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Curso-de-Psicopatologia-Isaias-Paim (1), Notas de estudo de Psicologia

curso de pscicopatologia

Tipologia: Notas de estudo

2017
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Isaías Paim Isaías Paim CURSO DE PSICOPATOLOGIA 11º Edição Revista e Ampliada Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) a / Isaias Paim. — 93-0597 1. Psicopatologia 616.89 ER. EDITORA PEDAGÓGICA € UNIVERSITÁRIA LTDA. Sumário Prefácio . Prefácio à 108 edição Prefácio à 11º edição Introdução ...... 1. Alterações da percepção Introdução psicológica — Sensação — Percepção Patologia . Alterações na intensidade das sensações — Hiperestesia — Hipoestesia — Anestesia -- Analgesia Alterações da percepção — Agnosias e — Agnosia visual — Agnosia tátil .. — Agnosia primária ou perceptiva — Agnosia semântica ... — Agnosia auditiva . Alterações da síniese perceptiva — Ilusão . — Aberrações perceptivas Valor semiológico 2. Alterações das representações Introdução psicológica Representação — Imagens ... — Imagem visual . — Imagens auditivas — Imagens táteis VII vm — Imagens gustativas e olfativas . 32 — Imagens cinestésicas . 33 — Imagens cenestésicas 34 — Imagem visual intuitiva 35 — Imagem consecutiva .. 36 — Imagem fantástica 37 — Imagem onírica 37 Imaginação 38 Patologia ... 41 — Alterações da representação . 41 — Alucinações .. 41 — Tipos de alucinações 44 — Alucinações visuais .. — Alucinações liliputianas — Alucinação autoscópica 47 — Alucinações extracampinas 48 — Alucinações auditivas ...... ag — Sonorização do pensamento . 51 — Audição de vozes sob a forma de diálogo 52 — Audição de vozes que interferem na própria atividade — Alucinações táteis e de contato — Alucinações olfativas e gustativas — Alucinações cinestésicas . — Alucinações cenestésicas — Alucinações psíquicas — Alucinose — Alucinose peduncular . — Pseudo-alucinações . — Visões fantásticas Fisiopatologia das alucinações Diagnóstico das alucinações Valor semiológico Alterações dos conceitos .........iiiississccrieerrerraniaa 7 Introdução psicológica . Relações conceptuais Patologia — Desintegração e “condensação dos conceitos 79 — Perdas das relações conceptuais 8o Valor semiológico .. 82 Alterações dos juízos 87 Introdução psicológica . 87 Patologia ..... — Conceito de delírio — Delírio e deliróide ... — Percepções delirantes — Representações delirantes — Cognições delirantes Modalidades de delírio — Percepção delirante . — Ocorrência delirante — Reação deliróide ... — Humor delirante e percepção delirante — Tema do delírio .... Tipos de delírios genuinos - — Delírio de perseguição — Delírio de relação .. — Delírio de influência — Delírio de ciúme ... — Delírio de grandeza . Teoria etiopatogênica do delírio — Reação vivencial — Desenvolvimento . — Processo Valor Semiológico Alterações do raciocínio Introdução psicológica . Patologia ...eeo — Inibição do pensamento — Fuga de idéias — Pensamento vago — Interceptação do pensamento — Compuisão a pensar . — Pensamentos feitos, inspirados e subtraídos — Pensamento derreista — Concretismo — Reificação .... — Idéias prevalentes — Pensamento obsessivo — Perseveração ..c — Prolixidade — Incoerência . — Pensamento demencial Valor semiológico ....icsseeeeeeeeeeecesececececereneeeanantererertaeasa Alterações da memória Introdução psicológica Patologia — Hipermnesia ..... — Hipomnesia e amnesia . — Amnesia anterógrada — Amnesia retrógrada .. — Bulimia 252 — Malácia 252 — Mericismo 253 Alterações das pulsões sexuais 253 — Frigidez 253 — Fetichismo . 254 — Exibicionismo 255 — Masoquismo 257 — Sadismo .. 257 13. Alterações da linguagem . 259 Introdução psicológica 259 Patologia e valor semiológico . 261 — Alterações da linguagem oral devidas a causas orgânicas 261 — Disartria 261 — Dislalias 262 — Afasia .. 263 — Afasia motora .. 264 — Afasia sensorial (Wernicke) 266 — Afasia de Broca 267 — Afasia global. 268 — Causas da afasia 269 — Disfemias . 269 — Disfonias . 269 — Alterações da linguagem oral da natureza funcional . 269 — Logorréia . 269 — Bradilalia 270 — Verbigeração 270 — Mutismo . 270 — Mussitação 270 — Ecolalia 270 — Jargonofasia 2n — Esquizofasia . 271 — Neologismos ..... 271 — Estereotipia verbal 271 — Alterações da linguagem escrita 272 — Alterações dos movimentos de expressão 272 Bibliografia 275 Índice onomástico . 279 Índice analítico .. 281 xi Prefácio A Psicopatologia tem por objeto o estudo descritivo dos fenômenos psí- quicos anormais, exatamente como se apresentam à experiência imediata. Difere, porém, daquele tipo de “descrição coerente e completa, e em termos o mais simples possível"", adotada pelas ciências naturais, porque o psicopa- tologista concentra a sua atenção naquilo que constitui a experiência vivida pelos enfermos. A falta de um método próprio para a investigação daquilo que é o seu objeto faz, no entanto, com que a Psicopatologia se ressinta da unidade e da generalidade que caracterizam a ciência em geral. Por isso mes- mo, não se verifica uniformidade de conceitos, e o resultado imediato é a con- tradição fundamental observada nos livros da especialidade. A leitura de ma- nuais como os de Karl Jaspers, Honório Delgado, Werner Wolff, Gabriel Des- haies, Carlos Pereyra e Célia Sodré nos deixa a impressão de que tratam de ciências inteiramente diversas. É evidente que essas contradições refletem as incertezas de uma época e a falta de uma orientação fisolófica segura para a pesquisa dos fenômenos psicopatológicos. Este livro também difere dos ci- tados anteriormente. A matéria que apresenta consiste em aulas dadas pelo autor no Curso de Saúde Mental, da Escola Nacional de Saúde Pública. Por essa razão, a primeira parte do programa de Psicopatologia visa transmitir aos alunos os conhecimentos relativos à prática do exame psíquico dos enfermos mentais. É, portanto, uma Psicopatologia que, com justeza, se pode chamar de empírica, no sentido de que a experiência é o fundamento do conhecimen- to, como também pela exigência de que a práxis é o único critério da verdade do conhecimento científico. Isaías Paim xHI Prefácio à 10º edição Apesar de ter surgido dentro dos hospícios de alienados, a Psicopatolo- gia foi aos poucos ganhando autonomia, tornando-se na atualidade uma ciên- cia independente da Psiquiatria. É, sobretudo, uma ciência pura, no sentido de que, em si mesma, não visa fins práticos. Presta a sua indispensável cola- boração aos psiquiatras, psicólogos e sociólogos e, poder-se-ia dizer, a todo o