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Guias e Dicas
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Discurso preliminar sobre o espírito positivo, Manuais, Projetos, Pesquisas de Geografia

livro de Algusto Comte

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2010

Compartilhado em 04/05/2010

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jose-leonardo-nery-silva-11 🇧🇷

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Copyright ©
Autor: Augusto Comte
Tradução: Renato Barboza Rodrigues Pereira
Edição eletrônica: Ed Ridendo Castigat Mores (www.jahr.org)
DISCURSO PRELIMINAR SOBRE O ESPÍRITO
POSITIVO
Augusto Comte
ÍNDICE
BIOGRAFIA DO AUTOR
DISCURSO SOBRE O ESPÍRITO POSITIVO
OBJETO DESTE DISCURSO
PARTE I SUPERIORIDADE MENTAL DO ESPÍRITO POSITIVO
Discurso preliminar sobre o espírito positivo
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Copyright © Autor: Augusto Comte Tradução: Renato Barboza Rodrigues Pereira Edição eletrônica: Ed Ridendo Castigat Mores (www.jahr.org)

DISCURSO PRELIMINAR SOBRE O ESPÍRITO

POSITIVO

Augusto Comte

ÍNDICE

BIOGRAFIA DO AUTOR

DISCURSO SOBRE O ESPÍRITO POSITIVO

OBJETO DESTE DISCURSO

PARTE I SUPERIORIDADE MENTAL DO ESPÍRITO POSITIVO

Capítulo I – Lei da Evolução Intelectual da Humanidade ou Lei dos Três Estados.

Capítulo II – Destino do Espírito Positivo.

Capítulo III – Atributos Correlatos do Espírito Positivo e do Bom Senso

PARTE II SUPERIORIDADE SOCIAL DO ESPÍRITO POSITIVO

Capítulo I –Organização da Revolução

Capítulo II – Sistematização da Moral Humana

Capítulo III – Surto do Sentimento Social

PARTE III CONDIÇÕES DO ADVENTO DA ESCOLA POSITIVA (Aliança dos Proletários e dos Filósofos)

Capítulo I – Instituição de um Ensino Popular Superior

Capítulo II – Instituição de uma Política Especialmente Popular

Capítulo III – Ordem Necessária dos Estudos Positivos

CONCLUSÃO – APLICAÇÃO AO ENSINO DA ASTRONOMIA

NOTAS

BIOGRAFIA DO AUTOR

Comte, cujo nome completo era Isidore-Auguste-Marie-François-Xavier Comte, nasceu em 19 de janeiro de 1798, em Montpellier, e faleceu em 5 de setembro de 1857, em Paris. Filósofo e auto-proclamado líder religioso, deu à ciência da Sociologia seu nome e estabeleceu a nova disciplina em uma forma sistemática.

Foi aluno da célebre École Polytechnique, uma escola em Paris fundada em 1794 onde se ensinava a ciência e o pensamento mais avançados da época. De família pobre, sustentou seus estudos com o ensino ocasional da matemática e oportunidades no jornalismo.

Um de seus primeiros empregos foi o de secretário do Conde Henri de Saint-Simon, o primeiro filósofo a ver claramente a importância da organização econômica na sociedade moderna, e cujas idéias Comte absorveu, sistematizou com um estilo pessoal e difundiu.

Comte foi apresentado ao filósofo, então diretor do periódico Industrie, no verão de 1817. Saint-Simon, um homem de fértil, mas tumultuada e desordenada criatividade, então quase sessenta anos mais velho que Comte, foi atraído pelo jovem brilhante que possuia a capacidade treinada e metódica para o trabalho

Durante os anos da concentração intensa quando escreveu o Cours, Comte foi incomodado não somente por dificuldades financeiras e as frustradas tentativas de emprego acadêmico. Também sofreu críticas do mundo científico por parte de importantes figuras que o ridicularizavam pela sua pretensão de submeter ao seu sistema todas as ciências. A mágoa agravou seu estado psicológico. Por razões "de higiene cerebral", decidiu-se, em 1838, a não ler mais uma linha de qualquer trabalho científico, limitando-se à leitura de ficção e poesia. Em seus últimos anos o único livro que haveria de ler repetidamente seria o "Imitação de Cristo". Sua vida matrimonial, que sempre fora tempestuosa, também se desfez. Comte teve várias separações de Caroline, que não suportava os seus fracassos e terminou por deixá-lo definitivamente em 1842.

Só e isolado, continuou a atacar os cientistas que se recusaram a reconhecê-lo. Queixou-se de seus inimigos aos ministros do Rei, escreveu cartas delirantes à imprensa e atormentou a paciência de seus poucos restantes amigos. Criando demasiado inimigos na École Polytechnique, sua nomeação como o examinador não foi renovada em 1844. Perdeu com isto a metade de sua renda. (iria perder também a posição de assistente na École em 1851.)

Contudo apesar de todos estas adversidades, Comte começou lentamente a adquirir discípulos. E mais importante para ele foi que, além de encontrar alguns discípulos franceses notáveis, tais como o eminente intelectual Emile Littre, era o fato de que sua doutrina positiva havia atravessado o Canal e recebera considerável atenção na Inglaterra. David Brewster, um físico eminente, saudou-o nas páginas do Edinburgh Review em 1838 e, o mais gratificante de tudo, John Stuart Mill transformou-se em seu admirador, citando-o em seu System of Logic (1843) como um dos principais pensadores europeus. Comte e Mill se corresponderam regularmente, e serviu a Comte não somente para refinar seus pensamentos como também para desabafar com o filósofo inglês as tribulações de sua vida conjugal e as dificuldades de sua existência material. Mill arrecadou entre admiradores britânicos de Comte uma soma considerável em dinheiro e lhe enviou como socorro para suas dificuldades financeiras.

No mesmo ano de 1844, Comte conheceu Clotilde de Vaux, por quem se apaixonou. Ela era uma mulher de trinta anos abandonada pelo marido, um funcionário público do baixo escalão, que havia fugido do país depois de se apropriar de fundos do governo. Um irmão de Clotilde que havia sido aluno de Comte na Escola Politécnica, e o convidou a ir à casa de seus pais, onde lhe apresentou a irmã.

