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Apresenta o pensamento de Celso e a Historia vivida por ele
Tipologia: Notas de estudo
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A Reflexão Insatisfeita
elso Furtado representou paradigma que, pela sua amplitude e variedade, logra se transformar em marco mesmo da maturação da consciência brasileira. Ou seja, do nível de reflexão atingido por intelectuais cujo pensamento passa à ação transformadora à sua vol- ta. Nela, à verdadeira criação de instituições na passagem pela vida pública. No fecho da biografia, atingem a esta condição objetiva de árbitros de um momento histórico, interlocutores de presidentes e da busca dos grandes lances da decisão nacional, numa condição, já, de tutelares das nossas opções de destino. Significativamente, ainda, o pensamento, em Celso, afirmou-se de saída, em uma larga visão de mundo, que levou o moço da Força Expedicionária Brasileira – FEB, encerrado o segundo conflito mundial, a esparramar-se por toda Eu- ropa, da Irlanda aos Dardanelos.
Inquiridor insaciável, partiu de uma profunda impregnação, ao mes- mo tempo, italiana, a partir da Florença mal saída da guerra, e france- sa, quando chegar a Paris foi também varar as portas da Sorbonne. A vocação do economista, desabrochada dentro dessa ampla visão de
Candido Mendes
mundo, coincidiu, no país, com a decantação do debate do desenvol- vimento, que começaria a esboçar-se no governo Juscelino. O Celso, que a defronta, já fora um dos personagens críticos dos pródomos da economia política aplicada do Brasil, gerada na Fundação Getulio Vargas. A Revista Brasileira de Economia regeria toda a emergência dessa dimensão da nossa política pública, dentro da liderança de Eu- genio Gudin, continuada na de Gouveia de Bulhões e no contraponto de Américo Barbosa de Oliveira.
Celso Furtado, primeiro presidente do Clube de Economistas do Bra- sil, marcaria a posição Cepaliana entre nós em Santiago, sob a inspira- ção de Raul Prebisch – a da hoje quase mitológica Comissão Econômi- ca para a América Latina e o Caribe – C EPAL , da Organização das Na- ções Unidas – ONU – cujas teses teriam um primeiro confronto públi- co, entre nós, na Conferência de 1953 em Quitandinha. Celso aí pro- poria o trabalho base da C EPAL em condições de deflagrar o debate do planejamento brasileiro, em pleno segundo governo Vargas. O con- traditório das posições, nascido da tradição nacional, de resistência à racionalização da mudança, evidenciava-se, didaticamente, pela sé- rie de artigos de Gudin sobre a “A Mística do Planejamento”, já medi- atizadas por Otavio de Bulhões no texto “A Programação do Desen- volvimento Econômico”.
Na urdidura de fundo, o grande progresso institucional, à época, nas- cia da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e do empenho de Ro- berto Campos, seu co-presidente. Tal esforço daria à luz, em dimen- sões fundadoras, ao intervencionismo de Estado no processo econô- mico, supunha a constituição de toda uma nova e alerta burocracia governamental no Banco do Brasil, no Departamento Administrativo de Serviço Público – DASP, no Instituto Brasileiro de Geografia e Esta- tística – IBGE, na Superintendência da Moeda e do Crédito – S UMOC , no Ministério da Fazenda, rematado no Banco Nacional de Desenvol- vimento Econômico – BNDE de então, instalado durante a vigência da Presidência Kubitschek.
A intelligentsia do Clube de Economistas, sob a liderança de Celso, in- tegraria à época e dentro de um mesmo diapasão, dos pródomos de uma política de desenvolvimento, Américo Barbosa de Oliveira, Edu- ardo Sobral, Herculano Borges da Fonseca e Sidney Latini. As publi- cações quase simultâneas de Celso, nos textos da C EPAL , e na Econômi- ca Brasileira , despertaram no formulador, que não se conformava
Candido Mendes
diais. É difícil encontrar-se a distribuição mais harmônica do scholar no exterior, entre a Sorbonne e a Cambridge, independentemente da série de visitas ao mundo acadêmico dos Estados Unidos e da Améri- ca Latina.
