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Frases feitas - João Ribeiro, Notas de estudo de Língua Portuguesa

a discutir a lição que diz ser de Epifânio Dias, mas que – e isso declara ... da sua excelente preparação, o Dicionário teve novas edições a que se.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Saloete
Saloete 🇧🇷

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Coleção Antônio de Morais Silva
ESTUDOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Academia Brasileira
de Letras
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C o l e ç ã o A n t ô n i o d e M o r a i s S i l v a

E S T U D O S D E L Í N G U A P O R T U G U E S A

A c a d e m i a B r a s i l e i r a

d e L e t r a s

A c a d e m i a B r a s i l e i r a d e L e t r a s

João Ribeiro

C o l e ç ã o A n t ô n i o d e M o r a i s S i l v a

E S T U D O S D E L Í N G U A P O R T U G U E S A

 Frases Feitas

R i o d e J a n e i r o 2 0 0 9

Estudo conjetural de locuções, ditados e provérbios

(COM UMA INTRODUÇÃO DE JOAQUIM RIBEIRO)

  1. a^ Edição

 O estudo da

fraseologia na

obra de João Ribeiro

evanildo bechara

D

entre as múltiplas atividades intelectuais de João Ribeiro, o estudo da fraseologia portuguesa ocupa lugar de constante interesse, conforme se pode comprovar nos livros, pequenas contribui- ções para revistas especializadas ou em meros artigos dirigidos ao cha- mado grande público, que integravam trabalhos de vulgarização sem as “discussões fonéticas e glotológicas que deprimem o espírito, sem o esclarecer devidamente”, conforme palavras suas em colaboração à Re- vista de Língua Portuguesa , ano I, n. 3 de 1920. Numa época em que nem sempre se poderia contar com a rica bi- bliografia que hoje está à disposição do pesquisador, é digno do maior respeito e admiração o esforço de uma geração ávida em reunir o mais

(^1)  Trabalho incluído na Miscelânea de Estudos Linguísticos, Filológicos e Literários in Me- moriam de Celso Cunha (Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1995), com acrés- cimos para esta edição.

considerável número de elementos fraseológicos e tentar penetrar no complexo e fugidio segredo de sua análise e explicação histórica. Numa língua como o português, ainda hoje muito aquém da investigação lexi- cológica que outros idiomas apresentam, o caminho a ser percorrido se mostrava ao pesquisador repleto de escolhos e desvios tão sedutores quanto enganosos. Ao lado de uma saturada leitura de textos antigos e que cobriam vários domínios do saber, esse pesquisador precisava aliar à indispensável bagagem cultural e especializada uma viva intuição capaz de estabelecer elos e conexões de ordem histórica e social que ultrapas- sassem os limites do campo estritamente linguístico. É extremamente lamentável e preocupante a uma visão ampla da investigação linguística que essa tradição que se iniciou tão auspiciosa e valente em Portugal e no Brasil, nos séculos XVIII a XX, hoje se nos depare tão escassa e silenciosa, e que tantos subsídios poderia oferecer ao futuro dicionário histórico do português. Nesse grupo de estudiosos, ocupa lugar significativo João Ribeiro, dotado, por um lado, dessa bagagem cultural e, por outro, dono de uma intuição larga que às vezes fazia exceder o voo da imaginação. Joaquim Ribeiro, filho de João Ribeiro e responsável pela 2.a^ edição das Frases Fe- itas (1960, 1.a^ ed. 1908 e 1909), livro, como revela o título, todo dedi- cado ao estudo da fraseologia portuguesa, assim comenta o fato:

Enganam-se totalmente os que julgam que a atividade cientí- fica é incompatível com o poder imaginativo. Este, realmente, representa significativo fator na constituição crítica. João Ribeiro sabia combinar a sua erudição, o seu espírito crítico e a sua imaginação num equilíbrio harmônico, de fato, admirável. As suas conjeturas partem sempre de dados objeti- vos: possuem fundamentos documentais; não são aéreas e fanta- sistas. Todas são defensáveis. (Introdução às Frases Feitas , p. 49)

VIII (^)  João Ribeiro

Apenas tive léu De chegar à janela e despedi-lo Com aquela agonia. Figueiredo – Apol. das damas , I, cena 1

Acreditei e acredito ainda que é palavra francesa e das que antigamente entraram com o séquito da primeira dinastia. E as- sim ao que conjeturei devia ser léu ( leu por lieu , como deu por Dieu , do francês antigo) derivado de lieu. E ter léu seria ter lugar ou oportunidade. E como é frequente confundir-se lugar, tempo e espaço em todas as metáteses populares, foi natural dizer

estar ao léu = ao tempo, scil. espaço ou ao ar livre. Ter léu para trabalhar (tempo)

É também mera conjetura essa explicação que, de caminho, aqui deixo, pois que a verdade estará em outro ponto. Também dizemos ao léu por ao óleo ou a óleo com desvio do acento tônico; pelo menos isso corresponde aos modismos espanhóis – estar al oleo – e andar al oleo (talvez da pintura al oleo ). Contudo, prefiro derivar léu de lieu , lugar, tempo, hora disponí- vel, prefiro-o por não achar satisfatórias as opiniões já conhecidas. ( Frases Feitas , 2. a^ ed., p. 370-371)

Inicio meu comentário pelas conjeturas para explicação de léu em- pregado em andar ao léu , ter leu para alguma coisa. Começa J. R. por afastar com razão a hipótese de étimo proposta por A. Coelho e passa a discutir a lição que diz ser de Epifânio Dias, mas que – e isso declara

X (^)  João Ribeiro

mais adiante – seria primitivamente de Júlio Moreira, “ao que me in- formaram” 2 : léu viria do latim levem “pela vocalização do v ”. A seguir, rejeita esta explicação, porque “não dá conta do sentido da frase ter léu

  • tempo, ocasião, lugar, propriedade”, e propõe que se trata de palavra francesa, pois léu estaria por lieu , apoiado na frequente transposição se- mântica de “lugar” para “tempo” e “espaço”. Quando o leitor esperaria naturalmente o fim das conjeturas, eis que sai o autor com o comentário:

É também mera conjetura essa explicação que, de caminho, aqui deixo, pois que a verdade estará em outro ponto (o grifo é meu, e o trecho citado já vem na primeira edição).

E complementa a declaração com um adendo que, se não se trata de algo incompreensível, é, pelo menos, muito estranho, ao relacionar ou aproximar ao léu a ao óleo ou a a óleo “com desvio do acento tônico; pelo menos isso corresponde aos modismos espanhóis – estar al oleo – e

  • andar al oleo (talvez da pintura al oleo )”. Esta estranha aproximação que, segundo suponho, não tem ne- nhum apoio na história do léxico português, é rematada com o seguin- te comentário, desaparecido no texto da 2. a^ edição:

Deste uso é que havemos de deduzir os nossos; de andar bem - vestido [nesta edição explicaria J. R. os modismos espanhóis com o valor de estar una cosa mui adornada y compuesta ] passou a sig- nificar andar ao sol , ou fora de casa (andar ao léu ) (I, 277).

 Frases Feitas^ XI

(^2)  A nota de Júlio Moreira está na Rev. Lusitana , I, 180, e já havia sido citada por Leite de Vasconcelos na Rev. Lusitana IV, 230, referido adiante.

Inicialmente, J.R. atribuíra a explicação a Epifânio Dias, mas quero acreditar que o fez por engano, pois que não me consta ter jamais o fi- lólogo português estudado o étimo de léu. A aludida estranheza advém do fato de o autor persistir na tese de empréstimo ao francês lieu , quando conhecia a lição de D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos exarada no Glossário do Cancioneiro da Ajuda (1922), transcrita em nota de rodapé da página 370, segundo a qual, acompanhando ensinamen- to de F. Diez em obra de 1863 e na Grammatik , léu é um empréstimo ao provençal, oriundo do latim levem. Por quê, então, a insistência no francês lieu? Se for para atender ao sentido secundário que tem léu na expressão ter léu , com o valor de ‘ter lugar’ ou ‘ter oportunidade’, isto pode facilmente derivar do significado fundamental, conforme já ha- via sido explicado por Leite de Vasconcelos:

Léu , m. ‘ocasião’. “Quando eu tever leu”. Do latim leve ( m ), donde, por extensão de sentido, ‘alívio’, ‘descanso’, ‘vagar’, ‘oca- sião’. Cf. a frase “andar ao léu” ou “estar ao léu”. ( Revista Lusitana , IV, 1895-1896, p. 230)

O destino -v-/-u- intervocálico latino de levem , grevem e navem em leu , greu e nau , entre outros exemplos, não é normal na fonologia his- tórica do português; a explicação há de ser encontrada em emprésti- mos diretos ou indiretos a outros idiomas românicos. Já vimos, desde Diez e Carolina Michaëlis, que léu e greu são devidos a emprés- timos do provençal, enquanto nau chegou ao português pelo catalão; assim, a hipótese de vocalização do - v - dentro do próprio português, como pensara Júlio Moreira, na mesma Revista Lusitana (I, 180), está fora de cogitação. Objeções deste gênero podem ser feitas não só na leitura das Frases Feitas como nas Curiosidades Verbais e no Fabordão , que representam os li- vros de João Ribeiro, em especial os dois primeiros, mais especifica-

 Frases Feitas^ XIII

mente voltados para problemas lexicológicos, maxime para explicações históricas de fraseologia do nosso idioma. Nas Curiosidades Verbais , por exemplo, há todo um capítulo prejudica- do, por ter o autor deixado levar-se pelas aparências de uma desajeitada grafia. Trata-se do capítulo XXXVIII, em que comenta e explica o termo granadeces de uma das Cantigas de Santa Maria , de Afonso X, consoante a lição adotada pelo Padre Augusto Magne e oriunda da edição de Valmar:

Num dos seus excertos [da edição Magne] alude-se à Vir- gem que abate os corações soberbos e ao mesmo tempo eleva os humildes ... provezendo Tas santas “granadeces”, quer dizer “aumentando as tuas santas excelências”, diz o poeta. Assim explica o Padre Magne, em nota, apontando outros exemplos do poema em que ocorre a palavra “granadece” sem, todavia, nos dizer donde ela se formou. E é o que vou explanar agora. A palavra “granadece” deriva de “granado”, por sua vez deri- vado de “grano” = grão. Uma messe “granada” era a messe já em grão e, portanto, va- lorizada, de grande apreço. A “granadece” é a preciosidade e excelência ou perfeição.

