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Tipologia: Teses (TCC)
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Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-graduação em Antropologia
Bianca Zacarias França
A UMBANDA É PARA TODOS, MAS NEM TODOS SÃO PARA A UMBANDA: multiplicidade, pluralismo religioso e gênero em um terreiro de Umbanda Esotérica
Belo Horizonte 2021 Bianca Zacarias França
A UMBANDA É PARA TODOS, MAS NEM TODOS SÃO PARA A UMBANDA: multiplicidade, pluralismo religioso e gênero em um terreiro de Umbanda Esotérica
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Antropologia Social.
Orientador: Prof. Dr. Edgar Rodrigues Barbosa Neto
Belo Horizonte 2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA
Aos 22 (vinte e dois) dias do mês de abril de 2021 (dois mil e vinte e um), reuniu-se, em ambiente virtual, pelo canal do youtube PG-ANTROPOLOGIA UFMG, a Comissão Examinadora para julgar em exame final a dissertação intitulada: "A Umbanda é para todos, mas nem todos são para a Umbanda: multiplicidade, pluralismo religioso e gênero em um terreiro de Umbanda Esotérica" , requisito final para a obtenção do Grau de Mestre em Antropologia, área de concentração: Antropologia Social, linha de pesquisa: Sistemas Simbólicos, Socialidades e Gênero. A Comissão Examinadora foi composta pelos/as professores/as doutores/as: Edgar Rodrigues Barbosa Neto - Orientador (UFMG), Elisa Sampaio de Faria (UFMG) e Isabel Santana de Rose (UFAL). Abrindo a sessão, o Presidente da Comissão, Prof. Edgar Rodrigues Barbosa Neto, após dar a conhecer aos presentes o teor das Normas Regulamentares do Trabalho Final, passou a palavra à mestranda Bianca Zacarias França para apresentação da sua dissertação. Seguiu-se a arguição pela comissão examinadora, com a respectiva defesa da discente. Logo após a arguição dos/as examinadores/as, a Comissão se reuniu, sem a presença da mestranda, para julgamento e expedição do resultado final. Concluída a reunião, os membros da Comissão Examinadora aprovaram a Dissertação por unanimidade e o resultado foi comunicado publicamente à discente pelo Presidente da Comissão. Nada mais havendo a tratar, o Presidente encerrou a reunião e lavrou a presente ATA, que será assinada por todos os membros participantes da Comissão Examinadora. Belo Horizonte, 22 de abril de 2021.
Membros da Comissão Examinadora:
Prof. Dr. Edgar Rodrigues Barbosa Neto (Orientador) Profa. Dra. Elisa Sampaio de Faria Profa. Dra. Isabel Santana de Rose
Documento assinado eletronicamente por Edgar Rodrigues Barbosa Neto , Membro , em 22/04/2021, às 16:55, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 5º do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020. Documento assinado eletronicamente por Isabel Santana de Rose , Usuário Externo , em 22/04/2021, às 17:52, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 5º do Decreto
nº 10.543, de 13 de novembro de 2020.
Documento assinado eletronicamente por Elisa Sampaio de Faria , Técnica em Assuntos Educacionais , em 22/04/2021, às 18:57, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento noart. 5º do Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de
Referência: Processo nº 23072.218876/2021-03 SEI nº 067096
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Esse trabalho nasceu do encontro e foi com cada um deles que aprendi sobre as diferentes possibilidades de existência múltiplas nos mundos e, com a certeza de não andar só, entendo que eu e esse trabalho somos feitos por essa multiplicidade de pessoas, seres e forças. Assim, só existe a terceira pessoa do plural, não em modo impessoal, mas totalmente implicado, somos. Agradeço, primeiramente, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento que tornou a feitura dessa dissertação possível, à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ao Departamento de Pós-Graduação em Antropologia (PPGAN), em especial à Aninha - secretária do Programa – que sempre me auxiliou com ternura. Esse estabelecimento de ensino fez parte de minha formação educacional e pessoal desde a infância quando estudava no Centro de Desenvolvimento da Criança - CDC / Creche UFMG. Ainda pequena passava alguns turnos do dia, acompanhando meu pai em seu trabalho como técnico administrativo da UFMG. Muitos desses anos de serviço foram dedicados à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - FAFICH, sendo essa uma paisagem familiar e afetiva para mim. Eu o perguntava o que aquelas pessoas que eu