típica formal (subsunção do fato à letra da lei);

(b) integram a segunda dimensão (normativa): (a) a imputação objetiva da conduta e (b) imputação objetiva do resultado;

(c) o resultado jurídico relevante (ofensa transcendental - contra terceiras pessoas - grave e intolerável a um bem jurídico relevante protegido pela lei) pertence à terceira dimensão;

(d) a quarta dimensão (subjetiva), que só é exigida nos crimes dolosos, é composta (a) do dolo e, eventualmente, (b) de outros requisitos subjetivos específicos.

Sistematizando:

Do ponto de vista sistemático, a ordem de todos esses requisitos é a seguinte: (a) conduta; (b) resultado naturalístico (nos crimes materiais); (c) nexo de causalidade; (d) adequação típica formal ( tipicidade formal-objetiva ); (e) imputação objetiva da conduta ( tipicidade normativa ); (f) resultado jurídico relevante ( tipicidade material ); (g) imputação objetiva desse resultado ( tipicidade normativa ) e (h) imputação subjetiva (nos crimes dolosos).

Enfatizando: depois de constatada a tipicidade formal-objetiva (primeira dimensão), fundamental é também verificar a tipicidade normativa (segunda dimensão), que é composta (obviamente) de requisitos puramente normativos (imputação objetiva da conduta e imputação objetiva do resultado), assim como a tipicidade material (resultado jurídico relevante = transcendental, grave e intolerável). Nos crimes dolosos ainda se requer a imputação subjetiva (quarta dimensão, constituída do dolo e eventualmente outros requisitos subjetivos específicos).

Exemplificando: no caso do homicídio ou do aborto, por exemplo, não basta (para a tipicidade penal) constatar a causação de uma morte ou de um fato abortivo (a parte objetiva-formal) ou mesmo a sua causação dolosa (dimensão objetiva mais subjetiva). Mais que isso (e, aliás, antes da verificação da imputação subjetiva): fundamental agora é perguntar se a conduta causadora da morte foi praticada no contexto de um risco permitido ou proibido, se desse risco derivou um resultado jurídico e se esse resultado jurídico tem direta conexão com o risco criado). Em primeiro lugar e desde logo, portanto, cabe perguntar: o risco gerado (para o bem jurídico) é ou não desaprovado juridicamente?

Para que haja responsabilidade penal, como se vê, já não basta a simples causação objetiva de um resultado (mero desvalor do resultado). Isso é necessário, mas não é suficiente. A tipicidade penal, de outro lado, já não é tão-somente formal ou fático-legal (ou formal-objetiva). É também material e normativa. Causar não é a mesma coisa que imputar. Causação é distinta da imputação. Por isso que o art. 13 do nosso Código Penal diz: " O resultado, de que depende a existência do crime, só é imputável a quem lhe deu causa". O causar está no mundo fático (mundo da causalidade). A imputação pertence ao mundo axiológico (ou valorativo). O causar é objetivo (pertence ao mundo da causalidade, ao mundo fático). A imputação é normativa (depende de juízo de valor do juiz). O causar é formal. A imputação é normativa e o resultado é requisito material (de garantia).

Causação e imputação, em suma, são conceitos complementares, porém, distintos. Depois de comprovada a causação de um resultado (naturalístico), impõe-se examinar, numa segunda etapa, a imputação assim como a produção de um resultado jurídico relevante.

Do exposto se extrai a seguinte conclusão: nem tudo que foi mecanicamente causado pode ser imputado ao agente, como fato pertencente a ele (como obra dele pela qual deva ser responsabilizado). Aquilo que se causa no contexto de um risco permitido (autorizado, razoável) não é juridicamente desaprovado, logo, não é juridicamente imputável ao agente. Na lesão esportiva (dentro das regras do esporte) há a causação de um resultado, mas isso não pode ser objetivamente imputado ao agente (porque se trata de risco permitido). Diga-se a mesma coisa em relação à intervenção cirúrgica, à colocação de ofendículos, ao exercício de um direito etc.. Tudo que se produz

no contexto de riscos permitidos não é objetivamente imputável (não é fato típico, ou melhor, não é um fato material e normativamente típico).