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ismael marinho
Tipologia: Notas de estudo
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Não perca as partes importantes!
Ismael Marinho Falcão*
A terra é de Deus “A terra também não se venderá para sempre: porque ela é minha, e vós sois como uns estrangeiros, a quem eu a arrendo”
Levítico, 25; 23
Os proprietários detinham, assim, poderes tão extensos sobre a coisa que só se poderia determiná-los através da exclusão. Sem dúvida, pelo direito quiritário, o domínio, exteriorização da propriedade tal como reconhecida pelo ius civilis, não encontrava limitações pela ordem jurídica. Algumas restrições provinham, única e exclusivamente, das relações de vizinhança e do interesse público, embora fossem, durante o período republicano e ao alvorecer do período clássico, raras e excepcionais.
Verifica-se, desse modo, que o Direito Agrário tem suas origens vincadas, profundamente, na origem do próprio homem sobre a face da terra, posto que a partir do instante em que se teve necessidade de tirar da terra o necessário à sobrevivência do ser humano, começaram a se esboçar as primeiras e tênues linhas do Direito Agrário entre os homens.
É bem verdade que as primeiras leis agrárias não possuíam o mesmo conceito que as atuais, pois objetivavam muito mais a simples distribuição de terras a veteranos e civis, que se organizavam em núcleos agrícolas e militares, formados pela autoridade romana em diversos pontos dos territórios conquistados, como autênticos marcos do vasto império.
O Direito Agrário, entre nós, passou a ter existência própria a partir da edição da Emenda Constitucional nº 10 à Constituição Federal de 1946, que o previu, atribuindo competência à União para legislar, dentre outros ramos da Ciência do Direito, sobre o Direito Agrário. Nascia, assim, no Brasil, com foro constitucional, o Direito Agrário.
Em 1967, com a outorga da nova Constituição da República, essa competência da União foi mantida na redação da alínea b , inciso XVII, do art. 8º, competência que a Emenda nº 1, de 17 de outubro de 1969, não modificou e a Constituição Federal de 1988 em seu art. 22 repetiu, consagrando o princípio. Desse modo, compete privativamente à União legislar sobre Direito Agrário, ficando, em conseqüência, vedado aos Estados-Membros legislarem sobre essa matéria, ainda que supletivamente, obrigados que estão a acatarem, seguirem e respeitarem as normas agrárias editadas pela União, face ao princípio da supremacia.
Tratando-se de um novo ramo da Ciência do Direito, necessário que fosse conceituado e definido, para melhor entendimento, sobretudo no campo da didática, ainda que toda definição seja perigosa e, mais das vezes, incompleta.
Vários autores, dentre estrangeiros e nacionais, já se preocuparam em definir o campo de atuação do Direito Agrário. Não nos filiamos a nenhum dos ramos alienígenas, entretanto, para enriquecimento não somente deste trabalho, como, principalmente, daqueles que a ele tiverem acesso, trataremos de citar, aqui, algumas das definições mais conhecidas, dadas por autores diversos, em respeito mesmo à autoridade de cada um deles.
Vejamo-las, pois:
Malta Cardozo define-o assim:
“Direito Rural é o conjunto das normas que asseguram a vida e o desenvolvimento econômico da agricultura e das pessoas que a ela se dedicam profissionalmente.”
R. Malèzieux e R. Randier , autores franceses, conceituam-no como:
“O Direito Rural é o conjunto de regras jurídicas que regem o mundo rural. A agricultura é sem dúvida a mais importante das atividades humanas regida pelo Direito Rural, mas não é a única. O Direito Rural se interessa igualmente pela proteção da natureza, pelas atividades não rurais no meio rural e a construção de cidades nos campos. O Direito Agrário é somente um elemento do Direito Rural. A utilização do solo forma uma parte importante do domínio do Direito Rural, mas está longe de esgotar o seu conteúdo. O Direito Rural rege também a atividade econômica rural e a vida social na campana.”
Para Martha Chavez P. Vellazquez o direito agrário é:
“... o conjunto de normas (teóricas e práticas) que se referem ao tipicamente jurídico, enfocado ao cultivo do campo e ao sistema normativo que regula o que é relativo à organização territorial rústica e às explorações caracterizadas como agrícolas, pecuárias, florestais.”
Joaquim Luiz Osório possui a seguinte definição:
“O Direito Rural ou Direito Agrário é o conjunto de normas reguladoras dos direitos e obrigações concernentes às pessoas e aos bens rurais.”
