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Crítica das Forças Produtivas: Guerra e Destruição Ecológica, Notas de aula de Economia Política

Este texto analisa como as forças produtivas materiais da sociedade entraram em contradição com as relações de produção existentes, trazendo consigo a marca das relações de produção capitalistas. O desenvolvimento das forças produtivas leva à ampliação das necessidades do capital, resultando em mais trabalho vivo sendo mobilizado e na exploração e pilhagem da natureza. A guerra e a produção militar são destacados como motores do desenvolvimento tecnológico-científico, mas também como causadores de destruição econômica, social e ambiental. O texto questiona a libertação das forças produtivas das relações de produção capitalistas e propõe a criação de uma nova forma de sociabilidade que lidar reflexivamente com a técnica.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Neilson89
Neilson89 🇧🇷

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Crítica das forças produtivas: guerra, destruição ecológica e criação do
mundo pós-natural (André Villar Gomez e Javier Blank)
As forças produtivas do capital
No “Prefácio” de Para a critica da economia política de 1859, Marx (1987, p.30)
formulou de maneira célebre:
Em uma certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em
contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que a sua expressão
jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham movido. De
formas de desenvolvimento das forças produtivas estas relações se transformam em seus grilhões.
Sobrevém então uma época de revolução social.
Mais de 150 anos se passaram desde então. Após um longo processo histórico hoje é
fácil verificar a destrutividade crescente do desenvolvimento enlouquecido das forças
produtivas do capital. No entanto, a época de revolução social não sobrevém. Não significa
que ainda não exista a tal da contradição e que devamos esperar por ela. É que a contradição
que se manifesta entre as forças produtivas e as relações de produção não é tal como esperada,
como se fossem dois polos numa relação de exterioridade.
A explicação disso pode ser encontrada já em Marx. Há uma distinção fundamental na
obra marxiana entre a forma abstrata do valor e o conteúdo concreto-sensível do mundo na
análise da sociedade burguesa. Ela se expressa no valor/valor-de-uso, trabalho
abstrato/trabalho concreto, capital constante/meios de produção, capital variável/trabalho
vivo. Mas essas dimensões não são simplesmente duas perspectivas de análise, dois olhares
ou aproximações diferentes do mesmo processo sócio-histórico. Antes, mostra a submissão da
dimensão material à dimensão de valor. Nessa submissão, a dimensão do valor vai dando
forma à matéria. Essa análise permite mostrar que as forças produtivas não se opõem, mas
trazem consigo a marca das relações de produção capitalistas. As capacidades produtivas do
homem se incarnaram de uma maneira muito específica enquanto força produtiva do capital.
Na constituição da força produtiva, é o processo de valorização, e portanto as necessidades do
capital e não a satisfação das necessidades humanas, que determinam o percurso e ritmo do
desenvolvimento e aplicação tecnológica, e a abrangência do seu uso. Adaptando-se ao
trabalho abstrato como substancia do valor, e ao tempo de trabalho socialmente necessário
como magnitude do valor, os fatores objetivos adquiriram uma desmedida em dois sentidos.
