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O ESPAÇO EM QUESTÃO
TERRA LIVRE 5
O espaço em questão
Milton Santos
Marcelo José Lopes de Souza
Rogério Haesbaert da Costa
Paulo Cezar da Cosia Gomes
Mário Cezar Tompes da Silva
Marcos José Nogueira de Souza
Editora Marco Zero Associação dos Geógrafos Brasileiros
Terra Livre 5 ISSN 0102-
TERRA LIVRE é uma publicação semestral da AGB - Associação dos Geógrafos Brasileiros.
Qualquer correspondência pode ser enviada para a AGB - Nacional (a/c Coordenação de Publicação): Avenida Professor Lineu Prestes, 338 - Edifício Geografia e História - Caixa Postal 64.525 - Cidade Universitária - CEP 05497 - São Paulo - SP - Brasil. Telefone: (011) 210-2122 - ramal 637.
Editor responsável: Bernardo Mançano Fernandes
Conselho Editorial: Aldo Paviani Ariovaldo Umbelino de Oliveira Armen Mamigonian Aziz Nacib Ab'Sáber Beatriz Soares Pontes Carlos Walter P. Gonçalves Gil Sodero de Toledo Heinz Dieter Heidemann Horieste Gomes José Pereira de Queiroz Neto José Borba Quiello da Silva José Willian Vesentini Lylian Coltrinari Manoel F. G. Seabra Manuel Correia de Andrade Maria Lúcia Estrada Márcia Spyer Resende Milton Santos Nelson Rego Pasquale Petrone Ruy Moreira Samuel do Carmo Lima Sílvio Bray Tomoko Iyda Paganelli
A p r e s e n t a ç ã o
Em seu curto período de existência, TERRA LIVRE está sendo
conhecida pela múltipla contribuição de professores, estudantes e
pesquisadores. TERRA LIVRE é um espaço dentro da Geografia brasileira
que publica artigos de diversas tendências teórico-metodológicas da
geografia. Na seqüência deste trabalho, trazemos neste número a discussão
de um tema de grande importância: O ESPAÇO, com artigos de
geógrafos para um embate crítico e que certamente irá colaborar para o
desenvolvimento desta questão.
O espaço como categoria filosófica para se pensar o espaço a partir
de uma filosofia da Geografia. A crítica à espaciologia, a importância
desta reflexão teórica a partir da contestação crítica. O espaço na
modernidade, um estudo sobre esta relação, buscando referências cm
outras áreas para se rever a espacialidade nas transformações do espaço
urbano e do espaço rural. O papel do político na construção do espaço dos
homens, uma reflexão de interesse para o entendimento da ação estratégica
e do poder no espaço de todos. E como é próprio da revista TERRA
LIVRE, não necessariamente abordamos um único tema, apresentamos
tambem um artigo de suma importância para o conhecimento da
morfodinâmica do espaço cearense c a expansão da degradação ambiental.
E para continuar pensando a AGB, estamos publicando o seu
estatuto para que os associados tenham acesso direto a este documento que
rege o funcionamento da Associação dos Geógrafos Brasileiros, c assim
possam melhor participar ativamente da vida política da AGB, no sentido
de fortalecer o objetivo de se fazer uma geografia voltada para a realidade
da sociedade brasileira.
Bernardo Mançano Fernandes
O Espaço Geográfico Como Categoria
Filosófica*
Milton Santos**
Desde que se escreveram as primeiras filosofias , a noção de espaço e
a noção de tempo constituíram uma preocupação dominante.^1 Não foi
Aristóteles quem escreveu que "aquilo que não está em nenhuma parte não
existe?" Bem mais próximo de nós, Ernst Cassirer (1957, vol. 3, p. 150)
considera que "não há uma só criação do espírito humano que não esteja,
de alguma forma, relacionada com o mundo do espaço e que não busque,
de alguma maneira, sentir-se à vontade dentro dele. Tentar conhecer este
mundo e dar o primeiro passo no sentido da objetivação, através da
apreensão e da determinação do ser".
Os primeiros geógrafos, isto é, aqueles que se ocupavam do espaço
geográfico, antes de a geografia ser inventada como ciência, eram
igualmente filósofos^2 , tal como Estrabão, para quem, aliás, "a utilidade
lista e uma versão parcialmente diferente da comunicação apresentada ao 5º Encontro Nacional de Geógrafos, Porto Alegre, 1982.
