




Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Artigo Científico sobre psicologia clínica e Gestalt.
Tipologia: Trabalhos
1 / 8
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
A r t i g o
-^
R e v i s ã o
C r í t i c a
d e
L i t e r a t u r a
Psicoterapia e Espiritualidade: da Gestalt-Terapia à Pesquisa Contemporânea
aLine F erreira CaMPos Jorge PonCiano riBeiro
resumo: O presente artigo investiga de como o processo psicoterapêutico pode ser beneficiado com a inclusão de conteúdos de espiritualidade, partindo da Gestalt-terapia para fazer pontes com pesquisas no campo da psicologia contemporânea. O objetivo foi descrever esses benefícios, incluindo os modos como a espiritualidade manifesta-se na clínica, recursos e métodos utilizados por psicoterapeutas e os impactos da sua prática espiritual. Foi feita uma revisão da literatura com artigos do PsychINFO, SciELO, PePSIC e textos de Gestalt-terapia. O tema da religiosidade surgiu em muitos artigos e foi incluído. Resultados confirmam a prevalência e a importância de trabalhar os temas em terapia, pois favorecem a eficácia; descrevem métodos utilizados, como meditação e oração; enfatizam questões éticas e o treinamento adequado de terapeutas. Palavras-chave: Espiritualidade; Psicoterapia; Religiosidade; Gestalt-terapia.
Abstract: The present article investigates how the inclusion of spirituality can benefit the therapy process, bridging Gestalt Ther- apy with contemporary psychology research. The goal of this study is to describe these benefits, including how spirituality can manifest in the methods, resources, and clinic used by psychotherapists; as well as the impact of their personal spiritual prac- tice. A literature review was conducted with articles from PsychINFO, SciELO, PePSIC, and Getatlt Therapy texts. The religiosity theme was present in many articles and included in the review. Results confirm the prevalence and importance of working on these themes in therapy, as they facilitate efficacy; describe methods utilized such as mediation and prayer; and emphasize ethi- cal issues and the proper training of therapists. Keywords: Spirituality; Psychotherapy; Religiousness; Gestalt therapy.
resumen: Este artículo explora como el proceso psicoterapéutico puede beneficiarse al incluir la espiritualidad a través de la Terapia de Gestalt en investigaciones realizadas en el campo de la Psicologia contemporánea. El propósito de esta investigación es describir la manera en que la espiritualidad se manifiesta en psicoterapia, los beneficios de esta, los recursos y métodos apli- cados por psicoterapeutas y el impacto del uso de la espiritualidad en la práctica psicológica. El método utilizado fue a través de una revisión de literatura utilizando las siguientes bases de datos: PsychINFO, SciELO, PePSIC. También se incluyó literatura de la Terapia de Gestalt y palabras claves de temas relacionados con religiosidad. Los resultados confirmaron la importancia de incluir aspectos de espiritualidad o religiosidad en el proceso terapéutico. Algunos métodos identificados en la literatura fue- ron el uso de la meditación y la oración. La inclusión de espiritualidad estan relacionados con un aumento en la eficacia de la intervención terapéutica. Keywords: Espiritualidad; Psicoterapia; Religiosidad; Terapia de Gestalt.
introdução
O ser humano sempre buscou um sentido para sua existência e a cura para muitas das suas formas de sofri- mento. A psicoterapia e as vivências com a espirituali- dade têm sido caminhos percorridos nessa busca, porém, ainda estamos no processo de compreender como podem influenciar um ao outro (Vandenberghe, Costa Prado & De Camargo, 2012); especificamente, como o processo psico- terapêutico pode ser beneficiado pela inclusão de temas relacionados à espiritualidade. Este artigo partiu da Gestalt-terapia, uma abordagem holística, para a qual a espiritualidade é descrita como uma das dimensões do humano, válida de ser abordada
na clínica psicoterápica (Ribeiro, 2009), para fazer uma integração com pesquisas contemporâneas sobre o tema, no campo geral da Psicologia. O objetivo foi descrever de que modo o processo psicoterapêutico pode ser bene- ficiado com a inclusão de conteúdos de espiritualidade, através de uma pesquisa em artigos contemporâneos, o que resultou na definição de quatro eixos temáticos: (a) os modos como a espiritualidade manifesta-se na clínica; (b) os recursos e métodos da espiritualidade utilizados pelo psicoterapeuta com seus clientes; (c) o impacto da prática espiritual do psicoterapeuta sobre o processo de ajuda ao cliente; (d) as questões éticas e de formação de terapeutas para lidarem com o tema. Por fim, propôs-se a fazer pon- tes entre a visão gestáltica e pesquisas contemporâneas.
A r t i g o
-^
R e v i s ã o
C r í t i c a
d e
L i t e r a t u r a
Aline F. C. & Jorge P. R.
Apesar de sua importância na vida das pessoas (Hook, Worthington Jr. & Davis, 2012; Peres, Simão & Nasello, 2007), o tópico da espiritualidade foi evitado em pesqui- sas sobre a psicoterapia até o final do século passado, por não ter sido considerado como relevante à clínica, ou passível de ser estudado por um método científico (Barnett, 2016; Henning-Geronasso & Moré, 2015). Hyc- ner (1993) pontua que o homem moderno tem buscado ser visto como um ser racional, e, como consequência, há uma repressão da dimensão espiritual da existência. A relação entre psicoterapia e espiritualidade, portan- to, tornou-se difícil, desde posições de autores pionei- ros, que associavam a prática religiosa à psicopatologia (Barnett & Johnson, 2011). A partir do início deste século, entretanto, a ciência parece demonstrar um maior interesse em investigar o papel da espiritualidade na clínica psicoterápica, prin- cipalmente em pesquisas internacionais (Barnett, 2016; Bonelli & Koenig, 2013). Esta mudança se deve a diver- sos fatores, como o crescente reconhecimento do valor da espiritualidade na saúde física e mental de pacientes, o acolhimento de tendências multiculturais (Barnett & Jo- hnson, 2011) e o desenvolvimento de metodologias que buscam operacionalizar os recursos espirituais. No Bra- sil, apesar da grande prevalência de pessoas com inclina- ções espirituais e religiosas, observam-se, ainda, poucos estudos voltados à análise e compreensão do tema em sua interface com a clínica (Peres et al., 2007). Espiritualidade é um conceito que não contempla uma definição universal; na literatura encontram-se diversos sentidos: uma forma de encontrar propósito e significado à vida (Pinto, 2009); um sentimento de pertencimento e ligação ao universo, ou a um todo maior, e uma conexão com o sagrado e o transcendente (Ribeiro, 2009). Distin- gue-se dos conceitos de religião ou religiosidade, que fo- calizam crenças, práticas e rituais que auxiliam o contato do indivíduo com o sagrado e o transcendente (Panzini, Rocha, Bandeira & Fleck, 2007). Para Barnett e Johnson (2011, p. 148), enquanto espiritualidade é frequentemente relacionada a uma busca pessoal por sentido e transcen- dência, e religiosidade mais associada a dogmas e ritu- ais, muitos buscam e experienciam a espiritualidade em um contexto religioso, relativizando a diferença entre os dois conceitos. Por outro lado, Barnett (2016) e outros es- tudiosos do tema optam por não enfatizar as diferenças entre espiritualidade e religiosidade e utilizam os concei- tos indistintamente. Com isso, fez-se a opção de utilizar os conceitos sem distinção de modo a incluir trabalhos considerados relevantes.
1. metodologia
Trata-se de uma revisão de literatura que analisou tex- tos da literatura da Gestalt-terapia e artigos contemporâ- neos no campo geral da psicologia, voltados ao tema da espiritualidade em sua relação com a psicoterapia. Para
a busca de publicações, utilizou-se o Portal de Periódicos CAPES na íntegra, e a base PsychINFO, para publicações em inglês, e as bases SciELO e PePSIC, para aquelas em português, com os descritores spirituality/espiritualidade, e psychoterapy/psychoterapeutic/psicoterapia. Foram bus- cados livros online e artigos completos, publicados entre 2016 e 2011, com a inclusão eventual de artigos anterio- res considerados pertinentes. De 99 artigos em inglês, e 11 em português, foram selecionados 18 que discutiam a inclusão de temas e metodologias da espiritualidade na prática psicoterapêutica e na saúde mental de forma mais pertinente aos objetivos deste trabalho.
2. espiritualidade e gestalt-terapia
Alguns autores, na abordagem gestáltica, já vêm in- tegrando o conceito de espiritualidade à prática psicote- rapêutica. Ginger e Ginger (1995, p. 115) descreveram a dimensão espiritual como “lugar e sentido do homem no meio cósmico e no ecossitema global”. Naranjo (1990) ad- voga que há uma relevância espiritual na psicoterapia, e que a espiritualidade é terapêutica. Ingersoll (2005) des- creve temas que são compartilhados pela espiritualida- de e pela psicoterapia gestáltica: confiança na natureza, orientação para o aqui-agora, direcionamento e transcen- dência de polaridades. Juliano (1999) descreve o processo psicoterapêutico como incluindo cinco etapas: hospedar o cliente, liberar a expressão, restaurar o diálogo, reconstruir a história pes- soal e buscar a história humana, passando pelo território do sagrado. Para a autora, nesta última e importante eta- pa do processo , o cliente toca em temas que pertencem à dimensão do humano, não só à história pessoal. Hycner (1993) afirma que a busca de autoconhecimento através da psicoterapia abre as portas para que questões últimas e de sentido da vida sejam integradas. Este autor sugere ser possível ampliar o processo psicoterapêutico para se reconhecer o sagrado na vida, promovendo uma integra- ção pessoa-mundo como forma do existir. Segundo Ribeiro (2009, p. 16) muitos dos problemas humanos, materiais ou não, passam pelo seu desconheci- mento de pertencer a um todo maior. Esta separatividade experienciada em relação ao mundo é promotora do so- frimento psíquico, uma vez que deixa a pessoa com um vazio de sentido e uma sensação de isolamento e desam- paro. Ribeiro (2009) também afirma que muitos dos pro- blemas presentes nos consultórios indicam “uma procu- ra velada pelo espiritual” (p. 16), e que cabe ao terapeuta perceber esta necessidade, oculta nas queixas e sintomas do cliente. O terapeuta não precisa ser um praticante, mas estar presente para perceber quando a queixa do cliente representa uma possível e até provável busca do sagrado. O autor também descreve instrumentos da espiritualida- de que o terapeuta pode usar com seus clientes: oração e meditação, dentre outros.
A r t i g o
-^
R e v i s ã o
C r í t i c a
d e
L i t e r a t u r a
Aline F. C. & Jorge P. R.
Autor/ano Objetivo Método / Participantes Resultados Henning- Geronasso e Moré (2015)
Caracterizar as ações dos profissionais de Psicologia em relação à espiritualidade e religiosidade no contexto terapêutico.
Pesquisa qualitativa. Entrevista semi-estruturada com dez psicólogos clínicos.
Participantes utilizavam estratégias terapêuticas para trabalhar conteúdo espiritual, e a espritualidade/ religiosidade dos clientes podiam tornar-se recursos clínicos. Enfatizaram a importância da formação. Hoffman e Wallace (2011)
Investigar o papel da espiritualidade e da religiosidade na prática psicoterapêutica, e a influência da orientação teórica do terapeuta.
Pesquisa quantitativa e qualitativa com psicoterapeutas de diversas abordagens. Pesquisa principal com 895 questionários respondidos.
Participantes sugeriram que a espiritualidade é importante para psicoterapeutas, e relevante para suas práticas. Terapeutas de abordagens humanistas dão mais importância ao tema que os da tcc ou psicanálise. Pargament et al. (2014)
Explorar momentos sagrados na relação terapeuta-cliente.
Duas pesquisas quantitativas, com questionários, avaliaram momentos sagrados na perspectiva de 58 provedores de saúde, e na perspectiva de 519 pacientes.
A espiritualidade manifesta-se através de momentos terapêuticos considerados como sagrados por clientes e terapeutas. Momentos sagrados podem promover resiliência, saúde mental e bem-estar de clientes e provedores. Post e Wade (2009)
Compreender as implicações clínicas de estudos empíricos sobre religião e espiritualidade em psicoterapia, descrevendo como e quando usar.
Revisão de pesquisas sobre religião e espiritualidade em psicoterapia, de 2007 a
Terapeutas estão abertos ao tema da espiritualidade, e os clientes querem discutir essas questões em terapia. As intervenções religiosas e espirituais podem ser um elemento adjunto eficaz às intervenções tradicionais.
Vandenberghe et al. (2014)
Descrever as interfaces do trablah clínico com a religião e espiritualidade.
Pesquisa qualitativa através de entrevistas não estruturadas com vinte e sete psicoterapeutas.
Terapeutas usavam a religião e a espiritualdade do cliente como apoio à terapia, e respeitavam suas crenças. A espiritualidade do terapeuta promovia sua capacidade para fazer intervençoes e lidar com situações clínicas.
5. recursos e métodos utilizados pelo psicoterapeuta com seus clientes
5.1 Estratégias clínicas
Devido à prevalência de clientes que se dizem espiri- tuais e religiosos, terapeutas necessitam desenvolver com- petências nessa área. Precisam de ter consciência dos seus próprios valores espirituais e buscar conhecer as crenças dos clientes, além de desenvolver habilidades para traba- lhar com elas (Hook et al., 2012; Vandenberghe, 2014). Em uma revisão de literatura acerca da relação entre espiritu- alidade, religiosidade e psicoterapia, Post e Wade (2009) sugeriram que terapeutas devem avaliar as necessidades e opiniões dos clientes sobre o tema, e sempre pedir seu consentimento antes de usar intervenções espirituais, co- mo orar durante a sessão. O terapeuta não deve assumir que clientes religiosos ou espirituais vão estar abertos pa- ra qualquer intervenção deste cunho, e podem pedir aos clientes que avaliem a relação entre suas queixas clínicas e suas vivências espirituais. Os autores também postu- laram que clientes preferem trazer gradualmente o tema da espiritualidade à terapia, na medida em que passam a confiar na abertura do terapeuta. Hook et al. (2013) descreveram modos como um tera- peuta pode integrar a espiritualidade ao processo de acon- selhamento. Sugeriram que o terapeuta deve permitir ao cliente falar sobre suas crenças e dar sentido às próprias experiências espirituais, para então alinhar o tratamento aos valores do cliente, e usar suas crenças e atividades es- pirituais como soluções para problemas clínicos. Segundo Post e Wade (2009), a eficácia de intervenções religiosas e espirituais depende mais de serem congruentes com os compromissos religiosos dos clientes do que à possibili- dade de cliente e terapeuta compartilharem as mesmas
crenças religiosas. Portanto, terapeutas de orientação se- cular também podem praticar intervenções espirituais, se isso for ajudar o cliente. Barnett (2016) sugere que o terapeuta, além de co- nhecer, deve respeitar as crenças espirituais e religiosas dos clientes, sendo que isso favorece sua adesão à terapia (Peres et al. 2007). Em uma pesquisa qualitativa com dez psicólogos clínicos de abordagens diferentes, Henning- Geronasso & Moré (2015) descreveram algumas estraté- gias empreendidas por psicoterapeutas para lidarem com a espiritualidade do cliente. Segundo eles, o terapeuta de- ve acolher e respeitar as crenças dos clientes, sem tentar confrontá-los ou convertê-los. Ao mesmo tempo, pode buscar flexibilizar a forma como o cliente lida com suas crenças religiosas, quando estas podem estar contribuindo para a manutenção do sintoma, por exemplo, aumentan- do seu sentimento de culpa. Neste caso, o terapeuta de- ve manter-se neutro em relação à crença religiosa, ques- tionando apenas o uso (ou mau uso) que o cliente faz da mesma. Brown et al. (2013) também descreveram quan- do as crenças espirituais dos clientes podem agir como barreiras ao seu crescimento, por exemplo, quando estes mantêm-se cegamente obedientes, ou usam seus dogmas para justificar comportamentos disfuncionais, como ma- tar, e passividade diante de situações difíceis. Enfim, terapeutas podem incentivar clientes a expres- sarem seus conteúdos espirituais, fazendo uso terapêuti- co dos mesmos. Henning-Geronasso e Moré (2015) suge- riram que terapeutas podem utilizar métodos, como por exemplo os projetivos, para incentivarem clientes a ex- pressarem seus viéses religiosos. Ressaltam, porém, que terapeutas devem procurar conhecer as diversas formas de espiritualidade e trabalhar esses temas baseando-se em teorias e técnicas profissionais, e não em conceitos pes- soais ou dogmas religiosos. Os autores ainda pontuaram
A r t i g o
-^
R e v i s ã o
C r í t i c a
d e
L i t e r a t u r a
Psicoterapia e Espiritualidade: da Gestalt-Terapia à Pesquisa Contemporânea
que o terapeuta pode ajudar o cliente a perceber e valo- rizar o papel da espiritualidade em suas vidas, quando eles mesmos trazem o assunto à tona.
5.2 Psicoterapias adaptadas à fé
Uma forma de incluir a espiritualidade em terapia são as psicoterapias adaptadas à fé. Estas mantêm os compo- nentes básicos das abordagens seculares, e fazem modi- ficações para acomodar espiritualidade e religiosidade (Hook et al. 2013). Em uma revisão sistemática e meta- nálise, Anderson et al. (2015) tentaram estabelecer se a terapia comportamental cognitiva (tcc) adaptada à fé seria mais eficaz que a tcc padrão, ou grupos de controle, para tratar pacientes com depressão e ansiedade. Os métodos utilizados para integrar a fé aos tratamentos tradicionais foram uma combinação de discussão de ensinamentos religiosos e das escrituras para contestar crenças irracio- nais ou dar suporte para mudança cognitiva ou compor- tamental; utilizar estratégias de enfrentamento religioso, como ensinamentos das escrituras para lidar com senti- mentos como medo, culpa, vergonha, desespero, raiva; promoção de sistemas de crenças e valores que trazem ajuda, ou o uso de valores compartilhados para fortalecer a relação terapêutica; incorporar práticas religiosas como a oração. A pesquisa sugeriu que a tcc adaptada à fé pode ser eficaz no tratamento de depressão e ansiedade, com alguma sugestão de que pode ser superior ao tratamento padrão para depressão. Os autores não puderam, entre- tanto, fazer afirmações categóricas sobre a superioridade quanto a tratamentos padrão, por conta de dificuldades metodológicas. Ainda não é possível, portanto, generalizar a superio- ridade de tratamentos adaptados à espiritualidade e reli- giosidade em relação aos tradicionais. Hook et al. (2012) afirmaram, entretanto, que os primeiros possibilitam ao cliente benefícios ligados à espiritualidade, por exemplo, bem-estar espiritual e melhora da relação com Deus, que não são enfatizados pelos tratamentos seculares. Sendo assim, sugeriram que para as pessoas que valorizam os resultados espirituais, os tratamentos adaptados à fé po- dem ser preferidos.
5.3 Abordagens da psicologia
Alguns estudos indicaram que as abordagens de psi- cologia adotadas pelos terapeutas podem facilitar ou di- ficultar a evocação de temas espirituais na clínica. A pes- quisa de Hoffmann e Wallace (2011) demonstrou que te- rapeutas de linhas integrativas e humanistas (Abordagem Centrada na Pessoa e Gestalt-terapia) consideram os temas religiosos e espirituais mais importantes à prática clínica e ao treinamento que terapeutas de linhas psicanalíticas e cognitivo-comportamentais padrão, embora tenham
encontrado mais comunalidades que diferenças. Já o es- tudo de Brown et al. (2013) indicou que abordagens co- mo a centrada na pessoa e a terapia narrativa facilitam a inclusão da espiritualidade e religiosidade na clínica. A empatia, um dos elementos essenciais da clínica humanística, significa “atitude de compreender o outro pelo ponto de vista da própria pessoa” (Tassinari e Du- range, 2014, p. 54). O terapeuta, através de sua prática de escutar atentamente o cliente e entrar em seu mun- do, aumenta sua compreensão empática, a ponto desta tornar-se uma experiência de consciência ampliada, se- melhante ao conceito compaixão descrito pelo budismo. Sendo assim, a empatia, atitude muito vinculada às abor- dagens humanistas, pode firmar-se como um recurso pa- ra acolhimento da espiritualidade.
5.4 Instrumentos e recursos espirituais
Alguns estudos descreveram instrumentos da espiri- tualidade utilizados em psicoterapia, aplicados em sua forma original ou adaptados como métodos seculares. Henning-Geronasso e Moré (2015), por exemplo, descre- veram o uso clínico de metáforas e parábolas, relativas às crenças espirituais de seus clientes. A pesquisa de Brown et al. (2013) descreveu que sete dos quinze terapeutas par- ticipantes faziam uso explícito de instrumentos espirituais como orar e discutir escrituras com clientes nas sessões. Quase todos reportaram trabalhar o tema implicitamente, discutindo os conceitos e crenças em terapia, mas sem se envolverem em práticas religiosas nas sessões. Um estudo de Gonçalves, Lucchetti, Menezes & Valla- da (2015) analisou os impactos da utilização de instru- mentos religiosos e espirituais (RSIs) à saúde mental de pessoas saudáveis e com transtornos. Tratou-se de uma revisão sistemática e metanálise que avaliou atividades como a psicoterapia, meditação, serviços pastorais e re- cursos audiovisuais que exploram temas como valores morais, crença em um poder superior, enfrentamento e transcendência. Resultados indicaram uma redução sig- nificante de níveis de ansiedade e uma tendência a me- lhora na depressão com o uso desses recursos, sendo que a prática da meditação e a psicoterapia favoreciam a re- dução de sintomas de ansiedade, e a psicoterapia e apli- cação de recursos visuais tendiam a melhorar de quadros de depressão. Outros estudos corroboram com o uso de recursos espirituais em psicoterapia: oração, ensino de meditação mindfulness, e discutir temas religiosos (Post & Wade, 2009); prece, contemplação, meditação (Peres et al., 2007); oração, meditação, apoio para busca de suporte na comu- nidade (Barnett, 2016). Para que as técnicas tragam bons resultados, o terapeuta não precisa ser religioso nem espi- ritual, mas deve acessar quais são as necessidades espiritu- ais e religiosas dos clientes, respeitar suas crenças, pedir- -lhes premissão para usar os recursos, e ser bem treinado
A r t i g o
-^
R e v i s ã o
C r í t i c a
d e
L i t e r a t u r a
Psicoterapia e Espiritualidade: da Gestalt-Terapia à Pesquisa Contemporânea
A maioria dos trabalhos examinados indicaram que, durante sua formação, psicólogos têm pouco contato com temas da religiosidade e espiritualidade, e muito menos com o aprendizado de suas pontes com a clínica. Na pes- quisa de Henning-Geronaso e Moré (2015), por exemplo, alguns participantes expressaram que o aprendizado sobre religião e espritualidade na formação de psicólogos é escas- so ou impreciso. Só algumas disciplinas contemplam esse conteúdo, de forma superficial. Outros participantes ainda colocaram que não tiveram nenhum contato com o tema em toda sua formação. Muitos também aprenderam a associar a religião e espiritualidade à patologia. Portanto, torna-se im- portante que psicólogos busquem treinamento, educação e supervisão nesta área da prática clínica (Hook et al., 2012).
Considerações finais
Desde sua fundação a Gestalt apresenta o holismo co- mo um de seus conceitos básicos, enfatizando a visão de ser humano como um todo que inclui várias partes (Perls, 1973). Autores da Gestalt-terapia foram pioneiros em des- crever a espiritualidade como uma das dimensões desta totalidade humana (Ginger & Ginger, 1995) e em ressaltar sua conexão e importância à psicoterapia (Hycner, 1993; Naranjo, 1990; Ribeiro, 2009). Muitos desses temas dis- cutidos por gestaltistas fazem-se presentes em pesquisas atuais no campo geral da psicologia: a espiritualidade, por exemplo, é apresentada como um tópico relevante para clientes e também para terapeutas, e que não deve ser deixado de fora em um processo psicoterapêutico. Autores gestálticos (Hycner, 1993; Juliano, 1999) já descreviam a importância de momentos sagrados em psi- coterapia como fatores de cura, fator pesquisado e reco- nhecido em pesquisas atuais. Gestaltistas indicaram ha- bilidades e atitudes do terapeuta, como a empatia, pre- sença, não-julgamento e capacidade de abordar respeito- samente as crenças dos clientes (Hycner, 1993), mesmo quando não estão em consonância com as suas, assim como em trabalhos estudados. Por fim, gestaltistas fazem uso de diversos recursos terapêuticos, como a meditação (Naranjo, 1990) e oração (Ribeiro, 2009), também adota- dos por abordagens que incorporaram a espiritualidade. Esses estudos atuais são importantes para validar esses recursos ligados à espiritualidade e promover uma maior aceitação dos mesmos. E os resultados enfatizam um cres- cente reconhecimento de que a dimensão espiritual pode e deve fazer parte de um trabalho psicoterapêutico, não só para a abordagem gestáltica. Os estudos revisados no presente artigo descreveram métodos, participantes, intervenções e definições de es- piritualidade diferentes. Quase todos sugeriram que uma abertura ao tema pode trazer benefícios à clínica, enfati- zando questões éticas e a importância do treinamento de terapeutas. As pesquisas também indicaram que o terapeu- ta, além de dever conhecer e confirmar as crenças de seus clientes, para usá-las em benefício do processo de terapia, precisa às vezes questioná-las, sempre respeitosamente.
Discutiram ainda que algumas abordagens teóricas, como as humanistas, apresentam-se mais favoráveis a esta incor- poração de dimensão espiritual, embora atualmente, atra- vés dos resultados das pesquisas e experiências clínicas, escolas como a terapia cognitivo-comportamental estão se abrindo para a espiritualidade em psicoterapia. Um outro ponto estudado foi que a prática pessoal do psicoterapeuta com a espiritualidade pode ajudá-lo a estar mais disponível à discussão desses temas com seu cliente e a desenvolver habilidades essenciais à clínica, como a resiliência, pre- sença, compaixão e autoconsciência. Um aspecto relevante advindo das pesquisas é a ne- cessidade de treinamento de psicoterapeutas para estarem preparados para lidar com o tema da espiritualidade. Mui- tos terapeutas não sabem como compreender seus clien- tes quando estes trazem suas experiências espirituais, nem reconhecer o sagrado quando este se manifesta na relação terapêutica. Esta qustão do treinamento também toca em questões éticas, pois psicoterapeutas não treina- dos podem prejudicar seus clientes quando não reconhe- cem a validade de suas vivências espirituais, assim como quando tentam impor seus valores seculares aos mesmos. As pesquisas sobre o tema da espiritualidade em psi- coterapia têm demonstrado resultados favoráveis à inte- gração das mesmas, porém, ainda há problemas metodo- lógicos a serem resolvidos, como a multiplicidade de de- fnições do espiritual e de critérios de sucesso na clínica. Nos últimos vinte anos tem havido um crescimento de pesquisas internacionais e um chamado para colabora- ção mundial em novos trabalhos sobre espiritualidade (Richards, Sanders, Lea, McBride & Allen, 2015), indican- do a necessidade de validar sua contribuição à clínica e de reduzir as dificuldades com a metodologia. Esta convocação serve como incentivo para que pes- quisadores desenvolvam trabalhos, especialmente no Bra- sil, onde ainda há uma acentuada escassez de produções. Pois, apesar do crescente número de artigos relevantes sobre o tema em publicações internacionais, poucos, en- tretanto, foram encontrados em periódicos brasileiros. Há também uma escassez de trabalhos de Gestalt-terapia so- bre espiritualidade na clínica. Sugerimos, portanto, que em futuros estudos desenvolvam-se pesquisas empíricas sobre espiritualidade e Gestalt-terapia no Brasil, incluin- do ainda, nas revisões de literatura, uma maior presença de livros e trabalhos acadêmicos.
referências
Anderson, N., Heywood-Everett, S., Siddiqi, N., Wright, J., Meredith, J. & McMillan, D. (2015). Faith-adapted psycho- logical therapies for depression and anxiety: Systematic re- view and meta-analysis. Journal of Affective Disorders, 176 , 183-196. doi: 10.1016/j.jad.2015.01.019.
Barnett, J. E. (2016). Are Religion and Spirituality of Relevance in Psychotherapy? Spirituality in Clinical Practice, 3 (1), 5-9. http://dx.doi.org/10.1037/scp0000093.
A r t i g o
-^
R e v i s ã o
C r í t i c a
d e
L i t e r a t u r a
Aline F. C. & Jorge P. R.
Barnett, J. E. & Johnson, W. B. (2011). Integrating Spiri- tuality and Religion Into Psychotherapy: Persistent Dilemmas, Ethical Issues, and a Proposed Decision- -Making Process. Ethics & Behavior, 21 (2), 147–164. doi: 10.1080/10508422.2011.551471.
Bonelli, R. M. & Koenig, H. G. (2013). Mental Disorders, Reli- gion and Spirituality 1990 to 2010: A Systematic Evidence- -Based Review. Journal of Religious Health, 52 , 657-673. doi: 10.1007/s10943-013-9691-4.
Brown, O., Elkonin, D. & Naicker, S. (2013). The Use of Religion and Spirituality in Psychotherapy: Enablers and Barriers. Journal of Religious Health, 52 , 1131-1146. doi: 10.1007/ s10943-011-9551-z.
Gonçalves, J. P. B., Lucchetti, G., Menezes, P. R. & Vallada, H. (2015). Religious and spiritual interventions in mental he- alth care: a systematic review and meta-analysis of rando- mized controlled clinical trials. Psychological Medicine, 45 , 2937–2949. doi:10.1017/S0033291715001166.
Gill, M., Waltz, J., Suhrbier, P. & Robert, L. (2015). Non-duality and the Integration of Mindfulness into Psychotherapy: Qua- litative Research with Meditating Therapists. Mindfulness, 6 , 708–722. doi: 10.1007/s12671-014-0310-6.
Ginger, S. & Ginger, A. (1995). Gestalt: uma Terapia do Contato. São Paulo: Summus.
Henning-Geronasso, M. C. & Moré, C. L. O. O. (2015). Influên- cia da Religiosidade/Espiritualidade no Contexto Psicotera- pêutico. Psicologia, Ciência e Profissão, 35 (3), 711-725. doi: 10.1590/1982-3703000942014.