Comte ficou inteiramente seduzido por ela. Sua paixão teve, porém, um desdobramento inusitado. Clotilde estva impedida pela lei de casar-se achando-se o seu marido foragido. Auguste Comte tinha então quarenta e sete anos, e havia se separado três anos antes de sua mulher. Acabara de concluir seu monumental Cours de philosophie positive, e se preparava para escrever o que pretendia que seria sua principal obra, o Système de politique positive, da qual ele considerava o Cours de philosophie como apenas uma introdução. Entusiasmado com a própria paixão, Auguste Comte afirma que nada pode ser mais eficaz para o bem pensar que o bem querer, e se tornou um abrasado feminista. Afirmava que a mulher encarnava o sentimento e portanto, em última análise, a própria Humanidade. Buscou então seriamente associar o sexo feminino, na pessoa de Clotilde, à obra de renovação social e moral que se impôs completar. Clotilde tentou colaborar, através de um romance filosófico, Wilhelmine, que ela se pôs febrilmente a escrever. Mas adoeceu de tuberculose e veio a falecer em 1846.

Comte devotou o resto de sua vida à memória do "seu anjo". O Système de politique positive, que tinha começado a esboçar em 1844 e no qual completou sua formulação da sociologia, iria transformar-se em um memorial a sua amada. Cinco anos mais tarde, em 1851, ao publicar essa obra, dedicou-a a Clotilde,

dizendo esperar que a humanidade, reconhecida, haveria de lembrar sempre seu nome junto ao dela.

No Système de politique positive, Comte, voltando-se contra a doutrina do mestre Saint-Simon, defendeu a primazia da emoção sobre o intelecto, do sentimento sobre a racionalidade; e proclamou repetidamente o poder curativo do calor feminino para a humanidade dominada por tempo demasiado pela aspereza do intelecto masculino. Por outro lado, maquiou a proposta de disciplina eclesiástica de Saint-Simon criando a Religião da Humanidade.

Quando o Système apareceu entre 1851 e 1854, Comte escandalizou e perdeu a maioria dos seguidores racionalistas que ele havia conquistado com tanta dificuldade nos últimos quinze anos. John Stuart Mill e Emile Littre não aceitaram que o amor universal fosse a solução para todas as dificuldades da época. Tão pouco aceitariam a Religião da Humanidade da qual Comte se proclamou agora o sumo sacerdote. A observação dos rituais múltiplos segundo o calendário anual, os detalhes da elaborada liturgia indicavam que o antigo profeta do estágio positivo havia regressado às trevas do estágio teológico. Comte passou a assinar suas circulares - aos novos discípulos que conseguiu reunir - como "fundador da religião universal e sumo sacerdote da humanidade". Tentou converter o Superior Geral dos Jesuítas à nova fé e comparou suas circulares aos discípulos com as epístolas de São Paulo. Fundou a Societé Positiviste, que se transformou no centro principal de seu ensino. Os membros se cotizaram para assegurar a subsistência do mestre e fizeram os votos de espalhar sua mensagem. As missões se instalaram, na Espanha, Inglaterra, Estados Unidos, e na Holanda. Cada noite, das sete às nove, exceto nas quartas-feiras quando a Societé Positiviste tinha sua reunião regular, Comte recebia seus discípulos em sua casa em Paris: políticos, intelectuais e operários, que lhe votavam grande respeito e veneração. Comte estava longe do entusiasmo republicano e libertário de sua juventude. O moto da Igreja Positiva era amor, ordem e progresso. O jovem estudante de passeata agora pregava as virtudes do amor, da submissão e a necessidade da ordem para o progresso social.

Em 1857, Comte, após alguns meses de enfermidade, faleceu a cinco de setembro. Um grupo pequeno de discípulos, de amigos, e de vizinhos seguiu seu esquife ao cemitério de Pere Lachaise. Seu túmulo transformou-se no centro de um pequeno cemitério positivista onde estão sepultados, perto do mestre, seus discípulos mais fiéis.

Pensamento. A contribuição principal de Comte à filosofia do positivismo foi sua adoção do método científico como base para a organização política da sociedade industrial moderna, de modo mais rigoroso que na abordagem de Saint Simon. Em sua Lei dos três estados ou estágios do desenvolvimento intelectual, Comte teorizou que o desenvolvimento intelectual humano havia passado historicamente primeiro por um estágio teológico, em que o mundo e a humanidade foram explicados nos termos dos deuses e dos espíritos; depois através de um estágio metafísico transitório, em que as explanações estavam nos termos das essências, de causas finais, e de outras abstrações; e finalmente para o estágio positivo moderno. Este último estágio se distinguia por uma consciência das limitações do conhecimento humano. As explanações absolutas consequentemente foram abandonadas, buscando-se a descoberta das leis baseadas nas relações sensíveis observáveis entre os fenômenos naturais.

Comte tentou também uma classificação das ciências; baseada na hipótese que as ciências tinham desenvolvido da compreensão de princípios simples e abstratos à compreensão de fenômenos complexos e concretos. Assim as ciências haviam se desenvolvido a partir da matemática, da astronomia, da física, e da química para a biologia e finalmente a sociologia. De acordo com Comte, esta última disciplina não somente fechava a série mas também reduziria os fatos sociais às leis científicas e sintetizaria todo o

Temerariamente, porém, foi mais adiante que seu mestre quando afirmou que os fenômenos sociais poderiam ser reduzidos a leis da mesma maneira que as órbitas dos corpos celestes haviam sido explicadas pela teoria gravitacional quase trezentos anos antes.

DISCURSO SOBRE O ESPÍRITO POSITIVO

OBJETO DESTE DISCURSO

  1. O conjunto dos conhecimentos astronômicos não deve mais ser considerado isoladamente, como até aqui, mas constituir de ora avante apenas um dos elementos indispensáveis do novo sistema indivisível de filosofia geral que hoje atingiu finalmente sua verdadeira maturidade abstrata, depois de ter sido gradualmente preparado pelo concurso espontâneo dos grandes trabalhos científicos dos três últimos séculos. Em virtude desta íntima conexidade, ainda pouco compreendida, a natureza e o destino deste Tratado não poderão ser devidamente apreciados se este preâmbulo imprescindível não for consagrado sobretudo à definição conveniente do verdadeiro e fundamental espírito desta filosofia, cuja instalação universal deve ser, no fundo, o objetivo precípuo de semelhante ensino. Como ela se distingue principalmente pela continua preponderância, a um tempo lógica e científica, do ponto de vista histórico ou social, devo antes de tudo, para melhor caracterizá-la, lembrar de modo sumário a grande lei que estabeleci, em meu Sistema de Filosofia Positiva, sobre a evolução total da Humanidade, lei à qual os nossos estudos astronômicos hão de recorrer com freqüência.

