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Guias e Dicas
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Mercador Veneza WShakesp HBarbas, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito

Livro completo

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2012
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Compartilhado em 24/07/2012

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William Shakespeare
The Merchant of Venice
O Mercador de Veneza
Trad. de Helena Barbas
Água-forte, Almada, 2002
ISBN – 972-956-56-3-5
A versão bilingue, em livro, está disponível para compra na sede da Companhia de Teatro de
Almada. Neste documento oferece-se a tradução apenas, tal qual aparece no livro
acima. A paginação é diferente, mas manteve-se a numeração dos versos.
O MERCADOR DE VENEZA
de
William Shakespeare
Trad. Helena Barbas
Março de 2002
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William Shakespeare

The Merchant of Venice

O Mercador de Veneza

Trad. de Helena Barbas

Água-forte, Almada, 2002 ISBN – 972-956-56-3-

A versão bilingue, em livro, está disponível para compra na sede da Companhia de Teatro de

Almada. Neste documento oferece-se a tradução apenas, tal qual aparece no livro

acima. A paginação é diferente, mas manteve-se a numeração dos versos.

O MERCADOR DE VENEZA

de

William Shakespeare

Trad. Helena Barbas

Março de 2002

i

Prefácio

A tradução desta peça resultou de um desafio lançado por Joaquim Benite,

director da Companhia de Teatro de Almada. Foi uma «encomenda» com a

particularidade de permitir encontrar cara a cara as pessoas que iriam

encarnar as personagens do papel. Em boa hora aceitei a tarefa.

Torna-se redundante referir as dificuldades com que se depara qualquer

tradutor de Shakespeare. Trata-se «apenas» de um dos autores mais (e

melhor) traduzidos da literatura mundial. Com a agravante de existirem

inúmeros estudos sobre os vários problemas de tradução que a sua obra

suscita: começam pelas dificuldades de fixação dos textos que atiçam

inúmeras querelas entre os especialistas. A isto se acrescentam as mais

simples armadilhas: metáforas inesperadas, trocadilhos, o jogo com

pronomes pessoais arcaicos, ou uso do verso jâmbico.

O Mercador de Veneza está incluído na secção das «comédias»

shakespearianas – porque mistura o riso com o drama (como todas as

outras, aliás); entendem ainda os estudiosos que, sendo uma peça dos

primeiros anos de produção (1597-1598) estará ainda muito colada às

estratégias do teatro medieval, da «commedia dell’arte», das «miracle plays».

Porém, se lida com atenção, revela-se de uma modernidade inesperada.

Pense-se na intriga principal: um homem que pede dinheiro emprestado

para pagar dívidas, a outro que não o têm, e que acaba por não conseguir

pagar os respectivos juros. No que respeita a histórias secundárias e/ou

emocionais, não há as costumeiras trocas e desencontros, mas a

«maturidade» das personagens torna-as a todas demasiado lúcidas em

termos amorosos: até Pórcia, a mais neo-platónica de todas, confessa

abertamente ter comprado o seu amado Bassânio (Acto 3, cena2).

iii

variada, mistura o jargão profissional com as elegâncias da corte e o calão

das tabernas, a poesia com a prosa – independentemente de quem a elas

recorre no momento. António, o Mercador, um homem de negócios, usa

metros da poesia lírica. O objectivo primeiro será seduzir o público,

surpreendê-lo. Neste trabalho não houve um esforço para reproduzir

jambos ou encontrar equivalências mais ou menos forçadas. Respeitei os

versos, mas deixei que fosse o português a impor a sua prosódia, aceitando

ritmos e rimas quando se ofereciam.

Quanto a trocadilhos e jogos de palavras, os problemas mais complicados

foram sendo resolvidos pelo encenador, e pelos actores: porque antes de

tudo, Shakespeare era – é – um génio do teatro, e os sentidos mais

obscuros tornam-se claros e evidentes no palco. E depois, o teatro, mesmo

quando os textos são fascinantes, destina-se primeiro que tudo a esse

palco. Este Mercador foi testado nessa prova de fogo. O resultado do

trabalho solitário que foi a tradução, e do colectivo que é a passagem da

palavra ao corpo dos actores, regressa agora ao papel.

Foi Joaquim Benite quem encenou esta versão do texto, com Teresa

Gafeira por assistente. A peça foi estreada pela companhia de Teatro de

Almada em Março de 2002, com os seguintes actores: António, o

Mercador: Marques d’Arede ; Bassânio: Pedro Matos ; Duque de Veneza

e Velho Gobbo: Carlos Vieira de Almeida ; Graciano: André Louro ;

Jessica: Mariana Amaral ; Lancelote Gobbo: Nuno Simões ; Lourenço:

André Calado ; Nerissa: Cátia Ribeiro ; Pórcia: Joana Fartaria ; Shylock, o

judeu: Francisco Costa ; Príncipes de Marrocos e Aragão: André Gomes ;

Salânio: Miguel Martins ; Salarino: Carlos António ; Tubal: Alfredo

Sobreira.

