Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

COF curso online de filosofia exercícios práticos, Manuais, Projetos, Pesquisas de Filosofia

É um caderno de ativação, com exercícios, das aulas mais importantes do professor e filósofo Olavo de Carvalho.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2020
Em oferta
30 Pontos
Discount

Oferta por tempo limitado


Compartilhado em 01/06/2020

vanessa-pinheiro-23
vanessa-pinheiro-23 🇧🇷

5

(4)

1 documento

1 / 344

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
Curso Online de Filosofia
OLAVO DE CARVALHO
Exercícios e Indicações
Práticas
Mário Chainho e Juliana Camargo Rodrigues
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25
pf26
pf27
pf28
pf29
pf2a
pf2b
pf2c
pf2d
pf2e
pf2f
pf30
pf31
pf32
pf33
pf34
pf35
pf36
pf37
pf38
pf39
pf3a
pf3b
pf3c
pf3d
pf3e
pf3f
pf40
pf41
pf42
pf43
pf44
pf45
pf46
pf47
pf48
pf49
pf4a
pf4b
pf4c
pf4d
pf4e
pf4f
pf50
pf51
pf52
pf53
pf54
pf55
pf56
pf57
pf58
pf59
pf5a
pf5b
pf5c
pf5d
pf5e
pf5f
pf60
pf61
pf62
pf63
pf64
Discount

Em oferta

Pré-visualização parcial do texto

Baixe COF curso online de filosofia exercícios práticos e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Filosofia, somente na Docsity!

Curso Online de Filosofia

OLAVO DE CARVALHO

Exercícios e Indicações

Práticas

Mário Chainho e Juliana Camargo Rodrigues

ÍNDICE

INTRODUÇÃO

Este é um trabalho de natureza pessoal e de forma alguma deve ser entendido como um conjunto de instruções oficiais do Curso Online de Filosofia. Não pretendemos algo de original, uma vez que apenas nos limitamos a fazer uma colagem das indicações que têm sido dadas pelo professor Olavo nas aulas do curso. Contudo, é a nós, como compiladores, que devem ser pedidas responsabilidades quando a exposição se torna menos clara e dúbia, ou quando pecamos pelas repetições inconsequentes, pelas lacunas e pelos elementos deslocados. A estruturação, classificação e designação dos exercícios e das indicações práticas é também largamente da nossa responsabilidade, e mais adiante, nesta introdução, trataremos de justificar a estruturação que seguimos com base em indicações também dadas pelo professor Olavo.

O núcleo original em que nos baseamos é constituído dos exercícios que o professor Olavo nos deu nas primeiras aulas. Mas o número de indicações práticas que nos têm sido dadas é tal que reformulamos o projecto inicial, como base na frase de Goethe: “O talento desenvolve-se na solidão; o carácter na agitação do mundo.” Aos exercícios viemos juntar um sem número de indicações práticas, que complementam e enquadram os exercícios, mas que também fornecem inúmeras pistas para enfrentarmos a agitação do mundo. Os principais obstáculos da vida intelectual não são de ordem intelectual mas de ordem moral e psicológica. A filosofia é uma coisa perigosa, tanto pelos seus efeitos a longo prazo, como para quem a pratica, que pode se meter em confusões sofisticadas das quais não conseguirá mais sair. O objectivo do Curso Online de Filosofia é precisamente o oposto: fazer um saneamento da vida intelectual brasileira trabalhando a saúde espiritual dos alunos, de modo a que estes recuperem o senso de integridade das suas pessoas e se consigam orientar na vida, irradiando estas qualidades na sociedade em torno.

Não é possível cumprir estes objectivos apenas fornecendo um conjunto de técnicas, porque o fulcro da vida intelectual tem que ser a sinceridade. As técnicas que devemos começar por adquirir não são as do estudo da filosofia mas algumas da vida intelectual em geral, visando o aperfeiçoamento da inteligência assim como a integração da consciência. Mas isto tem que ser conjugado com uma série de considerações sobre o aspecto existencial da vida intelectual, tendo em conta o estado actual da sociedade brasileira e mundial. Ou seja, é necessária uma fase de integração social para não ficarmos à mercê da sociedade, já que, caso isso aconteça, até poderemos vir a ser pessoas de uma certa cultura mas sem a capacidade de assumirmos a responsabilidade pelo conhecimento que adquirimos. O processo educativo é uma ascensão de lucidez, um conhecimento e uma tomada de posse das nossas dimensões; um adquirir de uma transparência a nós mesmos que nos permita ter noção das nossas possibilidades e incapacidades, assim como das nossas deficiências.

