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Teoria fundamental sobre o conceito de número em s.
Tipologia: Notas de estudo
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Seleção e tradução de Luís Henrique dos Santos
Introdução
A questão: o que é o número um? ou: o que significa o sinal 1? receberá freqüentemente como resposta: ora, uma coisa. E se fazemos então notar que a proposição
"O número um é uma coisa" não é uma definição, porque há em um lado o artigo definido, no outro o indefi- nido, e que ela apenas afirma que o número um pertence às coisas, mas não que coisa seja, seremos talvez convidados a escolher uma coisa qualquer que deseje- mos chamar de um. Contudo, se cada um tivesse o direito de entender o que qui- sesse por este nome, a mesma proposição a respeito do um significaria coisas diferentes para diferentes pessoas; tais proposições não teriam nenhum conteúdo comum. Alguns talvez recusem a questão, lembrando que também o significado da letra a em aritmética não pode ser indicado; e quando dizemos: a significa um número, poderíamos encontrar aí o mesmo erro que encontramos na definição: um é uma coisa. Ora, a recusa da questão no que concerne a a é plenamente justi- ficada: a^ não significa nenhum número determinado e possível de ser indicado, mas serve para exprimir a generalidade de proposições. Se ema+a—a=a substituímos a por um número qualquer, mas sempre o mesmo, obtemos sempre uma equação verdadeira. Neste sentido é usada a letra a. No caso de um, porém, as coisas se passam de modo essencialmente diferente. Na equação 1 + 1 = 2 podemos substituir 1 ambas as vezes pelo mesmo objeto, digamos a Lua? Pelo contrário, parece que o primeiro 1 deve ser substituído por algo diferente do que o segundo. Por que deve ocorrer aqui precisamente o que no outro caso se consti- tuía em erro? À aritmética não basta a letra a apenas, precisa usar ainda outras, como b, c, etc., a fim de exprimir de modo geral relações entre números diferen- tes. Dever-se-ia pois imaginar que também o sinal 1 não bastasse, caso analoga- mente servisse, para emprestar generalidade a proposições. Mas não aparece o número um como um objeto determinado, dotado de propriedades que se podem indicar, como por exemplo a de não alterar quando multiplicado por si próprio? Não é possível, neste sentido, indicar nenhuma propriedade de a;^ pois o que se enuncia de a é uma propriedade comum dos números, enquanto 1' = 1 não enun- cia nada da Lua, nem do Sol, nem do Saara, nem do pico de Tenerife; pois qual poderia ser o sentido de um tal enunciado?
OS FUNDAMENTOS DA ARITMÉTICA 201
vantes-estas imagens internas, sua gênese e modificações. O próprio Stricker afir- ma que a palavra "cem" não o faz representar nada além do símbolo 100. Outros poderão representar a letra C ou outra coisa qualquer; não resulta daí que neste caso estas imagens mentais sejam, no que concerne à essência da questão, completamente irrelevantes e arbitrárias, tanto quanto o são um quadro-negro e um pedaço de giz, e que elas não mereçam, enquanto tais, ser chamadas de repre- sentações do número cem? Não se vê absolutamente nestas representações a essência da questão! Que não se tome a descrição da gênese de uma represen- tação por uma definição, nem a indicação das condições mentais e corporais para que uma proposição chegue à consciência por uma demonstração, e que não se confunda o ser uma proposição pensada com sua verdade. Devemo-nos lembrar que, pelo que parece, uma proposição não deixa de ser verdadeira se paro de pen- sar nela, tanto quanto o Sol não se aniquila se fecho os olhos. Caso contrário concluiríamos que se deveria fazer menção, na demonstração do teorema de Pitá- goras, ao índice de fósforo de nosso cérebro, e que um astrônomo recearia esten- der suas conclusões a um passado remoto, a fim de que não se lhe objetasse: "você calcula: 2. 2 = 4; mas a representação do número possui de fato um desenvolvimento, uma história! Pode-se duvidar que naquele tempo ela já tivesse ido. tão longe. Como você sabe que neste passado remoto esta proposição já exis- tia? Não seria possível que os seres vivos daquela época tivessem a proposição 2.2 = 5, a partir da qual ter-se-ia desenvolvido, pela seleção natural na luta pela existência, a proposição 2. 2 = 4, que estaria por sua vez destinada a progredir, pelas mesmas vias, até 2. 