A todos agradeço a grande lição de teatro.

H.B.

iv

Bibliografia:

Esta tradução segue o texto inglês do «Quarto» de 1600,

cotejado com The Alexander Text of William Shakespeare – The

Complete Works , Peter Alexander (ed.), London & Glasgow: 1971

(Collins);

Foram também consultadas edições on-line:

http://web.uvic.ca/shakespeare/index.html

http://tech-two.mit.edu/Shakespeare/

Traduções de O Mercador de Veneza para português:

1879 – O mercador de Veneza: drama em cinco actos : tradução livre –

Lisboa: Imprensa Nacional, 1879 [BN L.2851 V; BN L.2852 V; ]

1881 – O mercador de Veneza , trad. Bulhäo Pato – Lisboa: Typ. da

Academia Real Sciencias, 1881 [BN L.2854 V]

1889 – O mercador de Veneza , trad. Rei Dom Luís de Bragança, com

várias edições bilingues: Porto: Lello & Irmão, 1956; Mem Martins: Europa

América, 1988 e 1998;

1912 – O Mercador de Veneza , trad. Dr. Domingos Ramos – Porto: Livr.

Chardron, 1912 [BN L.30010 P]

1926 – O Mercador de Veneza , rev. de João Grave – Porto: Chardron,

1926 [BN L.29202 P]

1971 – O mercador de Veneza , trad. F. E. G. Quintanilha – Lisboa:

Presença, 1971 [BN L.64672 P]

Índice

  • Acto
  • Acto
  • Acto
  • Acto
  • Acto

A acção passa-se entre Veneza e Belmonte, o reino de Pórcia no Contiente.

Personagens

O DUQUE DE VENEZA

ANTÓNIO: um mercador de Veneza.

BASSÂNIO: Amigo de António, pretendente de Pórcia.

Amigos de António e Bassânio: GRACIANO SALÂNIO SALARINO SALÉRIO

LOURENÇO: apaixonado de Jessica. LEONARDO: criado de Bassânio.

SHYLOCK: um judeu rico. JESSICA: filha de SHYLOCK. TUBAL: um judeu amigo deste.

LANCELOTE GOBBO: o bobo, criado de SHYLOCK. VELHO GOBBO: Pai de LANCELOTE.

PÓRCIA: uma rica herdeira.

O PRÍNCIPE DE MARROCOS} Pretendentes de Pórcia. O PRÍNCIPE DE ARAGÃO}

NERISSA: dama de companhia de Pórcia. BALTASAR} Criados de Pórcia ESTÊVÃO }

Magníficos de Veneza, oficiais do Tribunal, um carcereiro, criados de Pórcia e gentes das comitivas

ANTÓNIO

Acreditem que não – e agradeço-o à Fortuna. Não tenho os meus bens confiados a um só casco Nem a um só lugar. Nem sequer as minhas posses Dependem das fortunas deste ano corrente. Não são as mercadorias que me tornam triste. [45]

SALARINO

Bom, então estás apaixonado.

ANTÓNIO

Ná! Ná!

SALARINO

Nem estás apaixonado? Bom, então estás triste Porque não estás alegre. E seria igualmente fácil Rires e saltares e dizeres que estás alegre Porque não estás triste. Pelas duas cabeças de Jano^1! [50] Gente bem estranha cria a natureza nestes tempos: A alguns sempre lhes brilham os olhos E riem-se como papagaios diante de um gaiteiro, E outros têm um aspecto tão avinagrado Que nunca mostram os dentes num sorriso, [55] Jure o sábio Nestor 2 que a piada é para rir. [Entram Bassânio, Lourenço e Graciano]

SALÂNIO

Aí vem Bassânio, o teu mais nobre parente, E Graciano e Lourenço. Adeus aos dois Deixamo-vos agora em melhor companhia.

SALARINO

Eu teria ficado até conseguir tornar-te alegre [60] Mas impedem-mo amigos mais interessantes.

ANTÓNIO

Também te acho a ti muito interessante, Mas calculo que os negócios te chamem E aproveites a oportunidade para partir.

SALARINO

Uma boa manhã, meus bons senhores [65]

BASSÂNIO

E amigos, quando poderemos rir? Quando? Andam cada vez mais macambúzios, tem que ser assim?