Não pretendemos apresentar uma simples lista de exercícios e indicações práticas prontas a aplicar, sendo possível, no entanto, fazer uma lista desse género a partir deste material. A abordagem que seguimos privilegiou a “contextualização”, de modo a que cada coisa seja apresentada com as suas várias ligações e implicações, para desta forma estimularmos nos leitores um estudo das aulas mais integrado. Este esforço de contextualização – que, em si, deixa implícitas uma série de outras indicações práticas – faz com que este trabalho possa ser lido sem recorrer a outras fontes. Contudo, o que aqui apresentamos é um

material de segunda ordem, que só pode ser bem aproveitado para quem já conhece as aulas que nos serviram de matéria-prima – sendo também um convite para revisitar as mesmas e fazer delas uma abordagem mais pessoal e unificada – e assim sabe o peso das palavras, o contexto geral e o desenrolar do curso, caso contrário, a leitura irá coisificar o conteúdo, que aparecerá como um manual disciplinar, o que de todo se quer evitar. As explicações fornecidas incluem uma parte da teoria mas não podem esgotá-la, uma vez que existe uma parte intransmissível e que só se revela na própria prática. As explicações só podem ir até determinado ponto daí em diante há um salto que tem que ser dado por nós, e para isso temos que experimentar uma vez, duas, as vezes que forem necessárias. Não existe uma técnica de estudo que possa ser passada por inteiro, pelo que temos de criar uma nossa, e que pode ser totalmente desadequada para outras pessoas. Mas não vamos fazer isso a partir do zero; devemos aproveitar um conjunto de saber de experiência feita que o professor Olavo nos tem passado e que aqui reunimos.


A educação deve seguir a ordem dos quatros discursos, que corresponde também à sequência de desenvolvimento da filosofia na Grécia. Aristóteles desenvolveu a lógica em cima da dialéctica que ele e Platão criaram. Mas antes disto foram necessários séculos de prática retórica, e esta, por sua vez, desenvolveu-se em cima de uma linguagem poética e mítica. Dentro deste espírito e de acordo com a Aula 8, a vida intelectual desenvolve-se numa série de blocos, que são independentes mas devem ser articulados e trabalhados em paralelo:

Adestramento da autoconsciência – Compreensão da nossa situação real vista à luz de um senso do ideal.

Adestramento do imaginário – Desenvolvimento da imaginação mediante a literatura e as artes.

Adestramento linguístico – Compreensão e utilização da linguagem, que segue junto ao bloco anterior.

Adestramento nas ferramentas de pesquisa – Conhecimento das técnicas de documentação bibliográfica e dos métodos de pesquisa, que seguem de perto os utilizados na investigação histórica.

Estes quatro blocos constituem um preliminar à técnica filosófica propriamente dita, que seria um quinto bloco, que não abordamos neste trabalho a não ser de forma lateral e dentro de uma perspectiva educativa. São também estes quatro blocos que serviram de base à estruturação que aqui fizemos por capítulos:

2. Posicionamento Existencial e Moral – Tem por base o adestramento da autoconsciência, a começar pelo Exercício do Necrológio (2.1), que nos leva a meditar sobre a nossa vida como uma forma fechada e a determinar uma linha orientadora para nós. O Exercício do Testemunho (2.2) baseia-se na recordação dos momentos extraordinários, como diz Louis Lavelle, em que vemos a nossa vida como um todo e o seu sentido nos parece claro, pelo que temos de chamá-los ao nosso cotidiano. Este exercício constitui um complemento ao necrológio, assim como acontece com o

mas que não estão presentes relativamente a algo que desconhecemos. Em sequência, o Exercício de Rastrear a Origem dos Objectos de um Lugar (5.7) ajuda a darmos substância de realidade aos conceitos usados nas ciências humanas. Partindo do Exercício de Leitura Lenta, a Leitura de Textos de Filosofia (5.8) acrescenta uma série de outras considerações que nos vão aproximando cada vez mais da mente dos filósofos que estamos a ler. No ponto que chamamos Aprendizagem com a Realidade e Lições de Aristóteles (5.9), começamos por ver como podemos recuperar o conhecimento que já temos embutido na percepção e depois veremos que foi essa a forma que Aristóteles usou para chegar às chaves classificatórias como as categorias, os predicados e as causas, pretendendo-se que passemos a fazer conscientemente uma série de distinções que já fazemos automaticamente e sem pensar. O Exercício de Classificação (5.10) funciona como uma introdução à lógica de Aristóteles, impedindo que ela se coisifique. Fechamos o capítulo com algumas indicações sobre Memória e Notas (5.11), não apenas no sentido prático estrito, já que, como em todos os pontos, tentamos sempre que seja visível a ligação com uma vida intelectual unificada.