Hofmann, L. & Walach, H. (2011). Spirituality and religiosity in psychotherapy - A representative survey among German psychotherapists. Psychotherapy Research, 21 (2), 179-192. doi: 10.1080/10503307.2010.536595.
Hook, J. N., Worthington Jr., E. L. & Davis, D. E. (2012). Reli- gion and Spirituality in Counseling. In N. A. Fouad (Ed.), APA Handbook of Counseling Psychology: Vol. 2. Prac- tice, Interventions, and Applications (p. 417-432). doi: 10.1037/13755-017.
Hycner, R. (1993). Between Person and Person. New York: The Gestalt Journal Press.
Ingersoll, R. E. (2005). Gestalt Therapy and Spirituality. Em A. L. Woldt. & S. M. Toman. (Eds.), Gestalt Therapy: His- tory, Theory and Practice (p. 133-150). Thousand Oaks, Ca- lifornia: Sage.
Juliano, J. C. (1999). A arte de restaurar histórias. São Paulo: Summus.
Lomax, J. W., Kripal, J. J. & Pargament, K. I. (2011). Perspectives on “Sacred Moments” in Psychotherapy. American Journal of Psychiatry, 168 (1), 12-18. http://dx.doi.org/10.1176/appi. ajp. 2010.10050739.
Menezes, C. B. & Bizarro, L. (2015). Effects of a Brief Medita- tion Training on Negative Affect, Trait Anxiety and Con- centrated Attention. Paideia, 25 (62), 393-401. http://dx.doi. org/10.1590/1982-43272562201513.
Naranjo, C. (1990). How to be. New York: St. Martin’s Press.
Panzini, R. G, Rocha, N. S. Da, Bandeira, D. R. & Fleck, M. P de A. (2007). Qualidade de vida e espiritualidade. Revista de psiquiatria clínica, 34 (1), 105-115. Recuperado de http:// www.scielo.br/pdf/rpc/v34s1/a14v34s1.pdf.
Pargament, K. I., Lomax, J. W., McGee, J. S. & Fang, Q. (2014). Sacred Moments in Psychotherapy from the Perspectives of Mental Health Providers and Clients: Prevalence, Predictors, and Consequences. Spirituality in Clinical Practice, Ameri- can Psychological Association, 1 (4), 248-262. http://dx.doi. org/10.1037/scp0000043.
Peres, J. F. P., Simão, M. J. P. & Nasello, A. G. (2007). Espiritu- alidade, religiosidade e psicoterapia. Archives of Clinical Psychiatry, 34 (1), 136-145. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-
Perls, F. (1973). The Gestalt Approach & Eye Witness to Therapy. U.S.A.: Science and Behavior Books.
Pinto, Ê. B. (2009). Espiritualidade e Religiosidade: Articula- ções. Revista de Estudos da Religião, Dezembro , 68-83. Recu- perado de http://www.pucsp.br/rever/rv4_2009/t_brito.pdf.
Ribeiro, J. P. (2009). Holismo, Ecologia e Espiritualidade. São Paulo: Summus.
Richards, P. S., Sanders, P. W., Lea, T., McBride, J. A. & Allen, G. E. K. (2015). Bringing Spiritually Oriented Psychothera- pies Into the Health Care Mainstream: A Call for Worldwide Collaboration. Spirituality in Clinical Practice, 2 (3), 169-179. http://dx.doi.org/10.1037/scp0000082.
Tassinari, M. A. & Durange, W. T. (2014). Experiência Empática: da Neurociência à Espiritualidade. Revista da Abordagem Gestáltica - Phenomenological Studies XX (1), 53-11. Retira- do de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_artte xt&pid=S1809-6867201400010000.
Vandenberghe, L., Costa Prado, P. & De Camargo, E. A. (2012). Spirituality and Religion in Psychotherapy: Views of Brazi- lian Psychotherapists. International Perspectives in Psycho- logy: Research, Practice, Consultation, 1 (2), 79-93. doi: 10.1037/a0028656.
Aline Ferreira - Doutoranda em Psicologia Clínica e Cultura pela Uni- versidade de Brasília. E-mail: afcampos1404@gmail.com
Jorge Ponciano ribeiro - Possui graduação em Filosofia Pura - Semi- nário Provincial de Diamantina (1955), graduação em Teologia - Semi- nário Provincial de Diamantina (1959), mestrado em Psicologia - Pon- teficia Università Salesiana (1972) e doutorado em Psicologia Clíncia
Recebido em 29.06. Primeira Decisão Editorial em 20.10. Aceito em 31.01.