I PARTE SUPERIORIDADE MENTAL DO ESPÍRITO POSITIVO

CAPÍTULO I LEI DA EVOLUÇÃO INTELECTUAL DA HUMANIDADE OU LEI DOS TRÊS ESTADOS

  1. De acordo com esta doutrina fundamental, todas as nossas especulações estão inevitavelmente sujeitas, assim no indivíduo como na espécie, a passar por três estados teóricos diferentes e sucessivos, que podem ser qualificados pelas denominações habituais de teológico, metafísico e positivo, pelo menos para aqueles que tiverem compreendido bem o seu verdadeiro sentido geral. O primeiro estado, embora seja, a princípio, a todos os respeitos, indispensável deve ser concebido sempre, de ora em diante, como puramente provisório e preparatório; o segundo, que é, na realidade, apenas a modificação dissolvente do anterior, não comporta mais que um simples destino transitório, para conduzir gradualmente ao terceiro; é neste, único plenamente normal, que consiste, em todos os. gêneros, o regime definitivo da razão humana.

I. Estado teológico ou fictício

  1. No seu primeiro surto, necessariamente teológico, todas nossas especulações manifestam de modo espontâneo uma predileção característica pelas mais insolúveis questões, pelos assuntos mais radicalmente inacessíveis a qualquer investigação decisiva. O espírito humano, numa época em que está ainda abaixo dos mais simples problemas científicos, por um contraste, que em nossos dias deve parecer-nos à primeira vista inexplicável, mas que, no fundo, se acha então em plena harmonia com a verdadeira situação inicial da nossa inteligência, procura avidamente, e de maneira quase exclusiva, a origem de todas as coisas, as causas essenciais, quer primárias, quer finais, dos diversos fenômenos que o

impressionam, e seu modo fundamental de produção, em uma palavra, os conhecimentos absolutos. Esta necessidade primitiva se acha naturalmente satisfeita tanto quanto o exige tal situação é mesmo, de fato, tanto quanto o possa jamais ser, por nossa tendência inicial a transportar por toda a parte o tipo humano, assimilando quaisquer fenômenos aos que nós mesmos produzimos, os quais, por esta razão, começam a parecer-nos bastante conhecidos, em virtude da intuição imediata que os acompanha. Para compreender bem o espírito puramente teológico, proveniente do desenvolvimento, cada vez mais sistemático, deste estado primordial, cumpre não nos limitarmos a considerá-lo na sua última fase que se consuma, à nossa vista, nas populações mais adiantadas, mas que está longe de ser a mais característica: torna-se indispensável lançarmos uma vista de olhos verdadeiramente filosófica sobre o conjunto de sua marcha natural, a fim de apreciarmos sua identidade fundamental sob as três formas principais que lhe são sucessivamente próprias.

  1. A mais imediata e a mais pronunciada destas formas constitui o fetichismo propriamente dito, que consiste sobretudo em atribuir a todos os corpos exteriores uma vida essencialmente análoga à nossa, quase sempre, porém mais enérgica, em virtude de sua ação, de ordinário, mais poderosa. A adoração dos astros caracteriza o grau mais elevado desta primeira fase teológica que, no começo, quase não difere do estado mental a que atingem os animais superiores. Ainda que esta primeira forma de filosofia teológica se manifeste com evidência na história intelectual de todas as nossas sociedades, ela já não domina diretamente hoje senão na menos numerosa das três grandes raças que compõem a nossa espécie.
  2. Na sua segunda fase essencial, que constitui o verdadeiro politeísmo, muitas vezes confundido pelos modernos com o estado precedente, o espírito teológico representa claramente o livre predomínio especulativo da imaginação, ao passo que até então o instinto e o sentimento tinham sobretudo prevalecido nas teorias humanas. A filosofia inicial sofre nessa época a mais profunda transformação, que o conjunto do seu destino real pode comportar, por isso que nela a vida é enfim retirada dos objetos materiais, para ser misteriosamente transportada a diversos seres fictícios, habitualmente invisíveis, cuja intervenção ativa e contínua se torna daí por diante a origem direta de todos os fenômenos exteriores e mesmo em seguida dos fenômenos humanos. E durante esta fase característica, mal apreciada hoje, que convém principalmente estudar o espírito teológico, que nele se desenvolve com uma plenitude e uma homogeneidade impossível ulteriormente: esta época é, a todos os respeitos, a do seu maior ascendente, ao mesmo tempo mental e social. A maioria de nossa espécie não saiu ainda de semelhante estado, que persiste hoje na mais numerosa das três raças humanas, no escol da raça negra e na parte menos avançada da branca.
  3. Na terceira fase teológica, o monoteísmo propriamente dito dá começo ao inevitável declínio da filosofia inicial. Esta, embora conserve por dilatado tempo grande influência social, contudo mais aparente ainda do que real, sofre desde então rápido decréscimo intelectual, como conseqüência espontânea desta simplificação característica pela qual a razão, unificando os deuses, restringe cada vez mais o domínio anterior da imaginação e permite desenvolver gradualmente o sentimento universal, ainda quase insignificante, da sujeição forçosa de todos os fenômenos naturais a leis invariáveis. Sob formas mui diversas e até radicalmente inconciliáveis, esta fase extrema do regime preliminar persiste ainda, com energia muito desigual, na imensa maioria da raça branca; mas ainda que seja assim mais fácil de ser observada, as próprias preocupações pessoais acarretam hoje um obstáculo muito freqüente à sua judiciosa observação, por falta de uma comparação suficientemente racional e justa com as duas fases precedentes.
  4. Por mais imperfeita que possa parecer agora semelhante maneira de filosofar, muito importa ligar de

necessidades sociais, que apreciei como convinha na obra fundamental mencionada no início deste Discurso. Pode-se assim, desde logo, demonstrar em toda a sua plenitude como o espírito teológico foi por muito tempo indispensável à constante combinação das idéias morais e políticas, ainda mais especialmente do que a de todas as outras, não só em virtude de sua complicação superior, mas também porque os fenômenos correspondentes, primitivamente muito pouco pronunciados, só podiam adquirir um desenvolvimento característico após o avanço muito prolongado da civilização humana. É uma estranha inconseqüência, apenas desculpável pela tendência cegamente crítica do nosso tempo, reconhecer a impossibilidade em que se achavam os antigos de filosofar sobre os assuntos mais simples a não ser de maneira teológica e, não obstante, desconhecer a insuperável necessidade que tinham sobretudo os politeístas de adotar um regime análogo para as especulações sociais Mas é preciso compreender, além disso, ainda que eu não o possa demonstrar aqui, que esta filosofia inicial não foi menos indispensável ao desenvolvimento preliminar de nossa sociabilidade do que ao de nossa inteligência, quer para constituir primitivamente algumas doutrinas comuns, sem as quais o laço social não teria podido adquirir nem extensão, nem consistência quer para suscitar espontaneamente a única autoridade espiritual que poderia então surgir.