grupo das ciências humanas. Até mesmo o historiador tem necessidade de conhecer os princípios fundamentais da Psicopatologia, pois só assim pode- rá descrever e compreender determinados comportamentos de lideres políti- cos que tentaram mudar os destinos da humanidade. Não será exagero afir- mar que o político profissional também precisa conhecer Psicologia e Psico- patologia, porque, de posse desses conhecimentos, estará em condições de interpretar comportamentos anormais de graves consequências para o país. Há anos venho tentando mostrar a necessidade de manter a Psicopato- logia como uma ciência independente da Psiquiatria. No entanto, os tratadis- tas desta última ciência, em nosso país, têm demonstrado uma resistência obstinada em aceitar esta nova posição. Aferrados aos preconceitos herda- dos da cultura psiquiátrica tradicional, continuam descrevendo a Psicopato- logia como um capítulo de seus tratados, sem perceber que, com essa atitu- de, revelam apenas atraso cultural. Nada mais gratificante para quem exerce atividade intelectual do que o reconhecimento da utilidade de seu trabalho para a cultura do seu país. Ao atingir este livro a 102 edição, num espaço de tempo não muito longo, sinto- me lisongeado ao verificar que várias gerações de psiquiatras e psicólogos encontraram em seu texto os elementos indispensáveis à sua formação nes- te campo do conhecimento humano. Curso de Psicopatologia é o único livro de ciência a alcançar um número tão expressivo de edições. Grande parte do êxito do livro se deve ao trabalho desenvolvido pela Editora Pedagógica e Uni- versitária que, em vários setores especializados, vem prestando uma extraor- dinária contribuição ao desenvolvimento cultural do nosso país. Isaias Paim Xv desses especialistas continuam não aceitando a Psicopatologia como uma ciência autônoma, mas isso representa apenas uma resistência infundada ou uma incapacidade para compreender o novo. Este livro, “Curso de Psicopatologia”, foi escrito em 1960 e, durante uma década ele experimentou transformações impostas pelo curso de psicopato- logia ministrado pelo seu autor, Somente em 1969, foi que surgiu a primeira edição. Em 1965, K. W. Bash publicou o seu Lehrbuch der Aligemeinen Psychpathologie. Há entre os dois livros uma grande semelhança. Diferem, contudo, em relação aos princípios normativos. Bash toma como base os prin- cípios da “Gestalt e da “Psicologia Analítica”, de C. G. Jung. Enquanto o meu Curso de Psicopatologia se fundamenta na Fenomenologia de Husserl e na Epistemologia Dialética. No sentido de Husserl, a fenomenologia consis- te na descrição pura do que está presente na vivência e, na opinião de Stumpf, a fenomenologia é uma ciência que estuda os fenômenos psíquicos em si, enquanto acontecimentos significativos. A epistemologia dialética se apresenta como o resultado de uma descri- ção empírica do real. Admite que o conhecimento humano se faz a partir das sensações, fenômenos psíquicos elementares, e daí surgem como consequên- cia natural a percepção, a representação e o conceito e, desse modo, possi- bilita os juízos e o raciocínio. Partindo destas bases, a Psicopatologia repre- senta uma ciência pura que visa exclusivamente o conhecimento. Tem por finalidade estudar a vida psíquica anormal independentemente dos problemas clínicos. Tomando como fundamento uma escola de psicologia e de psicaná- lise, Bash comete o equívoco de incluir em seu livro um capítulo dedicado ao estudo das “Síndromes”. A Psicopatologia nada tem a ver com síndromes mentais, transtornos mentais e diagnóstico de entidades nosológicas. Bash comete o mesmo equívoca de Kurt Schneider, que publicou a Klinische Psycho- pathologie onde estuda problemas gerais de clínica psiquiátrica diante dos quais adota uma postura doutrinária. Schneider dedica alguns capítulos de seu livro ao estudo da “'Sistemáti- ca Clínica e Conceito de Doença”, “As Personalidades Psicopáticas”, “Os Deficientes Mentais e suas Psicoses"”, “Estrutura das Psicoses de Fundamento Corporal”, “Esquizofrenia e Ciclotimia””. Por esta enumeração, verifica-se que, aqui, não estamos diante de um livro de Psicopatologia, cuja finalidade e ob- jetivos são outros bem diferentes. Alfredo Miralles escreve, na introdução à versão espanhola do livro de Bash, que sem o conhecimento da psicopatologia, no sentido de conhecer o conjunto ordenado de aspectos, conceitos e definições relativos às altera- ções da atividade psíquica, não é possível o exercício correto da psiquiatria. Neste sentido, a psicopatologia representa o ponto de apoio fundamental do exercício da clínica psiquiátrica. Quando Jaspers lançou a sua Psicopatologia Geral estava longe de ima- ginar as repercussões e as influências que a sua obra viria exercer não só no “Instituto de Heidelberg'', mas na Alemanha, na Espanha, na Suíça, no Peru e no Brasil. Ao entregar as provas do livro a Nissl, diretor do Instituto de Psi- quiatria de Heidelberg, o famoso neuro-patologista devolveu-as e disse: “Não entendo muito disso, porém publique-o pois deve ser muito importante”. Nissl, Xv intuitivamente, estava com a razão. O livro de Jaspers desencadeou um ver- dadeiro movimento de renovação da psiquiatria, ou melhor, transformou a Psi- copatologia em uma ciência, O livro pretendia dar uma visão de conjunto do dominio da nova ciência, traçar a delimitação do seu campo de ação, estabe- lecer os conceitos fundamentais, abrir uma nova senda no campo de estudo e das pesquisas dos fenômenos psíquicos patológicos. Em lugar de criar um sistema com base em uma teoria, Jaspers apresentava uma ordenação nova e uma nova metodologia. O caráter metodológico do livro foi decisivo para aqueles que desejavam se aproximar do conhecimento científico da nova ciên- cia. Como diz o autor: “A ciência exige o pensamento conceitual que seja sistemático e comunicávei””, Em sua proposta considerava que o domínio da psicopatologia se estende ao anímico que pode ser captado em conceitos de significação constante e de comunicabilidade. O objeto primordial da psicopatologia é o acontecer psíquico realmente consciente. Pretendemos saber o que e como experimentam os seres huma- nos, desejamos conhecer a dimensão das realidades anímicas. E não só a for- ma de vivenciar dos seres humanos, senão também pretendemos investigar as condições e as causas das quais depende, as relações que são mantidas e os mados como se expressam objetivamente. No entanto, Jaspers adverte que a psicopatologia não tem por objeto todo o