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Fragmento da Peça “Auto da Compadecida”. Ariano Suassuna. JOÃO GRILO - Ah isso é comigo. Vou fazer um chamado especial, em verso. Garanto que ela vem, ...
Tipologia: Exercícios
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SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. 26ª ed. Rio de Janeiro: Agir,1993. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/noticia/246438-1. Acesso em 06 de out. de 2018.
Graças a Santa Bárbara, a morte não levou o meu melhor amigo. PADRE (Padre parece meditar profundamente sobre a questão) Mesmo assim, não lhe parece um tanto exagerada a promessa? E um tanto pretensiosa também? ZÉ Nada disso, seu Padre. Promessa é promessa. É como um negócio. Se a gente oferece um preço, recebe a mercadoria, tem que pagar. Eu sei que tem muito caloteiro por aí. Mas comigo, não. É toma lá, dá cá. Quando Nicolau adoeceu, o senhor não calcula como eu fiquei. PADRE Foi por causa desse... Nicolau, que você fez a promessa? ZÉ Foi. Nicolau foi ferido, seu Padre, por uma árvore que caiu, num dia de tempestade. SACRISTÃO Santa Bárbara! A árvore caiu em cima dele?! ZÉ Só um galho, que bateu de raspão na cabeça. Ele chegou em casa, escorrendo sangue de meter medo! Eu e minha mulher tratamos dele, mas o sangue não havia meio de estancar. PADRE Uma hemorragia. ZÉ Só estancou quando eu fui no curral, peguei um bocado de bosta de vaca e taquei em cima do ferimento. PADRE (Enojado) Mas meu filho, isso é atraso! Uma porcaria! ZÉ Foi o que o doutor disse quando chegou. Mandou que tirasse aquela porcaria de cima da ferida, que senão Nicolau ia morrer. PADRE Sem dúvida. ZÉ Eu tirei. Ele limpou bem a ferida e o sangue voltou que parecia uma cachoeira. E que de que o doutor fazia o sangue parar? Ensopava algodão e mais algodão e nada. Era uma sangueira que não acaba mais. Lá pelas tantas, o homenzinho virou pra mim e gritou: corre, homem de Deus, vai buscar mais bosta de vaca, senão ele morre! PADRE E... o sangue estancou?
Na hora. Pois é um santo remédio. Seu vigário sabia? Não sendo de vaca, de cavalo castrado também serve. Mas há quem prefira teia de aranha. PADRE Adiante, adiante. Não estou interessado nessa medicina. ZÉ Bem, o sangue estancou. Mas Nicolau começou a tremer de febre e no dia seguinte aconteceu uma coisa que nunca tinha acontecido: eu saí de casa e Nicolau ficou. Não pôde se levantar. Foi a primeira vez que isso aconteceu, em seis anos: eu saí, fui fazer compras na cidade, entrei no Bar do Jacob pra tomar uma cachacinha, passei na farmácia de “seu” Zequinha pra saber das novidades - tudo isso sem Nicolau. Todo mundo reparou, porque quem quisesse saber onde eu estava, era só procurar Nicolau. Se eu ia na missa, ele ficava esperando na porta da igreja… PADRE Na porta? Por que ele não entrava? Não é católico? ZÉ Tendo uma alma tão boa, Nicolau não pode deixar de ser católico. Mas não é por isso que ele não entra na igreja. É porque o vigário não deixa. (Com grande tristeza) Nicolau teve o azar de nascer burro... de quatro patas. PADRE Burro?! Então esse... que você chama de Nicolau, é um burro?! Um animal?! ZÉ Meu burro... sim senhor. PADRE E foi por ele, por um burro, que fez essa promessa? ZÉ Foi... é bem verdade que eu não sabia que era tão difícil achar uma igreja de Santa Bárbara, que ia precisar andar sete léguas pra encontrar uma, aqui na Bahia... BONITÃO (Que assistiu a toda a cena, um pouco afastado, solta uma gargalhada grosseira) Ele se estrepou. Padre Olavo olha-o, surpreso, como se só agora tivesse notada a sua presença. Bonitão pára de rir quase de súbito, desarmado pelo olhar enérgico do padre. ZÉ Mas mesmo que soubesse, eu não deixava de fazer a promessa.
A Santa Bárbara. PADRE A Iansan! ZÉ É a mesma coisa... PADRE (Grita) Não é a mesma coisa! (Controla-se) Mas continue. ZÉ Prometi também dividir minhas terras com os lavradores pobres, mais pobres que eu. PADRE Dividir? Igualmente? ZÉ Sim, padre, igualmente. (...) PADRE (Dá alguns passos de um lado para outro, de mão no queixo e por fim detém-se diante de Zé-do-Burro, em atitude inquisitorial) Muito bem. E que pretende fazer depois... depois de cumprir a sua promessa? ZÉ (Não entendeu a pergunta) Que pretendo? Voltar pra minha roça, em paz com a minha consciência e quite com a santa. PADRE Só isso? ZÉ Só... PADRE Tem certeza? Não vai pretender ser olhado como um novo Cristo? ZÉ Eu?! PADRE Sim, você que acaba de repetir a Via Crucis, sofrendo o martírio de Jesus. Você que, presunçosamente, pretende imitar o Filho de Deus... ZÉ (Humildemente) Padre... eu não quis imitar Jesus...
(Corta terrível) Mentira! Eu gravei suas palavras! Você mesmo disse que prometeu carregar uma cruz tão pesada quanto a de Cristo. ZÉ Sim, mas isso... PADRE Isso prova que você está sendo submetido a uma tentação ainda maior. ZÉ Qual, Padre? PADRE A de igualar-se ao Filho de Deus. ZÉ Não, Padre. PADRE Por que então repete a Divina Paixão? Para salvar a humanidade? Não, para salvar um burro! ZÉ Padre, Nicolau... PADRE É um burro com nome cristão! Um quadrúpede, um irracional! A Beata sai da igreja e fica assistindo à cena, do alto da escada. ZÉ Mas Padre, não foi Deus quem fez também os burros? PADRE Mas não à Sua semelhança. E não foi para salvá-los que mandou seu Filho. Foi por nós, por você, por mim, pela Humanidade! ZÉ (Angustiadamente tenta explicar-se) Padre, é preciso explicar que Nicolau não é um burro comum... o senhor não conhece Nicolau, por isso... é um burro com alma de gente... PADRE Pois nem que tenha alma de anjo, nesta igreja você não entrará com essa cruz! (Dá as costas e dirige-se à igreja. O sacristão trata logo de segui-lo). ZÉ (Em desespero) Mas Padre... eu prometi levar a cruz até o altar-mor! Preciso cumprir a minha promessa! PADRE