via cotidianamente faziam naquele prédio e ele me respondia que elas estavam estudando. Acredito que, como uma prefiguração do que um dia viria a ser, eu o retruquei, afirmando que eu também estudaria ali. Agradeço também ao Professor Edgar por me orientar, me inspirar e me acompanhar tão generosamente desde a graduação. Além das aulas, reuniões e da leitura atenta e agregadora que me auxiliou a concluir a escrita desse texto. Dessa forma, também estendo os agradecimentos, na oportunidade da banca para defesa da dissertação, à Dra. Elisa Sampaio, à Profa. Dra. Isabel Santana de Rose e à Profa. Érica Renata de Souza, cujas aulas sobre gênero e ciência me inspiraram muito e contribuíram para a elaboração dessa dissertação. Agradeço muitíssimo ao meu amigo e antropólogo Guilherme por me apoiar na vida e também nesse processo de pesquisa com sua leitura atenciosa. Como anunciado pelo guardião, estamos no mesmo barco! Sou grata sobretudo as pessoas, entidades e forças que povoam o meu viver e esse texto, incorporando e ativando nessas palavras suas próprias agências, perspectivas e modos de pensar. Desse modo, gratidão ao Sr. Pena Azul, Sr. Corcunda, Pai Arruda, Juquinha, Gustavo, por me permitirem pesquisar no e com o terreiro, além de Sete Luas, Sr. Marabô, Julinha, Preto Velho de Moçambique, Otávio, Kamilla, Tobias, Flávio, Ana Paula,
Luanna, Fernando, Mariana, Pedro, Fernanda, Flávia, Victor, Felipe, Cida, Marcos, Conceição, Pomba-gira Maria Bonita, Cirlene, Sra. Sete Ventanias, Inês, Dani, Lorena, Suely, Mari, Rafael, Édina, Wesley, Leonardo, Thiago, Verônica, Gi, Tata, Wagner, Ricardo, Cíntia, Weida, Carol Mascarenhas, Carol Lopes e tantos outros irmãos e irmãs que fazem parte da minha família espiritual. Obrigado, TUÉS, minha mãe de Umbanda e meu pai Xangô, por me acolher nos momentos mais difíceis e me aceitar como sua filha- de-fé. Axé! Anaraum! Saravá!Agô! Agradeço também a herança de fé deixada por minha avó Ruth e continuada com amor e dedicação, no Centro Espírita de Umbanda Inhá Chica e Pai Jacob de Imbaé, pelo meu tio Antônio, tia Luzia, Lu e Camila. Agradeço aos grandes amores da minha vida Marilda (mama África, a minha mãe), Fernando (meu poeta preferido), Yago, Nina, Vovó Lia, Pima, Dinda e Roberto: obrigada por sempre serem meu porto. Sem vocês, nada seria possível e, como nos diz João Nogueira, em Além do Espelho ,
Quando eu olho o meu olho além do espelho Tem alguém que me olha e não sou eu Vive dentro do meu olho vermelho É o olhar do meu pai que já morreu O meu olho parece um aparelho De quem sempre me olhou e protegeu Assim como meu olho dá conselho Quando eu olho no olhar de um filho meu
A vida é mesmo uma missão A morte é uma ilusão Só sabe quem viveu Pois quando o espelho é bom Ninguém jamais morreu
Esta dissertação, organizada em três capítulos, é resultado de um trabalho etnográfico em um terreiro de Umbanda Esotérica na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. O objetivo é compreender como uma cosmologia tão múltipla, definida pelos umbandistas como afro- universalista, atravessa a composição e a topologia de forças de territórios, como o terreiro e o corpo, que são polarizados pelo gênero, como um organizador ritual, e povoados por seres outros. Exu e o tempo aparecem como grandes promotores de encontros que cruzam os caminhos - linhas de força biográfica – dos/das médiuns com o terreiro e com seus guias. Nos mostrando que nem tudo que se ajunta se mistura, o estilo pluralista ou politeísta parece dar o tom da arte de unir a diferença sem se acabar com heterogeneidade nem perder seu pertencimento umbandista.
Palavras-chave: Umbanda. Gênero. Pluralismo religioso.
This dissertation, organized in three chapters, is the result of an ethnographic work in an Umbanda Esoterica’s terreiro in the city of Belo Horizonte, Minas Gerais. The objective is to understand how such a multiple cosmology, defined by Umbandists as afro-universalist, crosses the composition and topology of territorial forces, such as the terreiro and the body, which are polarized by gender, as a ritual organizer, and populated by other beings. Exu and time appear as great promoters of encounters that cross paths - lines of biographical strength - of the mediums with the terreiro and their guides. Showing us that not everything that comes together is mixed, the pluralist or polytheistic style seems to set the tone of the art of uniting difference without ending heterogeneity or losing its Umbanda belonging.