Em relação às necessidades humanas, posto que o seu fim é o da autovalorização do valor. E
em relação às necessidades do próprio capital, quando a sua contradição imanente é efetivada
na crise de sobreprodução. Isto é, o capital cria uma produtividade social que se torna
excessiva em relação à própria procura de valorização do valor, pois reduz o trabalho vivo, a
fonte do valor que esse específico modo de produção criou para si. A concorrência capitalista
impulsiona a um compulsivo desenvolvimento tecnológico. No entanto, esse desenvolvimento
tecnológico, quando aplicado ao processo de produção de mercadoria, encontra-se em
contradição com os fundamentos dessa forma social. Ela pode sobreviver por meio da
exploração de trabalho humano em escala sempre ampliada. Em última análise, mais e mais
trabalho vivo tem de ser mobilizado nos processos de produção de mercadorias. Apenas o
trabalho humano produz valor e, portanto, mais-valia. O trabalho humano abstrato é a
substância da qual o capital se alimenta. Uma das consequências dessa “contradição em
processo” consiste na redução do quantum do trabalho abstrato coagulado no corpo das
mercadorias. Essa contradição se expressa por meio da redução da taxa de lucro. Torna-se
necessário investir somas cada vez maiores para obter a mesma quantidade de lucro, uma vez
que o peso do capital constante (dinheiro despendido em meios de produção, que não geram
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Crítica das forças produtivas: guerra, destruição ecológica e criação do mundo pós-natural (André Villar Gomez e Javier Blank) As forças produtivas do capital No “Prefácio” de Para a critica da economia política de 1859, Marx (1987, p.30) formulou de maneira célebre: Em uma certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas estas relações se transformam em seus grilhões. Sobrevém então uma época de revolução social. Mais de 150 anos se passaram desde então. Após um longo processo histórico hoje é fácil verificar a destrutividade crescente do desenvolvimento enlouquecido das forças produtivas do capital. No entanto, a época de revolução social não sobrevém. Não significa que ainda não exista a tal da contradição e que devamos esperar por ela. É que a contradição que se manifesta entre as forças produtivas e as relações de produção não é tal como esperada, como se fossem dois polos numa relação de exterioridade. A explicação disso pode ser encontrada já em Marx. Há uma distinção fundamental na obra marxiana entre a forma abstrata do valor e o conteúdo concreto-sensível do mundo na análise da sociedade burguesa. Ela se expressa no valor/valor-de-uso, trabalho abstrato/trabalho concreto, capital constante/meios de produção, capital variável/trabalho vivo. Mas essas dimensões não são simplesmente duas perspectivas de análise, dois olhares ou aproximações diferentes do mesmo processo sócio-histórico. Antes, mostra a submissão da dimensão material à dimensão de valor. Nessa submissão, a dimensão do valor vai dando forma à matéria. Essa análise permite mostrar que as forças produtivas não se opõem, mas trazem consigo a marca das relações de produção capitalistas. As capacidades produtivas do homem se incarnaram de uma maneira muito específica enquanto força produtiva do capital. Na constituição da força produtiva, é o processo de valorização, e portanto as necessidades do capital e não a satisfação das necessidades humanas, que determinam o percurso e ritmo do desenvolvimento e aplicação tecnológica, e a abrangência do seu uso. Adaptando-se ao trabalho abstrato como substancia do valor, e ao tempo de trabalho socialmente necessário como magnitude do valor, os fatores objetivos adquiriram uma desmedida em dois sentidos. Em relação às necessidades humanas, posto que o seu fim é o da autovalorização do valor. E em relação às necessidades do próprio capital, quando a sua contradição imanente é efetivada na crise de sobreprodução. Isto é, o capital cria uma produtividade social que se torna excessiva em relação à própria procura de valorização do valor, pois reduz o trabalho vivo, a fonte do valor que esse específico modo de produção criou para si. A concorrência capitalista impulsiona a um compulsivo desenvolvimento tecnológico. No entanto, esse desenvolvimento tecnológico, quando aplicado