Granadece , conforme explica Mettmann na introdução à sua edição, é grafia que ocorre erradamente no texto, ao lado da autêntica grãadeces , “grandezas”; de modo que granadece nada tem que ver com grano ou grão , mas com grande , o que põe por terra a conjetura do nosso autor. Apesar de senões deste teor, o investigador que desejar reunir mate- rial neste campo da lexicologia portuguesa terá de partir de uma leitu-

XIV (^)  João Ribeiro

Dizia-me um amigo da Bib. Nac.: para que V. há de ser besta, gastar o tempo em tomar notas, para depois perder? Disse a pura verdade e como invejo meus amigos Vale Cabral e Said Ali! ( Correspondência de Capistrano de Abreu , ed. José Honório Rodrigues, II, p. 168)

Aqui e ali, nas suas obras, deixa-nos J. R. entrever que a minha con- jetura muito se aproxima da verdade. No Fabordão , por exemplo, livro publicado depois das Frases Feitas , confessa-nos o autor:

Indiquei a frase [ Victor, amigos ] de passagem e em conjunto com outros latinismos. O trecho de Carol. Michaëlis está efetivamente nos seus Studien zur romanischen Wortschöpfung (1876); citei de me- mória e pouco apropriadamente (...); provavelmente eu teria to- mado nota que não pude verificar (...) (p. 79 n. 9 da 2.a^ Ed.).

Sentiu-o também Augusto Meyer:

Escreveu [J. R.] muito, coligiu muita cousa em livro, no seu caso a quantidade não chegou a prejudicar a qualidade (...). É claro que às vezes lucraria a qualidade não só de estilo como de sistematização da pesquisa e rigor da informação, com menos pedra e mais cimento. A revisão cuidadosa dos textos ci- tados, por exemplo, viria mostrar que nem sempre desconfiava de sua memória, ou se empenhava mais a fundo na verificação dos originais. ( A Chave e a Máscara , Edições O Cruzeiro, 1964, p. 198-199)

Ao revelar-nos Joaquim Ribeiro que o pai preparava uma segunda edição das Frases Feitas , não no-la situa no tempo; todavia, pelas datas de obras citadas, é possível estabelecer o ano de 1923 como o marco

XVI (^)  João Ribeiro

ad quem para a elaboração do texto corrigido e melhorado. Embora a folha de rosto anuncie que este novo texto traz “numerosos acrésci- mos e comentários da crítica”, a verdade é que um levantamento cui- dadoso nos vai apontar mais “acréscimos” do que “comentários da crítica”. Se a data ad quem acima indicada não está longe da verdade, faltou o acréscimo de alguns estudos de fraseologia do próprio João Ribeiro. Para referir-me a um só exemplo, lembro o artigo intitulado Estudos de fraseologia , saído no número 3 da Revista de Língua Portuguesa , de Laudeli- no Freire, de janeiro de 1920. Aí o autor estuda as frases esperar por sa- patos de defunto ; grous de Ibico e falar francês , esta última quer com o sentido de “dizer as verdades como são”, quer com o de “pagar de contado, dinheiro à vista”, aqui acompanhado do gesto expressivo pela fricção do polegar com o indicador da mão direita. Nenhuma destas expres- sões foi contemplada nas Frases Feitas da 2 a^. ed. Se a primeira tarefa – a edição crítica das Frases Feitas se mostra complexa –, não menos delicada será a segunda: o rastreamento da bi- bliografia de que se serviu João Ribeiro para a elaboração do livro, quer no que toca a obras de natureza literária e histórica, quer a livros e artigos de matéria propriamente linguística. Feito este levantamento, poderemos acompanhar o que dessas fontes colheu nosso autor como fonte de informação, até que ponto soube manipular os dados já co- lhidos e conhecidos para dar um passo adiante dos seus antecessores, até que ponto são plausíveis ou não suas conjeturas e as razões por que o são ou deixam de sê-lo. Também se deva assentar que a investigação das frases feitas, como de outras manifestações do que Eugenio Coseriu chama dis- curso repetido , é da competência do linguista, do lexicólogo, e não, conforme se deixa entrever na obra de muitos estudiosos destes as- suntos, domínio exclusivo do folclorista. Está claro que o linguista buscará subsídios e dados em domínios das mais variadas ciências

 Frases Feitas^ XVII

 Frases Feitas