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Uma visão preliminar sobre o quarto modelo teórico da comunicação e sua aplicabilidade em saúde, com enfoque na representatividade de aristóteles e o paradigma unilinear. O texto discute os modelos teóricos, comunicação na educação de saúde e práticas de saúde pública.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
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Sobre paradigmas
TEIXEIRA, R. R. Models of communication and health practices. Interface — Comunicação, Saúde, Educação, v.1, n. 1, 1997.
The present work attemps to offer a brief theoretical systematization of the communicational dimensions involved in the practice of health, by discriminating four large models or interpretative schemes: 1) “unilenar”;
KEY WORDS: Models, theoretical; communication; health education; public health practices.
O presente trabalho procura oferecer uma breve sistematização teórica sobre as dimensões comunicacionais envolvidas nas práticas de saúde, discriminando quatro grandes modelos ou esquemas de interpretação: 1) “unilateral”; 2) “dialógico”; 3) “estrutural”; 4) “diagramático”. Os três primeiros modelos são analisados em seus desempenhos teórico-práticos, levando-se em conta as propostas efetivamente implementadas sob a inspiração conceitual de cada um deles. O quarto modelo constitui um novo aporte teórico ao campo e seus alcances e limites para o pensar/agir em comunicação e saúde são, aqui, preliminarmente ensaiados.
PALAVRAS-CHAVE: Modelos teóricos; comunicação; educação em saúde; práticas de saúde pública.
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RICARDO RODRIGUES TEIXEIRA
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Introdução
como primeiro passo, a definir o que seja comunicação. E esta não é uma tarefa das mais fáceis. Ainda que todos tendam a concordar que a comunicação diga respeito, em qualquer caso, aos fenômenos de emissão, transmissão e recepção de mensagens , o fato é que as definições podem variar amplamente, desde as mais abrangentes e inespecíficas, que enxergam o fenômeno em todos os sistemas (possibilidade sempre dada, já que “não há sistema sem transmissões”: Serres, 1995; p.26), até as mais “especializadas”, que só pretendem valer para um conjunto bem circunscrito de objetos e práticas (em geral, relacionados à transmissão de mensagens entre humanos). Contudo, a maior dificuldade em defini-la é de outra ordem e decorre, fundamentalmente, de seu caráter abstrato. Ainda que, para se realizar, dependa integralmente de objetos e práticas bem concretos, a comunicação é um conceito que só se define integralmente quando incorpora as dimensões não-dadas do evento comunicacional. Mais exatamente, corresponde a uma noção que só se define completamente “em uso”, na relação concreta que logramos manter com os objetos e práticas que ocupam (constituindo) o espaço relacional e que efetivamente medeiam (condicionando) nossa relação com os outros e com o-que-é-comum. Temos, então, um conceito ajustado à dupla natureza da comunicação : a inarredável presença dos meios (não totalmente determinados) e os seus usos , entendidos como a exploração da sua margem de indeterminação. Este segundo componente, que é o que plenifica o conceito - traduzindo os possíveis e variados usos, apropriações, desvios e metáforas em geral, que refazem sem cessar seus sentidos -, é também aquele que garante sua instabilidade e promove sua deriva - sempre através da rede bastante concreta de objetos e práticas, que tomamos de “empréstimo” para nos comunicarmos. Este é o ponto de partida da presente contribuição. Ela pretende ser particularmente útil ao exame crítico das dimensões comunicacionais envolvidas nas práticas de saúde, oferecendo um esboço de sistematização teórica sobre o assunto. Nosso ponto de partida já é, como não poderia deixar de ser, um certo ponto de vista sobre os processos comunicacionais. A pretensão é fazê-lo dialogar com outros pontos de vista, com outras concepções paradigmáticas sobre o tema, objetivando, minimamente, apresentá-las numa certa organização. Os abaixo designados modelos
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Aristóteles e Heráclito