Os capítulos 6, 7 e 8 são complementares aos anteriores. Quem leu o livro A Vida Intelectual , do padre Sertillanges – cuja leitura é bastante aconselhada não só pelas indicações em si mas porque mostra como uma visão filosófica faz emergir as indicações práticas a partir da unificação de princípios –, sabe que ali estão contidas indicações sobre aspectos tão variados como a alimentação, a preparação para uma noite descansada, a condução de contactos pessoais, incluindo considerações sobre a família. São tudo aspectos que não estão totalmente separados da vida intelectual e vão influenciá-la, pelo que se fazem necessários alguns cuidados mínimos a respeito, sem com isto tentar implementar alguma regra disciplinar. Desde que Sertillanges escreveu este livro, a situação alterou-se bastante e tornou-se necessário dar uma ênfase acrescida a certos aspectos e abordar outros que ele não contemplou.

6. Posicionamento Histórico e Filosófico – A abordagem seguida neste capítulo é diferente da utilizada nos capítulos anteriores, uma vez que aqui fornecemos um roteiro para consulta das aulas em que estes assuntos foram abordados. O conhecimento do nosso contexto histórico, sociocultural e psicológico (6.1) é muito importante nos dias de hoje, onde a alta cultura desapareceu, existe um senso comum fabricado e grupos globalistas tentam impor um governo mundial utilizando uma ideologia cientificista. O Enquadramento Filosófico (6.2) é uma precaução elementar para quem quer desempenhar uma função intelectual, ao mesmo tempo que serve para explicar as razões profundas que levaram ao estado de coisas descritas no ponto anterior. 7. Educação Através do Corpo – Este curto capítulo inicia-se com um Método de Relaxamento (7.1) que visa a obtenção de um estado de relaxamento profundo mas mantendo toda a consciência, que é um estado em que as melhores ideias nos surgem. Veremos a importância de ter alguma Disciplina Corporal (7.2), porque as pessoas hoje ou caem ou num total descontrolo do corpo ou numa excessiva rigidez, quando a actividade intelectual pede que o corpo seja afinado como um instrumento musical. A vida moderna trouxe novas exigências e perigos, que devem ser levados em conta na nossa Alimentação (7.3). 8. Trabalho e Relações Pessoais – Em relação ao Trabalho (8.1), devemos ter a

humildade de amar o trabalho que temos, por pior que seja, mas também a ambição de alcançar a independência financeira. A Amizade (7.2) é um dos pilares de construção da nossa personalidade, mas são apenas nossos amigos aqueles que estão a ir na mesma direcção que nós. Terminamos com um ponto sobre a Vida Amorosa e Familiar (8.3), que está recheado de indicações para a nossa vida pessoal mas que não deixa de apontar os cuidados que devemos ter com estes assuntos tendo em vista a nossa vida intelectual.

De forma pouco convencional, deixamos a explicação da existência do primeiro capítulo para o fim. O título não exprime totalmente o sentido do conteúdo, mas usamos a palavra “discurso”, nas suas vertentes interna e externa, para salientar o veículo de acção que enfocamos tanto para o processo contemplativo de conhecimento como para o processo de acção sobre a sociedade.

1. Discurso Interior e Discurso Exterior – O discurso interior refere-se sobretudo ao Método da Confissão (1.1). O ponto está repleto de indicações práticas, o que justifica a sua inclusão neste volume, contudo, a sua colocação como ponto inicial prende-se com a função estruturante e unificante que o método confessional exerce e, por isso, tudo o resto deve ser entendido em função dele. Rastrear a História das Próprias Ideias (1.2) é uma prática confessional que escrutina a história do nosso discurso interior de forma a purificar a nossa memória. O ponto destinado a Encontrar a Própria Voz (1.3) faz uma ligação entre o nosso discurso interior e o nosso discurso para o exterior. O Voto de Pobreza em Matéria de Opinião (1.4) diz respeito ao nosso discurso para o exterior e alerta sobre a necessidade de o refrear. Neste ponto também se tenta esclarecer o tipo de acção que os alunos poderão vier a exercer.


Tratamos agora de lançar alguma luz sobre como se deve abordar o material que aqui apresentamos. De certa forma, tudo o que é recomendado pelo professor Olavo é obrigatório , já que só assim poderemos avaliar os verdadeiros efeitos da formação ministrada no Curso Online de Filosofia. Todas as nossas decisões de vida têm que passar a ser tomadas tendo em conta os instrumentos que aprendemos no curso, caso contrário não estaremos agindo com a responsabilidade intelectual que assumimos, independentemente da nossa profissão ou da posição social que ocupamos (Aula 34). Não podemos alegar a desculpa da nossa ignorância em relação àquilo que temos obrigação de saber, essa obrigação é determinada pelo nosso nível de consciência. Para além da nossa responsabilidade pessoal, temos a responsabilidade colectiva de formar uma verdadeira intelectualidade brasileira, ainda que não tenhamos percebido isso de início. Se na hora de tomarmos decisões vamos nos basear em critérios incomparavelmente mais baixos, então estamos a cair na dualidade burguesa, que separa a vida prática da vida de estudos.