ao processo de produção de mercadoria, encontra-se em contradição com os fundamentos dessa forma social. Ela só pode sobreviver por meio da exploração de trabalho humano em escala sempre ampliada. Em última análise, mais e mais trabalho vivo tem de ser mobilizado nos processos de produção de mercadorias. Apenas o trabalho humano produz valor e, portanto, mais-valia. O trabalho humano abstrato é a substância da qual o capital se alimenta. Uma das consequências dessa “contradição em processo” consiste na redução do quantum do trabalho abstrato coagulado no corpo das mercadorias. Essa contradição se expressa por meio da redução da taxa de lucro. Torna-se necessário investir somas cada vez maiores para obter a mesma quantidade de lucro, uma vez que o peso do capital constante (dinheiro despendido em meios de produção, que não geram

valor) cresce em relação ao capital variável (dinheiro despendido em força de trabalho, a única mercadoria capaz de produzir valor e mais-valor). A crise intensifica a inovação tecnológica. Ao mesmo tempo, a crise aprofunda as determinações capitalistas da tecnologia, isto é, o seu caráter de força produtiva. Por um lado, um uso intensivo da tecnologia na procura de aumentar a mais-valia, com o decorrente abuso das fontes da riqueza, força de trabalho e natureza, chegando ao ponto da sua destruição ou esgotamento antecipado. Por outro, uma restrição do uso da tecnologia em casos em que, significando uma vantagem do ponto de vista humano, de se libertar de tarefas pesadas e/ou rotineiras passíveis de serem feitas por uma máquina, ganhando tempo para atividades mais criativas ou humanizadoras, não traz benefícios no aumento da mais-valia. Finalmente, o direcionamento do próprio percurso do desenvolvimento tecnológico segundo as necessidades do capital. As forças produtivas, uma das abstrações reais do capital, são uma forma tecnológica historicamente específica que contém em si mesma o incumprimento da promessa técnica que ela carrega, donde a dualidade atual entre potencialidade assombrosa e realidade horrorosa. Horrorosa? Será que essa realidade tecnológica merece tão forte adjetivo? Aceleração do consumo do mundo A referida contradição imanente do capital se expressa também por algo que poderíamos designar como aceleração da taxa de aceleração do consumo do mundo. Uma vez que a quantidade de valor cristalizada em cada mercadoria diminui, tornar-se necessária produzir uma quantidade sempre maior de mercadorias apenas para gerar a mesma quantidade de valor e uma quantidade ainda maior para promover ampliação da massa de valor. Portanto, a quantidade de elementos da natureza absorvidos pelos processos de produção e a quantidade de produtos, de refugos do processo de produção e de lixo gerado após o consumo desses produtos não apenas cresce com a reprodução ampliada do capital mas cresce exponencialmente. É impossível haver capitalismo ecologicamente sustentável. O capitalismo não pode sobreviver sem crescimento, e crescimento implica sempre uma ampliação vertiginosa do consumo do mundo. E é por isso que, sob a forma de riqueza baseada no valor, a ampliação das forças produtivas tende a se tornar uma calamidade. A crise ecológica de nossa época é, dentre outras coisas, resultado do agravamento da referida contradição: a contradição entre a forma social abstrata e o conteúdo concreto-sensível do mundo. Os processos de produção baseados na microeletrônica não apenas derruíram as bases sobre as quais se assenta todo o sistema, uma vez que promoveram uma eliminação imensa da utilização do trabalho humano no processo de produção, e que já não mais pode ser compensada por qualquer inovação de produtos, como, por outro lado, também levaram o capitalismo a intensificar de forma inaudita a exploração e a pilhagem da natureza, tornando- se uma ameaça crescente para a maior parte da humanidade e, no limite, para a própria sobrevivência da espécie humana. Desde as últimas décadas do século XX que o capitalismo revela uma progressiva e irreversível obsolescência histórica, que só pode perdurar recrudescendo sua inerente destrutividade social e ecológica. Produção destrutiva Um dos problemas que resultam da crescente produtividade é que uma quantidade cada vez maior de mercadorias é colocada à venda e tem de encontrar quem lhas compre. A obsolescência programada consiste no mecanismo mobilizado pelo capital para reduzir deliberadamente a taxa de utilização dos produtos com o fito de ampliar a “propensão ao consumo”. István Mészáros (2002, p.661) explica a finalidade desse mecanismo:

necessária para fazer a grande experiência que demonstraria minha tese, exceto em condições de guerra. Se os Estados Unidos levarem a sério sua missão na defesa da civilização e se insensibilizarem com a grande dissipação de recursos decorrentes da preparação das armas, aprenderiam a conhecer sua força, e o aprenderiam de uma forma como nunca poderiam aprender em outra ocasião; aprenderão uma lição que logo poderá servir para reconstruir um mundo que compreenderá os principais princípios que governam a produção de riqueza [...] As preparações de guerra, longe de requerer um sacrifício, será um estímulo [...] (KEYNES apud CAMPOS, 2005, p.188). A rigor, Keynes teoriza aqui o que Hitler já havia posto em ação. Foi por meio dos gastos militares que ele cumpriu sua promessa de campanha de gerar emprego e tirar a Alemanha da crise. Keynes recomenda a exitosa fórmula dos nazistas para salvar o capitalismo: preparar novas guerras! A mais insensível e estúpida dissipação de recursos favorecida pelas condições de guerra se torna um princípio e um expediente fundamental de defesa da civilização capitalista. O mais horrendo sacrifício humano e ecológico se revela um estímulo para a economia. Foi por meio dos gastos militares que também os Estados Unidos saíram da crise dos anos de 1930. Esse remédio para a economia capitalista deixou de ser episódico e efêmero após o fim da Segunda Guerra Mundial para tornar-se um expediente permanente e central. Não fossem os imensos dispêndios militares, não teria havido os Anos Dourados. Os 30 Anos Gloriosos do pós-Segunda Guerra foram comprados com maciços dispêndios militares – e, junto com ele, com um terrível rastro de destruição: Guerra da Coréia, Guerra do Vietnã, Guerra Fria, além de inúmeras conflagrações, golpes militares e ditaduras sanguinárias. O expediente destrutivo continuou prevalecendo com todo o vapor mesmo no curso das Décadas de Crise , principiadas nos anos de 1970 e que, passado mais de quarenta anos, não tem data para chegar ao fim. Todavia, nem mesmo os mais exorbitantes gastos militares podem empurrar a economia para diante. A revolução industrial da microeletrônica – oriunda das pesquisas militares – tornou obsoleto o remédio keynesiano. As guerras e a preparação para as guerras tornaram-se muito caras e somente com gastos astronômicos e crescentes é que se conseguem garantir as dissipações necessárias para o capitalismo manter-se em funcionamento. Esses gastos militares são ainda fundamentais pois geram empregos e ampliam a demanda solvável da sociedade, ativando toda a economia, mas sobretudo porque geram lucros e criam um clima de “otimismo no mercado”, em virtude dos vultosos lucros das empresas ligadas com o negócio da guerra (um processo de produção mundializado e que engloba muitas empresas aparentemente voltadas exclusivamente para a produção civil). No entanto, por outro lado, eles ativam cada vez mais os limites da capacidade de endividamento dos Estados. O capitalismo movido a crédito e cada vez mais dependente da produção destrutiva e dos demais gastos militares ameaça a explodir já nesse princípio de século XXI. A dívida pública dos Estados Unidos, de mais de um trilhão de dólares anuais, isto é, algo equivalente ao montante de seus gastos militares, revela que esse mecanismo está muito próximo de esgotar seu prazo de validade. As inúmeras guerras que ocorreram ao longo da segunda metade do século XX – com mais de quarenta milhões de mortos, algo equivalente a uma outra guerra mundial – e que não cessa de fazer vítimas nesse início do século XXI revela o caráter regressivo e destrutivo do capitalismo na época mesmo após as duas horrendas conflagrações mundiais. Não parece exagero dizer que o capitalismo convive com uma guerra mundial de cem anos (quase completos). Sua sobrevivência cobrará a imolação de muito mais vidas nos próximos anos, como parecem indicar as tendências atuais. Tecnologia militarizada Na leitura inicial do Marx que abre o artigo atribuímos o desenvolvimento das forças