Antonino Vivanco , o grande mestre argentino, de saudosa memória, definia-o da seguinte forma:
“O Direito Agrário é a ordem jurídica que rege as relações sociais e econômicas que surgem entre os sujeitos intervenientes na atividade agrária. A expressão Direito Agrário implica a união dos conceitos fundamentais: o de Direito e o de Agrário. Por direito se entende toda ordem normativa e coativa, tendente a regular a
conduta humana dentro do grupo social; e agrário, significa a terra com aptidão produtiva e toda atividade vinculada com a produção agropecuária.”
Oswaldo e Sílvia Optiz , agraristas gaúchos, entendem-no como sendo:
“... o conjunto de normas jurídicas concernentes à economia agrária.”
Alberto Ballarín Marcial, autor espanhol e notário de Madrid, afirma:
sendo uma parte daquele. É, sem dúvida, para nós, um posicionamento novo, entretanto, não devemos nos espantar, já que tal raciocínio decorre do próprio Direito Francês, onde o Direito Agrário, diferentemente do que ocorre com o ordenamento jurídico brasileiro, trata de modo diverso a matéria que enfoca, regrado às peculiaridades locais, diferindo, assim, não somente do sistema brasileiro, tal como entendemos o Direito Agrário, como do próprio Direito Agrário consagrado pelos sistemas mexicano e argentino.
Num parêntesis rápido, é conveniente registrar que tanto o Direito Agrário mexicano quanto o da Argentina oferecem sensíveis diferenças entre si e, especialmente, quando comparados com o Direito Agrário brasileiro, tema que poderia ser abordado, com mais propriedade, numa monografia que cuidasse especificamente do direito comparado.
É oportuno dizer-se que no Brasil não temos, ainda, uma tradição de Direito Agrário, prevalecendo conceitos e tradição completamente civilistas e isto tão-somente porque o Direito Agrário, entre nós, não se acha plenamente consolidado, como acontece, por exemplo, com o também novo Direito do Trabalho, que além de contar com uma Justiça própria, acha-se consolidado através da desatualizada Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que pode ser considerado, apesar de suas imperfeições, como um autêntico “código de leis trabalhistas”, com o que, infelizmente, não conta o Direito Agrário, em que pese o legislador de 1964 haja dispendido hercúleo esforço para nos dotar de um Estatuto da Terra digno de aplausos e perfeitamente exequível nos dias presentes.
A Constituição Federal brasileira deu abrigo ao Direito Agrário a partir da Emenda Constitucional nº 10, de outubro de 1964, à Constituição Federal de 1946, então vigente, o que levou o legislador constituinte das Cartas Federais posteriores a preservar esse novo ramo da Ciência do Direito entre aqueles de competência privativa da União, tal como repetido no art. 22, inciso I, da Carta de 1988. Daí, então, temos que, constitucionalmente, admitir que o Direito Agrário é o conjunto de normas, de direito público e de direito privado, que visa a disciplinar as relações emergentes da atividade rural, com base na função social da terra, enriquecido, sem dúvida, pelo conjunto de princípios doutrinários que indicam o seu conteúdo e permitem uma melhor interpretação das leis agrárias.
No Brasil, a lei básica do Direito Agrário é a Lei Federal nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 , também chamada de “Estatuto da Terra”, embora essa denominação não se coadune inteiramente com o seu conteúdo, visto essa lei não haver se restringido, tão-somente, ao uso e posse da terra. Em outro países, onde o Direito agrário conta com idade mais avançada, o campo de abrangência desse ramo da Ciência do Direito é bem mais amplo, indo alcançar as relações entre os sujeitos agrários, como o uso da terra, o seguro agrário, o crédito agrícola, o regime das águas, a caça, a pesca (exceto, evidentemente, a pesca marítima), o regime laboral no campo, e as atividades agrárias em geral (ou seja, atividades próprias, acessórias, conexas e vinculadas). A nossa legislação está mais limitada aos aspectos conti9dos no Estatuto da Terra, mesmo depois da edição da Lei Federal nº 8.629, de 1993 que, por sua vez, se ocupa fundamentalmente (não dizemos exclusivamente ) do uso da terra, matéria despicienda se se levassem em conta as normas existentes no Estatuto da Terra, segundo se infere da redação de seu artigo 1º:
“Esta lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da reforma agrária e promoção da Política Agrícola.”