acontecer psiquico, mas so- mente as suas manifestações patológicas. Assim, o objeto da psicopatologia consiste nos processos psíquicos reais, suas condições e causas e suas con- sequências. A psicopatologia investiga o psíquico até os limites da consciên- cia, porém nesses limites não pode encontrar de maneira alguma nenhum pro- cesso físico que corresponda diretamente às idéias delirantes que se apre- sentam de maneira espontânea, aos sentimentos espontâneos, às alucina- ções. Em psicopatologia o fundamento real de nossa investigação é a vida psí- quica compreendida, a que se encontra presente e se manifesta através do comportamento sensorialmente percebido e nas exteriorizações da linguagem. Pretendemos sentir, compreender, meditar a respeito do que se passa real- mente na mente do homem enfermo psíquico. O impulso geral para a realida- de é em psicopatologia o impulso para a vida psíquica real, que pretendemos conhecer em parte como objetos científico-naturais perceptíveis pelos senti- dos. Sem a capacidade de captar intuitivamente os fenômenos patológicos que existem realmente no enfermo e sem a capacidade de imaginar o psico- lógico em sua plenitude não há possibilidade de fazer psicopatologia. Jaspers sugere, finalmente, que o estudo da fenomenologia como um ra- mo da filosofia, tem uma significação muito importante na atitude humana do psicopatologista na prática e para a clareza de seus motivos no ato de co- nhecer, Na sequência e no decurso de oito décadas, pode-se contar nos dedos de uma única mão os países em que os psiquiatras se colocaram ao lado de Jaspers e passaram a considerar a Psicopatologia como uma ciência indepen- dente. As contribuições de Jaspers à Psiquiatria foram incorporadas sem dis- cussão, mas quanto à Psicopatologia como ciência autônoma as resistências dos psiquiatras se assemelham à tendência natural de desconfiança do velho XIX em face do novo. Trata-se de uma resistência passiva alicerçada na ignorân- cia mais do que uma inaceitação com base em motivos racionais. Somente na Alemanha, Suíça, Espanha, Peru e Brasil a Psicopatologia de Karl Jaspers é aceita e as sugestões iniciais criaram condições para con- tribuições notáveis. Os exemplos estão ao alcance de quem quiser compreen- der a Psicopatologia como uma ciência. Neste particular, os psicólogos estão bem mais atualizados do que os psiquiatras, Isaías Paim xXx Introdução O termo psicopatologia é de origem grega — psykhé, alma, e patologia. Literalmente seria uma patologia do espírito. Essa concepção poderia levar a uma conceituação errônea do problema. A alma, o psíquico, no sentido de espírito, não pode adoecer e, desse modo, é impróprio falar de enfermidades da alma, o que constituiria uma “metáfora inaudita”, conforme a enigmática expressão de Kronfeid. Só existe enfermidade no biológico, ou melhor, no an- tropológico. Por essa razão, Binswanger nos fala de uma “antropose””, com o objetivo de indicar a preponderância dos sintomas psíquicos. É mais ou me- nos o conceito de Kurt Schneider, quando afirma que só existe enfermidade no corporal; “Os fenômenos psíquicos são patológicos somente quando sua existência está condicionada por alterações patológicas do corpo”. Jaspers fez a primeira tentativa de conceituar a Psicopatologia. Desde a primeira edição de sua famosa Allgemeine Psychopatologie, procurou conceituá-la como ciência pura que visa exclusivamente o conhecimento. Com essa orientação, a Psicopatologia tem por objetivo estudar a vida psíquica anor- mal independentemente dos problemas clínicos. Para Jaspers, a Psicopatolo- gia “não tem a missão de recapitular todos os resultados, senão de formar um todo; sua função visa o esclarecimento, a ordenação, a cultura. Tem de esfarecer o saber nos tipos básicos dos fatos e na multiplicidade dos méto- dos, resumi-los numa ordenação natural e, finalmente, levá-los à autocons- ciência no todo cultural do homem. Cumpre uma tarefa específica que vai além da investigação especial do conhecimento”. Em sua opinião, quando se estuda a Psicopatologia, deve-se levar em con- ta que “'o fundamento real da investigação é constituído pela vida psíquica, representada e compreendida através das expressões verbais e do compor- tamento perceptível. Queremos sentir, apreender e refletir sobre o que real- mente acontece na alma do homem. A inclinação geral para a realidade é, na Psicopatologia, a inclinação para a vida psíquica real. Pretendemos conhecê- la em suas conexões que, em parte são tão sensivelmente perceptiveis como os objetos das ciências naturais. Recusamo-nos a eliminar a vida psíquica real, cuja compreensão confere plenitude a nossos conceitos, por meio de pensa- mentos vazios oriundos de preconceitos, ou a substituí-la por construções de natureza anatômica ou de qualquer outra espécie. Sem a capacidade e a vontade de se representar em sua plenitude, não há possibilidade de se fazer Psicopatologia”. 1. Alterações da percepção Introdução psicológica Sensação Em seu significado preciso, a sensação é o fenômeno psíquico elementar, que resulta da ação da luz, do som, do calor sobre os nossos órgãos dos sentidos. Existe uma relação causal entre o estímulo exterior e o estado psicológico ao qual designamos sensação. O neurofisiolo- gista E. D. Adrian afirma, com base em suas experiências, que a nossa men- te recebe todas as informações que podem ser obtidas das mensagens origi- nadas nos receptores resultando que a projeção mental dessas mensagens é uma cópia próxima dos acontecimentos físicos, no nervo sensitivo. A única espécie de distorção que se produz na transferência do órgão sensorial à mente consiste em que as sensações aumentam ou diminuem uniformemente, en- quanto a mensagem do nervo representa uma série de impulsos discretos com pausas intermediárias. É oportuno salientar, portanto, que há concordância entre as sensações e os estímuios que as produzem. Em virtude de sua origem, classificam-se as sensações em dois grupos principais: externas e internas. Ao primeiro grupo correspondem as sensações que refletem as proprie- dades e aspectos isolados das coisas e fenônenos que se encontram no mun- do exterior. Ao conjunto das sensações externas chama-se sensibilidade es- pecial, pelo fato de essas sensações se originarem de aparelhos especiais (re- ceptores), os órgãos dos sentidos. Nesse grupo se incluem as sensações vi- suais, auditivas, gustativas, olfativas e táteis. Denomina-se estímulo à causa física — som, luz — que atua sobre um dos