SALARINO

Arranjaremos uns tempos livres para agradar aos vossos. [Saem Salarino e Salânio]

LOURENÇO

Senhor Bassânio, dado que encontraste António Nós os dois deixamo-vos. Mas à hora do jantar, [70] Não se esqueçam onde temos que nos encontrar.

BASSÂNIO

Não faltarei.

GRACIANO

Não estás com bom aspecto, Signior António; Tens demasiada consideração pelo mundo: Perdem-na os que a compram com tantos cuidados. [75] Acredita em mim, estás espantosamente mudado.

ANTÓNIO

Entendo o mundo apenas como o mundo, Graciano: Um palco onde cada homem representa um papel, E o meu é bem triste.

GRACIANO

Deixa que eu represente o papel do bobo: Que as rugas da velhice venham com alegrias e risos, [80] E que o meu fígado se aqueça antes com vinho Do que o coração se me arrefeça em gemidos mortificantes. Como pode um homem, de sangue quente por dentro, Sentar-se como o seu avô talhado em alabastro? Dormir quando se acorda e arrastar-se até à icterícia [85] Por ser melancólico? Digo-te, António – Gosto de ti, e é o meu amor quem fala – Há uma raça de homens cujas caras Ficam amarelas, dependuradas como lodo, E mostram uma quietude premeditada [90] A fim de que, na opinião alheia, seja tomada Por sabedoria, gravidade, siso profundo Como a dizerem: «Eu sou o Senhor Oráculo, E quando abro a boca, que nem um cão ladre!». Oh, meu António, conheço-os bem [95] Aos que são assim tidos por sábios Só por estarem calados. E tenho a certeza, Que, se falassem, danariam os ouvidos Que os ouvissem, e chamar-lhes-iam loucos. Falar-te-ei mais sobre isto num outro dia: [100] Mas não pesques, com a isca da melancolia, Ser tão louco protagonista, nem ter tal reputação. Vem, bom Lourenço. Adeus e até já, Acabarei a minha exortação depois do jantar.

LOURENÇO

Bom, deixamos-te então até à hora de jantar: [105] Eu também devo ser um desses sábios mudos, Porque o Graciano nunca me deixa falar.

Da mesma maneira, com maior cuidado de observação Para encontrar a primeira e, arriscando as duas, Muitas vezes descobria as duas. Apresento esta prova infantil Porque o que se segue é pura ingenuidade. [145] Devo-te muito e, sendo jovem e extravagante, O que devo está perdido. Mas se fizesses o favor De atirar outra seta na mesma direcção Em que atiraste a primeira, não tenho dúvidas, Porque ficarei a observar o alvo, de que te trarei as duas [150] De volta; ou a última que tu arriscaste E continuarei, reconhecido, devedor da primeira.

ANTÓNIO

Conheces-me bem, por isso não percas tempo Com rodeios e cerimónias sobre o meu amor. Sem dúvida que me ofendes mais agora [155] Pondo em causa quanto faria por ti Do que se tivesses desbaratado tudo o que é meu. Diz-me só o que é que eu tenho que fazer O que, na tua opinião, tem que ser feito por mim, E prestarme-ei a isso. Portanto, fala. [160]

BASSÂNIO

Em Belmonte vive sozinha uma rica herdeira. É bela, e mais bela ainda do que a palavra, Tem virtudes maravilhosas. Recebi em tempos, dos olhos dela, doces mensagens mudas. Tem por nome Pórcia, e em nada é inferior [165] À Filha de Catão 3 , à Pórcia de Bruto^4 ; Nem o vasto mundo lhe ignora o valor, Porque de cada costa os quatro ventos lhe anunciam Pretendentes notáveis. Os anéis solares do cabelo Dependuram-se-lhe das frontes como um tosão de ouro, [170] E transformam Belmonte nas margens da Cólquida 5 Atraindo ali muitos Jasões 6 em demanda dela. Ah, meu António, tivesse eu os meios De conquistar o lugar de rival a um deles E sinto tais pressentimentos de tanta felicidade, [175] Que sem dúvida alguma seria afortunado.

ANTÓNIO

Sabes que toda a minha fortuna anda no mar, Não tenho dinheiro nem haveres Para angariar uma soma no presente. Mas avança. Tenta o que te der o meu crédito em Veneza: [180] Que seja usado até aos limites, Para te aparelhar até Belmonte, até à bela Pórcia. Vai, pergunta primeiro, e eu também o farei, Onde há dinheiro, e não levantarei problemas Em tê-lo à conta de um aval, ou pelo meu nome. [185] [Saem.]