2 = 3?" Est modus in rebus, sunt certi denique fines 1 4 O método histórico de reflexão, que procura detectar a gênese das coisas e a par- tir da gênese reconhecer sua natureza, tem certamente muitos direitos; mas tem também seus limites. Se no fluxo constante de todas as coisas nada se mantivesse firme e eterno, o conhecimento do mundo deixaria de ser possível e tudo mergu- lharia em confusão. Imagina-se, pelo que parece, que os conceitos nascem na alma individual como as folhas nas árvores, e pretende-se ser possível conhecer sua essência por meio da investigação de sua gênese, que se procura explicar psicologicamente a partir da natureza da alma humana. Mas esta concepção lança tudo no subjetivo e, levada às últimas conseqüências, suprime a verdade. O que se chama de história dos conceitos é de fato uma história de nosso conheci- mento dos conceitos ou dos significados das palavras. Freqüentemente é apenas mediante um vasto trabalho do espírito, que pode levar séculos, que se consegue conhecer um conceito em sua pureza, extraí-lo dos invólucros estranhos que o dissimulavam aos olhos do espírito. O que dizer então daqueles que, ao invés de prosseguir este trabalho onde ele não aparece ainda realizado, o menosprezam, se dirigem ao quarto das crianças ou se transportam para as mais antigas fases conhecidas de desenvolvimento da humanidade, a fim de lá descobrir, como J. S. Mill, algo como uma aritmética de pãezinhos e pedrinhas! Falta apenas atribuir ao sabor do pão um significado particulr para o conceito de número. Contudo,
4 Há uma medida para as coisas; afinal, existem certos limites. (Horácio) (N. do E.)
pleto com respeito aos fins. Também eu sou de opinião que as diferenças devem ser confirmadas por sua fecundidade, pela possibilidade de com elas serem con- duzidas demonstrações. Mas deve-se atentar bem ao fato de que o rigor de uma demonstração permanece ilusório, ainda que a cadeia de raciocínio não tenha lacunas, enquanto as definições apenas justificarem-se retrospectivamente, por não se ter esbarrado em nenhuma contradição. Portanto, tem-se sempre obtido de fato apenas uma certeza empírica, e deve-se estar sempre preparado para encon- trar por fim ainda uma contradição que faça desmoronar todo o edifício. Por isso acreditei dever remontar aos fundamentos lógicos gerais um pouco mais do que a maioria dos matemáticos talvez julgue necessário. Nesta investigação ative-me firmemente aos seguintes *princípios: deve-se separar precisamente o psicológico do lógico, o subjetivo do objetivo; deve-se perguntar pelo significado das palavras no contexto da proposição, e não isoladamente; não se deve perder de vista a distinção entre conceito e objeto. Para obedecer ao primeiro princípio empreguei a palavra representação sempre em sentido psicológico, e distingui as representações dos conceitos e obje- tos. Se não se observa o segundo princípio, fica-se quase obrigado a tomar como significado das palavras imagens internas e atos da alma individual, e deste modo a infringir também o primeiro. Quanto ao terceiro ponto, não passa de ilusão pre- tender que. seja possível converter um conceito em objeto sem alterá-lo. Resulta daí ser insustentável uma muito difundida teoria formal das frações, números negativos, etc. Como penso corrigi-la, posso neste escrito apenas indicar. Impor- tará em todos estes casos, como no dos números inteiros positivos, estabelecer o sentido de uma equação. Creio que meus resultados, ao menos no essencial, encontrarão a adesão dos matemáticos que se derem ao trabalho de levar em conta minhas razões. Elas parecem-me estar no ar, e cada uma individualmente talvez já tenha sido formula- da, ao menos de modo aproximado; mas nesta conexão mútua podem ser novas. Surpreenderam-me muitas vezes exposições que, aproximando-se muito de minha concepção em um ponto, em outros divergiam dela tão fortemente. Sua recepção pelos filósofos será diferente conforme o ponto de vista, pior no caso daqueles empiristas que pretendem reconhecer apenas a indução como modo original de inferência, e mesmo ela nem sequer como modo de inferência, mas como hábito. Talvez um outro julgue oportuno submeter os fundamentos de sua teoria do conhecimento a novo exame. Àqueles que possam criticar minhas definições por não serem naturais, sugiro que reflitam sobre o fato de não ser a questão a de saber se são naturais, mas se tocam o núcleo do problema e são logi- camente inatacáveis. Permito-me esperar que também os filósofos, examinando-o sem preconcei- tos, encontrarão neste escrito algo utilizável.
