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COMPORTAMENTO DESVIANTE. (TOXICODEPENDÊNCIAS). DISSERTAÇÃO DE CANDIDATURA AO GRAU DE MESTRE: VIVÊNCIAS DE SI NA TOXICODEPENDÊNCIA.
Tipologia: Notas de estudo
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Não perca as partes importantes!
MESTRADO EM PSICOLOGIA DO COMPORTAMENTO DESVIANTE (TOXICODEPENDÊNCIAS)
Rui Pedro Tinoco Carreiro
UNIVERSIDADE DO PORTO
FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
MESTRADO EM PSICOLOGIA DO COMPORTAMENTO DESVIANTE (TOXICODEPENDÊNCIAS)
"... cada método é uma linguagem e a realidade responde na língua em que é perguntada..." B. Sousa Santos (1987, p. 48)
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PARTE C - na apresentação dos resultados aplicamos a proposta apresentada no final da secção anterior aos dados já agrupados em subcategorias. Trata-se de estudar as dimensões foucaultianas em função de áreas importantes na vida dos entrevistados. Grosso modo, considerámos duas grandes áreas: o contacto dos indivíduos com os dispositivos de vária ordem, quer sejam eles informais (dispositivos concretos) quer sejam eles institucionais (dispositivos normativo-racionais); a socialização desviante que, em maior ou menor grau, tiveram de viver os nossos entrevistados de modo a conseguirem ser consumidores dependentes da heroína. É claro que estas duas áreas se decompõem em vertentes mais específicas - é sobre elas que incidirá a nossa análise. PARTE D - nesta secção, finalmente, do trabalho tentámos fazer um resumo geral das principais etapas do percurso de consumidor dos nossos entrevistados nas suas dimensões ontológicas, deontológicas, ascéticas e teleológicas. Nomeadamente, quisemos inquirir a importância relativa de cada uma dessas vertentes e o possível significado que estas possam assumir. Por fim, faremos uma auto-crítica, apontando imperfeições ou limites da nossa investigação, ao mesmo tempo que esboçamos possíveis vias de indagações futuras.
Temos aqui apresentados, muito sumariamente, os quatro pontos nodais da nossa investigação científica. A parte teórica, que surge bem vincada neste trabalho, parece-nos imprescindível no quadro da utilização de uma metodologia qualitativa. Lamentavelmente, na ciência nacional, este tipo de investigação carece de reconhecimento, pelo que a importância da fundamentação teórica e, acima dela, da fundamentação epistemológica, assuma especial realce. Esperamos que os dados recolhidos e o modo de os interpretar possa enriquecer de algum modo a investigação da toxicodependência e o debate de ideias que urge cultivar cada vez mais no nosso país.
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"O que é característico da modernidade não é adopção do novo pelo novo, mas a presunção da reflexividade generalizada que inclui, evidentemente, a reflexão sobre a natureza da própria reflexão." (Giddens, 1996, p. 27). Ora tais posições expressas por Giddens foram o produto de uma longa evolução epistemológica das ciências que cumpre aqui dar conta. Lyotard (1989) defende existir uma certa deslegitimização do saber, um esbatimento das fronteiras clássicas entre as ciências, resultante de uma certa perda de poder heurístico de cada uma de per si. A certeza das coisas, a segurança com que se fazia uma pergunta estarão inelutavelmente comprometidas. Mais: uma outra incerteza advém da insegurança da pergunta, a insegurança na resposta. O que é um objecto científico? Define-se a partir dele próprio? Define-se a partir da disciplina que sobre ele se debruça? Um outro exercício de reflexividade se impõe. 0) Dedicaremos o primeiro capítulo a um exercício reflexivo sobre o binómio sujeito-objecto nas ciências sociais.