II. Estado metafísico ou abstrato

  1. Por mais sumárias que tenham sido aqui estas explicações gerais sobre a natureza provisória e o destino preparatório da única filosofia que convinha realmente à infância da Humanidade, elas permitem contudo perceber sem dificuldade que o regime teológico difere muito profundamente, sob todos os aspectos, do que veremos mais adiante corresponder à sua virilidade mental. Para que passagem gradual de um a outro pudesse operar-se originariamente, assim no indivíduo, como na espécie tornou-se indispensável o auxílio crescente de uma espécie de filosofia intermediária essencialmente limitada a este ofício transitório. Tal é a participação especial do espírito metafísico propriamente dito na evolução fundamental da nossa inteligência, que, antipática a toda mudança repentina, pode elevar-se assim, quase insensivelmente, do estado puramente teológico ao francamente positivo, se bem que, no fundo, esta situação equívoca se aproxime muito mais do primeiro do que do último. As especulações dominantes conservaram no estado metafísico o mesmo caráter essencial de tendência ordinária para os conhecimentos absolutos: apenas a solução sofreu nele notável transformação, própria a tornar mais fácil o surto das concepções positivas. Como a Teologia, a Metafísica tenta de fato explicar sobretudo a natureza íntima dos seres, a origem e o destino de todas as coisas, o modo essencial de produção dos fenômenos: mas, em vez de empregar para isso os agentes sobrenaturais propriamente ditos, substitui-os cada vez mais por entidades ou abstrações personificadas, cujo uso, verdadeiramente característico, amiúde permitiu designá-la sob a denominação de Ontologia. É facílimo observar hoje tal maneira de filosofar que, preponderante ainda em relação aos fenômenos mais complicados, oferece freqüentemente, mesmo nas teorias mais simples e menos atrasadas, tantos traços apreciáveis de seu longo domínio.(1) A

eficácia histórica destas entidades resulta diretamente do seu caráter equívoco; porque, em cada um desses seres metafísicos, inerentes ao corpo correspondente, sem se confundir com ele, o espírito pode, à vontade, conforme esteja mais próximo ao estado teológico ou do positivo, ver uma verdadeira emanação do poder sobrenatural ou uma simples denominação abstrata da fenômeno considerado. Não é mais então a pura imaginação que domina e não é ainda a verdadeira observação; mas o raciocínio adquire nessa fase grande extensão e prepara-se confusamente para o verdadeiro exercício científico Deve-se aliás notar que sua parte especulativa se acha, a princípio, muito exagerada, em virtude desta obstinada tendência a argumentar em vez de observar que, em todos os gêneros, caracteriza habitualmente o espírito metafísico, mesmo em seus mais eminentes órgãos. Uma ordem de concepções tão flexível, que

não comporta absolutamente a consistência por tão longo tempo peculiar ao sistema teológico, deve, além disso, atingir muito mais rapidamente a unidade correspondente, pela subordinação gradual das diversas entidades particulares a uma única entidade geral, a Natureza, destinada a representar o fraco equivalente metafísico da vaga ligação universal dos fenômenos operada pelo monoteísmo.

  1. Para compreendermos melhor, sobretudo em nossos dias, a eficácia histórica de semelhante aparelho filosófico, importa reconhecer que, por sua natureza, ele não é suscetível espontaneamente senão de uma simples atividade crítica ou dissolvente, mesmo mental, e com mais forte razão social, sem poder jamais organizar nada que lhe seja próprio. Radicalmente inconseqüente, este espírito equívoco conserva todos os princípios fundamentais do sistema teológico, tirando-lhe, porém, cada vez mais o vigor e a fixidez indispensáveis à sua autoridade efetiva; é nesta alteração que consiste, de fato e a todos os respeitos, sua principal utilidade passageira, que se manifesta quando o regime antigo, por muito tempo progressivo, para o conjunto da evolução humana, atinge inevitavelmente aquele grau de prolongamento abusivo que tende a perpetuar de modo indefinido o estado de infância que ele dirigira antes com tanta felicidade. A Metafísica é, pois, realmente, em essência, apenas uma espécie de teologia enervada pouco e pouco por simplificações dissolventes, que lhe tiram espontaneamente o poder direto de impedir o desenvolvimento das concepções positivas, conservando-lhe, contudo, a aptidão provisória para entreter um certo exercido indispensável do espírito de generalização, até que este possa enfim receber melhor alimento. Em virtude de seu caráter contraditório, o regime metafísico ou ontológico acha-se sempre na inevitável alternativa de tender para uma vã restauração do estado teológico a fim de satisfazer às condições de ordem, ou de impelir a uma situação puramente negativa para escapar ao império opressivo da Teologia. Esta oscilação necessária, que só se observa agora em relação às teorias mais difíceis, existiu igualmente outrora a respeito mesmo das mais simples, enquanto durou sua idade metafísica, em virtude da impotência orgânica sempre peculiar a semelhante maneira de filosofar. Devemos sem temor assegurar que, se a razão pública não a tivesse afastado desde muito tempo, no que concerne a certas noções fundamentais, as dúvidas insensatas que ela suscitou, há vinte séculos, sobre a existência dos corpos exteriores, subsistiriam ainda essencialmente, porque na verdade ela nunca as dissipou por nenhum argumento decisivo. O estado metafísico pode, pois, ser afinal encarado como uma espécie de doença crônica naturalmente peculiar à nossa evolução mental, individual ou coletiva, entre a infância e a virilidade.
  2. Não remontando as especulações históricas quase nunca, entre os modernos, além dos tempos politéicos o espírito metafísico deve parecer nelas quase tão antigo como o próprio espírito teológico, pois que ele presidiu necessariamente, ainda que de modo implícito, à transformação primitiva do fetichismo em politeísmo, a fim de substituir desde logo a atividade puramente sobrenatural, a qual, retirada assim de cada corpo particular, devia deixar ai, de modo espontâneo, alguma entidade correspondente. Como, todavia, esta primeira evolução teológica não pôde dar então lugar a nenhuma discussão real, a interferência contínua do espírito ontológico só começou a tornar-se plenamente característica na revolução seguinte, que operou a transformação do politeísmo em monoteísmo, da qual ele foi o órgão natural. Sua influência crescente devia parecer orgânica a princípio, enquanto se achava subordinada ao impulso teológico, mas sua natureza essencialmente dissolvente manifestou-se cada vez mais, quando tentou estender gradualmente a simplificação da Teologia além mesmo do monoteísmo vulgar, que constituía, sem nenhuma dúvida, a fase extrema realmente possível da filosofia inicial. Foi assim que, durante os últimos cinco séculos, o espírito metafísico secundou negativamente o. surto fundamental de nossa civilização moderna, decompondo pouco a pouco o sistema teológico, que se tornara enfim retrógrado ao terminar a Idade Média, em virtude de achar-se essencialmente esgotada a eficácia social do regime monotéico. Infelizmente depois de ter realizado, em cada gênero, esse oficio

nenhuma idéia, a não ser que acreditemos que a acuidade dos sentidos, tão diferente entre os principais tipos de animalidade, se acha elevada em nosso organismo no mais alto grau que possa exigir a exploração total do mundo exterior, hipótese evidentemente gratuita e quase ridícula. Nenhuma ciência pode manifestar melhor do que a Astronomia a natureza necessariamente relativa de todos os nossos conhecimentos reais, pois não podendo realizar-se nela a investigação dos fenômenos senão através de um único sentido, muito fácil é serem aí apreciadas as conseqüências especulativas de sua supressão ou de sua simples alteração. Nenhuma astronomia poderia existir numa espécie cega, por mais inteligente que a supuséssemos, nem mesmo se somente a atmosfera através da qual observamos os corpos celestes permanecesse sempre e por toda a parte nebulosa. Todo este Tratado há de oferecer-nos freqüentes ocasiões de apreciarmos espontaneamente, da maneira menos equívoca, esta íntima dependência em que o conjunto de nossas condições próprias, tanto interiores, quanto externas, mantém inevitavelmente cada um dos nossos estudos positivos.

  1. Para bem caracterizar a natureza necessariamente relativa de todos os nossos conhecimentos reais, importa reconhecer, além disso, do ponto de vista mais filosófico, que, se quaisquer de nossas concepções devem ser consideradas como outros tantos fenômenos humanos, tais fenômenos não são simplesmente individuais, mas também e sobretudo, sociais, pois resultam, com efeito, de uma evolução coletiva e contínua, cujos elementos e fases essencialmente se entrelaçam. Se, pois, sob o primeiro aspecto, reconhecemos que nossas especulações devem depender sempre das diversas condições essenciais de nossa existência individual, cumpre igualmente admitir, sob o segundo, que não se acham menos subordinadas ao conjunto da progressão social de modo a não poderem comportar jamais a fixidez absoluta que os metafísicos supuseram. Ora, a lei geral do movimento fundamental da Humanidade consiste, a este respeito, em que nossas teorias tendem cada vez mais a representar exatamente os objetos exteriores de nossas constantes investigações, sem que, contudo, a verdadeira constituição de cada um deles possa, em caso algum, ser plenamente apreciada, pois a perfeição científica deve restringir-se a aproximar-se desse limite ideal, tanto quanto o exijam nossas diversas necessidades reais. Este segundo gênero de dependência, peculiar às especulações positivas, manifesta-se tão claramente como o primeiro em todo o curso dos estudos astronômicos, quando consideramos, por exemplo, a série de noções cada vez mais satisfatórias, obtidas desde a origem da geometria celeste, sobre a figura da Terra, sobre a forma das órbitas planetárias, etc. Assim, posto que, de um lado, as doutrinas científicas sejam necessariamente de natureza bastante móvel de modo a evitar qualquer pretensão ao absoluto, suas variações graduais não apresentam, por outro lado, nenhum caráter arbitrário que possa motivar um ceticismo ainda mais perigoso. Cada mudança sucessiva conserva, aliás, espontaneamente, nas teorias correspondentes, uma aptidão indefinida para representar os fenômenos que lhes serviram de base, pelo menos enquanto não haja necessidade de nelas ultrapassar o grau primitivo de precisão real.

3o. – Destino das leis positivas: previsão racional

  1. Depois que se reconheceu unanimemente que a primeira condição fundamental de toda especulação científica consiste em subordinar constantemente a imaginação à observação, uma viciosa interpretação induziu amiúde a exagerado abuso desse grande princípio lógico, para fazer a ciência real degenerar em uma espécie de acúmulo estéril de fatos incoerentes, sem oferecer essencialmente outro mérito senão o da exatidão parcial. Importa, pois, bem compreender que o genuíno espírito positivo se acha tão afastado, no fundo, do empirismo como do misticismo; é entre estas duas aberrações, igualmente funestas, que ele deve caminhar: a necessidade de semelhante reserva contínua, tão difícil como importante, bastaria, além disso, para verificar, de acordo com as nossas explicações iniciais, quanto a verdadeira positividade deve

ser maduramente preparada, e não pode, de forma alguma, convir ao estado nascente da Humanidade. É nas leis dos fenômenos que consiste realmente a ciência, à qual os fatos propriamente ditos, por mais exatos e numerosos que sejam, só fornecem os materiais indispensáveis. Ora, considerando o destino constante dessas leis, podemos dizer, sem nenhum exagero, que a verdadeira ciência, muito longe de ser formada por simples observações, tende sempre a dispensar, tanto quanto possível, a exploração direta, substituindo-a pela previsão racional, que constitui, a todos os respeitos, o principal caráter do espírito positivo, como o conjunto dos estudos astronômicos no-lo mostrará claramente semelhante previsão, conseqüência necessária das relações constantes descobertas entre os fenômenos, jamais permitirá confundir a ciência real com a vã erudição que acumula maquinalmente fatos sem aspirar a deduzi-los uns dos outros. Este grande atributo de todas as nossas sãs especulações importa tanto à sua utilidade efetiva como à sua própria dignidade; porque a exploração direta dos fenômenos ocorridos não seria suficiente para permitir-nos modificar-lhes a realização, se não nos conduzisse a convenientemente prevê-la. Assim, o genuíno espírito positivo consiste em ver para prever, em estudar o que é, a fim de concluir o que será, segundo o dogma geral da invariabilidade das leis naturais. (2)

4o. – Extensão universal do dogma fundamental da invariabilidade das leis naturais.