campo de tradição que teria como patrono-fundador nada menos que Aristóteles (385-322 a.C.). Não é o caso de se retomar, nesse instante, o já bem arraigado argumento sobre a possível “ilusão retrospectiva da história” contida nestas atribuições de ancestralidade, e o quanto ela representa um viés que, pretendendo evocar uma tradição fundada nos tempos mais antigos, acaba por abolir o próprio tempo, reforçando a crença num objeto de conhecimento sincrônico , válido em todos os tempos e em todas as culturas, bem ao modo das concepções “cientificistas” de ciência. O que se revela realmente significativo nestas reivindicações de paternidade é seu efeito metafórico, é o que dizem, enquanto escolhas particulares, sobre a visão presente, partilhada por uma determinada “comunidade acadêmica”, a respeito de seus próprios objetos e práticas. Vejamos o caso de Aristóteles: é considerado o primeiro “pesquisador em comunicação” por seus estudos sobre a Retórica, destacadamente por defini-la como a “faculdade de discernir os possíveis meios de persuasão em cada caso particular” e por realizar a primeira análise objetiva, “livre de considerações sobre o bem e o mal”, deste “aspecto importante no processo de transmissão de informações (que é) a persuasão ” (Marques de Melo, 1973; p.37-8). Sem qualquer “ilusão retrospectiva da história”, por pura contra metáfora, poderíamos retroceder ainda mais no tempo e apontar Heráclito (540-470 a.C.) como o “primeiro”. Bem, talvez não, porque justo na Retórica de Aristóteles (III, 5: 1407b
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Heráclito se ocupou da “comunicação” explorando o campo semântico que se articula a partir dessa noção grega e estabelecendo conexões que evocam determinadas abordagens contemporâneas, que não deixarão de ser comentadas mais adiante. Muito especialmente, conectou o koinós ao nóôi (“inteligência”) e em seu texto, profusamente poético, lançou mão do jogo aliterativo, explorando a proximidade fonética entre o adjetivo koinós (“o-que-é-com, comum”) e a expressão koin nóôi (“com inteligência”):
(Os) que falam com inteligência é necessário que se fortaleçam com o comum de todos... Comum é a todos o pensar. (Estobeu, 1991; p.62) Deste logos sendo sempre os homens se tornam descompassados 1 quer antes de ouvir quer tão logo tenham ouvido... Por isso é preciso seguir o-que-é-com, (isto é, o comum; pois o comum é o-que-é-com). Mas o logos sendo o-que-é-com, vivem os homens como se tivessem uma inteligência particular. (Sexto Empírico, 1991; p.51)
De todas estas insinuações introdutórias, o mínimo que se deve extrair é que, se a metáfora da “paternidade” do campo recai sobre Aristóteles ou Heráclito (ou se recai sobre ambos), o que conta realmente é toda a presumível diferença nas respectivas concepções de objetos e práticas.
Modelo “unilinear”
Aristóteles por este haver realizado a primeira “análise objetiva dos meios de
κοινος ( koinós ): A falando de coisas : I comum a ...⎥⎥ II comum a todo o povo, público ...⎥⎥ III comunicado a outros, publicado; donde comum a todos, comum, usual, ordinário⎥⎥ B falando de pessoas e de coisas : I que participa de, que está em comunidade ...⎥⎥ II que é de origem comum, da mesma raça, da mesma natureza⎥⎥ III que se presta a todos igualmente, i.e. 1 sociável, afável⎥⎥ 2 eqüitativo, imparcial; falando de acontecimentos : ... chances iguais⎥⎥ 3 acessível... κοινοω ( koinéo ): comunicar, i.e. 1 tornar comum a, comunicar a; donde tornar comum...⎥⎥ 2 comunicar, fazer saber...⎥⎥ 3 pôr em comunicação, unir... κοινο⋅λογια ( koinologia ): conversação, conversa... κοινωνημα ( koinema ): no pl. comunicações... κοινωνια ( koinia ): troca de relações, comunicação, comércio...
(^1) Interessante tradução para a-koinitós , literalmente, “que-não-se- lançam-com, que-não- compreendem”.
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pensar, reter os pensamentos, comunicar os pensamentos. Deduz-se um problema da comunicação formulado em termos da transmissão de mensagens da interioridade de um sujeito à de um outro. Trata-se de um esquema de interpretação que tem como base a comunicação interpessoal. Embora a literatura impressa e mesmo a imprensa já desempenhassem um papel importante àquela altura - colocando em evidência uma dimensão de comunicação coletiva - as formulações enciclopedistas fazem referência, em primeiro grau, à ação dos tribunos e oradores...
Ao transmitir suas idéias, os homens tratam também de transmitir suas paixões, e o logram mediante a eloqüência. Feita para falar ao sentimento, como a lógica e a gramática falam ao espírito, a eloqüência impõe silêncio à própria razão, e os prodígios que obtém rapidamente nas mãos de um só, frente a toda uma nação, são o testemunho mais notável da superioridade de um homem sobre o outro. (D’Alembert, 1973; p.39-40)
Em síntese, teríamos: 1) pensar (atividade que se passa “atrás dos olhos”, “entre as orelhas”); 2) reter os pensamentos (inscrever na memória o produto acabado daquela atividade); 3) transmitir os pensamentos (o que começa pela elaboração das mensagens e inclui todas as técnicas destinadas a obter determinados “efeitos” sobre o outro). Dentro deste esquema, a existência de um problema da comunicação estaria fundamentalmente relacionada à necessidade de se inquirir os meios quanto a sua maior ou menor eficácia na afirmação da “superioridade discursiva”. Como logo se verá, um certo belicismo é, de fato, um dos traços mais marcantes nas metáforas e na história da “disciplina” comprometida com este primeiro modelo. Antes, porém, estas concepções básicas deverão evoluir através da evidência de um outro modo de comunicação: o século XIX trará à luz uma dimensão de comunicação coletiva , identificando uma esfera de problemas que definitivamente ultrapassa a comunicação interpessoal. Surgem os primeiros estudos sobre os efeitos da imprensa e análises sobre a formação da opinião pública. São prevalecentes, já nestas obras inaugurais, as tendências a aproximar a problemática da comunicação coletiva de questões políticas, como o “controle da informação” e a “liberdade de imprensa” (p.ex., Alexis de Tocqueville, Sören Kierkegaard), e de questões de psicologia social, principalmente aquelas preocupadas com a influência da comunicação coletiva sobre a comunicação interpessoal (p.ex., Gabriel Tarde). É inegável que o desenvolvimento sem precedentes, no último século e meio, dos meios de comunicação coletiva foi decisivo no processo de diferenciação de um
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campo de saberes e práticas da Comunicação. Contudo, o impulso determinante para sua legitimação científica e institucional parece ter dependido menos da presença dos meios e muito mais de seus usos , em particular daqueles que se definiram, num certo momento de nosso século, a partir de interesses fortemente colocados nas esferas econômica e militar e que passavam a demandar, agudamente, estratégias de “psicologia política”. O rápido avanço das pesquisas em comunicação, a partir dos anos 30-40, sobretudo nos Estados Unidos, concentra-se em duas grandes frentes: a propaganda comercial , que se intensifica em estreita relação com “crises de superprodução”, buscando influir no comportamento consumidor; e a propaganda política , que se impõe como resposta às repercussões da propaganda nazista, levando a um esforço aliado de contrapropaganda associada à “comunicação de guerra” (a Segunda Grande Guerra foi a primeira a empregar os novos meios de comunicação para a “guerra psicológica”, a primeira a incluir um campo de batalha midiático). Pesquisadores destacados, como Carl Hovland e Harold Lasswell, trabalharam centralmente em projetos de “propaganda política” e “comunicação de guerra”. Lasswell, por exemplo, considerava os meios de comunicação de massas um instrumento eficaz, senão suficiente, para a formulação e difusão de símbolos de legitimidade política de um governo, segundo uma concepção fortemente inspirada no “behaviorismo” imperante na Psicologia norte-americana desse período. A conseqüência mais direta desta inspiração teórica é a assunção, em tese, de que a conduta pode ser explicada por um modelo emissor-receptor , em que o emissor aplica determinados “estímulos” e obtém determinadas “respostas” em massas. Este esquema geral de interpretação dos fenômenos de comunicação coletiva é freqüentemente designado de “paradigma de Lasswell” e representado numa figura, já clássica, que tomamos de empréstimo como a formalização mais sintética do primeiro modelo comunicacional , doravante chamado modelo “unilinear” ...