Propomo-nos realizar, este trabalho, uma inversão da interrogação clássica proposta pela clínica, a saber: como é que o toxicodependente sofre, como é que ele fica destruído pela substância. Interessa-nos, antes, perscrutar a forma como o sujeito vive os seus actos nessas circunstâncias. Chamamos ao nosso projecto Vivências de si na toxicodependência' porque privilegiamos o que o sujeito diz do que vive na sua existência de toxicodependente, e também porque queremos avaliar os aspectos vistos como de auto-controle e descontrole - e isto do ponto de vista exclusivo do sujeito toxicodependente. Vamos, então, aprofundar a experiência da toxicodependência de uma forma processual, isto é, que leva em linha de conta o factor tempo, aproximando-nos, por isso, da noção de carreira desviante (tal como foi definida por Faupel, 1991; Becker, 1963) dando especial relevo aos pontos de escolha do indivíduo nessa carreira. Alguns exemplos podem ser facilmente listados: o roubo é ou não é admissível ao longo da carreira de consumos; o tráfico, os pequenos esquemas de angariar fundos no mundo das drogas, entre outros. Mas não se julgue que as dimensões da escolha ficam por aqui: há a dimensão do uso das drogas; a aproximação ou afastamento em relação a certas
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subculturas; o cuidado que o indivíduo dedica ou não à sua imagem social; o desenvolvimento de mecanismos cognitivos que permitam a prossecução, ou pelo contrário, a interrupção de certas condutas. Nesta primeira abordagem vemos logo que o problema a estudar é de natureza compósita: a vivência de si possui inúmeras esferas de análise; divide-se em diversas áreas comportamentais e cognitivas sobre as quais o sujeito produz a sua reflexão. Porém, o modo como nos debruçamos sobre essa problemática será abordado em secções posteriores.
Resumindo: a fundamentação teórica pretende o enquadramento epistemológico de índole geral - Cap. I - Considerações epistemológicas - desmontando qualquer ingenuidade na formulação de problemas científicos. Mais: permite-nos a escolha, entre infinitas investigações realizadas na toxicodependência, de uma tradição teórica em consonância com certos critérios epistemológicos, permite-nos, numa palavra, a realização da Paideia (ver nota 1) - Cap. II - Investigação científica das toxicodependências. Finalmente no Cap. Ill - Vivências de si na toxicodependência: problematização - enquadra a problematização teórica que pretendemos investigar empiricamente. Esta será consequente com o percurso até aqui traçado. A fundamentação teórica cabe dentro de um exercício de reflexividade sobre a prática científica cada vez mais comum na ciência contemporânea (Santos, 1987, denomina tal de conhecimento do conhecimento; Giddens, 1996, como vimos, de reflexividade; Agra, 1986, de epistemologia interna).
Um outro factor importante exige ser realçado: o papel do círculo de Viena. Santos situa aí o momento máximo da chamada dogmatização da ciência. O princípio da verificabilidade afastava da ciência qualquer obstáculo que pusesse em causa os seus fundamentos. Não era científico tudo o que não pudesse ser verificado - qualquer proposição seria relegada para fora da ciência sempre que não pudesse ser provada verdadeira. O argumento, hoje, parece-nos um pouco circular: a ciência tem de ser exacta e rigorosa, deve existir além da opinião pessoal, por isso aceita em si o que pode haver de exacto e rigoroso, recusando tudo aquilo que não o possa ser. Só integra o que confirmam os seus princípios filosóficos gerais, é selectiva. Está claro que tais posições derivam de um contexto social e político específico: as potências europeias dividiam entre si vastas áreas do planeta; a revolução industrial estava no seu auge, despoletando progressos económicos e tecnológicos assinaláveis (Carrilho, 1989). O homem julgava que podia desvendar completamente a natureza:
"A história das ciências emerge assim, estratégica e metodologicamente, regida pelas categorias de progresso e de continuidade que a marcarão duradoura e profundamente: a avaliação do progresso só é concebível no âmbito de uma perspectiva continuista que, como se vê, pode ir até ao recurso à pura ficção." (Carrilho, 1989, p. 16) Desta citação retiramos um complemento ao que se disse: o de que conceitos como progresso e continuidade marcaram desde o século passado a imagem que a ciência tem de si; e o de que essa imagem não corresponde de todo à verdade. A confiança e o progresso, além de impregnarem a formulação de teorias num dado momento, estenderam-se ao devir científico no seu conjunto. A solidez de tal devir global, apoiada na confiança na racionalidade, foi entretanto posta em causa.
1.1 Racionalidade submetida a crítica Entendemos aqui por racionalidade o modo como a ciência, no seu todo, organiza as teorias construídas acerca da realidade que pretende conhecer. Por outras palavras: os meta-princípios que são comuns às várias ciências.
Ao longo do século XIX e início de XX podemos observar um forte movimento de dogmatização das ciências (Santos, 1989; Agra, 1986). A dogmatização provinha de uma época em que a sociedade ocidental atingia um auge de auto-confiança como acima se referiu. Para Santos, o momento máximo desse movimento observou-se nas conferências do círculo de Viena Carnap (cit. in Agra, 1986) formulou dois princípios reguladores da actividade científica: o da verificabilidade (mais tarde substituído pelo da confirmabilidade); e o da tradutibilidade, que consistiam: