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Deveres de Proteção Ambiental em um Estado Democrático: Análise do Direito Ambiental BR, Esquemas de Direito Ambiental

Uma análise geral dos deveres de proteção estatal em matéria ambiental no contexto de um estado democrático, social e ecológico de direito. O texto aborda a constitucionalização do direito ambiental no brasil, os deveres de proteção ambiental do estado-juiz e a governança judicial ecológica. Além disso, discute a importância da responsabilização do poluidor e a consagração do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental.

O que você vai aprender

  • Quais são os princípios e regras estabelecidos na Constituição Federal de 1988 em matéria de tutela ambiental?
  • Como o Estado-Juiz desempenha um papel na proteção ambiental no Brasil?
  • Qual é a importância da responsabilização do poluidor no direito ambiental brasileiro?
  • Quais são os deveres de proteção ambiental do Estado no Brasil?
  • Como a Constituição Federal de 1988 influenciou a proteção ambiental no Brasil?

Tipologia: Esquemas

2020

Compartilhado em 25/03/2020

fabio-raimundo-de-assis-9
fabio-raimundo-de-assis-9 🇧🇷

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Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional.
Curitiba, 2019, vol. 11, n. 20, p. 42-110, jan-jul, 2019.
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O DIREITO CONSTITUCIONAL-AMBIENTAL BRASILEIRO E
A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA
JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O DIREITO CONSTITUCIONAL-AMBIENTAL BRASILEIRO E A
GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA
JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
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THE BRAZILIAN CONSTITUTIONAL-ENVIRONMENTAL LAW AND
THE ECOLOGICAL JUDICIAL GOVERNANCE: A STUDY UNDER THE
JURISPRUDENCE OF THE SUPREME COURT OF JUSTICE AND THE
FEDERAL SUPREME COURT
Ingo Wolfgang Sarlet
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Tiago Fensterseifer
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Trabalho submetido em 26/08/2019 e comunicação aprovada em 27/09/2019.
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Doutor em Direito pela Universidade de Munique. Estudos em Nível de Pós-Doutorado nas
Universidades de Munique (bolsista DAAD), Georgetown e junto ao Instituto Max-Planck de
Direito Social Estrangeiro e Internacional (Munique), como bolsista do Instituto, onde também atua
como representante brasileiro e correspondente científico. Pesquisador visitante na Harvard Law
School (2008). Professor Visitante (bolsista do Programa Erasmus Mundus) da Universidade
Católica Portuguesa (Lisboa, 2009) e Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2012);
Pesquisador Visitante como bolsista do STIAS-Stellenbosch Institute for Advanced Studies, África
do Sul (2011). Pesquisador Visitante (como bolsista) do Instituto Max-Planck de Direito Privado
Estrangeiro e Internacional de Hamburgo (2017) e em 2018 com recursos do DAAD. Coordenador
do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/RS. Professor Titular nos cursos de Graduação,
Mestrado e Doutorado da PUC/RS e Professor de Direito Constitucional da Escola Superior da
Magistratura do RS (AJURIS). Autor, entre outras, das obras: A Eficácia dos Direitos
Fundamentais (13 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018), Dignidade da Pessoa Humana e
Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988 (10ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2015) e Curso de Direito Constitucional (8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019), esta última
em coautoria com Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. E-mail: iwsarlet@gmail.com.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2494-5805.
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Doutor e Mestre em Direito Público pela PUC/RS (Ex-Bolsista do CNPq), com pesquisa de
doutorado-sanduíche junto ao Instituto Max-Planck de Direito Social e Política Social (MPISOC)
de Munique, na Alemanha (Bolsista da CAPES), atualmente realizando estudos em nível de pós-
doutorado na mesma instituição (2018-2019). Associado do Instituto O Direito por um Planeta
Verde e da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB). Membro do
Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Direitos Fundamentais da PUC/RS (CNPq). Autor das obras
Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008),
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Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. 42 A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL O DIREITO CONSTITUCIONAL-AMBIENTAL BRASILEIRO E A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL^1 THE BRAZILIAN CONSTITUTIONAL-ENVIRONMENTAL LAW AND THE ECOLOGICAL JUDICIAL GOVERNANCE: A STUDY UNDER THE JURISPRUDENCE OF THE SUPREME COURT OF JUSTICE AND THE FEDERAL SUPREME COURT Ingo Wolfgang Sarlet^2 Tiago Fensterseifer^3 (^1) Trabalho submetido em 26/08/2019 e comunicação aprovada em 27/09/2019. (^2) Doutor em Direito pela Universidade de Munique. Estudos em Nível de Pós-Doutorado nas Universidades de Munique (bolsista DAAD), Georgetown e junto ao Instituto Max-Planck de Direito Social Estrangeiro e Internacional (Munique), como bolsista do Instituto, onde também atua como representante brasileiro e correspondente científico. Pesquisador visitante na Harvard Law School (2008). Professor Visitante (bolsista do Programa Erasmus Mundus ) da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa, 2009) e Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2012); Pesquisador Visitante como bolsista do STIAS-Stellenbosch Institute for Advanced Studies, África do Sul (2011). Pesquisador Visitante (como bolsista) do Instituto Max-Planck de Direito Privado Estrangeiro e Internacional de Hamburgo (2017) e em 2018 com recursos do DAAD. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC/RS. Professor Titular nos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da PUC/RS e Professor de Direito Constitucional da Escola Superior da Magistratura do RS (AJURIS). Autor, entre outras, das obras: A Eficácia dos Direitos Fundamentais (13 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018), Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988 (10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015) e Curso de Direito Constitucional (8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019), esta última em coautoria com Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. E-mail: iwsarlet@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000- 0002 - 2494 - 5805. (^3) Doutor e Mestre em Direito Público pela PUC/RS (Ex-Bolsista do CNPq), com pesquisa de doutorado-sanduíche junto ao Instituto Max-Planck de Direito Social e Política Social (MPISOC) de Munique, na Alemanha (Bolsista da CAPES), atualmente realizando estudos em nível de pós- doutorado na mesma instituição (2018-2019). Associado do Instituto O Direito por um Planeta Verde e da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB). Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Direitos Fundamentais da PUC/RS (CNPq). Autor das obras Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008),

