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Capitalismo e a Crise Ambiental
Tipologia: Notas de estudo
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outubro - 117
O capitalismo e a crise ambiental
Guillermo Foladori Professor visitante da Universidade Federal do Paraná
Muito tem sido escrito sobre a crise ambiental contemporânea. Na maioria dos casos culpa-se à indústria, fazendo clara menção ao grau de desenvolvimento tecnológico da sociedade antes que à sua estrutura de relações sociais. Para isso existe um argumento de peso: nos ex- países socialistas o grau de destruição da natureza foi igual ou pior que nos capitalistas, logo a causa deve ser procurada na indústria e não no tipo de relações sociais. Nas próximas páginas vamos questionar esse argumento. Consideramo-lo errado, desde qualquer ponto de vista. Contudo, aqui nos limitaremos a destacar uma causa e manifestação da crise ambiental con- temporânea que é exclusiva das relações capitalistas. 2 Com isso demonstra- remos que se deve buscar a causa da crise ambiental em primeira instância no tipo de relações sociais de produção
A resposta a essas perguntas provém da ecologia. Para qualquer espécie viva o ambiente é a inter-relação com o meio abiótico e com as outras espécies vivas. Entre esses três gru- pos, espécie, meio abiótico e outras espécies, estabelece-se uma inter-relação de dependência dinâmica. Qualquer espécie extrai recursos do meio e gera dejetos. Quando a extração de recursos o u a g e r a ç ã o d e d e j e t o s é m a i o r d o q u e a c a p a c i d a d e d o ecossistema de reproduzi-los ou reciclá-los, estamos frente à
(^1) Tradução de Paulo Roberto Delgado (^2) Para uma visão mais ampla sobre capitalismo e meio ambiente ver Guillermo Foladori,Los límites del desarrollo sustentable, Montevideo, Ediciones de la Banda Oriental, 1999.
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depredação e/ou poluição, as duas manifestações de uma crise ambiental. Por outro lado, qualquer ecossistema tem uma certa capacidade de carga de uma espécie. Isto é, ele pode manter e reproduzir um certo número de indivíduos. Quando a população cresce demais, rompendo o equilíbrio dinâmico do sistema, se produz uma crise ambiental. É comum extrapolar esses raciocínios para a sociedade humana e a crise ambiental contemporânea. Alguns autores falam da “marca d’água” que os navios possuem para assinalar que a sociedade humana, se produzir além de um certo nível, corre o risco de sobrecarregar o ecossistema e afundar. Ou falam da produção ilimitada da sociedade in- dustrial em direta oposição aos recursos materiais finitos do planeta Ter- ra, fazendo menção explícita à depredação e poluição da natureza. Não obstante essas extrapolações resultarem atrativas, são equivocadas. Per- dem de vista a especificidade humana. Para qualquer espécie, a relação com o seu meio ambiente é basi- camente a que ela estabelece em bloco com o meio abiótico e com o resto das espécies vivas, como uma interdependência dinâmica. Com a espécie humana o mesmo não ocorre. Uma sociedade humana não esta- belece relações com seu entorno na forma de bloco, e sim em grupos e classes sociais, e de maneira desigual. Nas demais espécies vivas as diferenças individuais não se acumulam para formar classes distintas. Cada geração deve começar do zero. 3 Pelo contrário, os seres humanos acumulam a informação extra-corporal em instrumentos, utensílios, es- paços construídos, etc. Mas esta acumulação não é da sociedade como um todo mas de cada classe social que transmite às gerações seguintes aquilo que conseguiu. É uma diferença no acesso aos recursos naturais virgens ou àqueles transformados pelas gerações passadas. Para a espé- cie humana, então, o ambiente não é só a inter-relação com o meio abiótico e os demais seres vivos, como acontece com as outras espécies. Exis- tem ambientes diferentes para cada classe social, constituídos em pri- meiro lugar pelas restrições impostas pelas outras classes sociais da mesma espécie humana: só a parir destes condicionantes é que se esta- belecem os relacionamentos com os outros seres vivos e o material abiótico. Quando lemos que a causa da crise ambiental é a sociedade indus- trial como um todo, porque é a indústria, per se , quem polui ou depreda, não podemos mais nos surpreender pelo alto conteúdo ideológico da
(^3) Quando as diferenças individuais acumulam-se, fazem-no pela via biológica, o qual se traduz num momento determinado no surgimento de outra espécie.