Falta-nos, sem dúvida, uma doutrina brasileira consolidada de Direito Agrário, porquanto muito pequeno é, ainda, o acervo de obras de autores brasileiros sobre a matéria, e muito menor, conseqüentemente, o volume jurisprudencial editado pelos nossos Tribunais, desfalcados de agraristas que lhes dêem maior força nas decisões desse jaez, abrangente de todos os aspectos da atividade agrária, a ponto de podermos dizer que seja ela realmente abundante e capaz de dissipar as dúvidas e controvérsias do setor rural pátrio. As Faculdades de Direito têm uma imensa responsabilidade, pois a elas incumbe a formação de uma mentalidade agraristas nos futuros aplicadores do direito, em contraposição à mentalidade civilista que há mais de um século vem sendo paulatinamente edificada pelos lentes de direito civil em nossa escolas. Daí poder-se afirmar que no Brasil, até agora, não se desenvolveu, ainda, plenamente, o Direito Agrário, exatamente porque não se procurou desenvolver, com metodologia científica, uma mentalidade agrarista nos cultores e aplicadores do direito, única forma capaz de dar sustentação ao novo ramo, que permanece incipiente e caracterizado, apenas, por um tímido e pálido conjunto de leis que dizem respeito, tão-somente, de forma direta ou indireta, ao uso da terra e à atividade agrária, compreendendo-se esta como abrangente da estrutura agrária, da política agrária e, conseqüentemente, da reforma agrária.
Pode-se dizer, sem medo de erro, que também assim, entre nós, começou o Direito do Trabalho, hoje oferecendo-nos uma estrutura invejável, robustamente consolidada através não somente da existência de considerável número de órgãos de primeiro e segundo graus de jurisdição, como de farta doutrina, de uma legislação satisfatória e de uma jurisprudência corrente, uniformizada e atualizada, mercê da atuação incessante e produtiva dos órgãos especializados – juizes e tribunais em todo o País.
Poderíamos discorrer fartamente a respeito do vasto e amplo campo de atuação do direito agrário, entretanto, limitar-nos-emos a dar os princípios básicos desse novo ramo da Ciência do Direito a fim de ensejar ao leitor uma visão global da matéria, sem, contudo, nos aprofundarmos tanto.
Por outro lado, é bem de ver-se que até à promulgação da Emenda Constitucional nº 10 , em 1964, nós nos víamos submersos num universo jurídico e legal regido e orientado, tão-somente, por noções tipicamente de Direito Civil, onde o instituto da propriedade era conceituado como um direito autenticamente intangível, intocável, absoluto, partindo do velho conceito romano do jus utendi, jus fruendi et abutendi , sem dúvida por demais medieval, posto que profundamente conservador e individualista, em muito concorrendo para o entrave não só do progresso campesino, como, e sobretudo, do desenvolvimento social le econômico do País como um todo e do seu povo, em particular, fazendo com que a terra de todos ficasse reduzida nas mãos de poucos.
O problema agrário, como a situação fundiária do País, era, realmente, grave, tamanha as distorções fundiárias que se registravam: até outubro de 1964, cerca de 1% do total de proprietários rurais entre nós dominava mais de 50% da área possuída e agricultável do território nacional, segundo revelação oficialmente feita no bojo da Mensagem nº 33, de 1964, encaminhada pelo eminente Presidente Castello Branco ao Congresso Nacional, em 26 de outubro de 1964, quando da propositura do ante-Projeto de Lei que se converteria, em 30 de novembro daquele ano, no hoje denominado Estatuto da Terra.
A Constituição, pois, é a mais importante fonte formal de produção estatal do Direito Agrário, trazendo para o mundo do direito os princípios fundamentais, assegurados superiormente mercê dos obstáculos ao processo de revisão constitucional, o que lhes empresta o sêlo da imodificabilidade
4. – PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DE DIREITO AGRÁRIO
O que devemos entender por princípios fundamentais de Direito Agrário ontologicamente? Essa a primeira indagação que se há de impor para delimitação do campo de nosso estudo. Segundo o sistema, temos que princípios fundamentais de um determinado ramo da Ciência do Direito são aqueles sobre os quais o sistema jurídico pode fazer opção, considerando aspectos políticos e ideológicos. Partindo dessa premissa, teremos que considerar que, por isso mesmo, são princípios que admitem oposição frente a outros, de conteúdo diverso, tudo dependendo da tolerância do sistema em que se encontrem inseridos. Diferem, portanto, dos chamados princípios informativos, que são verdadeiros postulados irremovíveis do sistema, por não admitirem oposição, tais como os chamados princípios a)- lógico, b)- jurídico, c)- político e, d)- econômico, de franca aplicabilidade no sistema processual, a que o Direito Agrário terá que se vincular no instante em que passar a dispor, como os demais ramos do sistema, de um direito processual agrário. Os princípios informativos , pois, são comuns a todos os ramos da Ciência do Direito. Já os princípios fundamentais , diversamente, são aqueles que se podem moldar , ou seja, podem se ajustar à ocasião, daí o poderem se opor um a outro que seja mais adequado ao fato e ao direito em discussão. Eis porque é conveniente denominarmos tais princípios de princípios peculiares ao Direito Agrário, exatamente porque guardam características de princípios próprios, não axiomáticos, exatamente porque têm necessidade de características ideológicas e admitem, portanto, antagonismo.