O septuagenário que volta para ficar no Brasil já se transformara na referência fundamental para as políticas de mudança; a crítica e con- tracrítica do desenvolvimentismo, a polarização nacional neste esfor- ço e a defesa do Estado no seu advento, diante da emergência das te- ses da globalização; o suporte à proposição realista das teses de um governo Lula que, afinal, se elege e enfrenta a premissa da sua estabi- lidade na presente conjuntura internacional para atender aos recla- mos de uma alternativa à estrita conservação do neoliberalismo.
Em originalidade marcante ainda, Celso pode nos dar, na sucessão de dois volumes, a trajetória da cabeça, nos dois tempos da “Fantasia Organizada” e na “Fantasia Desorganizada”. Demarca a ascensão do pensamento da mudança, suas fontes, sua polêmica, suas retomadas, vincula o seu impasse à perda da inspiração totalizante do salto, ali- mentada no momento canônico de Juscelino; aos embates subseqüen- tes, da ruptura entre a democracia e os estamentos autoritários, segui- do da contínua dilação à entrada em cena de um projeto social demo- crático, entre o nominalismo da intenção tucana, e as mediações im- postas pela realpolitik do Partido dos Trabalhadores – PT à dura man- tença do imperativo de transformação social.
O Dom do Livro Só
A reflexão de Celso teve a marca antológica do pensamento praxísti- co, nascido do aprofundamento, sem cortes, da meditação fundadora que retoma, revê, compara. Faz-se à flor do fenômeno global que se lhe desvela, e ao qual empresta, também, a sua própria intervenção. É desses casos raríssimos, em que se põe em causa a própria maturação da cultura nacional pela capacidade de autores privilegiados, de es- creverem o livro paradigmático, que pauta toda a sua obra posterior como projeção, em mosaico, do seu descortínio, ou “achamento” de uma interpretação-limite e abrangente do contexto da realidade so- bre a qual se debruça.
Candido Mendes
A chegada à dobradura histórica, ao relevo último de uma estrutura social total, garantiria este referir-se fundamental. Mas, exatamente, para no ângulo de uma visão sem restos encontrar a mais ambiciosa das políticas públicas: a de uma efetiva transição entre estruturas so- ciais totais – a semicolonial e a do desenvolvimento – a fazer, direta- mente, do seu acerto, ou do seu fracasso, a perda de um tempo, ou de um “eixo” histórico, como a entende Karl Jaspers. São essas as épocas privilegiadas, como os 50 e 60 no país, quando os multiplicadores de escala, e das interações sociopolíticas e econômicas mudam a dimen- são de uma realidade coletiva como acontecer histórico.
O que já se encontra, seminalmente, em A Economia Brasileira se des- dobrará no opus magnus que é a Formação Econômica do Brasil. O porte da ouverture permite que os momentos posteriores ganhem um verda- deiro registro de partitura toda, diante do rationale da mudança que traz ao desenvolvimento e já em todos os lances de sua vigência, as- sistida no corte áureo da biografia de Celso. Seus títulos declinam toda esta trajetória: Dialética do Desenvolvimento ; Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina ; Teoria e Política do Desenvolvimento Eco- nômico ; Um Projeto para o Brasil ; ou, já, no curso da emergência da he- gemonia dos Estados Unidos da perda da expectativa da nossa mu- dança, Criatividade e Dependência ; O Brasil pós-Milagre ; A Nova Depen- dência.
O Compreender e o Explicar
É difícil se encontrar quem na América Latina desdobrasse, como fez Celso, a metodologia da compreensão de Dilthey, somando o entendi- mento da abrangência de uma estrutura social total, em todas as suas conexões históricas, ao descortínio de um dos protagonistas-chave que integraria uma mudança macro-histórica. Não se encontra talvez em nosso pensamento econômico continental – e Prebisch é o seu par- ceiro, ainda que sem o refino categorial do paraibano – uma contem- plação mais exigente e larga de trajetória de desempenho englobante do país, nas décadas críticas do meio século passado. Chegou-se a fa- zer jus a um desfecho diverso ao que preveria – com leitura e vaticínio da crise – uma visão ortodoxo-marxista, na dinâmica das relações de produção, tal como manifestadas pelo complexo semicolonial brasi- leiro.