  1. Este princípio fundamental de toda a filosofia positiva, que ainda está longe de ser suficientemente estendido ao conjunto dos fenômenos, vai-se tornando, felizmente, desde três séculos, por tal forma familiar, que, em virtude de hábitos absolutos anteriormente enraizados, se tem quase sempre desconhecido até aqui a sua verdadeira origem, tentando-se pelo emprego de uma vã e confusa argumentação metafísica representá-lo como uma espécie de noção inata, ou pelo menos primitiva, quando certamente resultou de gradual e lenta indução, ao mesmo tempo coletiva e individual. Nenhum motivo racional, independente de qualquer exploração exterior, nos sugere de antemão a invariabilidade das relações físicas; pelo contrário, é incontestável que o espírito humano experimenta, durante sua longa infância, um pendor muito vivo para desconhecê-la, mesmo nos seres onde uma observação imparcial haveria de manifestá-la, se ele não fosse então arrastado por sua tendência necessária a referir todos os acontecimentos, especialmente os mais importantes, a vontades arbitrárias. Existem, sem dúvida, em cada ordem de fenômenos, alguns bastante simples e bastante familiares para que a sua observação espontânea tenha sugerido sempre o sentimento confuso e incoerente de uma certa regularidade secundária de sorte que o ponto de vista teológico não pôde nunca ser rigorosamente universal. Mas esta convicção parcial e precária limita-se por muito tempo aos fenômenos menos numerosos e mais subalternos, que ela não pode mesmo, de nenhum modo, preservar então das freqüentes perturbações atribuídas à interferência preponderante dos agentes sobrenaturais. O princípio da invariabilidade das leis naturais só começou realmente a adquirir certa consistência filosófica quando os primeiros trabalhos verdadeiramente científicos puderam manifestar a sua exatidão essencial relativamente a uma ordem inteira de grandes fenômenos, o que não podia resultar, de maneira satisfatória, senão da fundação da astronomia matemática, durante os últimos séculos do politeísmo. Em virtude desta introdução sistemática, este dogma fundamental tendeu, sem dúvida, a estender-se, por analogia, a fenômenos mais complicados, antes mesmo de poderem suas leis próprias ser de qualquer modo conhecidas. Mas, além da sua esterilidade efetiva, esta vaga antecipação lógica tinha então muito pouca energia para resistir convenientemente à ativa supremacia mental que as ilusões teológico-metafísicas ainda conservavam. Um primeiro esboço especial do estabelecimento das leis naturais em relação a cada ordem principal de fenômenos tornou-se em seguida indispensável para proporcionar a semelhante noção a força inabalável que começa a apresentar nas ciências mais avançadas. Esta convicção não poderia tornar-se mesmo bastante firme, enquanto tal elaboração não fosse de fato estendida a todas as especulações fundamentais,

reduz sempre a ligar: toda ligação real, estática ou dinâmica, descoberta entre dois fenômenos quaisquer, permite ao mesmo tempo explicá-las e prever um pelo outro, porque a previsão científica, convém evidentemente ao presente, e mesmo ao passado, assim como ao futuro, pois consiste sempre em conhecer um fato independentemente de sua exploração direta, em virtude de suas relações com outros já conhecidos. Assim, por exemplo, a assimilação demonstrada, entre a gravitação celeste e a gravidade terrestre conduziu, em virtude das variações pronunciadas da primeira, a prever as fracas variações da segunda, que a observação imediata não podia descobrir suficientemente, ainda que as tenha em seguida confirmado; assim também em sentido inverso, a correspondência observada antigamente entre o período elementar das marés e o dia lunar ficou explicada logo que se reconheceu ser em cada ponto a elevação das águas resultante da passagem da lua pelo meridiano local. As nossas verdadeiras necessidades lógicas convergem, pois, essencialmente para este comum destino: consolidar, tanto quanto possível, por nossas especulações sistemáticas, a unidade espontânea do nosso entendimento, estabelecendo a continuidade e a homogeneidade de nossas diversas concepções e fazendo-nos achar de novo a constância no meio da variedade, de modo a satisfazer igualmente às exigências simultâneas da ordem e do progresso. Ora, é evidente que, sob este aspecto fundamental, a filosofia positiva possui necessariamente, para os espíritos bem preparados, uma aptidão muito superior à que jamais pôde oferecer a filosofia teológico-metafísica. Considerando esta mesmo nos tempos do seu maior ascendente, tanto mental como social, isto é, no estado politéico, a unidade intelectual achava-se então certamente constituída de maneira muito menos completa e menos estável do que há de permitir em breve a universal preponderância do espírito positivo, quando for habitualmente estendido às mais eminentes especulações. Então, com efeito, reinará por toda a parte, sob diversos modos e em diferentes graus, esta admirável constituição lógica, da qual só os estudos mais simples nos podem dar hoje justa idéia, em que a ligação e a extensão, ambas plenamente garantidas, se acham, ademais, espontaneamente solidárias. Este grande resultado filosófico não exige, aliás, outra condição necessária a não ser a obrigação permanente de restringir todas as nossas especulações aos casos verdadeiramente acessíveis, considerando estas relações reais, quer de semelhança, quer de sucessão, como capazes apenas de constituir, para nós simples fatos gerais, que cumpre procurar reduzir ao menor número possível, sem que o mistério de sua produção jamais possa ser penetrado de modo algum, conforme o caráter fundamental do espírito positivo. Mas se somente esta constância efetiva das ligações naturais é, na realidade, apreciável por nós, também só ela basta plenamente às nossas verdadeiras necessidades, quer de contemplação, quer de direção.

  1. Importa, contudo, reconhecer, em principio, que, sob o regime positivo, a harmonia de nossas concepções se acha necessariamente limitada, até certo ponto, pela obrigação fundamental de sua realidade, isto é, de uma suficiente conformidade com tipos independentes de nós. Em seu cego instinto de ligação, nossa inteligência aspira a poder quase sempre ligar entre si dois fenômenos quaisquer, simultâneos ou sucessivos; mas o estudo do mundo exterior demonstra, ao contrário, que muitas dessas associações seriam puramente quiméricas, e que uma multidão de acontecimentos se realiza continuamente sem nenhuma real dependência mútua; de sorte que este pendor indispensável precisa, como nenhum outro, ser regulado por sã apreciação geral. Habituado, durante muito tempo, a uma espécie de unidade de doutrina, por mais vaga e ilusória que devesse ser, sob o império das ficções teológicas e das entidades metafísicas, o espírito humano, passando para o estado positivo, tentou logo reduzir as diversas ordens de fenômenos a uma lei comum. Mas todos os ensaios realizados durante os dois últimos séculos, para obter unia explicação universal da natureza, apenas conseguiram desacreditar radicalmente tal empreendimento, de ora em diante abandonado às inteligências mal cultivadas. Uma judiciosa explicação do mundo exterior o representou como sendo muito menos ligado do que o supõe e