produtivas à concorrência econômica entre empresas. Elas inovariam o processo produtivo com o fito de auferir maiores lucros. Acompanhar o ritmo do desenvolvimento tecnológico constitui um imperativo. Ficar para trás significa ser batido pela concorrência. As empresas então despenderiam seu dinheiro na busca de novos engenhos tecnológicos em meio às disputas no mercado. Esta formulação está correta, mas é insuficiente para acompanhar o modo como se processou o desenvolvimento tecnológico-científico no curso do século XX e nos princípios do século XXI. O progresso tecnológico-científico do capitalismo “maduro” não resultou do desenvolvimento das forças produtivas. Pelo contrário. Foi originado pela guerra e por meio da preparação da guerra. Portanto: como forças destrutivas. A guerra – como forma da concorrência econômica por outros meios –, e não a concorrência pacífica entre empresas capitalistas, é que foi a mola propulsora do desenvolvimento, amadurecimento e também de um vertiginoso processo de aceleração da tecnologia e da ciência. Algo muito distante da versão “idílica” predominante, que atribui o desenvolvimento tecnológico aos inovadores empresários schumpeterianos. Conforme observa Eric Hobsbawn (1995, p.54): Não fosse pela Segunda Guerra Mundial, e o medo de que a Alemanha nazista explorasse as descobertas da física nuclear, a bomba atômica certamente não teria sido feita, nem os enormes gastos necessários para produzir qualquer tipo de energia nuclear teriam sido empreendidos no século XX. Outros avanços tecnológicos conseguidos, no primeiro caso, para fins de guerra mostraram-se consideravelmente de aplicação mais imediata na paz – pensamos na aeronáutica e nos computadores

  • mas isso não altera o fato de que a guerra ou a preparação para a guerra foi um grande mecanismo para acelerar o progresso técnico, “carregando” os custos de desenvolvimento de inovações tecnológicas que quase com certeza não teriam sido empreendidos por ninguém que fizesse cálculos de custo-benefício em tempos de paz, ou teriam sido feitos de forma mais lenta e hesitante. A terceira revolução tecnológico-científica – que tem na energia nuclear e na microeletrônica os seus principais produtos – principiou a se desenvolver no curso da Segunda Guerra Mundial e continuou os seus “progressos” posteriores ligados às demandas militares. Portanto, longe de retardar o desenvolvimento tecnológico-científico, conforme observa Ernest Mandel (1982, p.212), a produção permanente de armas não se tornou apenas uma das soluções mais importantes do problema do capital excedente, mas também, e principalmente, constituiu-se num poderoso estímulo para a aceleração da inovação tecnológica. A maior parte das tecnologias que saturam a “sociedade tecnológica” de nossa época foram originalmente criados com finalidades bélicas. Claudio Katz (1996, p.204) apresenta um quadro bastante elucidativo a esse respeito: Nos campos de maior inovação recente – eletrônica, aeronáutica, aeroespacial – o uso militar foi proeminente. Os circuitos integrados e os semicondutores foram desenvolvidos para satisfazer pedidos do Pentágono; nenhum modelo de avião civil precedeu o militar; os satélites de comunicação derivam de programas bélicos da Nasa. Das inovações sofisticadas – computadores, transístores – às mudanças tecnológicas triviais, embora de grande impacto econômico – como os containers –, todas derivam do uso militar prévio. A microeletrônica se gestou na resolução de problemas de balística, radares, detecção submarina, trajetória de mísseis e armas atômicas. As máquinas-ferramentas de controle numérico apareceram para ajustar a precisão de peças aeronáuticas. O desenvolvimento da energia nuclear proveio da utilização bélica. As principais mudanças na organização e fornecimento do processo de produção também foram extraídas da esfera militar: o taylorismo, os métodos de pesquisa operacional, a gestão de estoques, a codificação do learning by doing , os programas recentes de incremento da competitividade (Mantech) tiveram o apadrinhamento da economia armamentista. A transformação da guerra como um expediente regular na operação de salvamento do capitalismo desde fins da Segunda Guerra Mundial e sua subsequente transformação numa