Celso Furtado: Fundação e Prospectiva do Desenvolvimento
Pensamento e Práxis da Mudança
Diante deste vasto e monótono painel do passado brasileiro, Celso – na obra-chave – não cessaria de aperfeiçoar o entendimento dessa quase inexpugnabilidade de ruptura do regime que chega, pratica- mente, à II Guerra Mundial e se altera muito mais pela interveniência de políticas públicas deliberadas, do que por qualquer cumulação ca- usal de bloqueios, como se se adicionasse qualquer complexidade maior do sistema de todo o sempre, ou qualquer ganho de funcionali- dade intrínseca de seu comportamento.
O Celso que vai à C EPAL e faz-se parceiro da sua idéia de obra, acom- panhando o rasgo de Prebisch, é contemporâneo do momento em que, por uma vez, os ganhos dos “termos de troca” da dinâmica inter- nacional da América Latina permitiria uma cumulação estratégica, a médio prazo, para vencer a estrutura semicolonial.
Diante da cunha aberta, neste quadro de relações seculares de depen- dência, A Economia Brasileira e a Formação serviam de plataforma para um primeiro delineio do desenvolvimento, ponteado pela interven- ção do Estado em setores nucleares da mudança de estruturas, de par com o redistributivismo da renda nacional. Este nasceu a partir do implante do salário mínimo, como promessa da busca de um mercado interno de bens de consumo geral, no qual o impulso da industrializa- ção ganhava o seu arrimo e se engendrava uma nova densidade de re- lações sociais.
Análise Econômica e Estruturas Sociais Totais
Atente-se, ao mesmo tempo, o quanto o universo mental de Celso se afirma em toda essa dialética em que a compreensão exorbita dos su- postos iniciais do mero conhecer. A análise econômica contemporâ- nea devolve-se ao processo social que a emoldura e dentro dele, à de- finição de mudança, em toda a sua sinuosidade de verdadeira práxis.
Na construção da sua perspectiva, Celso pode remontar a 1928, no elenco dos aportes seminais ao que seria, finalmente, o breakthrough da sua visão do desenvolvimento. Localiza a idéia de “economias ex- ternas”, necessária à ruptura da inércia de um regime social em Young. Sobreleva o contributo de Paul Rosenstain Rodan na sua refle- xão de 43, na explicação do que seja um surto industrial e já, exata- mente, no impacto de sua causação exponencial.
Celso Furtado: Fundação e Prospectiva do Desenvolvimento
O roteiro do economista brasileiro, de logo se apega à fieira dessas de- sinências de mudança, como uma inter-relação, e não um fatorial sis- têmico, pela qual a compreensão do desenvolvimento exorbitaria, de vez, a das equações da análise econômica. Reporta-se a Dussemberry, no seu famoso “efeito de demonstração”, para definir a geração de poupança, ou não, diante da posição do indivíduo na escala social de distribuição de renda, já colhendo, ao mesmo tempo, a intuição de Prebisch, de que o citado fenômeno também se manifesta no padrão imitativo global, em que o mundo subdesenvolvido se compagina ao das nações mais adiantadas.
Sistema e Pregnância Histórica
No Brasil, exaurida a experiência cepalina, Celso irá confrontar-se – na seqüência das visitas ao país, promovidas pela Revista Econômica – com as grandes cabeças, formuladoras da perspectiva de alteração ra- dical do nosso comportamento econômico, no seu impacto sobre a poupança e aplicação produtiva. E é no córtex das estruturas globais de comportamento coletivo que Furtado revidará a Nurkse, que fica a meio caminho, nessa visão ampla dos ciclos e dos padrões de sua re- produção, muitas vezes sem se dar conta do novo engaste aberto por um momento histórico, como o do nosso intervencionismo econômi- co nos 50-60, só definível pelas remissões causais globais e não, ainda que ambiciosamente pensadas, pelas interações meramente sistêmi- cas.