§ 1. Após afastar-se por algum tempo -dó rigor euclidiano, a matemática volta agora a ele, e de algum modo esforça-se para ultrapassá-lo. Na aritmética, já, como conseqüência da origem hindu de muitos de seus métodos e conceitos, herdou-se uma forma de pensamento mais frouxa do que na geometria, desenvol- vida principalmente pelos gregos. A descoberta da análise superior apenas serviu para -reforçá-la; pois por um lado opuseram-se a um tratamento rigoroso desta disciplina dificuldades consideráveis e quase invencíveis, por outro lado osesfor- ços dispendidos para superá-las pareceram prometer pouca recompensa. No entanto, seu desenvolvimento posterior mostrou, de modo cada vez mais claro, que em matemática não basta uma convicção simplesmente.moral, apoiada sobre muitas aplicações fecundas. Hoje exige-se demonstração para muito do que antes valia como auto-evidente. Em muitos casos, apenas assim estabeleceram-se os limites desta validade. Os conceitos de função, continuidade, limite e infinito mostraram-se carentes de uma determinação mais precisa. Os números negativos e irracionais, já de há muito admitidos na ciência, tiveram que se submeter a um exame mais pormenorizado de legitimidade. Evidenciou-se assim em todas as direções o esforço para demonstrar'rigoro- samente, traçar precisamente limites de validade e, para que isto se tornasse pos- sível, apreender acuradamente os conceitos. § 2. Este caminho, seguido adiante, conduz ao conceito de número e e às proposições mais simples válidas para os números inteiros positivos, o que cons- titui os fundamentos de toda a aritmética. Decerto fórmulas numéricas como 5 + 7 = 12 e leis como a da assoctatividade da adição são confirmadas de tantas maneiras pelas inúmeras aplicações que delas fazemos diariamente que pode parecer quase ridículo pretender pô-las em dúvida através da exigência de demonstração. Mas está fundado na essência da matemática, sempre que uma demonstração for possível, preferi-la a uma verificação por indução. Euclides demonstrou muità coisa que de qualquer modo todos lhe concederiam. Conside-
° "Número" aqui traduz Anzahl.^ O par^ Zahl-Anzahl implica^ dificuldades insuperáveis de tradução.^ Zahl significa número em geral, enquanto Anzahl significa número em conexão com a operação de contar. Para Frege são Zahlen todos os números de todas as espécies (inteiros e fracionários, positivos e negativos, racio- nais e irracionais, reais e complexos), mas são Anzahlen^ apenas os que respondem à questão "Quantos?" os que chamamos de cardinais. Apesar disto, emprega quase sempre os dois termos indiferentemente, o que nos levará também a traduzi-los indiferentemente por "número", a menos que o contexto particular imponha que se acentue a distinção; neste caso traduziremos Anzahl por "número cardinal", sem deixar de reconhecer a artificialidade da solução. (N. do T.)
tica, pressupondo-se que sejam também levadas em conta as proposições sobre as quais se assenta a admissibilidade de uma definição. Se não é possível, porém, conduzir a demonstração sem lançar mão de verdades que não são de natureza lógica geral, mas que remetem a um domínio científico particular, a proposição é sintética. Para que uma verdade seja a posteriori (^) requer-se que sua demonstração não se possa manter sem apelo a questões de fato, isto é, a verdades indemons- tráveis e sem generalidade, implicando enunciados acerca de objetos determina- dos. Se, pelo contrário, é possível conduzir a demonstração apenas a partir de leis gerais que não admitem nem exigem demonstração, a verdade é a priori. § 4. Partindo destas questões filosóficas, chegamos à mesma exigência que, de maneira independente, havia aparecido no próprio domínio da matemática: demonstrar, se possível, os princípios da aritmética com o maior rigor; pois ape- nas evitando da maneira a mais cuidadosa toda lacuna na cadeia de raciocínio poder-se-á dizer seguramente sobre que verdades primitivas se apóia a demons- tração; e apenas seu conhecimento o permitirá responder àquelas questões. Ao se tentar satisfazer esta exigência, chega-se bem logo à proposição cuja demonstração é impossível enquanto não se consegue resolver os conceitos que nela aparecem em conceitos mais simples, ou reduzi-los a conceitos mais gerais. Ora, é antes de tudo o número cardinal que deve ser definido ou reconhecido como indefinível. Esta pretende ser a tarefa deste livro. 9 De sua execução depen- derá a decisão quanto à natureza das leis aritméticas. Antes de abordar propriamente estas questões, desejo adiantar algo que pode fornecer uma indicação para sua resposta. Se de outros pontos de vista e de maneira fundamentada concluirmos que os princípios da aritmética são analíti- cos, isto testemunhará também em favor de sua demonstrabilidade e da definibi- lidade do conceito de número. As razões em favor do caráter a posteriori^ destas verdades terão um efeito contrário. Por isso, cabe inicialmente submeter estes pontos de disputa a um rápido exame.
o Se alguém reconhece de algum modo verdades gerais, deve também admitir que há tais leis primitivas, visto que de questões de fato singulares enquanto tais nada se segue senão em razão de uma lei. A própria indução assenta-se sobre a proposição geral segundo a qual este procedimento pode fundamentar a verdade, ou ao menos a probabilidade, de uma lei. Para quem o negue, a indução não será nada mais que um fenô- meno psicológico, uma maneira de se chegar à crença na verdade de uma proposição, sem que por meio dela esta crença absolutamente se justifique. (N. do A.)
Opiniões de alguns autores sobre a natureza das proposições aritméticas
As fórmulas numéricas são demonstráveis?
° Ifebbes, Locke, ~too: Cf. Batunann,- Die Lehren von Zeit, Raum smd Mathematik, p„ 241 e-242, p. 365 ss., p. 475. (N. do A.) 11 Kritik der seinen Varnunft,^ ed. Hartenstein, Iü p.:157.^ (N. do,A.) (^2) Vorlesungen überdie complexen Zahlen und ihren Funetionen, p. 55. (N. do A.)
Também é esta a opinião de H. Grassmann e Hankel. Aquele pretende obter a lei a + (b + 1) = (a + b) + 1 por meio de uma definição, dizendo:' "Se a e b são membros quaisquer da série fundamental, entenda-se pela soma a + b^ aquele membro da série fundamental para o qual vale a fórmula a + (b + e) = (a + b) + e". Neste caso e (^) deve significar a unidade positiva. Contra esta definição cabem duas espécies de objeções. Em primeiro lugar, a soma é definida por ela própria. Não se sabendo o que deve significar a + b, não se entende também a expressão a + (b + e). Mas esta (^) objeção talvez pudesse ser afastada dizendo-se, certamente em contradição com o texto, que não se trata de definir a soma, e sim a adição. Poder-se-ia então objetar ainda que a + b (^) seria um sinal vazio, caso não hou- vesse nenhum membro da série fundamental, ou caso houvesse mais de um, da espécie requerida. Grassmann simplesmente pressupõe que isto não ocorre, sem demonstrá-lo, de modo que o rigor é apenas aparente. § 7. Dever-se-ia pensar que as fórmulas numéricas são sintéticas ou analíti- cas, a posteriori^ ou^ a priori,^ conforme o sejam as leis gerais sobre as quais se s essenta sua demonstração. John Stuart Mill tem contudo outra opinião. Na ver- dade, de início ele parece, como Leibniz, pretender fundamentar a ciência sobre definições,' 6 pois define os números singulares como este; mas seu preconceito de que todo saber seja empírico, por outro lado, arruína imediatamente a concep- ção correta. Ele informa-nos que estas definições não o são em sentido lógico, que elas não apenas estipulam o significado de uma expressão, mas também assertam um fato observado. Onde no mundo estaria o fato observado ou, como Mill também diz, o fato físico assertado na definição do número 777864? De toda a riqueza de fatos fisicos que se descortina diante de nós, Mill menciona um único, que seria assertado na definição do número 3. Segundo ele, este fato con- siste em existirem coleções de objetos que, podendo produzir nos sentidos uma impressão 000 , podem ser separadas em duas partes, como (^) segue:oo o. Que bom pois que nem tudo no mundo esteja firmemente alinhavado; neste caso não pode- ríamos proceder a esta separação, e 2 + 1 não seriam. 3! Que pena Mill não ter descrito também os fatos fisicos que fundamentam os números O e 1! Mill prossegue: "Admitida esta proposição, chamamos de 3 todas as partes semelhantes àquela". Vê-se daí nãO ser propriamente correto falar de três badala- das quando o relógio bate três horas, ou chamar o doce, o azedo e o amargo de três sensações gustativas; não se pode tampouco aceitar a expressão "três manei-
' 5 Lehrbuch der Mathematiklar Hõhere Lehranstalten, parte I; (^) Arithmetik, Stettin, 1860, p. 4. (N. do A.) 1 6 S y siem der deductiven und inductiven Logik, traduzido [para o alemão: N. do Ti por J. Schiel, livro III, cap. XXIV, § 5. (N. do A.) ' 7 Ob. cit., Livro II, cap. VI, § 2. (N. do A.)
ras de resolver uma equação"; pois nunca se tem delas uma impressão sensível como se tem de á°• Diz Mill: "Os cálculos não se seguem das próprias definições, mas dos fatos observados". Mas onde, na demonstração acima mencionada da proposição 2 + 2 = 4, Leibniz deveria ter recorrido ao fato em questão? Mill deixa de indi- car a lacuna, embora ofereça uma demonstração da proposição 5 + 2 = 7 intei- ramente análoga à demonstração leibniziana. (^18) Assim como Leibniz, ele não se dá conta da lacuna realmente existente, que consiste na supressão dos parênteses. Se de fato a definição de cada número singular assertasse um fato fisico particular, nunca se poderia admirar suficientemente por seu conhecimento fisico alguém que calculasse com números de nove algarismos. No entanto, Mill talvez não pretenda que todos estes fatos devam ser observados individualmente, mas que baste derivar por indução uma lei geral que os inclua a todos. Mas que se tente formular esta lei, e descobrir-se-á ser impossível. Não é suficiente dizer: há grandes coleções de coisas que podem ser decompostas; pois não se está dizendo que há coleções tão grandes, e da mesma espécie, quanto as que se exigem para a definição, digamos, do número 1 000 000, e tampouco é indicado mais precisa- mente o modo de reparti-las. A concepção de Mill conduz necessariamente à exi- gência de que para cada número se observe um fato em particular, porque em uma lei geral perder-se-ia exatamente a peculiaridade do número 1 000 000, que pertence necessariamente à sua definição. De fato, não se poderia, segundo Mill, afirmar que 1 000 000 = 999999 + 1 se não se tivesse observado precisamente aquela maneira peculiar de decompor uma coleção de coisas, diferentes da que convém a qualquer outro número. § 8. Mill parece acreditar que as definições 2 = 1 + 1, 3 = 2 + 1, 4 = 3
' s Ob. cit., Livro III, cap. XXIV, § 5. (N. do A.)
mente físicas e pressupondo fatos observados, com a própria proposição pura- mente matemática. O sinal de mais pode de fato, em muitas aplicações, aparente- mente corresponder à constituição de um aglomerado; mas não é este seu significado; pois em outras aplicações pode não se tratar de aglomerados, agrega- dos, ou da relação entre um corpo físico e suas partes, por exemplo quando o cál- culo se refere a acontecimentos. Realmente, pode-se falar também aqui de partes; neste )caso, porém, a palavra é empregada não em sentido físico ou geométrico,) mas lógico, como quando dizemos que os assassinatos de chefes de Estado são uma parte dos assassinatos em geral. Tem-se aqui subordinação lógica. E por- tanto também a adição não corresponde de modo geral a uma relação física. Conseqüentemente, tampouco podem as leis gerais da adição ser leis da natureza. § 10. Não obstante, talvez pudessem ser verdades indutivas. Como conce- bê-lo? De que fatos se deveria partir para se ascender ao geral? Apenas seria pos- sível partir das fórmulas numéricas. No entanto, perderíamos assim novamente a vantagem obtida com a definição dos números singulares, e deveríamos procurar outra maneira de fundamentar as fórmulas numéricas. Ainda que não nos impor- temos com este problema, não de todo fácil, percebemos ser o terreno desfavo- rável à indução: pois falta aqui aquela uniformidade que pode, em outros domí- nios, conferir a este procedimento uma alta credibilidade. Já Leibniz," à afirmação de Philalèthe:
"Os diferentes modos do número não são capazes de nenhuma outra diferença que não a de mais ou menos; são por isso modos simples, como os do espaço", responde: "Pode-se dizê-lo do tempo e da linha reta, mas de modo algum das figu- ras, e ainda menos dos números, que não diferem simplesmente em gran- deza, mas são também dessemelhantes. Um número par pode ser divi- dido em duas partes iguais, e um ímpar não; 3 e 6 são números triangulares, 4 e 9 são quadrados, 8 é um cubo, etc.; e isto ocorre com os números ainda mais que com as figuras; pois duas figuras desiguais podem ser perfeitamente semelhantes, mas nunca dois números". Habituamo-nos de fato a considerar, sob muitos aspectos, os números como homogêneos; mas isto dá-se apenas porque conhecemos um conjunto de proposi- ções gerais, válidas para todos os números. Entretanto, devemo-nos colocar aqui no ponto de vista de quem ainda não conhece nenhuma destas proposições. Na verdade, seria difícil encontrar um exemplo de inferência indutiva que correspon- desse a nosso caso. Em outras situações, recorremos freqüentemente à proposição de que cada lugar no espaço e cada momento em si mesmo vale tanto quanto qualquer outro. Um resultado deve ser obtido da mesma maneira em outro lugar e outro momento, desde que as condições sejam as mesmas. Isto não ocorre aqui, por não serem os números espaciais e temporais. As posições na série dos núme- ros não equivalem aos lugares do espaço.
2 ' Baumann, ob. cit., vol. II, p. 39; Erdmann, p. 243. (N. do A.)
Os números comportam-se também de modo completamente diferente que os indivíduos, digamos, de uma espécie animal, pois possuem por natureza uma hierarquia determinada, pois cada um é formado de maneira peculiar e possui características peculiares, o que é particularmente evidente no caso do O, do 1 e do 2. Quando em outros domínios uma proposição referente a uma espécie é fundamentada por indução, dispõe-se habitualmente, apenas pela definição do conceito da espécie, já de toda uma série de propriedades comuns. Aqui seria difi- cil encontrar uma única sequer que não devesse antes ser demonstrada. Nosso caso pode ser mais facilmente comparado ao seguinte. Notou-se que em uma perfuração a temperatura aumenta regularmente com a profundidade; encontraram-se até certo ponto camadas de rocha muito diferentes. Evidente- mente nada se pode concluir apenas a partir das observações feitas nesta perfura- ção acerca da constituição das camadas mais profundas, e a questão de saber se a regularidade da distribuição da temperatura continuaria a ser constatada deve permanecer aberta. Sob o conceito "o que é encontrado perfurando-se continua- mente" caem de fato tanto o que já se observou quanto o que está em local mais profundo; mas isto é aqui de pouca utilidade. Será igualmente de pouca utilidade, no caso dos números, que eles caiam todos sob o conceito "o que se obtém por meio do aumento contínuo em um". Pode-se perceber uma diferença entre ambos os casos no fato de serem as camadas apenas encontradas, enquanto os números são literalmente criados, e inteiramente determinados em sua natureza, mediante o aumento contínuo em um. Isto apenas pode significar que, da maneira como um número, por exemplo 8, surge mediante o aumento em um, seria possível derivar todas as suas propriedades. Com isto concede-se basicamente que as proprie- dades dos números se seguem de suas definições, e abre-se a possibilidade de demonstrar as leis gerais dos números a partir do método de gênese comum a todos, enquanto as propriedades particulares dos números singulares deveriam seguir-se do método particular pelo qual são formados mediante o aumento con- tínuo em um. Assim, pode-se também deduzir, no que concerne às camadas geo- lógicas, justamente o que é determinado simplesmente pela profundidade em que são encontradas, a saber, suas relações de posição espacial, sem que se tenha ne- cessidade de indução; mas o que não pode ser determinado desta maneira não pode também ser obtido por indução. Provavelmente o próprio procedimento de indução apenas pode ser legitimado por meio de leis gerais da aritmética, caso não seja entendido como simples hábito. Este não tem absolutamente nenhum poder de garantir a verdade. Enquanto o procedimento científico conforme a pa- drões objetivos ora encontra uma alta probabilidade fundada sobre uma única confirmação, ora não confere quase nenhum valor a milhares deAcontecimen- tos, o hábito é determinado pelo número e força'das impressões e /condições sub- jetivas, que não têm nenhum direito de influir sobre o juízo. A indução deve apoiar-se sobre a teoria das probabilidades, visto que nunca pode tornar uma proposição mais do que provável. Não se vê, porém, como seria possível desen- volver esta teoria sem pressupor leis aritméticas. § 11. Leibniz, 22 pelo contrário, julga que as verdades necessárias, como as 22 Baumann, ob. cit., vol. II, p. 13 e 14: Erdmann, p. 195, p. 208 e 209. (N. do A.)
que é chamado de grandeza: números, comprimentos, áreas, volumes, ângulos, curvas, massas, velocidades, forças, intensidades de luz, intensidades de correntes galvânicas, etc., não é difícil compreender como se pode subordiná-los a um con- ceito de grandeza; mas a expressão "intuição de grandeza", e mais, "intuição pura de grandeza", não pode ser reconhecida como pertinente. Não posso admitir nem mesmo uma intuição de 100 000, muito menos uma de números em geral, ou ainda uma de grandeza em geral. Recorre-se muito facilmente à intuição interna quando não se é capaz de indicar outro fundamento. Neste caso, porém, não se deveria perder totalmente de vista o sentido da palavra "intuição". Kant define na Lógica (ed. Hartenstein, VIII, p. 88): "A intuição é uma representação singular (repraesentatio singularis), o con- ceito uma representação geral (repraesentatio per notas communes),^ ou refletida (repraesentatio discursiva)". Não se faz absolutamente menção à relação com a sensibilidade, que é con- tudo introduzida na Estética Transcendental, e sem a qual a intuição não pode servir de princípio de conhecimento para os juízos sintéticos a priori.^ Na^ Crítica da Razão Pura (ed. Hartenstein, III, p. 55) diz-se: "Por meio da sensibilidade, portanto, são-nos dos objetos, e apenas ela fornece-nos intuições". O sentido de nossa palavra é assim mais amplo na Lógica que na Estética Transcendental. No sentido lógico poder-se-ia talvez chamar 100 000 de intui- ção; pois conceito geral não é. Mas tomada neste sentido, a intuição não pode servir de fundamento para as leis aritméticas. § 13. De modo geral, será conveniente não sobrestimar o parentesco com a geometria. Já citei uma passagem leibniziana a este respeito. Um ponto geomé- trico considerado em si mesmo não se pode absolutamente distinguir de qualquer outro; o mesmo vale para retas e planos. Vários pontos, retas, planos podem distinguir-se apenas quando apreendidos simultaneamente em uma intuição. Se em geometria leis gerais são obtidas a partir da intuição, isto explica-se pelo fato de que os pontos, retas e planos intuídos não são propriamente particulares, podendo por isso valer como representantes de toda sua espécie. Isto não ocorre no caso dos números: cada um tem sua peculiaridade. Em que medida um núme- ro determinado pode representar todos os outros, e em que momento sua particu- laridade se faz valer, é algo que não se pode dizer de antemão. § 14. Também a comparação das verdades com respeito ao domínio que governam testemunha contra a natureza empírica e sintética das leis aritméticas. As proposições de experiência valem para a realidade efetiva física ou psico- lógica, as verdades geométricas governam o domínio der-ifituível espacial, seja real ou produto da imaginação. Os delírios mais extravagantes, as invenções mais atrevidas das lendas e dos poetas, que fazem os animais falarem, as estrelas imobilizarem-se, as pedras transformarem-se em homens e os homens em árvores, e contam como sair de um pântano puxando os próprios cabelos, tudo isto, na medida em que permanece intuível, está preso aos axiomas da geometria. Apenas o pensamento conceitual pode de certo modo, desembaraçar-se deles, admitindo,
digamos, um espaço de quatro dimensões ou com medida positiva de curvatura. Tais considerações não são absolutamente inúteis; mas abandonam completa- mente o terreno da intuição. Quando também neste caso recorremos a ela, trata- se sempre da intuição do espaço euclidiano, o único de que podemos fazer ima- gem. Ocorre apenas não ser ela aí tomada pelo que é, mas como símbolo de algo diferente; chama-se, por exemplo, de reto ou plano o que entretanto se intui como curvo. Do ponto de vista do pensamento conceitual, pode-se sempre assumir o contrário deste ou daquele axioma geométrico, sem incorrer em contradições ao serem feitas deduções a partir de tais assunções contraditórias com a intuição.. Esta possibilidade mostra que os axiomas geométricos são independentes entre si e em relação às leis lógicas primitivas, e portanto sintéticos. Pode-se dizer o mesmo dos princípios da ciência dos números? Não teríamos uma total confusão caso pretendêssemos rejeitar um deles? Seria então áinda possível o pensamento? O fundamento da aritmética não é mais profundo que o de todo saber empírico, mais profundo mesmo que o da geometria? As verdades aritméticas governam o domínio do enumerável. Este é o mais inclusivo; pois não lhe pertence apenas o efetivamente real, não apenas o intuível, mas todo o pensável. Não deveriam por- tanto as leis dos números manter com as do pensamento a mais íntima das conexões? § 15. Pode-se presumir que as formulações leibnizianas se deixem inter- pretar em favor da natureza analítica das leis numéricas, pois para ele o a priori coincide com o analítico. Assim, diz 2 7 que a álgebra empresta suas vantagens de uma arte muito superior, a saber, da lógica verdadeira. Em outro lugar" compa- ra as verdades necessárias e contingentes às grandezas comensuráveis e incomen- suráveis, e afirma ser possível, no caso das verdades necessárias, uma demonstra- ção ou redução a identidades. Estas declarações, porém, perdem força pelo fato de Leibniz tender a encarar todas as verdades como demonstráveis^29 "... que toda verdade tem sua demonstração a priori,^ extraída do conceito dos termos, embora nem sempre esteja em nosso poder chegar a esta análise". Entretanto, a comparação com a comensurabilidade e incomensurabilidade levanta novamente, é certo, uma barreira intransponível, ao menos para nós, entre verdades contin- gentes e necessárias. W. Stanley Jevons pronuncia-se muito decididamente no sentido da natureza analítica das leis numéricas:" "Número é apenas distinção lógica, e a álgebra uma lógica altamente desenvolvida". § 16. Também esta tese, porém, tem suas dificuldades. Como pode a árvore da ciência dos números, alta, de vasta ramificação e crescendo continuamente, enraizar-se em meras identidades. E como as formas vazias da lógica chegam a extrair de si mesmas um tal conteúdo? Mill afirma: "A teoria de que podemos, por meio de uma manipulação artifi- ciosa da linguagem, descobrir fatos e revelar os processos naturais ocultos é tão
Baumann, ob. cit.,^ vol. II, p. 56; Erdmann, p. 424. (N. do A.) 28 Baumann, ob. cit., vol. II, p. 57; Erdmann, p. 83. (N. do A.) Baumann, ob. cit., vol. II, p. 57; Pertz, II, p. 55. (N. do A.) 3 ° The Principies of Science, Londres, 1879, p. 156. (N. do A.)