Modelo “unilinear”
(S) (^) E mensagem R (O)
Todo esse esquema excessivamente formal e instrumentalista foi reorientado e sofisticado em numerosas pesquisas, que tiveram seu grande boom nos anos 50, entre
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No Brasil e, mais amplamente, na América Latina, a implantação da pesquisa em comunicação também se deu sob a égide do modelo “unilinear” , no qual serviu como uma espécie de chave teórica para as visões desenvolvimentistas e as abordagens dualistas da cultura destas sociedades. É sobretudo por meio das temáticas da cultura e da comunicação de massa que se transfere para o campo das Ciências Humanas destes países a problemática dualista do setor arcaico e do setor moderno. Para Verón (1970), esta é mesmo a versão do funcionalismo para a América Latina e sobre a qual se formam e consolidam as Ciências Sociais da região...
MODERNO (^) “estímulo” ARCAICO
Beltran (1981), num inventário da produção de pesquisa em comunicação latino- americana do século XIX até 1980, aponta a década de 50 como a da grande inflexão:
Qual é o volume da produção no período? Quiçá 300 estudos em dez anos, mais ou menos. É, assim mesmo, uma década diferencial. Em primeiro lugar, os estudos alcançam uma intensidade, uma freqüência apreciável e, em segundo lugar, começa a sentir-se, com clareza, a influência dos Estados Unidos sobre a investigação na região. Esta influência inicialmente toma o caminho de estudos sobre os meios , estudos sobre os
concentrará em tudo isso, mas aplicado à persuasão comercial, política e educativa. (p.124)
Na década seguinte, começa a se perfilar uma forte e ampla linha de investigações denominada comunicação para o desenvolvimento , com suas subdivisões: comunicação e saúde , comunicação e educação , difusão de inovações agrícolas etc.. Esta é a linha de investigações que alcançou a maior produção entre os estudos brasileiros dos anos 60 e, juntamente com os estudos de radiodifusão, constituía, em 1980, uma das temáticas mais trabalhadas em todos os tempos na América Latina. Note-se que é num contexto de propostas desenvolvimentistas que se dá a emergência de um campo bem definido de investigações e práticas de comunicação em saúde. Estes estudos “para o desenvolvimento” realizam a atualização latino- americana das já mencionadas teorias funcionalistas, propondo uma série de
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tecnologias comunicacionais com o intuito de garantir uma maior efetividade dos programas desenvolvimentistas. De modo ainda mais profundo, impregnam o social do discurso que toma a relação vertical moderno > arcaico como forma geral da relação entre o centro e a periferias entre o urbano e o rural , entre as elites e o povo , servindo às ideologias desenvolvimentistas das mais diversas cores e matizes. O assinalamento dessa emergência datada do campo não significa que antes inexistissem práticas ou, pelo menos, propostas de práticas de comunicação na área da Saúde. Nesse ponto, não se pode perder a oportunidade de advertir para a diferença: entre as chamadas “dimensões comunicacionais das práticas de saúde” e as “práticas de comunicação em saúde”. A primeira noção, mais abrangente, remete ao conjunto dos objetos e práticas de saúde, vistos, dessa perspectiva, como autênticos “meios comunicacionais”, na medida em que deles nos servimos, entre outros objetos e práticas sociais, para colocarmos em movimento nossas transmissões , nossas circulações (no caso, mais particularmente, as que dizem respeito à saúde). É dessa perspectiva ampliada que se deve entender, neste estudo, as “dimensões comunicacionais das práticas de saúde” que, necessariamente, incluem as próprias “práticas de comunicação em saúde”. Estas últimas, entretanto, por visarem mais diretamente às transmissões “representacionais” acabam por se constituir num marcador privilegiado, num explicitador eminente do modus circulandi imperante neste especial sistema de objetos e práticas. De fato, não se pode dizer que a forma geral da relação assistentes-assistidos imperante no quadro das “práticas de saúde” seja substantivamente distinta da relação emissor-receptor estabelecida nas “práticas de comunicação em saúde” que se dão sob o patrocínio do modelo “unilinear” ... E qual é esta forma geral da relação? Já não estaria presente antes das propostas “desenvolvimentistas” dos anos 50-60?
