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LIVRO DE CARLOS MOTTA
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Não perca as partes importantes!
Este pequeno exercício de prosa é dedicado aos meus amigos passados, presentes e futuros.
As lembranças forjam risos, reflexões, algumas tristezas e - sempre - a esperança de eu vir a ser, um dia, uma boa pessoa.
Nessa difícil empreitada agradeço especialmente à Liliana, mais que minha mulher, minha inseparável companheira.
Espero que se divirtam com o fruto da minha imaginação.
Carlos Motta
PS.: a capa é da Liliana, claro.
Não era baixo nem alto. Nem gordo nem magro. Não ganhava bem nem mal. Classe média, sustentava a família - mulher e filho - morando num apartamento de dois quartos, 55 metros quadrados, num bairro da periferia, comprado com a ajuda do sogro e do dinheiro do FGTS.
Almoçava fora de casa, ia ao trabalho no Palio 99 que levava uma vez por ano ao mecânico - de confiança - perto da padaria. Voltava só depois das 8 horas da noite. Comia alguma coisa que a mulher tinha feito no almoço, via o Jornal Nacional, lia a Folha, que comprava religiosamente na banca perto do emprego.
Dormia um sono agitado, tinha a pressão alta, mas não consultava nenhum médico. Preferia o remédio que o farmacêutico lhe vendia, com a garantia de que era um lançamento, tiro e queda e tal. Consultava a bula e fingia sacar tudo aquilo que as letrinhas prometiam e advertiam.
O dia em que voltou para casa com o coração disparado, quase na boca, a adrenalina solta no corpo cansado, começou com nuvens e terminou com chuva.
E foi a chuva a responsável por tudo.
Se o asfalto da rua do posto de gasolina onde, por R$ 60 mensais guardava seu Palio, estivesse seco,
talvez, muito provavelmente, com certeza absoluta,
aquele Gol verde tivesse parado apenas poucos metros depois de ter as rodas travadas pela ação instintiva do seu motorista que meteu o pé no freio quando o moleque largou a mão gorducha da mãe e correu desembestado sabe-se-lá-para-que-direção apenas que era para onde não deveria ir ou seja:
o meio da rua com o asfalto molhado e escorregadio.
A buzina estridente fez com que virasse a cabeça para a esquerda e fosse atingido de frente por pingos d’água agressivos e gelados. Aí, nesse instante, seu
os talheres gastos, o prato lascado, a comida insossa, as notícias velhas da televisão e do jornal
e até mesmo o beijo mecânico de sua mulher murcha e sem graça e a indiferença ingênua de seu filho raquítico e pálido teriam um gosto único e especial.
Porque naquela noite ele não era o homem insignificante que acostumara toda a sua vida a ser.
Feito criança, percorria as estantes do sebo. As mãos já estavam pretas da sujeira das capas dos livros e discos. Mas os olhos cada vez mais brilhantes. Ao seu lado, o filho tentava se distrair num joguinho de gameboy.
O menino torceu o pescoço, passou a mão direita pela cabeça, olhou o pai de baixo para cima.
O passeio terminou num McDonald‘s que ficava numa praça desolada e suja, ao lado de uma avenida barulhenta e perigosa.
preferiu que a vidente Nádia lesse as cartas. Não sabia direito o que era tarô e achava búzios coisa de umbanda. O pastor de sua igreja falava sempre que essa gente não prestava.
Contente em ter sua primeira cliente do dia, a vidente Nádia prometeu a si mesma caprichar na leitura. Simpatizou com a moça morena, de olhos verdes e tímida, e improvisou um futuro belo, tranqüilo, sem nuvens e de um azul profundo para ela.
Quando terminou o serviço, a vidente Nádia pegou novamente a revista Caras da semana passada e voltou a ver as fotos da casa de praia de 400 metros quadrados do seu galã preferido, graças a Deus solteiro novamente.
Já Celinha hesitava entre passar os restantes 20 minutos para a sessão de cinema procurando uma blusa que combinasse com a calça comprada à prestação na semana passada ou chupando um sorvete. Acabou se entretendo com a criançada que patinava na pista de gelo montada no espaço onde antes ficavam as máquinas de fliperama. Se tivesse coragem, bem que gostaria de experimentar. Mas era
envergonhada. Se levasse um tombo, todo mundo iria rir e ela, corar feito um pimentão.