Keywords: Umbanda. Gender. Religious pluralism.
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O terreiro me parece, antes de tudo, um lugar naturalmente dado aos encontros e seus habitantes – médiuns, exus/pomba-giras, caboclos/caboclas, pretos velhos/pretas velhas, crianças, seres extraterrenos, seres intraterrenos, seres da natureza – são especialistas em uma política cósmica da diferença entre mundos múltiplos, divergentes e, por vezes, perigosos. Propor uma igualdade não necessariamente equivalente, mas na diferença e a mantendo enquanto tal, é o que possibilita que o Preto Velho de Moçambique, uma entidade africana, tenha uma oração do perdão de uma religião de origem japonesa, a Seicho-no-ie, como opção em seu receituário, nos ensinando que, assim como nós, esses seres outros também estão em movimento, se modificando, criando sua própria história de vida e, de alguma forma, sendo coetâneos a nós. Um lugar tão múltiplo como o terreiro, capaz de se desdobrar em terreiro material e terreiro espiritual e que é, ao mesmo tempo cidade, mar, mata, rio, cemitério, pedreira, encruzilhada, abarca seres tão múltiplos quanto ele próprio. Existências que se desdobram, se deslocam e se diferenciam de si mesmas, fazendo da diferenciação e da pluralidade um modo intrínseco de estar no mundo. Esse estilo afro-universalista e confluente (SANTOS, 2015), no qual nem tudo que se ajunta se mistura, une religiosidades orientais – como o Hinduísmo, Taoísmo, Budismo - Cabala, Cristianismo, Ocultismo, Ifá, astrologia, oráculos - como tarô, quirologia e oponifá, sociedades antiquíssimas como a Atlântida e Lemúria e os conceitos de genealogia das raças, rondas cósmicas (cada 2.100 anos) de Helena Petrovna Bavatsky. Essa cosmologia afeta a geografia, a topologia de forças, a arquitetura e organização ritual, os conceitos e teorias nativas sobre corrente mediúnica , corpo, noção de pessoa e aprendizagem no terreiro, compondo uma epistemologia umbandista , que é complexa, reflexiva, formadora de conceitos, teoria, práticas e ontologias nativas que não são apenas “boas para pensar”. Dessa forma, a dissertação se encontra organizada em três capítulos: o primeiro apresenta as trajetórias e biografias , aqui chamadas de linha de força biográfica, que se atravessam e se cofundem com a própria história do terreiro pesquisado, de seu fundador, Luís Gustavo, e da cidade. É exu, como senhor dos caminhos e ser múltiplo (orixá, desencarnado, elementar), quem promove o cruzamento , dessas histórias corporificas e faz a magia acontecer dentro da grande encruzilhada do terreiro. Assim, os seres e forças que habitam a Umbanda também povoam a cidade e acompanham o movimento de seus médiuns de Belo Horizonte à Nova York. O terreiro, como local privilegiado das manifestações
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Capítulo 0 - Abertura da dissertação-gira: dupla iniciação, o trabalho de campo e a metodologia de abertura
Quando a gente se abre para a espiritualidade, a espiritualidade se abre para a gente (Pai Arruda)
(Figura 1: Congá do TUÉS – Foto tirada por Luís Gustavo em um rito de iniciação em 2015)
0.1. A chegada no campo
No Templo Universalista e Espiritualista Solar - TUÉS, terreiro de Umbanda Esotérica parceiro dessa pesquisa e onde o trabalho de campo se desenvolveu, o tempo é povoado. Cada intervalo de hora possui a regência de um orixá, de uma vibração , de uma linha da Umbanda, há espaço para a coexistência de todas as forças e tudo, na gira , tem o tempo correto de ocorrência da magia. O segredo parece ser saber compor com essas forças e entender que o tempo é um grande regente ritual e que entidades, guias e mentores, coetâneos