Não consta que houvesse, nos primórdios da prática médico-sanitária institucionalizada no Brasil, uma preocupação destacada com problemas que pudessem se definir, mesmo a posteriori , como problemas de comunicação social , ao menos durante o período de atuação dos Serviços de Saúde Pública Federais, organizados desde 1904, sob a responsabilidade de Oswaldo Cruz, com o objetivo de
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instrumento de ação privilegiado e previa o Centro de Saúde como aparato institucional adequado a sua realização. Naquele momento fundador, educar e higienizar identificavam-se à luz de ideais eugenistas e num proceder militarizado. A “elevação do nível moral e físico da nossa raça” é obra das “modernas ciências do comportamento” e do trabalho da “Educação Sanitária” (Vasconcellos , 1995; p.37- 41). O objetivo é a formação da “consciência sanitária”, mas o que está em jogo, em última instância, é uma mudança de comportamento. De fato, o objetivo fundamental da educação sanitária tem sido:
...modificação em sentido favorável dos conhecimentos, atitudes e comportamentos de saúde de indivíduos, grupos e coletividades. O objetivo último são os comportamentos. A modificação dos conhecimentos e atitudes não é mais que um veículo para a mudança de comportamento. (Sanmartí, 1991; p. 1039-51)
A questão do comportamento pode mesmo ser considerada o fulcro da principal articulação que historicamente se estabeleceu entre o campo da Comunicação e o da Saúde. Por um lado, um modelo comunicacional cujos métodos oferecem garantias “científicas” de produzir mudanças de comportamento e, de outro, a configuração de um cenário médico-sanitário marcado pelas chamadas “doenças do modo de vida”, que só poderiam ser prevenidas (e, em muitos casos, tratadas) por mudanças de comportamento. Os objetivos da educação sanitária e da propaganda comercial e política , no fundo, são os mesmos: obter uma mudança de comportamento , via de regra (como veremos em seguida), uma modificação nos comportamentos de “consumo” e de “participação política”...
Na década de 60, muitos programas latino-americanos de desenvolvimento rural e de saúde estavam estreitamente vinculados e objetivavam uma “modernização” rápida dos comportamentos das populações camponesas em relação às técnicas agrícolas e de saúde. Não caberia aqui analisar, com o rigor requerido, os sentidos das mudanças de comportamento pretendidas pelas várias propostas “modernizantes”
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que vicejam, há pelo menos meio século, em nosso continente. Insiste-se, entretanto, nessa sua incidência sobre o chamado comportamento “consumidor” e “participativo”. É possível entrever o sentido mais geral das mudanças pretendidas por tais propostas, com a citação de um importante teórico “desenvolvimentista” da Mass Communication Research , Wilbur Schramm (1994; p.32):
Em que, precisamente, a comunicação contribui ao tipo de mudança que deve ocorrer no desenvolvimento econômico e social? Talvez a resposta mais comum é dizer que ela estabelece o clima em que o desenvolvimento pode realizar-se ... Pouco depois de ter entrado no caminho do desenvolvimento, o país descobre que pode usar a comunicação para implantar e ampliar a idéia de mudança, para aumentar as expectativas de seu povo de maneira que possa desejar uma economia maior e uma sociedade modernizada... o processo de modernização começa quando alguma coisa estimula o camponês a querer ser um fazendeiro ou agricultor proprietário, o filho do camponês a querer aprender a ler, de modo que possa trabalhar na cidade, a mulher do camponês a não mais procriar, a filha deles a querer usar um vestido e fazer penteado... Torna- se também necessário mobilizar a população para obter uma participação no grande esforço : persuadir as pessoas a serem ativas no programa; a tomarem parte no planejamento e no governo; a apertarem seus cintos, a fortalecerem seus músculos, a trabalharem mais e a esperarem por suas recompensas.