não mais serão as criaturas mais “inteligentes” da Terra (inteligência compreendida de maneira restrita como um mero saber instrumental centrado no cálculo 'abstrato'). E, logo que percam essa posição para os computadores, também tendem a ficar para trás no processo de seleção. Segundo suas previsões, durante algum tempo os humanos poderão se atualizar por meio de implantes químicos e eletrônicos. Eles terão de se transformar em cyborgs. No entanto, por mais bem sucedida que sejam tais atualizações, os limites físicos e mentais dos humanos continuarão a representar um estorvo para o progresso tecnológico. Os humanos não deixarão de ser uma “máquina de carne”, com todas as limitações de um ser biológico. Pois, segundo Hans Moravac, mesmo “um super homem criado pela engenharia genética não passaria de um robô de segunda classe, concebido com a limitação de a construção se basear na síntese proteica guiada pelo DNA” (MORAVAC, 1992, p.166). Para ele, somente seres humanos “chauvinistas” poderiam considerar que a proteína tenha alguma vantagem em relação aos componentes dos robôs. As limitações humanas persistiriam mesmo que se transplantassem todos os seus órgãos, inclusive seu cérebro, para um corpo robótico, especialmente concebido exclusivamente para isso. “Infelizmente, embora esta solução permitisse superar a maioria de nossas limitações físicas, deixaria inalterada a nossa maior limitação: a inteligência fixa e limitada do cérebro humano” (Ibidem, p.166). A solução então seria promover a desmaterialização dos próprios humanos, realizando um download de sua mente para o computador. O ser humano seria desmaterializado. Transformar-se-ia em puro software, deixando para trás seu antigo hardware. Esse passo significaria nada mais nada menos do que a própria vitória contra a morte (KURWEIL, 2007, p.181). Uma vitória que seria também a realização do delírio metafísico que toma o humano como um puro cogito, uma coisa que pensa, separado de seu corpo^1.^ Mas todo esse progresso no fim das contas aponta para um único resultado: a extinção dos seres humanos. Eles deixarão de existir e seu lugar será ocupado por uma espécie que, sendo fruto da tecnologia, será bem mais apta a levar adiante o progresso tecnológico: os robôs. Estes serão, segundo Marvin Minsky (2009), os herdeiros da Terra. Para ele, estamos muito próximos do tempo em que, virtualmente, a nenhuma função humana essencial, quer física, quer mental, faltará o correspondente artificial. A encarnação desta convergência de desenvolvimentos culturais será o robô inteligente, uma máquina capaz de pensar e de agir como um ser humano, por muito desumana que seja nos pormenores físicos ou mentais. Tais máquinas serão capazes de prosseguir a nossa evolução cultural, incluindo a própria construção e desenvolvimento cada vez mais rápidos, sem necessidade de nós ou dos genes que nos deram origem. Quanto tal acontecer, o nosso DNA tornar-se-á inútil, perderá a corrida evolutiva em favor de um novo tipo de competição. [...] A nossa cultura poderá então evoluir independentemente da biologia humana e de suas respectivas limitações, passando em vez disso, a ser transmitida diretamente de geração em geração de máquinas inteligentes progressivamente mais capazes. [...] Um mundo pós-biológico, dominado por máquinas pensantes em contínuo auto-aperfeiçoamento, seria tão diferente do nosso mundo de seres vivos como o nosso é diferente do mundo da química que o precedeu. Todo esse papo de mundo pós-humano parece uma especulação descabida, amalucada e de seriedade muito duvidosa. Talvez... Mas, por outro lado, tais prognósticos devem ser le- vados muito a sério porque, antes de qualquer coisa, revelam o caráter totalitário da tecnolo- gia moderna e as sinistras tendências que lhe são inerentes: “atualização” para alguns e “ex- tinção” – a “solução final” do capitalismo – para os imensos contingentes humanos irremedia- (^1) “pelo próprio fato de que conheço com certeza que existo, e que, no entanto, noto que não pertence necessaria- mente nenhuma outra coisa à minha natureza ou à minha essência, a não ser que sou uma coisa que pensa, con - cluo efetivamente que minha essência consiste somente em que sou uma coisa que pensa”, “[que minha alma] é inteira e verdadeiramente distinta de meu corpo e que ela pode ser ou existir sem ele” (DESCARTES, 1991, p. 216).