Acto 1, Cena 2

Belmonte. Uma sala na casa de Pórcia. [Entram Pórcia e Nerissa.]

PÓRCIA

Por Deus, Nerissa, o meu pequeno corpo está cansado deste grande mundo.

NERISSA

É natural que esteja, se a miséria for proporcional À abundância das vossas fortunas. E Pelo que vejo, ficam tão doentes com o excesso [5] os que têm de mais, quanto os esfomeados com a falta. Portanto a felicidade mediana estará situada na mediania: o supérfluo antecipa os cabelos brancos, mas o conveniente deixa viver mais tempo.

PÓRCIA

Boas palavras e bem ditas.

NERISSA

Seriam ainda melhores se fossem bem seguidas. [10]

PÓRCIA

Se fazer fosse tão fácil quanto saber o que se deve Fazer, as capelas seriam igrejas, e as cabanas dos pobres Palácios de príncipes. É bom pregador aquele Que faz o que diz. Acho mais fácil aconselhar Vinte pessoas sobre o que fazer, do que ser eu uma das [15] Vinte a seguir os meus próprios conselhos. O cérebro pode Ditar leis ao sangue, mas um temperamento exaltado Ignora os frios decretos – a loucura da juventude É uma lebre a saltar sobre as redes do coxo bom senso. Mas tais raciocínios não me ajudam a escolher um marido. [20] Pobre de mim, uso a palavra «escolher» e não posso nem escolher quem eu queria, nem recusar quem não quero: assim está a vontade da filha viva dominada pela vontade de um pai morto. Não achas duro, Nerissa, que não possa escolher alguém nem recusar ninguém? [25]

NERISSA

O seu pai era um homem virtuoso, e os santos homens Têm boas inspirações à hora da morte. Portanto, a lotaria Que ele inventou com essas três caixas de ouro, Prata e chumbo, das quais quem descobrir o sentido A ganha a si, é, sem dúvida, para que seja bem escolhida [30] Só por quem souber muito bem amar. Mas que Calor existe nos seus afectos por qualquer Dos principescos pretendentes que aí chegaram?

Acho que comprou o casaco em Itália, as largas calças em França, o chapéu na Alemanha e tem um comportamento de todas as partes.

NERISSA

E o que pensa do vizinho dele, o senhor escocês?

PÓRCIA

Que tem caridade de vizinho dentro de si, porque [70] Enfiou um murro na orelha do inglês e Jurou que lhe havia de dar outro quando pudesse: Penso que o francês lhe ficou por avalista e assinou De cruz à conta de outro.

NERISSA

Não gosta do jovem alemão, o sobrinho do duque da Saxónia?

PÓRCIA

Muito repugnante de manhã quando está sóbrio, e [75] Ainda mais repugnante de tarde quando está bêbedo. No seu melhor é um pouco pior que um homem, e No seu pior é um pouco melhor que uma besta. E o maior dos perigos que já corri. Espero poder Fazer qualquer coisa para me ver livre dele. [80]

NERISSA

Caso ele se ofereça para escolher, e acerte na Caixa, deveria recusar-se a cumprir com a Vontade do seu pai, devia recusar-se a aceitá-lo.

PÓRCIA

Portanto, como receio o pior, peço-te que ponhas Um copo grande de vinho do Reno junto da caixa errada, [85] Porque se o diabo estiver lá dentro e essa tentação De fora, sei que a escolherá. Farei Tudo, Nerissa, para não me casar com uma esponja.

NERISSA

Não tem que recear ser possuída por qualquer Desses senhores. Já me informaram sobre [90] Os seus desígnios. De facto querem regressar a Casa e não vos maçarão mais com namoros, a não ser Que vos possam conquistar por outras sortes que não A dependente das caixas imposta por vosso pai.

PÓRCIA

Viverei até ser tão velha quanto a Sibila^7 , e morrerei tão [95] Casta quanto Diana 8 , se não for conquistada nos termos Do testamento de meu pai. Agrada-me que o lote de pretendentes Seja tão razoável, porque nenhum de entre eles Me atrai senão pela ausência, e peço a Deus

Que lhes conceda uma boa partida. [100]

NERISSA

Já não se lembra, senhora, ao tempo do seu pai, de um Veneziano? Um estudante e soldado, que veio até cá Na companhia do Marquês de Montferrato?

PÓRCIA

Sim, sim, era Bassânio, acho que se chamava assim.

NERISSA

É verdade, e de todos os homens em quem os meus tontos [105] olhos se pousaram, era o que mais merecia uma bela mulher.

PÓRCIA

Lembro-me bem dele, e de ser merecedor dos teus elogios. [Entra um criado] Ora boa! Que novidades trazes?