nossos órgãos dos sentidos para produzir a sensação, e, excitação, à mo- dificação física que a ação do excitante produz no órgão sensorial. Existem quatro espécies de excitantes: mecânicos, físicos (luz, som, calor), químicos e elétricos. Para que se processe uma sensação são indispensáveis as seguintes con- dições: 1?) a excitação de um órgão sensorial (receptor); 22) a transmissão da excitação, através de vias sensitivas, ao centro cortical; 3?) a recepção pelo centro cortical. Exemplo: as sensações externas se produzem deste mo- do: um agente do meio exterior, um som, por exemplo, provoca uma impres- são em nosso ouvido; essa impressão determina uma modificação no nervo 5 auditivo; em seguida, essa modificação é conduzida ao centro cortical cor- respondente. Ao atingir o cérebro, a excitação inicial é percebida como sen- sação. Do mesmo modo se explicam as sensações visuais, gustativas, olfati- vas e táteis. De acordo com o Prof. Rubinstein, a resposta específica de cada órgão dos sentidos aos estímulos que agem sobre ele é consequência da adap- tação desse órgão a um tipo determinado de estímulo, resultado de maior sen- sibilidade elaborada pelo mesmo processo de evolução. 1. P. Pavlov chama de analisadores o conjunto anátomo-fisiológico que constitui os aparelhos sensoriais necessários à recepção das sensações. Os analisadores são formados de três partes essenciais: 1º) receptor periférico, que recebe os estímulos; 2º) nervos aferentes, que conduzem a excitação aos centros nervosos; 3º) centros corticais, correspondentes à terminação das fibras nervosas, onde se processa a elaboração dos impulsos nervosos procedentes do exterior. À parte central é o órgão da sintese superior e da análise da excitação, ou, por outras palavras, é o portador de funções espe- cíficas e altamente desenvolvidas. O analisador funciona de maneira reflexa e como um todo único, de sorte que a perturbação de qualquer de suas par- tes impede ou altera o aparecimento das sensações. Por exemplo, as sensa- ções auditivas podem ser alteradas ou abolidas em resultado de uma lesão do ouvido, de lesão do nervo auditivo ou de alteração do centro cortical cor- respondente à audição. As estações centrais dos analisadores se acham localizadas no córtex cerebral, em áreas adaptadas à diferenciação das excitações externas e in- ternas, No segundo grupo se incluem as sensações internas, que refletem os mo- vimentos de partes isoladas do nosso corpo e o estado dos órgãos internos. Ao conjunto dessas sensações se denomina sensibilidade geral. Os receptores dessas sensações se acham localizados nos músculos, nos tendões e na superfície dos diferentes órgãos da economia. Esse grupo en- globa três tipos de sensações: motoras, de equilíbrio e orgânicas. À denomi- nação de sensações proprioceptivas é equivalente e preferível, porque a pa- lavra orgânica, empregada neste sentido é um tanto arbitrária, visto que o olho ou o ouvido são órgãos tanto quanto o estômago ou os intestinos, As sensações motoras nos orientam sobre os movimentos dos membros e do nosso corpo. Às sensações de equilíbrio provêm da parte interna do ouvido e indicam a posição do corpo e da cabeça. As sensações proprioceptivas se originam nos órgãos internos: estômago, intestinos, pulmões. Seus recepto- res estão localizados na face interna desses órgãos. A sensibilidade geral manifesta-se sob a forma de sensações de fome, de sede, de fadiga, de mal-estar ou de bem-estar. Sob o nome de cenestesia agrupam-se as sensações internas muito vagas, indiferenciadas, que nos dão o sentimento de bem-estar. À cenestesia é o resultado da concordância das impressões que chegam aos centros corticais procedentes de todo o organis- mo. Os trabalhos de C. Bikov demonstraram que a base da cenestesia é cons- tituída pelos “impulsos” dirigidos ao córtex, provenientes dos órgãos inter- nos, os quais não são claramente percebidos pela consciência. A existência e a realidade de uma sensação podem ser comprovadas pe- lo estabelecimento de uma correlação entre as modificações observadas e as 6 condições de estimulação. Desse modo, o registro eletroencefalográfico po- de servir de meio para determinar a ação do estímulo sobre o órgão sensorial e a recepção pelo centro cortical. A chegada da excitação à parte cortical do analisador pode ser pesquisa- da de maneira objetiva pelo registro dos potenciais bioelétricos do cérebro. Colocando-se os elétrodos em determinada região do córtex cerebral (no ho- mem estas experiências têm sido realizadas no curso de intervenções neuro- cirúrgicas) é possível registrar as respostas do córtex a determinadas influên- cias externas, manifestadas pelas alterações do ritmo dos potenciais elétri- cos do córtex. Como é sabido, no homem em estado de repouso predomina o ritmo alfa, isto é, as oscilações elétricas com uma frequência de 9a 12 ci- clos por segundo. Quando aumenta a excitação, observa-se a inibição do rit- mo alfa, que é substituído pelo ritmo beta, de maior fregiência (de 13 a 25 oscilações por segundo). Em alguns casos, observam-se oscilações ainda mais rápidas, com frequência superior a 30 ciclos por segundo, que se denomi- nam ritmo gama” (Rubinstein), A existência e a realidade do despertar de uma sensação podem, tam- bém, ser demonstradas em algumas enfermidades orgânicas do sistema ner- voso central. Em certos casos de hemiplegia acompanhados de afasia e ag- nosia, os enfermos perdem a capacidade de síntese (unificação) e fazem re- ferência a sensações isoladas. O psicofisiologista Johannes Múller criou uma teoria explicativa da sen- sação, partindo da observação de que os órgãos dos sentidos respondem à ação dos estímulos com sensações especificamente determinadas. Apoiava-se na observação da resposta do órgão sensorial aos estímulos exteriores: a re- tina, por exemplo, quando excitada por um feco de luz, responde com uma sensação luminosa; porém, a passagem de uma corrente elétrica sobre o olho determina o mesmo efeito, assim como a pressão sobre o olho produz uma mancha colorida. Com base nessa observação Johannes Miller estabeleceu uma lei, ex- tensível a todos os órgãos dos sentidos, a qual denominou “lei da energia nervosa específica”. A lei da energia nervosa específica estabelece que cada órgão sensorial e cada fibra nervosa transmitem uma aiteração peculiar, isto é, uma forma es- pecífica de energia nervosa. Com este postulado negava-se, implicitamente, qualquer correspondência entre o conteúdo da percepção e o mundo