velmente jogados no “leprosário social” (KURZ, 1993). Os novos desenvolvimentos tecnoló- gico-científicos abrem a possibilidade para a emergência de uma nova eugenia e o surgimento de uma ditadura científica global (MARSHALL, 2010). Encontra-se a espreita a possibilidade de edificação de um totalitarismo de novo tipo capaz de fazer empalidecer o totalitarismo na- zista. A semelhança desse ameaçador império técnico-totalitário com nosso império de ontem é evidente. Naturalmente, isto parece provocador, pois temos adquirido o doce costume de considerar o império que deixamos para trás, o ‘terceiro’ Reich, como um fato único, errático, como um fato atípico de nossa época ou no nosso mundo ocidental. Mas este hábito, evidentemente, não serve como argumento, esta atitude não é mais que uma forma de fechar os olhos. Posto que a técnica é nossa filha, seria tão covarde como estúpido falar da maldição que é inerente como se esta tivesse entrado casualmente em nossa casa pela porta dos fundos. Esta maldição é nossa maldição. Posto que o império da máquina procede por acumulação, e posto que o mundo de amanhã se globalizará e os seus efeitos o abarcaram por inteiro, propriamente falando a maldição se acha todavia diante de nós. Ou seja: temos que esperar que o horror do império por vir eclipse amplamente o do império de ontem (ANDERS, 1988, p.33). Moishe Postone (2006, p.489) assinala que essa forma social busca criar uma “total carência de limites, uma fantasia de liberdade como completa liberação da matéria, da nature- za. Esse ‘sonho do capital’ está se convertendo em pesadelo para aqueles da qual a dita forma luta por se emancipar: o planeta e seus habitantes”. A emancipação capitalista dos limites naturais e humanos manifesta um passo além no desenvolvimento das forças destrutivas. Os mais avançados engenhos tecnológico-científicos são mobilizados para perpetuar uma forma social que se tornou obsoleta. Conclusão A análise lógica do caráter especificamente capitalista da categoria forças produtivas e seu decorrente caráter estruturalmente destrutivo com a qual abrimos o artigo são confirmados pela evidência histórica do esbanjamento e destruição de forças naturais, humanas e sociais em curso no capitalismo contemporâneo, destruição que inclui um vetor de criação de uma nova natureza pelo capital, num processo de “criação destrutiva”. Uma crítica do capitalismo feita em nome ou a favor das forças produtivas leva à perspectiva muito comum de pretender libertá-las dos grilhões que significariam as relações de produção desse modo de produção. De fato, já “coube involuntariamente ao marxismo/socialismo a tarefa de representar as forças produtivas mais progressivas do momento para um novo surto de desenvolvimento do sistema produtor de mercadorias” (KURZ, 1997). A análise da contradição entre as forças produtivas e as relações de produção capitalistas como sendo entre dois polos exteriores entre si, é que permitiria buscar nas forças produtivas existentes o ponto de apoio para a superação da forma social vigente. Nossa análise nos leva a afirmar que o desenvolvimento das forças produtivas tem se tornado, de tarefa histórica, em condição regressiva para a emancipação. Mas afirmar que a as forças produtivas não trazem a contradição esperada não as deixa isentas de contradições. As forças produtivas carregam a contradição interna do próprio capital na sua procura cega por acumular. Isso explica o impasse atual: destrutividade sócio-ambiental crescente (analisada aqui nos vetores da aceleração do consumo do mundo, da produção destrutiva, da militarização da produção de tecnologia e na destruição e emancipação da natureza) ao mesmo tempo que desesperadora ausência de revolução social. As forças produtivas violentam o conteúdo concreto-sensível do mundo, e a revolução, mesmo se tornando urgente, não sobrevém.

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