Contudo, apesar desta imensa responsabilidade, não estamos pressionados a “mostrar serviço”, nem sequer temos que organizar uma rotina de estudos, porque tudo o que o professor Olavo nos recomendou é para “fazer quando der, do jeito que der” (Aula 15). Não temos ninguém para avaliar o que fazemos ou deixamos de fazer, pelo que é uma responsabilidade que só podemos exigir a nós mesmos. Também não temos que planear fazer determinadas tarefas em certas horas, porque isso provoca uma separação entre cotidiano e a vida de estudos, quando o que temos de fazer é aproveitar todos os

ortográfico. A nova grafia aproxima bastante a escrita do português de Portugal do português do Brasil, contudo, isso pode criar a ilusão de existir também uma aproximação sonora, o que de forma alguma ocorre. A manutenção da grafia antiga, entre outras razões, tenta evitar o falseamento da experiência de leitura mais imediata, que é a apreensão da camada sonora. Desta forma, pretende-se que os leitores brasileiros mantenham para com este texto um certo coeficiente de “estranhamento” por comparação com a sua língua de uso corrente, realçadas também pelas diferenças ao nível da construção frásica. Não se pretende com isto, obviamente, fazer uma defesa da existência de duas línguas distintas em Portugal e no Brasil, antes se trata de uma afirmação da riqueza da língua portuguesa através do realce das diferenças específicas que esta assume nas diferentes geografias onde se encontra em uso. Então, não pedimos que não estranhem quando verem escrito “registo” e não “registro”, ou “ideia” e não “idéia”, ou “facto” e não “fato”, ou “em França” e não “na França”, ou tantas vezes “porque” e não “por que”.

Setúbal e São Paulo, Julho de 2012.

DISCURSO INTERIOR

E

DISCURSO EXTERIOR

O que tornou a filosofia numa actividade auto-consciente foi a prática confessional (1.1) de Sócrates, aperfeiçoada por Santo Agostinho e seguida por todos os grandes filósofos. A discussão filosófica série exige uma memória clara e fidedigna, e para fazer a sua purificação devemos rastrear a histórias das ideias que albergamos em nós (1.2) A nossa própria voz (1.3) é uma adequação – fonética e estilística – do nosso discurso à situação real que vivemos, exigindo sinceridade e domínio dos elementos expressivos. Abstemo-nos das opiniões (1.4) no nosso diálogo interior para podermos controlar a nossa eficácia futura nas intervenções públicas e para desenvolvermos um senso hierárquico dos conhecimentos que obtemos.

uma criação deliberada, só pode ser ainda mais ilusório, mas os indivíduos submetidos a esta prática passavam a acreditar que era o único verdadeiro. Ao negarem a própria substância histórica – uma fuga gnóstica da realidade –, estavam a fazer uma anti- confissão. Agostinho, pelo contrário, mergulhava na sua existência temporal e histórica, confessava-se autor dos seus actos, até os mínimos, reconhecendo a sua condição humana. É também este o conselho de Jean Guitton: “cave onde você está”.

Giambattista Vico, ao contrário do que todos diziam no seu tempo, afirmava que só conhecemos bem o que fizemos, por isso, não é o mundo da natureza que conhecemos melhor mas o mundo humano, o mundo da sociedade e da alma humana. É mais fácil conhecer o mundo das acções humanas do que o mundo natural, do qual apenas observamos certas relações mensuráveis para compará-las com outras, tendo em vista não a compreensão da natureza mas a sua operação técnica. O conhecimento que temos dos elementos da nossa própria história é precioso, mesmo quando se refere a coisas negativas, porque é um terreno firme que permite medir o grau de confiabilidade de outros conhecimentos por comparação com o conhecimento do nosso legado histórico: tudo o que conhecemos mediante o estudo tem o mesmo grau de certeza do que aquilo que sabemos a respeito da nossa própria história? A partir daqui, podemos graduar os nossos conhecimentos na escala descrita na apostila “Inteligência, verdade e certeza”: certeza imediata e evidente; alta probabilidade; verosimilhança; especulação do possível. Se não temos esta gradação, é como se nada soubéssemos. Ela baseia-se na confissão da nossa situação real, especialmente daquilo que só nós sabemos, porque assim não ficamos presos a autoridades externas.