objetivo. Asnossas impressões nada nos revelam sobre a natureza dos estímulos, mas apenas sobre os modos de reação específicos de cada um dos órgãos sensorais. Diz William Stern que, se esta teoria fosse, realmente, uma interpreta- ção correta e exaustiva dos fatos, “a percepção sensorial perderia o seu ver- dadeiro sentido: o de nos fornecer a imagem do mundo objetivo, e produziria um mundo fantástico, apenas dependente dos órgãos sensoriais. Pior ainda: não só um mundo fantástico, mas tantos mundos fantásticos quantos órgãos sensoriais com energias específicas existentes, porquanto o mundo de cor do nervo óptico nada teria a ver com o mundo de som do nervo auditivo”. Pesquisas neurofisiológicas mostraram que, na realidade, não existe uma atividade específica das fibras nervosas sensitivas correspondentes a cada um 7 nização, do ponto de vista funcional, não representa a simples adição de ele- mentos locais e temporais captados pelos órgãos dos sentidos. Com efeito, a nossa experiência do mundo revela que não temos sensações isoladas, ao contrário, o que chega à consciência são configurações globais de sensações. O exame de uma consciência perceptiva mostra que as sensações isoladas nos oferecem qualidades dos objetos, dos seres ou de acontecimentos for- mando partes de unidades maiores e mais complexas, dotadas de forma e significação. Diz Lersch que os conteúdos vivenciais simples, irredutíveis, comprova- dos pela experiência, são as sensações, que representam as condições pré- vias para a percepção. ''Sem o material das sensações não existiriam per- cepções"' (Lersch). No entanto, as sensações em si mesmas não nos ofere- cem o conhecimento do mundo, representam apenas os elementos necessá- rios ao conhecimento. Segundo C. von Ehrenfels, os objetos da percepção comportam duas es- pécies de qualidades: as qualidades sensíveis, como o vermelho ou o verde, e as qualidades formais ou qualidades de forma, como o círculo, o quadrado. Ehrentels apresentou o exemplo de uma melodia, em que as notas su- cessivas da frase musical representam suas qualidades sensíveis. Mas as no- tas musicais, por si próprias, não constituem a melodia: se forem emitidas com pausas intermediárias muito longas não chegam a ser percebidas como tema do canto. Para que haja percepção da frase musical, é preciso que as notas se sucedam com suficiente rapidez para que se possa apreciar o seu efeito de conjunto, as qualidades de forma ou Gestaltqualitâten. Ehrenfels indica que a realidade da forma pode ser confirmada, ainda, pelo próprio exemplo da melodia. Quando o trecho musical é executado com um ou dois tons abaixo, todos os elementos que o constituem são modificados, porém mantém-se o cântico idêntico: é que a relação das notas entre si e, consequentemente, a forma que dela resulta, permaneceram constantes. Ao contrário, mudando-se apenas uma nota de uma frase musical, a melodia po- de ser destruída ou substituída por outra, uma vez que esta alteração deter- mina uma completa modificação do conjunto, Na percepção como totalidade, o fundamental encontra-se na tendência primária que organiza as impressões sensoriais de acordo com estruturas es- pecíficas, introduzindo originalidade e simplicidade, qualitativamente irredu- tíveis, como configurações e como unidade. O objeto sensível está sempre em relação com um fundo. O fundo pode ser constituído por excitações com- plexas, mas existe uma apreciável diferença subjetiva entre o objeto e o fun- do, A essas formações psíquicas constituídas no ato perceptivo, C. von Eh- renfels denominou configurações, assim enunciadas: 1) as configurações contêm mais do que a simples soma de suas partes; 2) as configurações mantêm seu caráter e suas propriedades caracteris- ticas, mesmo quando variam seu fundamento de modo determinado. Aquilo que permanece invariável e reconhecível! constitui o invariante, o caráter de configuração ou a configuração propriamente dita. São esses prin- cípios denominados “princípio das propriedades da totalidade” e “princípio da transposição das configurações”. A percepção proporciona dados sobre o físico, porém eles variam de acordo com as condições do fundo. 10 Em face desses postulados da psicologia da forma, William Stern inter- roga se o conceito de forma é exaustivo. Não há dúvida de que os conceitos de forma e de totalidade desempenham importante papel na psicologia da per- cepção. No entanto, a noção de forma necessita de complementaridade. “As formas percepcionais têm autonomia perante o que lhes é inferior: dão aos dados sensoriais, que nelas se estruturam, a sua garantia de significação, de integridade, de transpossibilidade"' (Stern). Contudo, não são autônomas em relação ao que as supera; ao contrário, recebem de um princípio superior — o indivíduo que percebe — a sua garantia e mesmo a sua existência. “Não há forma sem aquele que forma.” A consciência não é passiva, não é um es- pelho indiferente que reflete a realidade circundante. Ao contrário, toda cons- ciência perceptiva é, no ato, doadora de significações. Diz ainda William Stern que “as percepções aparecem como totalidades estruturantes, porque também a pessoa na sua totalidade apenas é capaz de compreender o mundo em totalidades mais restritas”. Os psicólogos da Gestalt reconhecem que a percepção consta de algo mais do que as “formas” estruturadas, embora insistam na preponderância da “forma”. Apesar disso, muitos tipos de consciência perceptiva são desti- tuídos de aspectos formais e não se destacam de nenhuma espécie de fun- do. Esses tipos de percepção que, com muita dificuldade podem ser aceitos como formas estruturadas, são denominados pela Gestalt “formas pobres”. Além disso, denominam “fundo” o campo da percepção que circunscreve as formas estruturadas, acentuando, desse modo, a correlação entre figura e fundo. Os conceitos de “forma” e de “fundo” talvez se apliquem com mais pro- priedade às percepções visuais e, até certo ponto, às auditivas. William Stern cita vários exemplos de tipos de percepção aos quais, de modo algum, se po- de aplicar a denominação de “forma” e muito menos de “fundo”: “Um bri- lho avermelhado no céu; o rumor da cidade que, vindo de certa distância, pe- netra em meu quarto; um vento que me envolve suavemente; o perfume das flores numa sala em que entro — tudo isso representa, sem dúvida alguma, objetos de minha percepção sensorial, mas de modo algum “formas”; faltam- lhes os contornos exteriores e a estrutura interna.” Refere Stern que