A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. 43 RESUMO: A “constitucionalização” da tutela ecológica consagrada pela Constituição Federal brasileira de 1988 (art. 225) conferiu centralidade aos valores e direitos ecológicos no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. A consagração do objetivo e dos deveres de proteção ambiental a cargo do Estado brasileiro (em todos as esferas federativas) estabelece, de tal sorte, a expressa vinculação de todos os poderes estatais (Legislativo, Executivo e Judiciário) a agir de acordo com tal parâmetro e diretriz normativa, inclusive à luz de um novo modelo de Estado de Direito de feição ecológica (Estado Democrático, Social e Ecológico). Igualmente, a atribuição do status jurídico-constitucional de direito fundamental ao direito ao ambiente ecologicamente equilibrado coloca os valores ecológicos no “coração” do nosso Sistema Jurídico, influenciado todos os ramos jurídicos e a ponto de limitar outros direitos (fundamentais ou não). Diante desse cenário normativo, o Poder Judiciário brasileiro tem assumido cada vez mais importante papel de protagonismo na salvaguarda do regime jurídico ecológico (constitucional e infraconstitucional), exercendo o que se tem denominado de governança judicial ecológica. O presente estudo busca justamente analisar tal atuação do Poder Judiciário nos limites de sua competência funcional e à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, considerando não apenas o papel que tem assumido, mas também no sentido de reforçar tal posição em face das práticas tanto privadas quanto publicas degradadoras da Natureza, nas múltiplas dimensões normativas de proteção do ambiente (institucional, organizacional e procedimental) e como forma de assegurar a sua efetividade e eficácia. PALAVRAS-CHAVE: direito fundamental ao meio ambiente; deveres estatais de proteção ecológica; Poder Judiciário; governança judicial ecológica. ABSTRACT: The "constitutionalisation" of the ecological protection enshrined in the Brazilian Federal Constitution of 1988 (art. 225) gave centrality to ecological values and rights within the scope of the Brazilian legal system. The consecration of the objective and duties of environmental protection by the Brazilian State (in all Defensoria Pública, Direitos Fundamentais e Ação Civil Pública (São Paulo: Saraiva, 2015) e Defensoria Pública na Constituição Federal (Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2017); coautor, juntamente com Ingo Wolfgang Sarlet, das obras Direito Constitucional Ambiental (6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, no prelo), Direito Ambiental: Introdução, Fundamentos e Teoria Geral (São Paulo: Saraiva, 2014), obra finalista do Premio Jabuti na Categoria Direito em 2015, e Princípios do Direito Ambiental (2.ed. São Paulo: Saraiva, 2017); coautor, juntamente com Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Affonso Leme Machado da obra Constituição e Legislação Ambiental Comentadas (São Paulo: Saraiva, 2015); e organizador, juntamente com Carlos A. Molinaro, Fernanda L. F. de Medeiros e Ingo W. Sarlet, da obra A Dignidade da Vida e os Direitos Fundamentais para Além dos Humanos: uma Discussão Necessária (Belo Horizonte: Fórum, 2008). Defensor Público do Estado de São Paulo. E-mail: tiagofens@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000- 0002 - 3454 - 0692