Assim entendido poderemos afirmar que se constituem princípios fundamentais de Direito Agrário , porque lhe são peculiares, próprios, dentre outros:
a )- a função social da propriedade; b )- o progresso econômico e social do rurícola; c )- o combate sistemático ao minifúndio e ao latifúndio; d )- o imposto territorial rural.
Para o agrarista Paulo Torminn Borges^2 , esses princípios fundamentais se elastecem num rol de quatorze tópicos, apontando ele como tais:
a )- a função social da propriedade; b )- o progresso econômico do rurícola; c )- o progresso social do rurícola; d )- fortalecimento da economia nacional, pelo aumento da produtividade; e )- o desenvolvimento do sentimento de liberdade (pela propriedade) e de igualdade (pela oferta de oportunidades concretas); f )- implantação da justiça distributiva; g )- eliminação das injustiças sociais no campo;
(2) – Institutos Básicos de Direito Agrário, Ed. Saraiva, São Paulo, 1991, pág. 26
h )- povoamento da zona rural, de maneira ordenada; i )- combate ao minifúndio; j )- combate ao latifúndio; l )- combate a qualquer tipo de propriedade rural ociosa, sendo aproveitável e cultivável; m )- combate à exploração predatória ou incorreta da terra; n )- combate aos mercenários da terra.
Esses princípios, pois, como veremos na seqüência, serão estudados separadamente, ainda que eles apareçam aqui, tão-somente, como indicadores de sua existência e integrantes de um arcabouço sistemático. Preferimos, assim, para melhor disciplinamento didático, nos atermos ao rol que indicamos, ainda que a classificação do mestre goiano não mereça ser desprezada, prestando-se, sem dúvida, para aprofundamentos futuros de nossos estudantes que pretendam ir além do simples bacharelado.
Falar sobre a história da reforma agrária, no Brasil, como bem acentua um documento da FAO, é, verdadeiramente, falar sobre uma história de oportunidades perdidas, considerando que o tema sempre mereceu primazia nas rodas políticas, desde o início da colonização, pois, do mesmo modo como ocorreu com a América espanhola, nosso País foi incorporado ao capitalismo europeu no início do século 16, passando a fazer parte das colônias que forneciam matérias primas às metrópoles européias. O que predominava nos colonizadores era a avidez do lucro, daí a preocupação principal da coroa em concentrar os seus esforços na plantação da cana-de-açúcar, deixando para segundo plano a produção de gêneros alimentícios de subsistência, que eram produzidos por pequenos agricultores, normalmente em terras arrendadas a grandes proprietários, sem contar o esforço do braço escravo nos dias de tempo livre, ou seja, nos feriados, domingos e após terminar a tarefa diária exercitada na lavoura canavieira.
Sempre que o produto agrícola de exportação elevava de preço no mercado mundial, diminuía consideravelmente a produção de gêneros alimentícios de subsistência na colônia, e isso porque todas as terras eram ocupadas com o plantio do produto de exportação e todos os escravos eram requisitados para o trabalho nas áreas cultivadas, sem permissão para dela se afastar, a não ser nos períodos de descanso. Resta evidente que nesse período de dedicação exclusiva à cultura de exportação, a fome tomada conta da colônia, notadamente no seio da população escrava, gerando uma crise sem precedentes da agricultura de subsistência, a ponto de forçar a metrópole intervir, através de uma legislação que tornava obrigatório ao proprietário de terras destinar uma parte de seu domínio ao plantio de gêneros alimentícios de subsistência. Isso fez nascer pequenos produtores dedicados à agricultura, praticada em terras doadas pela Coroa, sem, no entanto, transferir o domínio da terra ao seu ocupante, que permanecia na condição de posseiro meramente. Aí está, pois, o embrião originário da pequena propriedade no Brasil.
Ainda colônia de Portugal, o Brasil não teve os movimentos sociais que, no século
consagrar como 31 de março para não o associarem ao “dia internacional da mentira”), caiu o Presidente da República e teve início o ciclo dos governos militares, que duraria 21 anos.
Nos primeiros 15 anos de vigência do Estatuto da Terra (1964-1979), o capítulo relativo à reforma agrária, na prática, foi abandonado, enquanto o que tratava da política agrícola foi executado em larga escala.