estas percepções informes representam “conteúdos vi- venciais independentes” e somente em determinadas circunstâncias podem tornar-se fundo: quando, por exemplo, “daquele brilho avermelhado sobres- sai fumo negro, ou quando a percepção auditiva de um carro que se aproxi- ma sobressai do rumor difuso da rua”. Diz, ainda, Stern que a escala que vai da percepção informe à percepção estruturada não deve ser considerada como uma gama progressiva de niti- dez, como se os valores aumentassem de modo gradativo. A percepção in- forme tem significado positivo em virtude de se encontrar “no pólo da méxi- ma integração”. Pelo fato de não ter adquirido relevo, “a percepção integra- se na totalidade da personalidade, penetra-a, passando a fazer parte dela”. Nos casos em que há diluição da forma, torna-se difícil fazer a distinção entre percepção interna e externa. É por esse motivo que a percepção olfativa é muito mais subjetiva e integrada do que a percepção visual. ” A percepção transcendente pode ser modificada em consequência de con- dições pessoais momentâneas. Nos estados de fadiga, os estímulos exter- nos podem ser captados como sensações extremamente desagradáveis (hi- perestesia), ou pela ação de determinadas substâncias químicas podem ocorrer verdadeiras “aberrações perceptivas”, verificando-se que os objetos adqui- tem um colorido inteiramente estranho. A percepção não é uma cópia, uma fotografia dos objetos do mundo ex- terior, ou o reflexo determinado mecanicamente pelo estímulo. No processo da percepção da realidade, acrescentamos aos dados fornecidos pelos órgãos dos sentidos elementos da memória e do raciocínio. Por exemplo, a percep- ção de uma laranja é o resultado de uma síntese de sensações de cor, forma, peso e odor, unidas à representação especial de sabor. Como, durante a vi- da, essas sensações parciais se apresentam aos nossos órgãos dos sentidos sempre unidas, elas terminam por formar a representação e o conceito de la- ranja. Basta a simples sensação de odor de laranja para despertar em nossa mente a série de representações a ela relacionadas. O ato de perceber obje- tos e fenômenos da natureza implica uma série de conhecimentos constituí- dos por representações e conceitos, que nos permitem apreender o significa- do dos objetos e fenômenos percebidos, o qual não se constitui pela simples justaposição e sucessão de sensações elementares. Além disso, em toda per- cepção existe o halo afetivo, que subsiste na imagem representativa. Obser- vando estas particularidades da percepção, Stôrring escreve: ''Em estado de vigília, o indivíduo recebe impressões sensoriais em sucessão constante. A maior parte das impressões, porém, não é captada com clareza de consciên- cia. O fato de umas impressões serem captadas e outras não depende da aten- ção e, principalmente, da atitude pensada, do estado de ânimo e da situação afetiva de quem percebe. A possibilidade de selecionar espontaneamente as impressões sensoriais depende de uma série de processos ativos que muitas vezes ocorrem de maneira inadvertida. Verificamos assim que o ato de per- ceber e, em particular, o perceber observando de modo ativo, não é apenas uma função perceptiva, nem isolada e independente, mas uma função aními- ca complexa", Em seguida, conclui: ”... toda percepção é composta, é um complexo de sensações, de relações espaciais e temporais, de rendimentos do pensamento e lembranças que, do ponto de vista da vivência, representa algo mais do que a simples soma dos elementos que lhe deram origem”. No ato perceptivo se distinguem dois componentes fundamentais: a captação intuitiva, proporcionada pelos órgãos sensoriais, e a integração significativa, que nos permite o conhecimento completo do objeto. F. Khaskashik lembra, a propósito, que as percepções ''são subjetivas por sua forma (a subjetividade consiste em que elas existem em nossa cons- ciência), e objetivas por seu conteúdo, sua fonte e sua origem. A forma sub- jetiva das percepções depende da estrutura dos órgãos dos sentidos e do es- tado geral do organismo. Mas o seu contetdo objetivo, aquilo que elas repro- duzem, não depende dos órgãos sensoriais, nem do estado do organismo, nem do homem em geral”. O conhecimento científico se baseia nos elementos fornecidos pelas per- cepções e, com o auxílio da abstração, cria idéias e conceitos gerais que 12 exprimem o desenvolvimento da natureza. Sem os órgãos dos sentidos não estamos em condições de conhecer o mundo objetivo. As investigações da escola de Pavlov demonstraram que a base fisioló- gica da percepção “são os reflexos condicionados a estímulos complexos e a relações entre os estímulos, resultantes da atuação sobre os receptores de diferentes partes e qualidades dos objetos. Em consequência disso, no ho- mem aparece a imagem complexa dos objetos. As conexões nervosas tem- porárias que se formaram anteriormente são a base fisiológica da experiência e influem sobre o conteúdo e a natureza das percepções” (Rubinshtein). Patologia Alterações na intensidade As alterações na intensidade das sensações da sensações referem-se ao aumento e à diminuição do nú- mero e da intensidade dos estímulos proceden- tes dos diversos campos da sensibilidade. Hiperestesia Designa-se com esse nome o aumento da intensidade das sensações. Observa-se aumento da sensibilidade aos vários estímulos sensoriais nos estados de elevação da atividade pessoal. Acompanha-se, em geral, de exaltação dos reflexos tendinosos, diminuição do limiar da sensibilidade fisiológica e aceleração do ritmo dos processos psí- quicos. À hiperestesia sensorial é frequente nos neuróticos, nos estados de excitação maníaca de fraca intensidade, no hipertireoidismo, nos acessos de enxaqueca e, ocasionalmente, em casos de epilepsia. Vejamos este exemplo citado por Kurt Schneider: ''Desde gue sofri o fe- rimento na cabeça experimento, temporariamente, uma extraordinária acui- dade auditiva, em intervalos de quatro a oito semanas, nunca durante o dia, senão à noite na cama. A transição é surpreendente e repentina. Rumores, Os guais são quase imperceptíveis em condições normais, repercutem em mim com sonoridade absoluta, terrivelmente clara. Instintivamente procuro ficar em completa imobilidade, pois o simples roçar da roupa da cama e do traves- Seiro me causa um extraordinário mal-estar. O relógio de bolso sobre a mesi- nha de cabeceira parece transformado no relógio da torre. O ruído habitual dos coches e dos trens que passam, e que ordinariamente não me molesta, chega-me ao ouvido como um ruído estrondoso. Banhado em suor, permane- go numa imobilidade instintiva, para em seguida comprovar, de modo súbito, que tudo voltou ao estado normai sem transição alguma. Este fenômeno du- ra uns cinco minutos, os quais, no entanto, me parecem infinitamente lon- gos.” Hipoestesia Diminuição da sensibilidade especial. A diminuição da sensi- bilidade aos estímulos sensoriais é observada em todos os ca- Sos que se acompanham de depressão. Coincide com a diminuição dos refle- xos tendinosos, elevação da sensibilidade fisiológica e lentidão dos proces- sos psíquicos. 