A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. 45 matéria ambiental: o protagonismo do STF na abertura democrática do Sistema de Justiça; (^) 5.2.4. O caso do amicus curiae (“amigo da Corte”) nas ações ambientais e a ampliação do instituto trazida pelo Novo Código de Processo Civil de 2015; (^) 6. Considerações finais: o Poder Judiciário como guardião do futuro da vida humana e não-humana no Planeta Terra; (^) 7. Referências.

1. INTRODUÇÃO As leis humanas têm de ser reformuladas para que as atividades humanas continuem em harmonia com as leis imutáveis e universais da Natureza. (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991). A “constitucionalização” da agenda da proteção do ambiente pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (art. 225) conferiu centralidade aos valores, princípios e direitos ecológicos no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. A consagração do objetivo e dos deveres de proteção ambiental do Estado brasileiro (em todos as esferas federativas) estabelece, de tal sorte, a expressa vinculação de todos os poderes estatais (Legislativo, Executivo e Judiciário) no sentido de agir de acordo com tal diretriz normativa, inclusive à luz de um novo modelo de Estado de Direito de feição ecológica (Estado Democrático, Social e Ecológico de Direito). Igualmente, a atribuição do status jurídico- constitucional de direito fundamental ao direito ao ambiente ecologicamente equilibrado coloca os valores ecológicos no “coração” do nosso sistema jurídico, influenciando todos os ramos do ordenamento jurídico, inclusive de modo a limitar outros direitos e/ou princípios, interesses e bens jurídicos, fundamentais ou não. Considerando tal marco normativo, o Poder Judiciário brasileiro tem assumido cada vez mais importante papel de protagonismo na salvaguarda do regime jurídico ecológico (constitucional e infraconstitucional) nacional, exercendo inclusive – embora de modo não incontroverso quanto a sua extensão e, em especial, nível de intervenção da esfera dos demais atores estatais - o que se tem denominado de

Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. 46 A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL governança judicial ecológica. O presente estudo busca justamente, centrando-se na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF, analisar tal atuação do Poder Judiciário, identificando e apresentando os seus principais elementos e mecanismos, em especial no que diz com as dimensões institucional, organizacional e procedimental que se revelam como essenciais para a efetividade do projeto normativo jurídico-constitucional e, em suma, à realização concreta do Estado Democrático, Social e Ecológico de Direito no Brasil. Nesse sentido, a hipótese que aqui se enuncia, é a de que a despeito da necessidade de alguns ajustes que dizem respeito à fundamentação e alcance das decisões, bem como ao nível de intervenção em relação as esferas executiva e legislativa, em termos gerais os Tribunais Superiores têm exercido o que se pode designar de uma espécie de governança ecológica e que, ademais disso, se tem revelado relativamente eficaz quanto ao seu intento de tornar efetivos os seus deveres de proteção (e mesmo promoção) na seara ecológica. Para que, ao final, se possa confirmar – ou não – a hipótese, será percorrido o seguinte caminho: num primeiro momento, será apresentado, em linhas gerais, o processo de constitucionalização do direito ambiental no Brasil desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 (2); na sequencia, serão tecidas considerações basilares sobre os deveres de proteção estatal em matéria ambiental no contexto de um Estado Democrático, Social e Ecológico de Direito (3), para seguir, de modo mais focado, com uma análise dos deveres de proteção ambiental do Estado-Juiz e a governança judicial ecológica (4), passando então, no último capítulo, a tratar da governança judicial ecológica na jurisprudência brasileira (5), encerrando com algumas considerações finais (6).

Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. 48 A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Estocolmo sobre o “Meio Ambiente Humano” (1972), esta última realizada no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), o Direito Ambiental evoluiu significativamente ao longo dos tempos até alcançar o “estado da arte” contemporâneo como ocorre, por exemplo, em relação a recente discussão envolvendo o reconhecimento de valor intrínseco (ou dignidade ) e direitos em favor dos animais não-humanos e a Natureza em si. Com base nas primeiras legislações ambientais nacionais e internacionais, tanto a doutrina quanto a jurisprudência encarregaram-se de proporcionar o desenvolvimento e sofisticação da matéria, inclusive a ponto de lhe conferir autonomia científica em face das demais disciplinas jurídicas, dada a sua originalidade e técnica peculiares, com alto grau de especialização. No Brasil, conforme trataremos à frente, o diploma normativo que sedimentou a origem do Direito Ambiental brasileiro moderno é a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), editada em 1981. A lei em questão, muito embora a existência de outros diplomas da Década de 1970 que já “ventilavam” os valores ecológicos no nosso ordenamento jurídico, tratou de sistematizar a legislação ambiental brasileira pela primeira vez, identificando seus conceitos-chave, objetivos, princípios, instrumentos etc. Uma das principais conquistas trazidas pelo nosso “Código Ambiental” (Lei 6.938/81) foi justamente reconhecer o ambiente (ou seja, os seus elementos naturais e humanos ou sociais) como um bem jurídico autônomo digno de proteção. O patrimônio ecológico (por exemplo, a qualidade, o equilíbrio e a segurança ambientais) passou a ser considerado como um fundamento em si para justificar a regulação jurídica do uso dos recursos naturais, não havendo mais necessidade de se recorrer a outros interesses e direitos (saúde pública, ordem econômica, propriedade, etc.), como se verificava de forma preponderante na legislação brasileira precedente. Além disso, com a criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) pela Lei 6.938/81, a proteção ambiental passou a ser tratada

A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. 49 como uma política pública de expressão nacional – uma verdadeira política de Estado - , estimulando-se a criação de órgãos ambientais especializados nas diversas esferas federativas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Outro exemplo paradigmático diz respeito à vinculação – até então, inexistente no plano institucional do Parquet - da atuação do Ministério Público na seara da responsabilização pelo dano ecológico (art. 14, § 1º), inclusive com a responsabilização do poluidor independentemente da existência de culpa no seu agir, ou seja, de forma objetiva.^6 Isso foi fundamental para conferir relevância à matéria e assegurar o fortalecimento da proteção jurídica do ambiente, tanto pelo prisma do Estado quanto pela perspectiva da sociedade civil brasileira em geral, a qual, alguns anos após, precisamente em 1985, teve assegurada a sua legitimidade – no caso das associações e entidades ambientalistas – para a propositura de ação civil publica para a defesa do meio ambiente por meio da Lei da Ação Civil Publica (art. 5º, IV, da Lei 7.347/85). Esse “novo” cenário legislativo e institucional também abriu, de forma significativa, as portas do Poder Judiciário brasileiro para as demandas judiciais em matéria ambiental (ainda antes da CF/1988). Após inúmeras outras legislações que seguiram o espírito normativo da Lei 6.938/81, outro grande avanço normativo foi verificado por meio da promulgação da CF/1988, que, de forma inédita, reservou capítulo específico para a proteção do ambiente no corpo do seu texto, mais precisamente no seu art. 225, consagrando um (novo) direito (e dever) fundamental ao ambiente^7 , bem como os deveres de proteção estatais, vinculando de modo concorrente o Estado-Legislador, o Estado- Administrador e o Estado-Juiz, além, é claro, da responsabilidade ambiental - civil, (^6) “Art. 14 (...) § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa , a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”. (BRASIL, 1981) (^7) A respeito da consagração do direito (e dever) fundamental ao ambiente na CF/1988, cf., entre outros, BENJAMIN, 2007, p. 57-130; FENSTERSEIFER, 2008; e SARLET, 2009, p. 48.