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a nós, têm a habilidade de dobrar o tempo sobre si, causando efeitos, fissuras e aberturas no mundo, provocando o encontro do passado, do presente e do futuro. Desse modo, a passagem do tempo transforma, fortalece e evidencia encontros com forças e agencias não humanas, aproximando a pessoa da sua rede de orixás, pretos velhos/pretas velhas, pomba-giras/exus, caboclos/caboclas, erês, mentores... que conduzem, ensinam e relembram compromissos firmados e caminhos a serem percorridos. Um momento que materializou essa percepção em mim foi um curto diálogo ocorrido, em um rito interno de agosto de 2020, entre a mãe- pequena^1 , Ana Paula, e o seu irmão e sacerdote da casa, Luís Gustavo. Os ritos ou giras são cerimônias ritualísticas que envolvem, no caso da Umbanda, a louvação, a cura e o aconselhamento por meio de consultas espirituais prestadas por entidades incorporadas em seus médiuns. No caso do TUÉS, existem dois tipos: ritos internos ou de convivência , voltados para o grupo interno do terreiro, a chamada corrente , e seu desenvolvimento mediúnico, e ritos públicos dirigido à comunidade externa. Ana, na ocasião do rito interno de 2020, disse ao sacerdote que havia trazido pilhas para o relógio que fica na parede oposta ao altar e que costumava sempre estar sem bateria e em descompasso com a hora oficial. Então, o líder espiritual, brincando, respondeu “ na hora certa ” e Ana replicou, dizendo: “ é porque aqui não existe tempo ”. Essas palavras revelam justamente uma qualidade do terreiro como um lugar de dobras temporais e também epistêmicas. Assim também é a escrita: depende do tempo e não se separa do ato de viver (Caputo, 2012, p.9). Cossard-Binon (1970) nos lembra, citando as matriarcas do terreiro com o qual trabalhou em sua tese de doutorado sobre o Candomblé Angola e seu ilustre Pai de Santo, Joãozinho da Gomeia, que o tempo não gosta do que se faz sem ele. É o tempo quem costura as relações, afetos, confiança, precipita a aprendizagem e encaminha, junto com Exu, os bons e os maus encontros. Escrever é, como nos adverte Geertz (2000), essa ordem inversa das coisas - primeiro você escreve e depois descobre sobre o que está escrevendo, deixando de lado qualquer prentensão à alta ciência e à técnica superior, ou seja, não começamos com ideias bem formadas. Escrever me parece mais com o que Silva (2006, p.9) descreve sobre os ritos iniciáticos da cabula, modalidade de culto afro-brasileiro registrada em fins do século XIX, no qual “o adepto deveria entrar no mato com uma vela apagada e voltar com ela acesa, sem ter levado meios para acendê-la, e trazer, ainda, o nome do seu protetor”. O lugar da pesquisadora, como nos disse Bastide (2001, p.25), guarda semelhanças com a da iniciada, o
(^1) Pai-pequeno ou mãe pequenas são posições ocupadas no terreiro de Umbanda e Candomblé por aqueles que são imediatos aos líderes na hierarquia espiritual das casas. Dividem a responsabilidade dos ritos e trabalhos com o pai ou mãe-de-santo, podendo eventualmente substituir o sacerdote ou a sacerdotisa em suas funções.
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que eu via ali impressionava meus sentidos e me provocava emoções diversas: os cheiros, os sons dos atabaques, as incorporações e as grandes imagens de Jesus e Yemanjá, que ficam nos altares da casa. Mesmo com o nosso afastamento, questionava meu pai sobre a história da Umbanda e do Centro da família, sobre como funcionavam as incorporações, porque as pessoas se movimentavam daquela forma e seus olhos ficavam totalmente brancos e quem eram os guias e os Orixás. Como resposta, meu pai me contava relatos sobre fenômenos místicos provocados pelas entidades de Tia Elza, como quando Nhá Chica^3 , sua mentora, descia no terreiro e deixava tudo com um incrível cheiro de rosas. As entidades e guias, tanto para a comunidade do TUÉS quanto para a do Centro da minha família, podem ser aqueles espíritos de grande valor e experiência que já viveram uma vida terrena ou energias originárias de outros lugares do universo que, por benevolência, incorporam em seus médiuns para aconselhar, guiar e auxiliar a humanidade a evoluir moral e espiritualmente. Em 2014, conheci Luís Gustavo, chefe espiritual do TUÉS, em um churrasco familiar ao qual havia sido convidada. Acompanhando o clima de descontração do ambiente, fui apresentada a ele, que dirigia a churrasqueira animadamente. Suas primeiras palavras foram sobre a qualidade da minha energia e, em um outro momento da festa, Gustavo disse para sua mãe, Dona Graça, que era mãe-pequena do Templo naquela época: “ ela vai lá no terreiro na terça ” (se referindo a mim). Eu, meio sem ter muita certeza ainda, ri e consenti com a cabeça. Quando estava indo embora do local, o sacerdote, que também é quiromante - alguém que entende as mãos e seus sinais como uma