Celso pode revidar a Nurkse no seu último veredicto, de condenação dos subdesenvolvidos à perenidade do ciclo vicioso da miséria, aten- tando, justamente, ao impacto nesses complexos, por uma nova di- mensão do princípio internacional de organização do trabalho, e a plena consideração do que vê como os agentes sociais da mudança. É a disputa, aliás, com Nurkse que vai – até por instigação de Gudin à época – configurar o artigo seminal publicado na Revista Econômica Brasileira , e reproduzido no International Economic Papers , e que veio, subseqüentemente, a constituir-se na Economia Brasileira.
É difícil se encontrar trajetória do pensamento nacional dotado de es- pinha dorsal tão nítida, e da força de uma reflexão que sabe se infletir à certeza de uma práxis, dobrar-se ao seu momento, e o modificar in- clusive pela capacidade de projeção do conceito à política pública. Celso dessa remissão única de um pensar fundador do desenvolvi-
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ções perderiam qualquer impacto diante do trabalho escravo e, pois, de um ínfimo pagamento a fatores de produção que guardavam o se- gredo do regime semicolonial, e de sua inexpugnabilidade, apoiado na oferta permanentemente inelástica.
As conclusões do quadro da economia açucareira, toda vinculada à variação da produtividade média do conjunto econômico, como in- suscetível de gerar tensões significativas ou impacto sobre o sistema, continuariam na da extração do ouro, ou do cultivo do algodão, ou do arroz maranhense, chegando à do café, não obstante já neste caso, pe- rante o novo impacto da absorção de mão-de-obra assalariada. Man- tinham-se os regimes indenes à variação de temperatura econômica, até a criação de uma primeira variável exógena ao sistema, com o co- meço da industrialização, para atender à criação de um mercado in- terno, e ao aumento da renda per capita concentrada na região Cen- tro-Sul do país. E é no terceiro quartel do século XX que Celso vai en- contrar o embasamento histórico para a sua defesa da economia na- cional autocentrada, de nítida interferência fundadora do Estado, já aliás prenunciada no velho regime, pelos controles cambiais, ou pela destruição dos estoques excessivos de café.
Manifesta-se nessa etapa a contraposição nítida entre a dinâmica do comércio exterior e a da industrialização, assentada no crescimento do mercado interno. É quando, continua Celso, e de vez divisando o rumo final dessa expansão, uma redução brusca da procura externa já não afetava, necessariamente, o nível de emprego no país, mas seu efeito na taxa de crescimento.
O Fiador de Vigências
Significativamente o Celso que volta ao Brasil para a etapa de funda- ção de políticas públicas não vê todo o seu enfoque confirmado na de- monstração de que a formação histórica do país predomina sobre qualquer meta-sistêmica do acontecer econômico, na última confor- mação que lhes dá a sociedade à sua volta.
O Celso da Sudene e do Ministério do Planejamento vai ao ataque di- reto da “mutabilidade” do mundo real, para além do rigor das equa- ções de Kaldor assentando-o no próprio núcleo da mudança, repre- sentado pela industrialização, ou na ação de racionalidade global, no
Candido Mendes
empenho da correção dos desequilíbrios, que são a contrapartida des- se todo social, tomado de vez por um novo dinamismo. A decisão se- ria por corrigir o divórcio da área nordestina, diante das novas taxas de crescimento no país que, de fato, se orientava para seu mercado in- terno. O Celso de retorno é o do definitivo comprometimento com as políticas do desenvolvimento regional, engendradoras da S UDENE como da definitiva vinculação do pensador com as políticas públicas transformadoras do seu tempo.
A consagração do órgão, no decreto sancionado por Jânio Quadros, busca as políticas de reorientação de investimento, a dinamizar re- cursos quase secularmente ociosos. Agregava-se a luta contra a in- dústria do atraso e o sistema de interesses constituído na política or- çamentária; o enfrentamento da ponta mais resistente de coalizão en- tre as formas vetustas do latifúndio e a sagacidade, pelo domínio dos clãs políticos, de garantir-se o imobilismo, senão a esterilização, do aproveitamento das receitas públicas federais. Em uma perspectiva mais larga e definitiva a Sudene acabou com uma mitologia do Brasil folclórico ou da explicação de nosso atraso pelo castigo apocalíptico das saúvas e das secas, ou das verbas evaporadas para a construção dos açudes em nosso semi-árido.