Nesse “ clima para o desenvolvimento ” - em que a comunicação deve ser “usada” para “ aumentar as expectativas ” de consumo e “persuadir as pessoas a aderirem aos programas de modernização” -, definem-se os traços essenciais das “práticas de comunicação em saúde” que conhecemos. Nesse “clima”, que já poderia estar ultrapassado, cristalizou-se uma espécie de núcleo técnico fundamental das práticas de comunicação em saúde ainda plenamente atuante. Ele é apresentado de modo resumido e sistemático no quadro que se segue, elaborado a partir da excelente síntese encontrada num trabalho que examina em detalhes as práticas de comunicação deste período (Rocha Pitta, 1994; p.49-50):
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definir no âmbito de determinadas concepções tecnopolíticas sobre a gerência e o planejamento democráticos. Em 1990, a participação da população se institucionaliza com a lei dos Conselhos de Saúde (8142/90) e um novo e central objetivo passa a estar colocado para as “práticas de comunicação em saúde”: garantir a democratização do acesso à informação. Como há um reconhecimento geral de que o acesso ao “dado frio”, por si só, não é capaz de assumir importância no processo de participação da sociedade na formulação de políticas e nas ações, tem-se, então, que toda a expectativa está colocada nas propostas de articulação da “área de informação” com as “áreas de comunicação e educação”. Num documento recente, produzido pelo Grupo de Trabalho “ Informação em saúde e população ” (ABRASCO/ABEP, 1993), afirma-se:
Na definição dos processos de disseminação de informações é fundamental a participação dos profissionais das áreas de comunicação e educação, apontando e implementando alternativas de meios e linguagens mais adequados aos diferentes públicos, previamente definidos no planejamento das ações dessas áreas.
Compreende-se, então, que disseminar a informação ou garantir o acesso à informação , consiste não só em divulgar dados, mas também em capacitar para seu uso. Ainda segundo este último documento, demanda-se às práticas de comunicação a “construção de um ‘diálogo’ no qual se estabeleça uma decodificação da retórica técnica para uma retórica popular, em seu caminho de avanço da Consciência Sanitária”, o que explicita, com suficiente clareza, a persistência do “núcleo fundamental” do modelo “unilinear” , em sua busca de causar um comportamento (a proposta de um “diálogo” não consegue disfarçar a “unilinearidade” implícita na proposta de “decodificação retórica” - do “técnico” ao “popular” -, sugerindo que a “Consciência Sanitária” corresponda, de fato, a um comportamento pré-definido pelos “técnicos”). Há ainda uma outra face destas propostas de difusão de informações não relacionada aos objetivos de gestão democrática, mas voltada para a operacionalização de ações de saúde. Nestas propostas, as informações viriam gerar fluxos e dirigir a “demanda” através dos serviços, englobando um conjunto de práticas de comunicação ditas de “apoio ao usuário” ou para o “melhor uso dos
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serviços”. Já discutidas num outro trabalho (Teixeira, 1995), cumpre aqui ressaltar como tais práticas também não ficam distantes do “velho” objetivo colocado para a educação em saúde de que a população “compreenda a necessidade” dos programas. Tampouco podemos dizer que haja uma total ruptura com o “velho” esquema da educação higienista (o do “ciclo vicioso pobreza - desinformação - doença”), ainda que a idéia de “posse da informação” venha a se associar, nesse caso, ao melhor uso do serviço. Ocorre simplesmente que, na atualidade, cada vez mais, informações sobre o funcionamento dos serviços são tão importantes para a saúde quanto informações sobre o funcionamento do corpo. Essa visão adequa-se perfeitamente ao esquema geral de uma cultura securitária e medicalizadora, ao mesmo tempo que informa determinados discursos sobre a construção da cidadania social: supondo a realização plena desse ideal informacional - que deve se dar sob o signo da autonomia crescente dos sujeitos (apesar da flagrante contradição com propostas medicalizadoras, que aprofundam a dependência do “estado de saúde” dos indivíduos em relação aos aparatos tecnológicos e burocráticos) - teríamos, no limite extremo, uma espécie de utopia self-service da vida cidadã, em que a introjeção da necessidade e do modo de satisfazê-la é tal, que o usuário-cidadão seria uma espécie de “consumidor perfeito” dos serviços... Felizmente, não há nada que efetivamente garanta, como nas “velhas” experiências de educação higienista, que a simples difusão das chamadas informações em saúde , mesmo quando traduzidas para a “retórica popular”, seja capaz, por si só, de produzir as atitudes e comportamentos esperados pelas instituições...
As menções aos autores, abordagens e situações empíricas feitas ao longo deste trabalho não recobrem, nem de longe, a amplidão e a diversidade do que já se produziu no campo, mesmo se considerássemos apenas o campo mais circunscrito da comunicação em saúde. A esse propósito, reafirma-se, ainda uma vez, a orientação básica da presente exposição de modelos , definidora de seus recortes e de suas referências: oferecer um quadro particularmente eficaz para a interpretação das dimensões comunicacionais ínsitas às práticas de saúde.