forma de oráculo, leu as minhas mãos e fez afirmações sobre minha vida pretérita, meu presente e meu futuro, identificando ali, nas linhas das minhas palmas, o que eu conceituo nesse trabalho como linhas de força biográficas , que compunham meu caminho e que, de alguma forma, se encontraram com as do TUÉS, com as dos meus irmãos-de-fé , guias e entidades. Nos dias que se seguiram aquela intrigante interação, fiquei hesitante sobre comparecer ao rito para o qual havia sido convidada, mas assim o fiz. Em uma terça-feira de rito público de exu do ano de 2014, eu e meu pai estávamos lá, olhando atentos para tudo o que acontecia. O local não apresentava nada que o identificasse externamente como um terreiro e aparentemente era uma garagem com um grande portão branco. Próximo à entrada externa, se formava uma longa fila, na qual um médium vestido de branco ia distribuindo as senhas para os atendimentos com as entidades. Aqueles que estavam indo à casa pela primeira
(^3) Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica, nasceu em São João Del Rei (MG) por volta de 1810. A filha de ex- escrava, em Baependi, passou a ser conhecida como “Mãe dos Pobres” e é a ela atribuídos consideráveis milagres. O Papa Bento XVI, em 2012, assinou o Decreto de Beatificação de Nhá Chica (SILVA, 2013). O Centro tem a beata, juntamente com Pai Jacob de Embaé e José da Silva, como patrona.
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vez, como era o meu caso e o de meu pai, recebiam fichas amarelas, o que indicava que seriamos atendidos pelo guia chefe da sessão, o Sr. Exu Corcunda. Isso ocorria para que houvesse uma espécie de triagem ou um primeiro combate em relação às forças que acompanhavam os consulentes e poderiam ser maléficas de alguma forma ao terreiro. Entretanto, aquelas pessoas que já haviam ido ao menos uma vez nas giras recebiam uma ficha numerada azul. Por volta das 20h, entramos em um pequeno corredor, que findava na casa de força dos exus ou tronqueira. Essa é um ponto de força ou assentamento dos exus e pomba-giras, que, em geral, se localiza na parte mais externa dos terreiros e se destina à proteção, funcionando como fio terra para as energias que circulam nas casas. A tronqueira do TUÉS possuía uma vela de sete dias branca e um pequeno jarro de barro com marafo (cachaça) em cima de um mapa com os pontos cardeais sustentado por uma estrutura de madeira e vidro. Atrás dessa estrutura, existia um grande cristal conectado a um fio que descia até encostar no chão e fixado na parede, em um quadrado de madeira, estava um ponto riscado direcionador da energia que se dirigia para aquele local. O ponto riscado , mais do que identificar a entidade que o traça, também indicaria as ordens e as linhas às quais ela está filiada (OLIVEIRA, 2017, p. 168). São formados por uma combinação de “flechas sinuosa” (erês), “flechas curvas” (caboclos), “flechas retas” (preto velho), além de um segundo sinal chamado de chave , que ao total são sete – uma para cada linha. Essas iconografias também podem apresentar outros ideogramas para evidenciar o grau hierárquico de uma entidade espiritual, a chama raiz , que somam 21 – três para cada uma das sete linhas (OLIVEIRA, 2017, p. 169). Entretanto, o seu domínio é algo restrito para as iniciadas e os iniciados do TUÉS. As pessoas que passavam pelo corredor de entrada saudavam a tronqueira antes de entrar em um pequeno salão com cadeiras de plástico distribuídas cuidadosamente para deixar livre o caminho do meio entre o congá^4 e a casa de exu. Isso porque, como foi me explicado posteriormente, toda a energia que circula pelo terreiro seria liberada ali, na casa de força. Entretanto, até então essas eram questões que eu ainda não tinha conhecimento. Assim, eu e meu pai nos sentamos e aguardamos o início da gira. Á nossa frente, havia um altar de mármore branco diante de uma parede pintada de azul – cor que evidência o predicado do patrono do TUÉS, Caboclo Pena Azul, como um guia ligado à Oxóssi, além de ser considerada a cor da espiritualidade. Sobre o altar, estavam duas grandes conchas, taças com água, cristais, flores, uma cruz de madeira com inscrições e um castiçal com uma vela palito branca já um pouco derretida. Na parede azul, estava fixada uma estrela também azul
(^4) Altar.