A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. 51 proteção ambiental a cargo do Estado brasileiro (em relação a todos os entes federativos) e, sobretudo, a atribuição do status jurídico-constitucional de direito fundamental atribuído ao direito ao ambiente ecologicamente equilibrado colocam os valores ecológicos no “coração” do nosso Sistema Jurídico, influenciado todos os ramos jurídicos, inclusive a ponto de limitar outros direitos (fundamentais ou não).^10 Lançado um breve olhar panorâmico sobre a evolução do Direito Ambiental brasileiro, vamos passar a analisar propriamente os deveres de proteção do Estado, tomando em conta sua especial vinculação na tutela e promoção do novo direito- dever fundamental a viver em um ambiente sadio e equilibrado tal como consagrado expressamente no caput do art. 225 da CF/1988, inclusive à luz de um novo modelo de Estado de Direito de feição ecológica.

3. NOTAS DE CARÁTER GERAL SOBRE OS DEVERES DE PROTEÇÃO ESTATAL EM MATÉRIA AMBIENTAL NO CONTEXTO DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO, SOCIAL E ECOLÓGICO DE DIREITO Em sintonia com a evolução no âmbito do direito constitucional comparado registrada na última quadra do Século XX, especialmente por força da influência do ordenamento internacional (onde se consolidou todo um conjunto de convenções e declarações em matéria de proteção ambiental), a CF/1988 consagrou, em capítulo próprio (art. 225), o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado como direito (e dever) fundamental da pessoa humana e estabeleceu um conjunto de princípios e regras em matéria de tutela ambiental, reconhecendo o caráter vital da qualidade (e segurança) ambiental para o desenvolvimento humano em níveis compatíveis com a sua dignidade, no sentido da garantia e promoção de um completo bem-estar (^10) Sobre a evolução histórica e fases de desenvolvimento do Direito Ambiental brasileiro, cf. SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 178-307.

Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. 52 A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL existencial. A CF/1988 (art. 225, caput , e art. 5.º, § 2.º) atribuiu ao direito ao ambiente, o status de direito fundamental do indivíduo e da coletividade, bem como consagrou a proteção ambiental como um dos objetivos ou tarefas fundamentais do Estado de Direito brasileiro. Esse novo r egime jurídico-constitucional ecológico vincula todas as dimensões do Estado, impactando, de modo particular, a atuação dos três poderes republicanos: Legislativo, Executivo e Judiciário. A ordem constitucional consagrou a dupla funcionalidade da proteção ambiental no ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, tanto sob a forma de um objetivo e tarefa estatal quanto de um direito (e dever) fundamental do indivíduo e da coletividade, implicando todo um complexo de direitos e deveres fundamentais de cunho ecológico. O Estado brasileiro, por força da norma constitucional, está, portanto, obrigado a adotar medidas – legislativas, administrativas e judiciais – atinentes à tutela ecológica, capazes de assegurar concretamente o exercício do direito fundamental em questão. Os deveres de proteção no âmbito do Estado Constitucional estão alicerçados no compromisso (político e jurídico-constitucional) assumido pelos entes estatais, por meio do pacto constitucional , no sentido de tutelar e garantir nada menos do que uma vida digna e saudável aos indivíduos e grupos sociais, o que passa pela tarefa de promover a realização dos seus direitos fundamentais, retirando possíveis óbices colocados à sua efetivação. De acordo com tal premissa, a implantação das liberdades e garantias fundamentais (direito à vida, integridade física e psíquica, livre desenvolvimento da personalidade etc.) pressupõe uma ação positiva (e não apenas negativa) dos poderes públicos, no sentido de remover os “obstáculos” de ordem econômica, social e cultural que impeçam o pleno desenvolvimento da pessoa humana (LUÑO, 2005, p. 214). Uma vez que a proteção do ambiente é alçada ao status constitucional de direito fundamental e o desfrute da qualidade ambiental passa a ser identificado como elemento indispensável ao pleno

Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. 54 A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL poluidoras do ambiente (ou seja, o exercício do poder de polícia ambiental ),^12 a criação de unidades de conservação, a criação e estruturação de órgãos públicos destinados à tutela ecológica e até mesmo campanhas públicas de educação e conscientização ambiental, além de outras medidas que objetivem a efetividade da legislação e do direito em questão. Ao lado do “direito ao ambiente”, como afirma J. J. Gomes Canotilho, situa-se um “direito à proteção do ambiente”, o qual toma forma por meio dos deveres atribuídos aos entes estatais de: a) combater os perigos (concretos) incidentes sobre o ambiente, a fim de garantir e proteger outros direitos fundamentais imbricados com o ambiente (direito à vida, à integridade física, à saúde etc.); b) proteger os cidadãos (particulares) de agressões ao ambiente e qualidade de vida perpetradas por outros cidadãos (particulares) (CANOTILHO, 2004, p. 188). Assim, conforme destaca Gilmar Ferreira Mendes, o dever de proteção do Estado toma a forma de dever de evitar riscos ( Risikopflicht ), autorizando os entes estatais a atuarem em defesa do cidadão mediante a adoção de medidas de proteção ou de prevenção, especialmente em relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico (MENDES, 2004, p. 12), o que, vale ressaltar, é de fundamental importância na tutela do ambiente, já que algumas das maiores ameaças ecológicas provêm do uso de determinadas técnicas com elevado poder destrutivo ou de contaminação do ambiente (como, por exemplo, o aquecimento global, a contaminação química e a poluição dos oceanos). O Estado brasileiro, no âmbito da tutela ecológica, deve pautar a sua atuação, por força do princípio da precaução , de modo a antecipar e, portanto, com seu agir (^12) A Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes e Infrações Administrativas Ambientais), no seu art. 70, § 1.º, estabelece que “são autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização (...)”, bem como, no § 3.º do mesmo dispositivo, que “a autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade”. (BRASIL, 1998)

A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. 55 estratégico, evitar a ocorrência do dano ambiental propriamente. A. A. Cançado Trindade destaca a obrigação do Estado de evitar riscos ambientais sérios à vida, inclusive com a adoção de “sistemas de monitoramento e alerta imediato” para detectar tais riscos ambientais sérios e “sistemas de ação urgente” para lidar com tais ameaças (TRINDADE, 1993, p. 75). Esse entendimento é adequado, por exemplo, à tutela do ambiente atrelada às questões climáticas, pois tais “sistemas estatais de prevenção do dano ambiental” permitiriam uma atuação mais efetiva em casos de eventos climáticos extremos (enchentes, desabamentos de terra etc.), de modo a prever os desastres naturais, e, mesmo em caráter preventivo (ou, pelo menos, buscando minimizar os impactos), tutelar de forma mais efetiva os direitos fundamentais das pessoas expostas a tais situações.^13 Há, de tal sorte, obrigação constitucional do Estado-Legislador de adotar medidas legislativas e do Estado- Administrador de executar tais medidas de forma adequada e suficiente à tutela ecológica, assegurando o exercício efetivo do direito fundamental em questão. E, quando tal não ocorrer, por omissão ou atuação insuficiente dos entes estatais, o Estado-Juiz poderá ser acionado para coibir ou corrigir eventuais violações aos parâmetros constitucionalmente exigidos em termos de proteção e promoção do direito de todos a viverem um ambiente sadio, seguro e equilibrado. Outro aspecto importante atrelado aos deveres de proteção ambiental do Estado diz respeito à limitação da discricionariedade estatal (legislativa, administrativa e judicial) deles decorrente. Os deveres de proteção ambiental conferidos ao Estado vinculam os poderes estatais ao ponto de limitar a sua liberdade de conformação na adoção de medidas atinentes à tutela do ambiente. A consagração constitucional da (^13) A respeito do tema, no ordenamento jurídico brasileiro, elaborou-se novo marco legislativo para a matéria da defesa civil com a edição da Lei da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei 12.608, de 10 de abril de 2012). O tema da defesa civil tem ganhado cada vez mais relevância sob a ótica da proteção ambiental, especialmente em razão das mudanças climáticas e, em especial, dos episódios climáticos extremos delas decorrentes e da configuração dos chamados “necessitados” ou “refugiados” ambientais. (BRASIL, 2012, a)

A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. 57 processos de licenciamento, inércia quanto à instalação de sistemas de disposição de lixo e tratamento de esgotos, p. ex.)” (MILARÉ, 2005, p. 909). A omissão do Estado em fiscalizar e impedir a ocorrência do dano ambiental é ainda mais grave, do ponto de vista constitucional, em razão da imposição e força normativa dos princípios da prevenção e da precaução (art. 225, § 1.º, IV, da CF/1988, e art. 1.º, caput , da Lei de Biossegurança – Lei 11.105/2005), os quais modulam a atuação do Estado, impondo cautela e prevenção ao seu agir, de modo a antecipar e evitar que o dano ambiental ocorra.^15 À luz do princípio da proibição de insuficiência ou princípio da vedação de proteção deficiente , aqui vislumbrado, em especial, na sua conexão com as exigências da proporcionalidade, os deveres de proteção (e o dever de proteção suficiente que lhes é correlato) estabelecem que tanto não há “margem” para o Estado “não atuar” quanto não lhe é deferida a prerrogativa de “atuar de forma insuficiente” na proteção do ambiente, pois tal atitude estatal resultaria, por si só, em prática inconstitucional, passível de controle judicial. Conforme a lição de Paulo Affonso Leme Machado, ante o tratamento constitucional de “bem de uso comum do povo” dispensado ao ambiente, o Poder Público passa a figurar, não como proprietário de bens ambientais – por exemplo, das águas e da fauna – , mas como gestor, o qual administra bens que não são dele e, por isso, deve explicar convincentemente sua gestão (MACHADO, 2016, p. 137-138). A concepção de um Estado “gestor” do patrimônio ambiental caminha alinhada com a perspectiva dos deveres de proteção, já que ao Estado cabe tutelar um direito fundamental (e um bem jurídico) que é de titularidade de toda a sociedade, devendo lançar mão de todas as medidas necessárias à consecução de tal objetivo, inclusive mediando, de (^15) Conforme a lição de P. A. Leme Machado, “o Direito Ambiental engloba as duas funções da responsabilidade objetiva: a função preventiva – procurando, por meios eficazes, evitar o dano – e a função reparadora – tentando reconstituir e/ou indenizar os prejuízos ocorridos. Não é social e ecologicamente adequado deixar-se de valorizar a responsabilidade preventiva, mesmo porque há danos ambientais irreversíveis”. (MACHADO, 2016, p. 414)

Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. 58 A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL forma proporcional, os inevitáveis conflitos em face de outros bens jurídicos e direitos de quilate constitucional (propriedade, livre iniciativa, trabalho, etc.). Também como decorrência específica dos deveres de proteção, incumbe ao Estado prestar contas aos seus cidadãos a respeito da adequação e suficiência das medidas adotadas para a tutela ecológica, como deveres de transparência e informação^16 , o que, a depender das circunstâncias, também é cabível a intervenção judicial para impugnar tanto a omissão estatal quanto a atuação insuficiente do Estadão (e de particulares) diante de prática predatória da Natureza. A partir do conteúdo normativo do art. 225 da CF/1988, A. P. Gavião Filho traça um modelo de atuação do Estado com as seguintes características: a) recusa da estatização, no sentido de que a tutela do ambiente é uma função de todos, e não apenas do Estado; b) a insuficiência da visão liberal no sentido de que o Estado não se resume a um mero Estado de polícia, confiante na obtenção da ordem jurídica ambiental pelo livre jogo de forças contrapostas; c) a abertura ambiental no sentido de que os indivíduos possam obter do Poder Público todas as informações sobre o ambiente; d) a participação dos indivíduos nas questões relativas à defesa e proteção do ambiente, notadamente no âmbito dos procedimentos administrativos que tratam das questões ambientais; e) o associacionismo ambiental no sentido de que a sociedade, regularmente organizada, possa valer-se dos instrumentos da democracia para exercitar pressão sobre o legislador e o administrador em relação às questões ambientais, inclusive por intermédio de ações para a preservação e reparação de ações ou omissões estatais ou privadas lesivas ao ambiente (GAVIÃO FILHO, 2005, p. 24-25). Há, de acordo com o entendimento formulado pelo autor, a conjunção de esforços públicos e privados na consecução dos objetivos constitucionais voltados à proteção ambiental, traduzindo em medidas concretas, ou (^16) Cf. Lei 10.650/2003 sobre o acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do SISNAMA. (BRASIL, 2003)

Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. 60 A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 1.º do art. 225 trazem, de forma expressa, uma série de medidas protetivas a serem patrocinadas pelos entes públicos, consubstanciando projeções normativas de um dever geral de proteção ambiental do Estado.^17 Entre as medidas impostas ao Estado com o objetivo de assegurar a higidez do ambiente, encontram-se: I) preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II) preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III) definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente por meio de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV) exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V) controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substanciais que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI) promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; e VII) proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.^18 O rol dos deveres de proteção ambiental do Estado do § 1.º do art. 225 é apenas (^17) Milaré também destaca a ideia em torno de um “dever estatal geral de defesa e preservação do meio ambiente”, o qual seria fragmentado nos deveres específicos elencados no art. 225, § 1.º, da CF/1988. (MILARÉ, 2005 , p. 189) (^18) O rol constitucional de deveres de proteção dos entes federativos, notadamente em relação às ações de cunho administrativo que cabem a cada um, foi recepcionado em grande medida e ampliado por intermédio da Lei Complementar Federal n. 140/2011, conforme se pode apreender da leitura dos seus arts. 7.º (União), 8.º (Estados), 9.º (Municípios) e 10 (Distrito Federal). (BRASIL, 2011)

A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. 61 exemplificativo ,^19 estando aberto a outros deveres necessários a uma tutela abrangente e integral do ambiente, especialmente em razão do surgimento permanente de novos riscos e ameaças à Natureza provocadas pelo avanço da técnica, como é o caso hoje, por exemplo, do aquecimento global, da perda massiva de biodiversidade, da poluição dos mares e oceanos, etc. O Estado, nesse contexto, não está apenas “habilitado”, mas sim “obrigado” a normatizar condutas e atividades lesivas ao ambiente como, por exemplo, com a tipificação de crimes ambientais ou de infrações administrativas, bem como por meio da regulamentação da responsabilidade civil do poluidor pelos danos causados ao ambiente. A edição da Lei dos Crimes e Infrações Administrativas Ambientais (Lei 9.605/1998) situa-se nesse contexto, ao estabelecer sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, inclusive com a caracterização da responsabilidade penal da pessoa jurídica (art. 3.º),^20 de modo a regulamentar dispositivo constitucional (art. 225, § 3.º). Tal medida legislativa, acompanhada de todo o conjunto de leis ambientais brasileiras, que não cabe aqui relacionar, dão cumprimento aos deveres de proteção ambiental atribuídos ao Estado pela CF/1988. Ao voltar a atenção para a degradação ambiental em termos gerais – inclusive e em especial no que diz com os “novos” problemas ecológicos, como é o caso do aquecimento global^21 – , notadamente tendo em vista os riscos sociais e ambientais a ela correlatos verifica-se a relevância do reconhecimento de uma série de deveres estatais a serem adotados no sentido do enfrentamento das suas causas. A não adoção de tais medidas de proteção (ou mesmo a sua manifesta precariedade) por (^19) Também no sentido de conferir ao dispositivo do § 1.º do art. 225, natureza meramente exemplificativa, e não numerus clausus , cf. BARROSO, 1993, p. 68. (^20) Sobre a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, já se manifestou favoravelmente o Superior Tribunal de Justiça: REsp 610.114/RN, 5.ª T., rel. Min. Gilson Dipp, j. 17.11.2005. (BRASIL, 2005, c) (^21) A título de exemplo, cf. a Lei 12.187/2009 sobre a Política Nacional sobre Mudança do Clima. (BRASIL, 2009, a)