13 bem entre si, carecem de definição clara e patente e de relação ní ida com o que se acha próximo a eles no espaço óptico, assim como de lugar" dentro do âmbito da vivência individual”. E. Bay demonstrou que, nos casos de agnosia visual estudados em pro- fundidade, foi possível comprovar a existência de defeitos sensoriais fisioló- gicos, os quais dependiam de lesões do lobo occipital na região da cissura calcariana. Os defeitos indicavam, também, que as vias ópticas ou suas pro- jeções tinham sido atingidas. Agnosia tátil Refere-se à incapacidade para reconhecer objetos mediante o sentido do tato, apesar da sensibilidade se encontrar con- servada no fundamental. Delay distingue duas formas de agnosias táteis: . a) Agnosia primária ou perceptiva — O transtorno recai sobre as qualida- des dos objetos. O enfermo perde a possibilidade de discriminar as diferen- cas de intensidade e extensão das sensações táteis. b Agnosia semântica — Constitui a verdadeira astereognosia. Neste ca- so, a análise da forma é correta, porém o doente não pode identificar o objeto quanto ao seu valor e utilização, só o conseguindo através de deduções e su- posições. A alteração é quase sempre unilateral. Esta agnosia, segundo De- lay, é uma assimbolia. Agnosia auditiva Neste caso, o enfermo ouve sons e ruídos, porém não os pode identificar; não os compreende. Por exemplo: não pode reconhecer um relógio pelo tique-taque ou um chaveiro pelo tilintar das chaves. Alterações da síntese perceptiva A síntese perceptiva é o resultado das ligações funcionais dos elemen- tos nervosos, as quais refletem os aspectos particulares dos objetos e fenô- menos da natureza. A percepção inclui elementos das excitações dos órgãos dos sentidos e dos órgãos internos, que alcançam os centros corticais. Na imagem perceptiva sempre estão incluídos os elementos das sensações. En- tretanto, a percepção não é uma simples adição mecânica das sensações. A síntese perceptiva contém algo novo que não pode ser explicado apenas pelos elementos das sensações que a constituem. Além da série de represen- tações e da integração significativa da imagem sensorial percebida, existe o halo afetivo inerente à percepção. A percepção é sempre um processo de síntese em que se encontram sen- sações do meio externo e oriundas do próprio organismo. Desse processo de sintese participam também as sensações do sistema do labirinto. As perturbações da síntese perceptiva determinam alterações primitivas na percepção dos objetos e fenômenos do mundo exterior e do próprio cor- po. Nesses casos, observa-se não só a deformação dos objetos percebidos como a modificação de suas relações no espaço: o doente não pode precisar a distância em que se localizam os objetos com os quais se encontra em re- 16 lação no momento. Quando as alterações da síntese perceptiva se referem ao próprio corpo, o enfermo percebe modificações em suas partes isoladas. A explicação fisiopatológica dessas sensações deve ser encontrada na alteração da síntese cortical dos impulsos íntero e proprioceptivos. ilusão A ilusão é a percepção deformada de um objeto real e presente. Por si mesma, a ilusão não se constitui sintoma de doença mental. Em determinadas condições, entre as quais se incluem os estados emocionais mais ou menos intensos e a falta de atenção, podem ser observadas ilusões até mesmo em pessoas normais. A emoção tem o poder de transformar ilu- soriamente nossas percepções. Diz-se comumente que não há lobos pegue- nos, todos são enormes, porque o medo intervém na apreciação das dimen- sões. Um estado emocional patológico pode intensificar ao máximo a tendên- cia às ilusões. Nos doentes mentais, as ilusões são devidas à perturbação da atenção, às influências emocionais e às alterações da consciência. No meio hospita- lar, observa-se que certos pacientes têm uma tendência acentuada a apre- sentar fenômenos ilusórios. Exemplos: às vezes, um cobertor abandonado so- bre o leito ou uma toalha pendurada são percebidos como figuras humanas. O martelo de percussão é confundido com um instrumento ameaçador. Mui- tos enfermos angustiados não permitem que se tome a pressão arterial, por- que vêem no tensiômetro um instrumento perigoso, que pode ocasionar a mor- te. Alguns doentes manifestam receio das lâmpadas elétricas do teto: nas lâmpadas véem olhos ou aparelhos que emitem raios elétricos. Entre os eguí- vocos sensoriais relacionados com o aparelho auditivo, observa-se com fre- quência: numa conversação entre pessoas que se encontram próximas do doente, especialmente se esta é realizada em voz baixa, ouve frases relacio- nadas com a sua pessoa; no ruído da rua, ouve injúrias e ameaças. Deve-se fazer a distinção, nos doentes mentais, entre ilusões e interpretações falsas reveladas por muitos esquizofrênicos paranóides. Aberrações perceptivas A expressão correta seria “aberração cromática”, mas esta expressão tem um sentido definido em óptica, e serve para designar a anomalia na formação perfeita da imagem, pro- vocada por uma lente. O fenômeno que se poderia chamar, em psicopatologia, de “aberração sensorial” consiste no fato de se emprestar cores inusitadas aos objetos exteriores. O fenômeno é observado na alteração perceptiva pro- vocada pela mescalina, quando os objetos adquirem cores aberrantes, que não existem realmente. Esta alteração foi descrita numa auto-observação por Ser- ko: “... objetos inaparentes, que sempre passam despercebidos, como pontas de cigarro, fósforos queimados num cinzeiro, latas multicores abandonadas pró- ximas de uma construção, visíveis de minha janela, manchas de tinta no escri- tório, as fileiras monótonas dos livros se iluminavam ao mesmo tempo em lu- zes brilhantes e coloridas, difíceis de serem descritas. Especialmente os obje- tos vistos de modo direto atraíam a atenção de forma irresistível por seu colo- rido extremamente vivo. Até mesmo as sombras no teto e nas paredes, as som- bras pálidas refletidas no assoalho e nos móveis, tinham uma cor delicada, ter- na, que proporcionava um encanto legendário a toda a habitação.” 