Nos últimos séculos, uma motivação básica que tem levado à busca de conhecimento é a chegada à “suprema beatitude do entendimento”, nas palavras de Jacob Burckhardt. Trata-se de uma contemplação estética, a partir de uma posição cimeira, de onde se observa o fluxo de desgraças, tragédias e comédias humanas, mas sem participar em nada disto. Outra motivação elementar, bastante presente em Karl Marx, parte também da “suprema beatitude do entendimento”, com a diferença de que o observador não quer ficar passivo mas pretende influenciar o fluxo dos acontecimentos, de modo a transformar o mundo e moldá-lo à sua imagem e semelhança. Algo desta “beatitude” é inevitável e relaciona-se com a equipagem técnica da vida intelectual, já que sem algum distanciamento não é possível avaliar os acontecimentos com objectividade e imparcialidade. Mas não é algo realizável em termos existenciais, já que toma por base a falsa premissa de que podemos observar a realidade como se fôssemos o próprio Deus, quando nunca estamos acima de nós mesmos. O ponto de observação que Santo Agostinho propunha era o seu próprio “eu histórico”, para aí centrado confessar-se perante Deus, obtendo assim um pouco mais de conhecimento.

Se não é possível uma fuga existencial para a “suprema beatitude do entendimento”, também não podemos evitar ser contaminados pela decadência e sujidade do mundo contemporâneo. Não podemos fugir da experiência humana e o próprio Cristo disse para não resistirmos ao mal. Devemos perceber a miséria do meio social e cultural, em primeiro lugar, em nós mesmos e não no exterior. Não ficamos limpos com uma suposta protecção de uma redoma. É Deus quem nos vai limpar quando fazemos a confissão, mais precisamente no exame de consciência prévio.

O conhecimento que buscamos deve ter importância real para nós, ser algo em que ainda acreditemos nas horas de maior aperto e sirva para nossa orientação, independentemente de o conseguirmos explicar a alguém ou não. O verdadeiro espírito filosófico irá, assim, evitar jogos com conceitos abstractos que não se possam escorar em realidades. A célebre questão do determinismo e livre arbítrio é um exemplo de uma discussão vazia que tem mantido os sábios ocupados por séculos (ver aula 9). Também devemos nos abster da busca de uma verdade total e universal, que é algo incompatível com a estrutura temporal do ser humano, ao qual apenas é possível a busca da sinceridade. Procurar sentenças gerais como apoio não é mais do que uma busca de crenças, mas a filosofia surgiu precisamente quando as crenças já não resolviam os problemas.

Para recuperar a tradição filosófica, não são necessários exercícios ascéticos ou esotéricos, que até podem ser muito prejudiciais. Não havia ascetismo algum em Sócrates; ele construiu a sua personalidade apenas com base na dedicação a um dever que assumiu. A primeira fase do Curso Online de Filosofia destina-se a colocar-nos neste caminho, preparando o imaginário e conquistando a maturidade necessária à abordagem das questões filosóficas substantivas. Temos que desenvolver um interesse sincero pela verdade – que não se confunde com a realidade mas é aquilo que pode ser dito e se confirma na realidade da experiência – e é da sua busca que deve vir a auto-satisfação e não do conteúdo das respostas buscadas. Maomé tem uma prece exemplar: “Deus, mostra-me as coisas como elas são.” Não devemos temer saber as verdades mais humilhantes e vergonhosas a nosso respeito, sem cair no excesso de apenas nos atermos a esta parte negativa.

O Curso Online de Filosofia tem como base o método da confissão, que decorre imediatamente da definição de filosofia como unidade do conhecimento na unidade da consciência e vice-versa. O conhecimento só é válido se passar no critério de poder ser confessado como verdade na experiência real da nossa autoconsciência com o mesmo sentido e valor com que confessamos como verdade, para nós mesmos ou para Deus, os nossos actos e valores. Paradoxalmente, a experiência da mentira também nos dá essa certeza, porque ao mentir temos a certeza interior absoluta, directa e imediata, de estarmos mentindo – caso contrário, estaríamos em estado de incerteza e confusão. O autor da intenção e o autor do acto são a nossa pessoa e só nós sabemos aquilo com toda a certeza. Então, em relação a teorias filosóficas ou científicas, modas ideológicas ou preceitos morais, se não os podemos confessar nos mesmos termos com que o fazemos como se estivéssemos diante do próprio Deus, estes não podem ser admitidos como conhecimento, fazem apenas parte da nossa imaginação como crença, ideia ou hipótese de conhecimento.