o deseja o nosso entendimento, predisposto, por sua própria fraqueza, a multiplicar relações favoráveis e à sua marcha, e, sobretudo, ao seu repouso. Não somente as seis categorias fundamentais que distinguiremos mais adiante entre os fenômenos naturais, não poderiam ser todas certamente submetidas a uma única lei universal, como também podemos assegurar agora que a unidade de expl1cação, ainda procurada por tantos espíritos sérios em relação a cada uma delas, tomada à parte, nos é finalmente interdita, mesmo neste domínio muito mais restrito. A Astronomia fez nascer, sob este aspecto, esperanças demasiado empíricas, que nunca se poderiam realizar para os fenômenos mais complicados, nem mesmo quanto à Física propriamente dita, cujos cinco ramos principais ficarão sempre distintos entre si, apesar de suas incontestáveis relações. Freqüentemente nos achamos dispostos a exagerar muitos inconvenientes lógicos dessa dispersão necessária, porque apreciamos mal as vantagens reais que apresenta a transformação das induções em deduções. Todavia cumpre reconhecer francamente esta impossibilidade direta de reduzir tudo a uma única lei positiva como grave imperfeição, conseqüência inevitável da condição humana, que nos força a aplicar uma inteligência muito fraca a um universo complicadíssimo.

  1. Mas esta incontestável necessidade, que importa reconhecer, a fim de evitar vão desperdício de forças mentais, não impede de modo algum a ciência real de comportar, sob outro aspecto, suficiente unidade filosófica, equivalente às que a Teologia ou Metafísica constituíram passageiramente, e, aliás, muito superior, tanto em estabilidade como em plenitude. Para perceber-lhe a possibilidade e apreciar-lhe a natureza, é preciso recorrer, em primeiro lugar, à luminosa distinção geral esboçada por Kant entre os dois pontos de vista objetivo e subjetivo, peculiares a qualquer estudo. Considerada sob o primeiro aspecto, isto é, quanto ao destino exterior das nossas teorias, como exata representação do mundo real, nossa ciência não é, certamente, suscetível de plena sistematização, em virtude da inevitável diversidade entre os fenômenos fundamentais. Neste sentido não devemos procurar outra unidade senão a do método positivo encarado em seu conjunto, sem pretender verdadeira unidade científica, mas somente a homogeneidade e a convergência das diversas doutrinas. O mesmo não acontece sob o outro aspecto, isto é, quanto à origem interior das teorias humanas, encaradas como resultados naturais de nossa evolução mental, ao mesmo tempo individual e coletiva, destinadas à satisfação normal de nossas próprias necessidades, sejam físicas, intelectuais ou morais. Referidos assim, não ao universo, mas ao homem, ou antes à Humanidade, nossos conhecimentos reais tendem, ao revés, com evidente espontaneidade, para uma completa sistematização, tanto científica como lógica. Não devemos mais então conceber, no fundo, senão uma única ciência, a ciência humana, ou mais exatamente, social, da qual nossa existência constitui ao mesmo tempo o princípio e o fim, e na qual vem naturalmente fundir-se o estudo racional do mundo exterior, sob o duplo titulo de elemento necessário e de preâmbulo fundamental, igualmente indispensável quanto ao método e quanto à doutrina, como explicarei mais adiante. É só assim que os nossos conhecimentos positivos podem formar um verdadeiro sistema, de modo a oferecerem um caráter plenamente satisfatório. A própria Astronomia, ainda que objetivamente mais perfeita do que os outros ramos da filosofia natural, em razão da sua simplicidade superior, não é verdadeiramente tal senão sob este aspecto humano, porque o conjunto deste Tratado fará sentir com clareza que ela deveria, pelo contrário, ser julgada muito imperfeita se a referíssemos ao universo e não ao homem; pois todos os nossos estudos reais são ai por força limitados ao nosso mundo, que, entretanto, constitui apenas um elemento mínimo do universo, cuja exploração nos é essencialmente interdita, Tal é, pois, a disposição geral que deve enfim. prevalecer na genuína filosofia positiva, não só quanto às teorias diretamente relativas ao homem e à sociedade, mas também em relação às que concernem aos mais simples fenômenos, os mais afastados, em aparência desta comum apreciação: conceber todas as nossas especulações como produtos de nossa inteligência, destinados a satisfazer às nossas diversas