Professor Titular de Geografia Humana, F.F.L.C.H., Universidade de São Paulo. (^1) "Não há nenhum campo da filosofia geral ou do conhecimento teórico em geral no qual o problema do espaço não entre, de uma maneira ou de outra e com o qual, de uma forma ou de outra, não esteja entrelaçado." li. Cassirer, 1957, 1973, p. 143. 2 "O conceito dc espaço e muito elaborado pela filosofia. Se eu desejo elucidar o espaço social sem cair nos defeitos da sociologia e do empirismo sociológico, estou obrigado a apelar para o conceito filosófico dc espaço, mas apenas para verificar seus limites, desenvolvê-lo e atingir mesmo o que a filosofia não previu, uma vez que ela se colocava do ponto de vista de um espaço matemático, lógico, abstraio, É preciso abrir esse conceito, assim como o conceito dc tempo, sobre a realidade social, prática, sobre o espaço e
escreveu recentemente com referencia explícita ao espaço, preferimos sua
Critique de la Vie Quotidienne, escrita há quase trinta anos. Este trabalho,
de resto, aproxima-se do estudo de Sartre sobre a Crítica da Razão
Dialética ou mesmo sobre O Ser e o Nada. É difícil dizer (e aliás
desnecessário) qual dos dois poderá contribuir mais de perto para a
elaboração de uma filosofia e uma epistemologia do espaço humano. Não
se trata, de fato, de esperar que os filósofos profissionais digam o que é
preciso fazer em filosofia da geografia. Como Sartre nos lembra, é
chegado o tempo cm que cada disciplina constrói sua própria filosofia.
Esta será talvez menos uma filosofia espontânea dos sábios, na concepção
de Althusser, do que uma epistemologia-filosofia, segundo Piaget.
Mas a geografia deve ser pensada de dentro, isto e, a partir do
espaço. Por isso, a aplicação de conceitos filosóficos exteriores ao fato
que se quer pensar não pode ajudar-nos. Um exemplo dessa utilização dc
conceitos buscados no discurso filosófico, mas cuja aplicação ao real
deixa a desejar, é dado por Amadeo e Golledge (1975) no capítulo
consagrado aos objetivos da pesquisa geográfica. O correto e partir da
própria realidade e não buscar legitimar conceitos empírico-abstratos, cujo
uso, aliás, e já antigo em geografia, trazendo-lhes a ajuda de conceitos
filosóficos claramente expressos pelos seus autores, mas criados para
situações diferentes c enunciados em um contexto diverso. A teoria
geográfica tem de ser buscada nó seu domínio próprio: o espaço. A
filosofia pode ser um guia, mas os filósofos não nos oferecem respostas a
priori, como aqueles dois autores erroneamente pensaram.
A falta dc "prática" das disciplinas particulares é, tal como Foucault
escreveu no número inaugural de Hérodote, um obstáculo a que os
filósofos "generalistas" possam verdadeiramente guiar os geógrafos em
suas análises do espaço. E talvez a principal dificuldade quando se lêem
trechos de Bachelard ou mesmo de Lefebvre (exemplo: A Produção do
Espaço, 1975). Não se pode pedir ao filósofo para escrever em um jargão
de geógrafo. Mas Lefebvre fez sugestões bem explícitas: ver por exemplo
em seu livro Le Temps des Méprises (1975) sua proposição de um
espaço-análise.