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Continuando a examinar o processo de estruturação teórico-institucional do campo entre nós, constata-se que é bastante precoce a expressão de um pensamento crítico e a proposição de modelos alternativos de interpretação dos processos comunicacionais. Merece destaque, no final da década de 60, pelo enfrentamento direto e potente da corrente principal do campo na América Latina, a crítica de Paulo Freire (1983) ao modelo da “extensão” de saberes operante nos programas de desenvolvimento rural na América Latina. Mais especificamente, realizou uma avaliação crítica da atuação do “agrônomo extensionista”, incumbido de difundir “técnicas agrícolas mais modernas” entre os agricultores latino-americanos. O paralelo desse personagem com nossos “agentes de saúde”, equipados de suas “técnicas educativas e de saúde”, é muito forte e a crítica freireana penetrou com a mesma agudeza o campo da Saúde (embora, mais tarde e muito mais por conta da projeção alcançada pelas proposições do autor no campo da Pedagogia). O educador denuncia a “invasão cultural” representada por esses programas e propõe como alternativa a “ação cultural dialógica”. É a mais acabada demolição do modelo “unilinear” ou, como prefere o autor, “modelo de extensão de saberes”, baseada no questionamento de seus fundamentos simultaneamente éticos e pedagógicos...
Parece-nos, entretanto, que a ação extensionista envolve, qualquer que seja o setor em que se realize, a necessidade que sentem aqueles que a fazem, de ir até a “outra parte do mundo”, considerada inferior, para, à sua maneira, “normalizá-la”. Para fazê-la mais ou menos semelhante a seu mundo. Daí que, em seu “campo associativo”, o termo extensão se encontre em relação significativa com transmissão , entrega , doação , messianismo , mecanicismo , invasão cultural , manipulação, etc. E todos estes termos envolvem ações que, transformando o homem em quase “coisa”, o negam como um ser de transformação do mundo. Além de negar como veremos, a formação e a constituição do conhecimento autênticos. Além de negar a ação e a reflexão verdadeiras àqueles que são objetos de tais ações. (...) Aos camponeses, não temos que persuadi-los para que aceitem a propaganda, que, qualquer que seja seu conteúdo, comercial, ideológico ou técnico, é sempre “domesticadora”. Persuadir implica, no fundo, num sujeito que persuade, desta ou daquela forma, e num objeto sobre o qual incide a ação de persuadir. Neste caso, o sujeito é o extensionista; o objeto, os camponeses. Objetos de uma persuasão que os fará ainda mais objetos da propaganda.
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Nem aos camponeses, nem a ninguém, se persuade ou se submete à força mítica da propaganda, quando se tem uma opção libertadora. Neste caso, aos homens se lhes problematiza sua situação concreta, objetiva, real, para que, captando-a criticamente, atuem também criticamente, sobre ela. Este, sim, é o trabalho autêntico do agrônomo como educador, do agrônomo como um especialista, que atua com outros homens sobre a realidade que os mediatiza. Não lhe cabe, portanto, de uma perspectiva realmente humanista, estender suas técnicas, entregá-las, prescrevê-las; não lhe cabe persuadir nem fazer dos camponeses o papel em branco para sua propaganda. Como educador, se recusa a “domesticação” dos homens, sua tarefa corresponde ao conceito de comunicação , não ao de extensão. (p.23-4)
Para acentuar os contrastes com o primeiro modelo , é proposta a seguinte representação gráfica para o modelo “dialógico” :
Modelo “dialógico”
E/R E/R mensagem (S) (^) mensagem (S)
É interessante notar que a crítica aos modelos funcionalistas em comunicação permeará o campo da Saúde latino-americano, em grande parte, por meio da crítica ao planejamento centralizado e normativo (p.ex.: Carlos Matus), sendo que ambos os movimentos guardam uma estreita relação com as transformações por que vem passando a estrutura política (estrutura de distribuição de poder) da região e os novos modos, em formação, de se conceber a relação Estado-sociedade civil. Traduzem também, mais imediatamente, as mudanças que vêm se processando nos paradigmas das ciências sociais (que apontam, cada vez mais, na direção de modelos “comunicativos” e “dialógicos”); como bem resumiu Rocha Pitta (1994):