17 Valor semiológico Anomalias da intensidade das sensações são observadas frequentemen- te nos neuróticos. Os doentes se queixam de excesso de “sensibilidade” e procuram defender-se do acréscimo patológico das excitações procedentes do meio exterior. Bumke salienta um fato interessante: a contradição obser- vada na conduta desses enfermos, os quais sofrem mais com a falta de con- sideração do ambiente do que com o ruído que nele se produz, tanto assim que grandes ruídos causados pelos próprios doentes passam inadvertidos. Em muitos casos de hiperestesia, admite Bumke, não há alteração das sensações, ao contrário, o que se verifica é o aumento de sua tonalidade afetiva. Nos es- tados neuróticos climatéricos, a hiperacusia torna intolerável o menor ruído. Em alguns casos de depressão é possível observar a redução da sensibi- lidade aos estímulos sensoriais, de graus diversos, até seu desaparecimento momentâneo completo. . Damos, em continuação, este exemplo de Mariano Ibérico: “É como uma onda de sofrimento, de incompreensão, de desarmonia, de impotência. Ines- peradamente percebo uma sensação, muito íntima, de ausência de vontade de agir. Não experimento nenhum desejo. As sensações estão apagadas, des- coloridas. Noto que a presença dos objetos não me atinge. É como se o mun- do, subitamente, perdesse o seu colorido e se transformasse em um mundo amorfo, apagado, cinzento. Há ausência quase absoluta dessa força espiri- tua! que representa o estímulo às nossas idéias e nos faz pensar. Parece que o meu receptor mental, que normalmente tem certa dotaç ão de fluido gera- dor de força, está com a carga enfraquecida. E comparável à luz amarelada de um carro com o acumulador descarregado que só ilumina um metro à fren- te na estrada e torna impossível a visão em perspectiva. O que mais experi- mento é uma onda enorme de algo que significa mais do que sofrimento e impotência juntos, que asfixia o espírito. Sinto enorme arrependimento e pe- sar por ter causado tanto sofrimento aos meus, pois matei minha mãe de dor com todas as minhas loucuras. Tudo isso me faz desejar a morte.” Em comentário a este caso clínico, diz Mariano Ibérico que a cor e a ale- gria tinham desaparecido da vida desta pessoa. Na histeria é possível verificar a debilitação e, até mesmo a abolição da capacidade de experimentar sensações em determinada região corporai. As anestesias e analgesias constituem territórios fronteiriços entre a neu- rologia e a psicopatologia. São observadas, com mais frequência, em afec- ções neurológicas, mas em psiquiatria não são raros os casos de anestesias histéricas. Observam-se, nesses casos, anestesias regionais, com a perda real da sensibilidade dolorosa em determinada parte do corpo. Déjerine apresenta uma série de casos clínicos de pacientes histéricas, com anestesias regionais bem delimitadas. Exemplos a) “Anestesia histérica com fraqueza do braço direito, em mulher de 28 anos, queixando-se de dores vagas na espádua do mesmo tado. As perturba- 18 ções da sensibilidade são muito acentuadas e atingem o tato, a dor e a tem- peratura. Quando examinei esta paciente, que veio à consulta por causa das dores na espádua, ela não tinha sido ainda vista por um médico. Após a per- manência de duas semanas no serviço, as dores e a anestesia desaparece- ram.” b) “Anestesia total de tipo segmentar, atingindo todas as formas de sen- sibitidade superficial e profunda, com abolição do reflexo cutâneo plantar do lado correspondente e integridade dos reflexos do tado oposto, em uma io- vem de 28 anos, padecendo há oito meses de contratura histérica do mem- bro inferior direito. Neste caso, o reflexo da íris à dor estava conservado, pois uma picada enérgica da pele da região anestesiada produzia dilatação da íris." Déjerine chama a atenção para o fato singular da anestesia histérica não corresponder a nenhuma topografia orgânica: “A anestesia histérica é para- doxal em suas manifestações, isto é, não determina, em geral, as perturba- ções funcionais que se deveriam logicamente esperar. Esta anestesia total não se acompanha de ataxia, nem de incoordenação, nem de perturbação fun- cional de nenhuma espécie”. Marinesco estudou as perturbações sensitivas nos histéricos com base na pesquisa dos reflexos condicionados, chegando a esta conclusão: “A com- provação da hemianestesia histérica, através de diferentes testes, nos auto- riza a acreditar em sua realidade fisiopatológica, a qual é suscetível de ser evidenciada mediante métodos incontestáveis." As pesquisas eletroencefalográficas de Titeca revelaram que, no indivi- duo normal, em repouso absoluto, o ritmo alfa é perturbado quando se pro- duz um estímulo doloroso. Nos histéricos a excitação dolorosa da área anes- tesiada não determina o bloqueio do ritmo alfa, o que serve para demonstrar a “realidade” semiológica desta anestesia. Na excitação maníaca, os enfermos não se preocupam com as impres- sões sensoriais procedentes do meio exterior, não percebem ou percebem de maneira incompleta as impressões intensas e, menos ainda, os estímulos sen- soriais de fraca intensidade. Acontece aqui o oposto do que com os neuróti- cos, cuja receptividade sensorial está em geral exaltada, a ponto de lhes cau- sar mal-estar a luz do dia ou um insignificante ruído que passa despercebido à maioria das pessoas. Os melancólicos costumam apresentar intolerância com as excitações sensoriais. Nesses casos, há não só hiperestesia, como certa tendência a modificar as sensações: o menor contato superficial é transfor- mado em sensação dolorosa. Os hipocondríacos chegam a perceber claramen- te as funções orgânicas, nas quais concentram a atenção. Na obnubilação da consciência, as sensações perdem a nitidez; o estado de inconsciência inibe a recepção das sensações. No estupor, nem sempre há elevação do limiar da sensibilidade aos diferentes estímulos sensoriais. Nos estados crepusculares, as sensações são imprecisas e, na maior parte das vezes, faiseadas. As alterações da sensibilidade têm uma importância extraordinária na ca- tatonia. Os catatônicos apresentam diminuição da sensibilidade geral, com analgesia mais ou menos completa nos estados de estupor. Na deficiência mental e nos estados demenciais, os enfermos não podem sentir tão vivamente, nem perceber com a mesma nitidez do indivíduo são. 19