Sem dúvida a palavra filosofia assusta, de um lado porque ela é,
numa acepção pejorativa, freqüentemente confundida com a metafísica:
entre os que se dizem preocupar com o concreto das coisas, muitos
imaginam que o esforço dc abstração pode ser feito fora do concreto e
mesmo contra o concreto. E a concretude da abstração está na base mesma
da realização dos nossos mínimos atos como ser social. Sem abstração
não poderia haver linguagem nem produção. Quando falamos nas coisas
mais triviais, não estamos adjetivando as infinitas modalidades, mas nos
referimos ao gênero. Não fora assim e seríamos incapazes de comunicar o
nosso pensamento ao vizinho.^3
A filosofia, assim considerada, nem e mesmo, na verdade, um
privilégio dos filósofos (profissionais), porque assim como A. Gramsci
nos recorda, ela é, também, elaborada pelo povo. "li preciso destruir o
preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo muito difícil por
ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de
especialistas ou de filósofos profissionais e sistemáticos. Por conseguinte
é preciso começar demonstrando que todos os homens são filósofos,
defendendo os limites dessa filosofia espontânea, própria de lodo mundo,
ou seja, a filosofia contida: a) na própria linguagem que é um conjunto de
noções e de conceitos determinados e não só arrumação de palavras
gramaticalmente vazias de conteúdo; b) no senso comum e no bom
senso; c) na religião popular e, conseqüentemente, em todo o sistema de
crenças, de superstições, de opiniões, de modos de ver e de atuar, que se
incluem no que, em geral, se chama de folclore" (A. Gramsci, 1972,
p. 11). A filosofia que nos devia preocupar é aquela autoconsciência da
época histórica, à qual se referiu Th. Oizerman (1973, ch. 6).
O espaço resultado da produção, e cuja evolução é conseqüência das
transformações do processo produtivo em seus aspectos materiais ou
imateriais, é a expressão mais liberal e também mais extensa dessa praxis
humana, sem cuja ajuda a existência não pode ser entendida. Assim, o
pensamento espacial não se pode fazer fora da busca de uma compreensão
do fato tal qual se dá, mas uma busca que vai além da apresentação e nos
permite chegar à representação.
Elementos para a construção de uma filosofia da geografia
Uma filosofia da geografia deve-se alimentar, em primeiro lugar, da
noção de totalidade. Paul Vidal de La Blache, e Frederic Ratzel,
vulgarizaram a noção de unidade terrestre, que Carl Ritter antes deles
havia estabelecido. Trata-se, de fato, da noção filosófica de natureza como
o conjunto de todas as coisas, conjunto coerente, onde ordem e desordem
se confundem nesse processo de totalização permanente pelo qual uma
totalidade evolui para tornar-se outra. O princípio da totalidade é básico
para a elaboração de uma filosofia do espaço do homem. Ele envolve a
"Nada retirará do tecido da ciência os fios de ouro que a mão do filósofo nela introduziu" escrevia há mais de um século J.H. Papillon (1876, t. 1, p. 300), um naturalista famoso. Pode, então, a filosofia ser fundamental aos progressos das ciências naturais c não aos das ciências do homem? Pergunta ociosa, talvez, quando se trata do espaço, lugar filosófico e lugar real concreto onde o homem faz-se natureza e a natureza torna-se social.
Do visível ao invisível
Não é aceitável, aliás, fazer como Grano (1929, p. 38) para quem,
apesar da unidade dos fenômenos de ordem material e de ordem imaterial
em um pedaço qualquer do espaço, a geografia pára no domínio do
estritamente material, cabendo à sociologia encarregar-se das
determinações sociais, culturais e políticas.
Não podemos nos contentar com representações concretas, diz
J.W.Watson (in G. Taylor, 1951, p. 468-469), quando escreve que "o
fator humano e alguma coisa a mais que as obras do homem. Inclui as
ideologias tanto quanto as tecnologias, pois, freqüentemente 6 a força
não-material que é o dado verdadeiramente significativo na geografia de
uma região, aquilo que lhe dá um caráter particular e a distingue de outras.
Mesmo que a paisagem não ofereça evidências concretas, seu interprete
deverá, entretanto, saber o que faz dela algo de específico". Tambem H.
Bobck e J. Schimitusen escreviam, em 1949, que a geografia não se
limita à descrição e à determinação do visível. Esses autores não estão
sozinhos. "Sc o objetivo do geógrafo é a explicação da paisagem", diz
H.C. Darby (1953), "está claro que ele não pode confiar somente no que
vê. A cena visível não nos pode oferecer a soma total dos fatores que a
afetam". E Pierre George, mais recentemente (1974, p. 9), sustenta o
mesmo ponto de vista quando diz que "hoje, o invisível, muito mais que
o visível, questiona a estabilidade das construções dos séculos passados".^4
Levando em conta cada pedaço do espaço em particular, muitos
fatores de sua evolução não são perceptíveis imediatamente, nem
diretamente. O papel de explicação cabe, freqüentemente, ao que não é
imediatamente sensível, ou seja, aos fatores "invisíveis". As formas
modernas de acumulação do capital, as relações sociais cada vez mais
complexas e mundializadas e tantas outras realidades que não se podem
perceber sem um esforço de abstração, tudo isso exige do pesquisador a
necessidade dc buscar decifrar, c para isso encontrar instrumentos novos dc
análise para aplicá-los a uma realidade que, à primeira vista, e de fato,
encobre uma parte considerável de suas determinações.^5
"Enquanto os geógrafos tradicionalmente exprimiram interesse na compreensão da totalidade das formas vivas e suas relações com o meio (Brock, 1967) em sua qualidade de observadores 'científicos', usualmente eles se preocuparam mais com as formas externas do que com a essência dos fenômenos." (Anne Buttimer, 1974, p. 18) "A qualidade e a determinação essencial interna do objeto, que o distingue de outros objetos e sem a qual deixaria de ser o que ele e." Meliujin 1963, p.