Confissão como método

O professor Olavo chamou de método da confissão a algo que Sócrates, Aristóteles, Santo Agostinho ou Husserl faziam o tempo todo: eles colocavam-se no caminho da busca da verdade começando por confessar aquilo que já sabiam, começando pelos seus próprios actos. Tomemos como modelo uma acção vergonhosa de nossa parte – não precisa ser de uma grande vergonha – e vamos averiguar qual o coeficiente de liberdade e compulsão

pensar, ao contrário da ideia corrente sobre o objectivo da filosofia. Aristóteles salientava ( Tópicos ) que o objectivo do pensamento é provocar a intuição – conhecimento directo –, que surge na dialéctica quando, através do confronto entre várias ideias e hipóteses, se acumula uma massa crítica suficiente. Depois de obtermos este conhecimento interior e intuitivo mas ele ainda permanecer mudo. Quando tentamos transpô-lo para pensamento, há o risco de nos afastarmos da intuição originária. Isto ocorre quando damos um salto demasiado abrupto e que não respeita a sequência evidenciada na Teoria dos Quatros Discursos : o conhecimento começa como percepção, depois transmuta-se em memória e imaginação, e só depois se estabiliza em conceitos verbalizáveis sobre os quais já é possível raciocinar. Então, antes de entrarmos na fase do raciocínio, precisamos nos adestrar para sermos juízes qualificados para exprimirmos a nossa própria experiência.

O universo da filosofia ficará fechado para nós se não nos adestrarmos para sermos testemunhas fidedignas. Uma marca dos diálogos socráticos é a convocação que Sócrates faz aos seus interlocutores para serem testemunhas de si mesmos. Existe uma dificuldade imediata decorrente de sermos obrigados a utilizar uma linguagem que é do domínio público e que não foi criada para servir as nossas finalidades particulares. Há o risco de cairmos nos lugares comuns veiculados por uns quantos meios de comunicação de massas, que exprimem um determinado universo de ideias, crenças e percepções, que podem coincidir muito pouco com o que pretendemos dizer. A filosofia exige, assim, como preliminar, um duplo adestramento da linguagem e do testemunho. A aquisição de uma linguagem pessoal é um elemento fundamental para sermos fiéis à nossa experiência directa. Temos de procurar adquirir uma linguagem cada vez mais exacta e sincera que nos dê uma medida estilística que nos torne qualificados para falarmos com o observador omnisciente. A força literária de Santo Agostinho e de São Paulo Apóstolo advém da tremenda sinceridade com que falam a partir da sua própria realidade (ver 1.3 Encontrar a Própria Voz). Se não tivermos uma linguagem própria, facilmente cairemos na tentação de utilizar uma linguagem revolucionária, mesmo se formos totalmente anti-revolucionários, porque esta é a linguagem omnipresente na mídia e na cultura em geral, e não é apenas uma linguagem corrupta mas foi também produzida para corromper as pessoas. O adestramento da linguagem é tratado de uma forma mais metódica no capítulo 3.

O testemunho individual liga-se à sinceridade. Não podemos cair no logro de acharmos que temos uma propensão natural para a verdade: o apelo da veracidade tem um peso semelhante ao apelo da mendicidade em quase todas as pessoas. Temos que nos lembrar que podemos sempre mentir e que os erros dos filósofos podem dar origem a genocídios de milhões de pessoas, como aconteceu com o nazismo e com o comunismo. Podemos sempre alterar uma narrativa, até na sua recordação, seja para torná-la mais interessante ou para expurgá-la de elementos que tememos fazerem-nos parecer anormais segundo um julgamento de alguma plateia imaginária – e se assim fosse, esse material seria importante porque marcaria realmente a presença da nossa individualidade. Então, deve ser permanente o nosso esforço para sermos fiéis à experiência na sua singularidade, sem a transformar noutra coisa. Mas quando vamos expressar esta experiência, ela ainda deve ser reconhecida por outros. Fazer isto explicitamente é a função do escritor, que é menos necessária num ambiente com uma literatura rica, mas se estamos num meio culturalmente pobre, vamos ter que elaborar os materiais para raciocinar. Devemos exigir de nós mesmos a máxima honestidade possível, mas que seja proporcional à situação, uma vez que não existe “honestidade integral”. O julgamento pelos pares ( peer review ) não

garante que o coeficiente de desonestidade vá diminuir; o número não pode compensar a falta de consciência moral. A ideia do testemunho solitário tem que se tornar um hábito para nós, e junto disso vem a consciência de que há coisas que só nós sabemos e que nada nos impedirá de mentir. Perceber que podemos mentir tem um efeito paralisante e reconhecemos, através do Voto de Pobreza em Matéria de Opinião (1.4), que isso é benéfico para nós.