Ao se virar para finalmente pegar a fila do cinema - puxa, como o tempo passa rápido -, Celinha levou um susto: três rapazes, a poucos metros dela, a olhavam, rindo. Ela fez que não viu, baixou os olhos e apressou o passo. Mas ouviu um deles falar: “Bonitinha, uma gracinha...”
Deu a entrada para o bilheteiro e olhou rapidamente para trás. O rapaz mais alto dos três, um mulato vestindo uma camiseta cinza com a frase “In God We Trust” escrita em vermelho, estava na bilheteria.
Ela então se lembrou das palavras da vidente Nádia quando virou o valete de ouros e abriu um sorriso que deixava à mostra dentes amarelecidos de nicotina: “Menina, essa é uma carta muito boa, que significa reflexão, novidade e amor.”
Não tinha entendido na hora o sentido daquilo, mas ao ver o jovem galanteador entrar na sala meio escura apressado e olhando para os lados, como se estivesse à procura de alguém, soube imediatamente que seu destino estava traçado havia muito tempo e seria
Quando pisou na bola pela primeira vez, mandou à patroa rosas vermelhas. Foi perdoado, mas teve de prometer andar na linha.
Na segunda vez, escolheu um arranjo de gérberas. Custou uma nota, porém valeu a pena: o caso ficou por isso mesmo, nem promessa fez.
Na terceira, juntou um cartão com versos mancos às anêmolas que comprou para o amor de sua vida. Escorreram lágrimas daquele rosto ingênuo.
Houve uma vez mais, apenas uma.
Achou que se livrava fácil com um buquezinho de pobres margaridas.
Acabou tendo de se consolar do adeus inesperado mastigando os chocolates doces demais que havia guardado para tal eventualidade.
Depois de notar que os cabelos negros de sua mulher estavam mais bonitos com o tom prateado que haviam adquirido nos últimos anos, tomou a decisão de não procurar mais saber, diariamentente, na frente do espelho, com os olhos míopes arregalados, se a barba estava ficando mais branca.
Percebeu que essas mudanças não eram apenas exteriores.
Sentia o coração leve, a alma solta, o espírito em paz.
E, assim, abandonou definitivamente qualquer esperança de se tornar eternamente jovem.
Maltratava seu corpo com a tortura da sede e da fome.
Corria. Parava. Subia. Descia.
Se fosse preciso calaria as injustiças do mundo com sua voz embargada de emoção e fúria.
Mas nunca faria nada que pusesse em risco sua tranqüila e segura concordância com tudo.
Num certo dia de sol, depois de se mover solto e leve pela praça que separava sua casa da estação do metrô, foi subitamente abordado por dois pivetes que
primeiro deram um murro no seu estômago, depois chutaram suas costelas quando estava no chão
e, por fim, saíram rindo como se nada tivesse acontecido, levando sua carteira com 150 mangos, cartões de crédito e débito, documentos e outras coisas de menor importância.
Foi aí que quis rir, mas apenas chorou.
O quarteto sempre havia se dado bem. Até o dia em que o segundo violino esticou a corda demais - o primeiro violino achou aquilo um insulto.
A viola se incomodou e entrou na discussão: reclamou uma autoridade que foi contestada pelo grave violoncelo.
No meio da sonata o pau quebrou feio.
E não houve Brahms que desse jeito nem Beethoven que consertasse o estrago ou Mozart que restabelecesse a ordem.
A paz chegou apenas quando baixou um Pixinguinha com seu jeito manso de insinuar a melodia e sua maestria em prever o tempo certo para qualquer compasso.
Ou seja, o recital teve um fim imprevisto, mas satisfatório.
E todos voltaram felizes para casa.
Menos o piano, que permaneceu mudo.
Foi a última garfada do almoço. Estava cheio e se preparava para tomar o resto de chope quando sentiu um tapa nas costas. Virou-se e deu de cara com um estranho, barbado, óculos escuros, camiseta preta, jeans e tênis velhos.
logo depois que terminei o segundo grau. Precisei trabalhar depois que papai morreu.