- "Ainda que eu não precise conhecer todas as qualidades de um objeto para conhecê-lo, devo, todavia, conhecer todas as suas qualidades internas."
É evidente que tais determinações não poderão ser analisadas a partir
de relações de causa e efeito, onde aparecem apenas os laços de
imediatidade. Assim, tudo que não é contíguo, nem consecutivo, escapa à
definição do universo bem mais vasto de acontecimentos que criam uma
situação. Somente o contexto, quer dizer, a teia unitária, que é mais do
que a síntese total das variáveis, pode fornecer os elementos de explicação
que se buscam.
Ora, o contexto e sempre mutável. Por isso, a cada dia se inventam
novas formas de analisar o passado e o presente. Cada explicação é
sempre a crítica da explicação precedente. Como para os demais aspectos
da totalidade, uma teoria do espaço que deseje ser válida deve levar em
conta que a realidade se renova cotidianamente. Conseqüentemente,
devemos nos apresentar com novas interpretações para fenômenos que
aparentemente são os mesmos.
Ser e existência, sociedade e espaço
A evolução do espaço se faz pela inscrição da sociedade renovada na
paisagem pre-existente. Ela se submete à "escravidão" das circunstâncias
precedentes, assim como John Stuart Mill (A. Gerschenkron, 1952, p. 3)
dissera em relação à História. O espaço não é um pano de fundo
impassível e neutro. Assim, este não e apenas um reflexo da sociedade
nem um lato social apenas, mas um condicionante condicionado, tal
como as demais estruturas sociais. O espaço e uma estrutura social dotada
de um dinamismo próprio e revestida de uma certa autonomia, na medida
em que sua evolução se faz segundo leis que lhe são próprias. Existe uma
dialética entre forma e conteúdo, que é responsável pela própria evolução
do espaço.
Para Windelband (in Lukaes, 1960, p. 153), o ser é definido como
"independência do conteúdo em relação à forma". Pode-se, todavia, falar de
um conteúdo que seja independente da forma? Mas, cada forma não apenas
contém uma fração do ser. Essa fração é, também, um conjunto particular
de determinações (do ser). E é pela forma, isto é, pelo seu casamento com
ela, que o ser se objetiva e se torna existência.
Para que o ser pudesse existir como um conteúdo independente da
forma, seria necessário que ele fosse indiferente à totalidade das formas
Wittgenstein, 1921, 1969, p. 9. "O conhecimento científico exige, entretanto, precisamente, que nos rendamos à vida do objeto ou - o que dá no mesmo - que confrontemos e expressemos sua necessidade íntima." Hegel, Prefácio à Fenomenologia III-3.14. "Não basta contemplar o produto; é preciso procurar, "dc dentro", o modo c o sentido dc sua produção." Cassirer, 1957, vol. 3, p. 449.
Em seu livro Theoretical Geography, Lund Studies in Geography, Séries C, nº 1. o No capítulo "Theory of Geography" in Richard Chorley (editor), 1973, pp. 4 3 - 6 3.
0 movimento do espaço isto é, sua transformação, constitui, na
realidade, uma modalidade de transformação de uma multiplicidade, quer
dizer, da sociedade global, objeto real mas abstrato, em objetos concretos,
fruto de sua própria determinação. De fato, as determinações não se
podem fazer independentemente dos objetos sociais pré-existentes, aos
quais se devem adaptar cada vez que elas - as determinações sociais - não
podem criar novas formas nem renovar formas antigas.