sustentar o ardor do homem pela esperança indireta de uma espécie de império ilimitado, foi, entretanto, a este respeito que o espírito humano testemunhou primeiro sua predileção final pelos conhecimentos reais. E, com efeito, sobretudo como base racional da ação da Humanidade sobre o mundo exterior que o estudo positivo da natureza começa hoje a ser universalmente estimado, Nada é mais criterioso, no fundo, do que este julgamento vulgar e espontâneo; porque tal destino, quando convenientemente apreciado, lembra necessariamente, num resumo muito feliz, todos os grandes caracteres do verdadeiro espírito filosófico, não só quanto à racionalidade, mas também quanto à positividade. A ordem natural que resulta, em cada prático, do conjunto das leis dos fenômenos correspondentes, deve evidentemente ser-nos primeiro bem conhecida para que possamos ou modificá-la para nossa vantagem, ou, pelo menos, adaptar-lhe nossa conduta, se for de todo impossível intervirmos nela, como se dá em relação aos acontecimentos celestes. Tal aplicação é especialmente própria para tornar familiarmente apreciável a previsão racional que vimos constituir, sob todos os aspectos, o principal caráter da verdadeira ciência, porque a pura erudição, onde os conhecimentos, reais mas incoerentes, consistem em fatos e não em leis, não podia evidentemente, bastar para dirigir nossa atividade: seria supérfluo insistir aqui sobre uma explicação tão pouco contestável. É verdade que a exorbitante preponderância concedida agora aos interesses materiais conduziu demasiadas vezes o homem a compreender esta ligação necessária de modo a comprometer gravemente o futuro da ciência, pois tendeu a reduzir as especulações positivas somente às pesquisas de utilidade imediata. Mas esta cega disposição resulta apenas da maneira falsa e estreita de conceber a grande relação entre a ciência e a arte, por não terem uma e outra sido apreciadas com bastante profundeza. O estudo da Astronomia é o mais próprio de todos para corrigir semelhante tendência, seja porque sua simplicidade superior permite perceber melhor seu conjunto, seja em virtude da espontaneidade mais íntima das aplicações correspondentes que, há vinte séculos, se acham aí evidentemente ligadas às mais sublimes especulações, como este Tratado o fará claramente compreender. Mas importa sobretudo reconhecer bem, a este respeito, que a relação fundamental entre a ciência e a arte não pôde até agora ser convenientemente concebida, mesmo pelos melhores espíritos, o que é uma conseqüência necessária da extensão insuficiente da filosofia natural, que permanece ainda estranha às pesquisas mais importantes e mais difíceis, as que concernem diretamente à sociedade humana. Com efeito, a concepção racional da ação do homem sobre a natureza ficou assim essencialmente limitada ao mundo inorgânico, de onde resultaria uma excitação científica demasiado imperfeita. Quando esta imensa lacuna tiver sido suficientemente preenchida, como começa a sê-lo hoje, poder-se-á sentir a importância fundamental deste grande destino prático para estimular habitualmente, e muitas vezes mesmo para dirigir melhor as mais eminentes especulações, sob a única condição normal de uma constante positividade. E, de fato, a arte não será mais então unicamente geométrica, mecânica ou química, etc., mas também, e sobretudo, política e moral, devendo a principal ação exercida pela Humanidade consistir, sob todos os aspectos, no melhoramento contínuo da sua própria natureza, individual ou coletiva, entre os limites que o conjunto das leis reais indica, como em qualquer outro caso. Quando esta solidariedade espontânea da ciência com a arte puder ser assim convenientemente organizada, não se pode duvidar que, muito longe de tender a restringir de qualquer modo as sãs especulações filosóficas, ela lhes designará, ao contrário, um destino final muito superior ao seu alcance efetivo, se se não tivesse reconhecido previamente, como princípio geral, a impossibilidade de jamais tornar a arte puramente racional, isto é, de elevar nossas previsões teóricas ao verdadeiro nível de nossas necessidades práticas. Mesmo nas artes mais simples e mais perfeitas, torna-se constantemente indispensável um desenvolvimento direto e espontâneo, sem que as indicações científicas o possam, em caso algum, substituir completamente. Por mais satisfatórias, por exemplo, que se tenham tornado nossas previsões astronômicas, sua previsão é ainda, e será provavelmente sempre, inferior às nossas justas exigências práticas, como terei amiúde ocasião de indicar.

  1. Esta tendência espontânea para constituir diretamente uma inteira harmonia entre a vida ativa e a especulativa deve ser considerada finalmente como o privilégio mais feliz do espirito positivo, pois nenhuma outra das suas propriedades pode manifestar-lhe tão bem o verdadeiro caráter e facilitar-lhe o ascendente real. Nosso ardor especulativo acha-se assim sustentado, e mesmo dirigido, por poderoso estímulo contínuo, sem o qual a inércia natural de nossa inteligência a disporia muitas vezes a satisfazer suas fracas necessidades teóricas por explicações fáceis, mas insuficientes, ao passo que o pensamento da ação final lembra sempre a condição de conveniente previsão. Ao mesmo tempo este grande destino prático completa e circunscreve, em cada caso, o preceito fundamental relativo ao descobrimento das leis naturais, tendendo a determinar, de acordo com as exigências da aplicação, o grau de precisão e de extensão de nossa previdência racional, cuja exata medida não poderia, em geral, ser fixada de outro modo. Se, por um lado, a perfeição científica não pode ultrapassar esse limite, abaixo do qual, ao contrário, há de realmente ficar sempre, por outro lado, se o transpusesse, cairia logo numa apreciação demasiado minuciosa, não menos quimérica do que estéril, que finalmente comprometeria mesmo todos os fundamentos da verdadeira ciência, pois nossas leis não podem nunca representar os fenômenos senão com uma certa aproximação, além da qual seria tão perigoso como inútil levar nossas pesquisas. Quando esta relação fundamental da ciência com a arte for convenientemente sistematizada, ela tenderá algumas vezes, sem dúvida, a desacreditar tentativas teóricas cuja esterilidade radical seria incontestável; mas, longe de oferecer qualquer inconveniente real, essa inevitável disposição se tomará desde então muito favorável aos nossos verdadeiros interesses especulativos, impedindo o vão desperdício de nossas fracas forças mentais que resulta muito freqüentemente hoje de cega especialização. Em sua evolução preliminar o espírito positivo teve de apegar-se por toda a parte a quaisquer questões que se lhe tornavam acessíveis, sem indagar muito de sua importância final, que resultava de sua relação própria com um conjunto que, a princípio, não podia ser percebido. Mas este instinto provisório sem o qual teria faltado muitas vezes o alimento conveniente à ciência, deve acabar por subordinar-se habitualmente a uma justa apreciação sistemática, logo que a plena madureza do estado positivo tiver permitido perceber as verdadeiras relações de cada parte com o todo, de modo a oferecer constantemente um largo destino às mais eminentes pesquisas, evitando, entretanto, toda especulação pueril.
  2. A propósito desta íntima harmonia entre a ciência e a arte, importa enfim notar especialmente a feliz tendência que dela resulta para desenvolver e consolidar o ascendente social da sã filosofia, como conseqüência espontânea da preponderância crescente que a vida industrial obtém evidentemente na civilização moderna. A filosofia teológica só podia realmente convir a essa fase necessária de sociabilidade preliminar, em que a atividade humana deve ser essencialmente militar, a fim de preparar gradualmente uma associação normal e completa, a princípio impossível, conforme a teoria histórica que alhures estabeleci. O politeísmo adaptava-se especialmente ao sistema de conquista da antigüidade e o monoteísmo à organização defensiva da Idade Média. Fazendo prevalecer cada vez mais a vida industrial, a sociabilidade moderna deve, pois, secundar poderosamente a grande evolução mental que eleva hoje definitivamente nossa inteligência do regime teológico ao positivo. Esta tendência diária e ativa ao melhoramento prático da condição humana é necessariamente pouco compatível com as preocupações religiosas, sempre relativas, sobretudo no monoteísmo, a um destino muito diferente; mas, além disso, semelhante atividade é de natureza a suscitar finalmente uma oposição universal, tão profunda como espontânea, a toda filosofia teológica. Por um lado, com efeito, a vida industrial é, no fundo, diretamente contrária a todo otimismo providencial, pois supõe necessariamente que a ordem natural é tão imperfeita, que exige sempre a contínua intervenção humana, ao passo que a Teologia não admite logicamente outro meio de modificá-la a não ser apelando para o apoio sobrenatural. Em segundo lugar, esta oposição, inerente ao conjunto de nossas concepções industriais, se reproduz, continuamente,