Devemos escrutinar o nosso diálogo interior, procurando identificar o nosso discurso de acusação e de defesa da nossa pessoa perante uma plateia imaginária. Esse discurso é a raiz da falsidade, porque quem nos acusa é o diabo e quem nos defende é a nossa vaidade, e em geral os dois discursos são falsos. Este discurso é rapidamente transposto para a nossa vida exterior, onde faremos das outras pessoas personagens do nosso tribunal imaginário, que serão vistas por nós como advogados de acusação, quando elas desconhecem quase todas as nossas falhas, ao passo que nós assumimos o papel de Deus, como se fôssemos um juiz omnisciente. Também o nosso discurso de queixas e recriminações entra num automatismo semelhante, que pode ser quebrado pela oração.

Então, para narrarmos a nossa situação real, para além dos instrumentos expressivos adequados, precisamos de encontrar em nós o juiz qualificado capaz de dar um testemunho fidedigno. Os elementos culturais, apesar de indispensáveis, podem distorcer bastante a própria visão que temos de nós mesmos. Para além da distorção introduzida por uma linguagem deficiente, existe a distorção introduzida por elementos de ordem superior que absorvemos quase sem perceber, como as ideias correntes e as formas comuns de equacionar os problemas. Tudo isto vai desviar-nos do problema inicial e confundir-nos de tal forma que acabamos por colocar um fim arbitrário à discussão. Mas este processo também vai afectar, a um nível mais elementar, a nossa memória, de forma a já não recordarmos o que vimos mas aquilo que a cultura nos permite reter. Temos que saber distinguir o que vimos daquilo que a cultura nos ajudou a reter, e depois aprimorar a linguagem por forma a conseguirmos dizer o que realmente aconteceu, e assim recuperarmos a experiência genuína.

Para fazermos a confissão, necessitamos de ter consciência da nossa situação real, mas, por outro lado, é através do aperfeiçoamento da confissão que temos consciência da nossa situação concreta, ou seja, o processo vai se aperfeiçoando a si mesmo. O capítulo 6 dirige-se concretamente ao conhecimento da nossa situação em termos de posicionamento intelectual, cultural e histórico. Vários exercícios do capítulo 5 (Aproximação ao Conhecimento) enfocam o nosso posicionamento na realidade. O capítulo 2 (Posicionamento Existencial e Moral), apesar de apontar para o futuro e para elementos intemporais, não deixa de ser importante para descrever a nossa situação real, uma vez que enfoca componentes que estão presentes de forma tensional na nossa situação actual.

Observador Omnisciente

É a presença do observador omnisciente – para quem realidade e conhecimento não são distintos – durante a confissão que nos permite conhecer algo que não estava no nosso

suspeitar que estamos loucos e que não nos conhecemos mais, mas passado algum tempo, percebemos que somos um núcleo de consciência e deixamos de nos preocupar connosco. Iremos perceber que não somos uma imagem mas uma acção, começando aí o autoconhecimento e a percepção de que Deus nos criou para sermos assim.

A vontade de possuir uma auto-imagem pode também advir do desejo de preservar o mundo dos nossos pensamentos, uma vez que o constante fluxo de impermanências o vai erodindo. Mas a auto-imagem não cumprirá essa função. Tudo irá virar pó, excepto se considerarmos as coisas na escala da eternidade. Apenas quando colocamos as coisas neste plano percebemos que tudo o que entrou na escala do ser já não poderá retornar ao não-ser, pois o que cessa na escala do tempo não se pode tornar num nada: o nada nunca foi nada. Do ponto de vista de Deus, nada se perde e aquilo que se esvaiu da nossa memória pode ser lá colocado por Ele em qualquer altura. É Deus que nos refaz a cada momento e a nossa única realidade é a nossa figura eterna perante Deus. O ego cartesiano também não pode ser a base de tudo, porque ele é uma sucessão de impermanências.

A prática do método da confissão

De seguida, serão abordados alguns aspectos relacionados com a prática do método da confissão, visto como instrumento para obter e validar conhecimento e também como meio de refazer a nossa educação moral e social.