No total, foram beneficiadas apenas 9.327 famílias em projetos de reforma agrária e 39.948 em projetos de colonização. O índice de Gini, da distribuição da terra, no Brasil, passou de 0,731 (1960) para 0,858 (1970) e 0,867 (1975). Esse cálculo inclui somente a distribuição da terra entre os proprietários. Se forem consideradas também as famílias sem terra, o índice de Gini evidencia maior concentração ainda: 0,879 (1960), 0,938 (1970) e 0,942 (1975). Na verdade, em 50 anos, as pequenas alterações que ocorreram, em termos de concentração de terra, no Brasil, foram para pior, consoante mostram as estatísticas oficiais existentes e pouco divulgadas.
No início da década de 80, o agravamento dos conflitos pela posse da terra, na região Norte do país, levou à criação do Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários e dos Grupos Executivos de Terras do Araguaia/Tocantins - GETAT, e do Baixo Amazonas – GEBAM, reflexo da mania brasileira de se criar órgãos e órgãos e pouco ou quase nada resolver, posto que o Ministério da Agricultura, jurisdicionando o INCRA até então, vinha realizando um trabalho de regularização fundiária digno de encômios, pois os resultados auferidos poderiam muito bem se refletir no sucesso dos programas de reforma agrária, entretanto as terras devolutas apuradas mediante discriminação não recebiam imediata destinação, ficando à mercê dos invasores, de grileiros e dos comerciantes da posse, faltando, isto sim, uma vontade política de bem direcionar os programas de reforma agrária no País, autorizando-nos a afirmar que o balanço das realizações desses três órgãos, é pobre, ainda que se possa registrar alguns poucos milhares de títulos de terra distribuídos a posseiros regularizados.
Nos seis anos do último governo militar (1979-1984), a ênfase de toda a ação fundiária concentrou-se no programa de titulação de terras. Nesse período, foram assentadas 37.884 famílias, todas em projetos de colonização, numa média de apenas 6.314 famílias por ano. A ação fundiária no período 1964-1984, revela uma média de assentamento de 6.000 famílias por ano.
Em 1985, o governo do Presidente José Sarney elaborou o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), previsto no Estatuto da Terra, com metas extremamente ambiciosas: assentamento de um milhão e 400 mil famílias, ao longo de cinco anos. No final de cinco anos, porém, foram assentadas cerca de 90.000 apenas.
A década de 80 registrou um grande avanço nos movimentos sociais organizados em defesa da reforma agrária e uma significativa ampliação e fortalecimento dos órgãos estaduais encarregados de tratar dos assuntos fundiários. Quase todos os Estados da federação contavam com este tipo de instituição e, em seu conjunto, ações estaduais
conseguiram beneficiar um número de famílias muito próximo daquele atingido pelo governo federal.
No governo de Fernando Collor (1990-1992), o programa de assentamentos foi paralisado, cabendo registrar que, nesse período, não houve nenhuma desapropriação de terra por interesse social para fins de reforma agrária. O governo de Itamar Franco (1992-
No final de 1994, após 30 anos da promulgação do Estatuto da Terra, o total de famílias beneficiadas pelo governo federal e pelos órgãos estaduais de terra, em projetos de reforma agrária e de colonização, foi da ordem de 300 mil, estimativa sujeita a correções, dada a diversidade de critérios e a falta de recenseamento no período 1964-1994.
Nos países onde houve Reforma Agrária, os efeitos foram extraordinários, como é sabido, resultando no aumento das propriedades rurais (exceto no México e na Rússia) aumento de empregos, aumento de produção, melhoria extraordinária da qualidade de vida dos trabalhadores rurais (condições de bem-estar e de progresso social e econômico).
Como conclusão, óbvia, impõe-se uma Reforma Agrária no Brasil, de forma eficaz, democrática, econômica e social. Sem a extinção da condição de miséria de milhões de agrícolas, não teremos condições de desenvolvimento, mesmo porque se eles passarem a ter condições de progresso social e econômico, não se aumentará produção agrária, como passarão aumentar o mercado de consumo interno relativamente a alimentos bens industrializados.
Todos esperamos pelo fim da grande miséria e da fome em nosso País e isso só se alcançará com a Reforma Agrária, que é meta prioritária. O Brasil chega às portas do século 21 sem ter resolvido um problema com raízes no século 16.
ismael@elogica.com.br (*) - Advogado e professor em João Pessoa – Estado da Paraíba, no Brasil; autor de diversas obras de direito processual trabalhista e do “Direito Agrário Brasileiro”, editado pela EDIPRO, Bauru –SP, Brasil.