As Estratégias da Racionalidade
Os abalos políticos resultantes da renúncia de Quadros no “vai-e-vem” do parlamentarismo, como trégua para sobrevivência da democracia já rondada pelo intervencionismo militar, tiveram em Furtado um pólo de aprumo, transferido a uma primeira e ambiciosa ordenação do planejamento brasileiro. Na volta à democracia o Celso recrutado, de novo, à vida pública é levado à literal fundação dessa política como então reclamava a ação do Estado na pasta da Cultura, dissociada do Ministério da Educação. Impõe-se-lhe a superação do primarismo dos aportes orçamentários, o preparo da filosofia das re- núncias fiscais, e dos estímulos ao investimento invisível, que marca a objetivação da vida do espírito e a valorização deste mesmo intangí- vel que assentaria uma memória nacional, no aprofundamento de nosso reclamo identitário.
A Nação, à Obra e Risco
Toda última década, entretanto, já é a de Celso que toma a voz do arca- no e desse saber que porta em todas as suas cicatrizes, exposto ao
Celso Furtado: Fundação e Prospectiva do Desenvolvimento
nistro da Cultura inclusive predominava na sua voz sobre a do Plane- jamento. A afirmação da nossa identidade transpunha-se a esta di- mensão crescentemente ameaçada em que, afinal, a globalização pode trazer o seu último recado de terraplanagem das diferenças do multiculturalismo, no universo da ordem hegemônica. Esta, especial- mente a partir do 11 de setembro, deu outro teor às velhas domina- ções e reclama mobilização de um verdadeiro inconsciente coletivo, diante do impacto acrítico do progresso sobre a subjetividade rema- nescente dos atores coletivos de nossos dias.
Devemos a Celso também a insistência em dar à consciência de latini- dade um denominador que nos situe em dimensões supracontinenta- is, dentro do nosso sentir de Ocidente. O que defendeu e previu como nossa posição relativamente excrescente do universo das globaliza- ções, pela nossa economia de mercado interno no Continente, conti- nua ou mesmo se antecipa pela consciência do caráter expropriatório com que a visão de mundo hegemônica se apossa dos inconscientes coletivos à sua volta.
O mesmo Celso que sustentava a causação histórica para explicar, para além da economia as estruturas de mudança, atenta ao impacto final da modernização econômica como invasor e dissolvente do pro- cesso cultural que o recebe. Todo o recado de Celso vai à sua capacida- de de viver por inteiro e, ao mesmo tempo, exprimir o momento canô- nico da vida do espírito brasileiro exposto ao repto do assentamento de nosso “ser de nação”. Representou singular remate ao que logrou o cientista social, em um país de frágil vocação para a plenitude do pen- samento feito obra.
O Brasil para si mesmo sabe do seu tempo e da sua agenda histórica para fugir das somas algébricas de um ganho e perda passada aos pra- tos da globalização. Não foi outro que o bordão do velho Hino da Independência, das estrofes de Evaristo da Veiga, o que se ouviu à beira da sepultura do pensador. Entoado, de saída, por popular sindi- calista, terminou em palmas: nada mais haveria a dizer do que cum- pra, como testamento de Celso, ao país de Lula.
(Recebido para publicação em janeiro de 2005)
Celso Furtado: Fundação e Prospectiva do Desenvolvimento
Celso Furtado and Development: Foundation and Foresight
The article analyzes the political and intellectual career of Brazilian economist Celso Furtado, who passed away in November 2004. The author highlights Furtado’s decisive role in the construction of relevant public institutions for the country and his original reflections on Brazilian economic thinking and the issue of underdevelopment.
K e y w o r d s : C e l s o F u r t a d o ; B r a z i l i a n e c o n o m i c s ; d e v e l o p m e n t ; underdevelopment
Celso Furtado: Fondement et Prospective du Développement
Dans cet article, on analyse la trajectoire politique et intellectuelle de Celso Furtado, économiste brésilien décédé en novembre 2004. On y fait ressortir le rôle décisif joué par Furtado dans la construction d'institutions nationales de grande importance ainsi que l'originalité de sa réflexion sur la pensée économique brésilienne et la question du sous-développement.
Mots-clé : Celso Furtado; économie brésilienne; développement; sous-développement
Candido Mendes