A sociedade total, isto é, a formação social é, ao mesmo tempo o
real-abstrato, essência ainda sem forma, e o real-concreto, a forma
povoada por uma essência. A sociedade, pois, existe em uma situação de
movimento perpetuo, que é o próprio movimento da História. Da mesma
maneira, as formas-conteúdo, cuja totalidade constitui o espaço humano,
influenciam a evolução social.
O movimento de ambas é contraditório e esta dialética os enriquece
mutuamente.
A essência da sociedade se revivifica ela própria por esta contradição,
sem a qual estaria desprovida de movimento dialético e revivifica,
também, os objetos geográficos, através da renovação que lhes traz com
as mutações de sua importância.
Assim, a cada nova evolução da totalidade social corresponde uma
modificação paralela do espaço e de sua organização, e sua apreensão não
exige que o geógrafo disponha de um conhecimento enciclopédico, como
queria Estrabão, mas que se arme de um sistema de referência, a partir de
um esforço filosófico fundado na compreensão unitária do mundo.
A idéia de uma metageografia, tal como W. Bunge (1962) sugeriu^7 ,
foi recentemente retomada e ligeiramente modificada pelo geógrafo
soviético Anuchin^8. E James Anderson (1973) chama a nossa atenção
para os perigos dc uma ciência espacial elaborada sem uma filosofia
adequada. Trata-se de descobrir o que está por detrás da aparência, isto é, a
estrutura profunda das coisas, a partir de "um esforço sistemático e crítico
tendente a captar a própria coisa, a sua estrutura oculta, e descobrir a
forma de ser do que existe". (Karel Kosik, 1967, p. 30).
A realidade, para ser definida corretamente, exige que a especificidade
seja posta claramente a nu. Mas, não se trata de fazer a anatomia de uma
idéia representativa da realidade; o que importa sobretudo, é estudar
concretamente a coisa concreta e as coisas concretas se dão cm um tempo
e em um lugar determinados.^9 O conhecimento do espaço, portanto, não poderá constituir-se sem uma base filosófica.1 0 C. Ritter (1974, p. 65), um dos precursores da geografia teórica, já o reconhecia e o aconselhava, como forma de evitar uma interpretação parcial dos f a t o s. 1 1 As preocupações filosóficas se impõem também ao pensamento geográfico se considerarmos a ciência como uma área particular do saber precipuamente interessada pelo homem e pelo seu f u t u r o 1 2 , se, como cientistas e como cidadãos, desejamos contribuir para a implantação de uma ordem social mais justa que restaure as relações harmoniosas entre o homem e a N a t u r e z a 1 3 e crie entre os homens relações sociais mais humanas.
(^9) "A filosofia e uma tentativa de resposta conceitual aos problemas humanos fundamentais, tais como se colocam em uma certa época, em uma dada sociedade. É preciso lambem acrescentar que estes problemas são de número limitado e que a época e o país - ou seja, as circunstâncias sociais - apenas determinam: a) os problemas que em certo momento da História passam ao primeiro plano e tomam um lugar importante nas preocupações dos pensadores; b) aqueles que, em troca, são relegados a segundo plano, até desaparecerem da consciência; c) a forma concreta que estes problemas fundamentais e gerais adquirem em certo momento e em certo lugar." Lucien Goldmann, 1968. "A utilidade da filosofia é manter novas - ou seja, a de renovar - as idéias fundamentais que iluminam o sistema social. Ela interrompe o lento descaminho de um pensamento cristalizado na direção dos lugares-comuns." Whitehead, 1938, p. 237. 1 1 "Apenas o conhecimento da história da filosofia e das ciências, a prudência na utilização dc nossos pensamentos e a pesquisa sincera da verdade podem ajudar a fraqueza do homem sobre este ponto precioso. Tudo isto seria para justificar a expressão de uma 'concepção imparcial dos fatos' utilizada freqüentemente por todo verdadeiro pesquisador." C. Ritter, 1974, p. 56. (^12) "... em si mesmo os fenômenos humanos carecem de significação; esta não é alcançada senão quando as perguntas que são dirigidas aos fenômenos são inspiradas por uma teoria filosófica de conjunto", diz L. Goldmann, 1972, p. 113. (^13) "... a primeira imposição a ser feita para a construção de uma filosofia política do homem tecnológico, uma filosofia adequada para trabalhar com os problemas do mundo social e do mundo físico criados pelo crescimento incontido da população e da tecnologia, é uma nova teoria das relações do homem com a natureza, que nos indique o que uma vida correta e a sociedade significam e também nos indique as maneiras para atingi-las. Tal filosofia é essencial, se nós devemos sobreviver como seres humanos em uma sociedade humana." V. Ferkiss, 1974, p. 10.