Fontes para entender a confissão – Existem algumas fontes que nos podem ajudar na prática da confissão. Nos diálogos platónicos, Sócrates sempre convoca os seus interlocutores a serem testemunhas fidedignas da experiência que têm, tal como ele faz consigo mesmo. As Confissões , de Santo Agostinho, são um dos livros que mais nos pode ajudar a respeito da confissão. Neste livro, pela primeira vez, o homem ocidental assume a responsabilidade por tudo o que se passa na sua alma. Esta não é uma tendência natural no ser humano, e Agostinho já tinha absorvido a experiência cristã de quatro séculos, tendo a noção que a confissão, para além de um sacramento, é também uma arte e uma técnica que se foi aprimorando com o tempo. Também no livro de Adolphe Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística é mencionada a importância do exame da confissão, para saber o que é um pecado e como enquadrá-lo, respondendo a uma série de questões relativas a cada mandamento. Não fazemos a confissão religiosa para sermos aprovados, porque à partida, devido ao pecado original, Deus já nos desaprovou: estamos ali para Cristo “quebrar o nosso galho”, e para isso a confissão tem que ser feita com serenidade e até com uma certa alegria. As próprias aulas do Curso Online de Filosofia são uma fonte que nos ajuda a compreender a natureza e a prática da confissão. Nas aulas, o professor Olavo raramente está tentando provar alguma coisa, antes faz uma narrativa que tenta despertar em cada um de nós o reconhecimento daquelas coisas relatadas. Por exemplo, na aula 14 é abordada a verdade a partir da confissão da experiência concreta que temos da verdade, o que é uma abordagem muito diferente das seguidas nas habituais discussões sobre a existência de uma verdade objectiva.

A confissão como instrumento de reconstrução da educação moral – A confissão será utilizada por nós como técnica filosófica, mas também o deve ser como instrumento

educativo mais genérico, a colocar em prática desde já. A vida intelectual desenvolve-se em três etapas: a educação moral, a educação social e o adestramento nas ferramentas intelectuais, significando esta última a aquisição de certas técnicas repetitivas. A educação moral é refeita através da prática da confissão: é a única técnica que existe para este fim, e por isso não é apenas uma obrigação dos católicos. Pode ser complementada por outros métodos, como a prática platónica de lembrar à noite tudo o que fizemos durante o dia, mas não pode ser substituída. No exame de consciência que fazemos, há alguns elementos que devemos sondar e para os quais a teologia não nos alerta, já que esta fala apenas refere os três inimigos da alma como o mundo, o diabo e a carne. Elencam-se aqui mais alguns elementos característicos da sociedade moderna e que precisamos de sondar em nós:

(1) Existe a indução da covardia por parte da sociedade e das famílias, que faz com que todos procurem a segurança acima de tudo, pensando apenas na própria protecção e na obtenção de aprovação. Então, temos de perscrutar em nós toda uma série de mecanismos destinados a obter aprovação, seja de uma pessoa, de um chefe ou de um grupo de referência. A função do intelectual não é obter aprovação mas trabalhar para a salvação pública. Também um médico não está preocupado em obter a simpatia do paciente mas em curá-lo.

(2) Outro elemento que devemos sondar em nós é o ódio ao conhecimento, que é também o ódio à verdade, e isto é o pecado contra o Espírito Santo, que não tem perdão. Em três dos seus livros, Lima Barreto explora o tema da aversão ao conhecimento na sociedade brasileira: Recordações do Escrivão Isaías Caminha , Triste Fim de Policarpo Quaresma e Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá. Cada um dos livros enfoca uma fase da vida, e a sua leitura é recomendada porque nos permite ter noção de quão miserável é a vida de um homem de estudos no Brasil, e de como o conhecimento foi substituído por símbolos exteriores ao conhecimento, como um diploma ou uma posição académica.

(3) Devemos tentar perceber até que ponto integramos na nossa personalidade a exigência que a sociedade faz aos grandes homens para que acabem por ceder e se autodestruir. Neste sentido, vamos verificar se não temos uma inveja destrutiva em relação aos melhores e, por outro lado, decidir que não iremos nos autodestruir mas seremos bem- sucedidos, o que implica não entrar na briga prematuramente (ver 1.4 Voto de Pobreza em Matéria de Opinião).

(4) Ainda um último elemento que temos para sondar é o mimetismo neurótico. No Brasil, quando alguém imita uma conduta não vê isso como um meio de vir a ser como o imitado – a imitação é a mãe do aprendizado –, porque ninguém acredita em realidade, tudo se resume a encenação e, assim, a imitação passa a valer por si, o que seria um objectivo razoável apenas para o actor. Machado de Assis compilou toda uma galeria do auto-engano, de farsantes e pessoas que apenas vivem de aparências. Devemos avaliar se não estamos imitando palavras e gestos por instinto de bom-mocismo e de querer parecer bem. Vamos nos livrar do mimetismo neurótico através da imitação consciente, usada como instrumento pedagógico (ver 3.2 Imitação dos Grandes Escritores de Língua Portuguesa).

Os meios de expressão – Durante vários anos iremos praticar a confissão apenas para