CRIADO

Os quatro estrangeiros procuram-vos, senhora, para Se despedirem. E há um mensageiro vindo de um Quinto, o Príncipe de Marrocos, que traz palavra de [110] Que o príncipe seu senhor chegará aqui esta noite.

PÓRCIA

Se eu pudesse acolher o quinto com tão Boa vontade como me despeço dos outros quatro, Ficaria contente pela sua chegada. Se for virtuoso Como um santo e negro como um diabo, antes [115] Preferia que me confessasse do que me esposasse. Vem Nerissa. [para o criado] O “senhor”, vai adiante. E mal fechamos os portões Sobre um pretendente, outro bate à porta. [119] [Saem]

Acto 1, Cena 3

Veneza. Um lugar público. [Entram Bassânio e Shylock]

SHYLOCK

Três mil ducados. Bom.

BASSÂNIO

Sim, senhor, por três meses.

SHYLOCK

Por três meses. Bom.

Novidades no Rialto? Quem vem aí? [Entra António]

BASSÂNIO

Este é o Signior António. [35]

SHYLOCK

[Aparte] E como se parece com um publicano satisfeito! Odeio-o porque é um cristão, Mais ainda porque na sua baixa inépcia Empresta dinheiro grátis e obriga-nos a baixar A taxa dos juros aqui em Veneza. [40] Se o puder apanhar em falso uma só vez Saciarei a velha raiva que lhe tenho. Odeia a nossa nação sagrada, e até ali, Onde os mercadores se costumam encontrar, Zomba de mim, dos meus negócios e dos lucros bem ganhos, [45] A que chama usura. Que a minha tribo seja amaldiçoada Se lhe perdoo!

BASSÂNIO

Ouvis, Shylock?

SHYLOCK

Estou a avaliar os meus bens actuais E por estimativa aproximada, assim de memória, Não posso de imediato juntar o grosso [50] Da soma de três mil ducados. Não importa. Tubal, um judeu rico da minha tribo Me proverá. Mas calma! Por quantos meses Precisais? [Para António] Seja bem aparecido, bom Signior O vosso nome estava agora mesmo nas nossas bocas. [55]

ANTÓNIO

Shylock, eu não empresto nem peço emprestado Nem tomo, nem dou em excesso Mas, para prover às necessidades urgentes do meu amigo, Quebrarei o uso. Ele já foi informado Do valor de que precisas?

SHYLOCK

Sim, sim, três mil ducados. [60]

ANTÓNIO

E por três meses.

SHYLOCK

Já me tinha esquecido. Também mo disse. Bom, então, a fiança. Deixem-me ver. Mas esperem:

Pareceu-me terdes dito que não emprestais nem pedis Com juros.

ANTÓNIO

Nunca o faço. [65]

SHYLOCK

Quando Jacob 9 pastava as ovelhas do seu tio Labão 10 ... Este Jacob veio do nosso Santo Abraão, E como a sua sábia mãe intrigou em seu favor, Foi o terceiro descendente – sim, o terceiro...

ANTÓNIO

E o que se passava com ele? Cobrava juros? [70]

SHYLOCK

Não. Não cobrava juros. Não, como vocês dizem, Juros directos. Mas reparem no que fez Jacob. Labão e ele próprio contrataram Que todas as crias malhadas e listradas Lhe ficariam como paga. Estando as ovelhas no cio [75] No final do Outono, foram até aos carneiros. E, quando o trabalho da geração se consumava Entre estes propagadores lanosos, no acto, O habilidoso pastor descascou algumas varas, E, no fazer do feito da natureza, [80] Espetou-as diante das ovelhas luxuriosas Que então conceberam. E no tempo correcto Nasceram crias de cores variadas, e essas foram de Jacob. Era uma maneira de prosperar, e ele foi abençoado. A boa gestão do dinheiro é uma bênção, se os homens não o roubarem. [85]

ANTÓNIO

Isso foi um acidente, no qual Jacob foi usado, Algo que não estava em seu poder fazer acontecer, Mas foi determinado e modelado pela mão dos céus. Foi isto citado para tornar bom o juro? Ou o teu ouro e prata são ovelhas e carneiros? [90]

SHYLOCK

Não sei. Faço-os reproduzirem-se com igual velocidade Tome nota, Signior.

ANTÓNIO

Toma tu nota, Bassânio, O demónio consegue citar as escrituras a seu favor. Uma alma vil reproduzindo testemunhos sagrados É como um velhaco de cara sorridente, [95] Uma bela maçã podre no coração: Oh, mas que exterior divino tem a falsidade!