- Hegel, Preface to Phenomenology, Tests and Commentary, translated and edited by Walter Kaufmann, Anchor Books, Doubleday & Co. New York, 1966. ....... Enciclopédia de las Ciências Filosóficas, Juan Pablos Editor, México,
- Lefèbvre, Henri, Critique de la Vie Quotidienne, L'Arche Editeur, Paris, vol. 1, 1958 (2nd ed.) (ler ed. Grassei, Paris 1947), vol. 2, 1961. La Production de l'Espace, Edition Anthropos, Paris 1974. Le Temps des Méprises, Stock, Paris, 1975.
- Lukács, Georg, Histoire et Conscience de Classe, Les Editions de Minuit, Paris, 1960.
- Meliujin, Scrafin T., Dialectica del Desarrollo en la Natureza Inorgânica, Juan Grijalbo, editor, México, 1963.
- Oizerman, Problems of the History of Philosophy, Progress Publishers, Moscou, 1973.
- Papillon, J.H., Histoire de la Philosophie Moderne dans ses Rapports avec le Dévelopement des Sciences de la Nature, Paris, 1876, T. 1.
- "Questions à Michel Foucault sur la Géographie", Hérodote, nº 1, Paris, jan. mars 1976, pp. 71-85.
- Ritter, Carl, Introduction à la Géographie Générale Comparée (Essais sur les fondements d'une géographie scientifique), Berlin 1852. Annales Litteraires de l'Université de Besançon, Les Belles Lettres, Paris 1974
- Russell, Bertrand, ABC da Relatividade, Rio de Janeiro, 1974. -Sartre, J.P., L' Etre et le Néant, Essai d'ontologie phénoménologique, (1943) Gallimard, Paris, 1972. Critique de la Raison Dialectique (précédé de Questions de Méthode). Tome I: Théorie des ensembles pratiques, NRF-Gallimard, Paris, 1960.
- Taylor, Griffith, editor, Geography in lhe Twentieth Century, Philosophical Library, New York, 1965 (1st edition: 1951).
- Whitehead, A.N., Modes of Thoughl, MacMillan, New York, 1938.
- Wiltgenstein, Ludwing, Tractatus Logico-Philosophicus (1921) Routledge and Regan Paul, London, 1869; Introd. by B. Russell (i to xxii).
"Espaciologia": Uma Objeção (Crítica aos Prestigiamentos Pseudo-Críticos do Espaço Social)*
Marcelo José Lopes dc Souza**
A categoria espaço social não é nova no universo das assim
chamadas ciências humanas. Referencias a ela podem ser encontradas em
clássicos da Geografia Humana ou da Sociologia, por vezes ao lado de
referências a outras categorias que, segundo o contexto, a eclipsavam ou
inclinavam-se a confundir-se com ela: paisagem, espaço geográfico,
território etc. Todavia, nunca antes, como agora, ela foi elevada a posição
tão destacada, alvo das atenções de várias disciplinas e de pensadores de
variados matizes político-filosóficos, e até encarada tão seriamente em um
contexto tradicionalmente negligente para com ela, como o marxismo. É
contra uma vertente desse recente movimento de recuperação e valorização
do espaço social como Objeto - a qual tem lugar sobretudo entre
geógrafos - que se dirige inicialmente o presente ensaio: aquela que se
identifica com a "Espaciologia", termo proposto, ao que parece, quase
*Uma versão preliminar do presente trabalho, transfigurada em decorrência da falta de revisão de datilografia c da transposição das notas para o corpo do texto, acha-se publicada no Anuário do Instituto de Geociências 1986, UFRJ, Rio dc Janeiro, 1987.)
- M e s t r a n d o do Curso de Pós-Graduação em Geografia, UFRJ. Professor- Auxiliar do Departamento dc Geografia da PUC-RJ.
ntrodução