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Os diagnósticos que colocam, a pobreza ou incremento populacional como causa da crise ambiental apresentam a realidade de cabeça virada. Eles vêem na urticária um potencial de contágio, em lugar de olhar para a enfermi- dade que a produz, isto é, as relações capitalistas. A pobreza ou o incremento populacional não são senão conseqüências, manifestações, da falta de acesso ao mercado capitalista. Por isso, a causa destas manifestações são as próprias relações capitalistas, que geram pobreza e pressionam para a explosão demográfica. Por sua vez, ambas as variáveis são conseqüências do desem- prego estrutural, uma característica exclusiva da sociedade capitalista. A produção capitalista inaugura, pela primeira vez na história da humanidade, um sistema de produção cujo objetivo não é a satisfação direta das necessidades, mas a obtenção de um lucro em dinheiro. Ob- tém-se esse lucro através da concorrência no mercado. Uns ganham enquanto outros perdem. Não há forma alguma de que todos ganhem simultaneamente. As causas do desemprego, e a conseqüente pobreza, têm, a ver, exclusivamente, com as relações capitalistas e a combinação de duas tendências. De um lado, a substituição do trabalho vivo pelas máquinas, aquilo que hoje está na moda chamar de desemprego tecnológico , ocultando sob um disfarce técnico neutro a responsabi- lidade de um tipo determinado de relações sociais. De outro, a pecu- liaridade do funcionamento do sistema capitalista, que reconhece como membro de sua sociedade a quem vende mercadorias, ainda que seja sua própria capacidade de trabalhar. O desempregado, que nem pro- duz, nem pode vender-se a si próprio por tempo fica à margem da riqueza. A lei de substituição de homens por máquinas é conhecida como a tendência ao crescimento da composição orgânica do capital. Esta lei vem se manifestando contraditoriamente desde a própria revolu- ção industrial. Contraditoriamente porque enquanto uma empresa melhorava o capital fixo e deslocava operários, outras surgiam, ab- sorvendo de alguma forma o pessoal excedente das primeiras. Para cada grande revolução tecnológica, este movimento de deslocamento e absorção se alterava em favor do deslocamento e em detrimento de novas absorções. Com a revolução da micro-eletrônica aplicada à produção, desde meados dos anos setenta, a situação tornou-se mais crítica. O aumento da produtividade do trabalho como resultado da aplica- ção de melhores e mais sofisticadas tecnologias, tem tornado supérflua uma boa parte do trabalho humano mundial. No Japão, entre 1973 e 1987, o produto aumentou em 4,6% anual, mas no mesmo período, o emprego
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cresceu apenas 0,9%, constituindo-se a brecha entre um percentual e outro o indicador deste tipo de desemprego resultado do aumento da produtivi- dade do trabalho. 5 Segundo um informe do Programa das Nações Unidas para o De- senvolvimento (PNUD), divulgado em 16 de outubro de 1997, a situação da pobreza no mundo piorou nos últimos 50 anos, tanto em termos ab- solutos como relativos. Há cinqüenta anos, em 1947, o número de po- bres era de 400 milhões, o que equivalia a 17,4% da população mundial. Em 1997, o número de pobres é de 1,3 bilhões, o que representa 22,8% da população mundial. 6 Outras cifras sumamente eloqüentes aparecem no informe das Na- ções Unidas e confirmam a afirmação de que a tendência ao desemprego estrutural e à conseqüente pobreza é exclusiva do regime capitalista de pro- dução. Efetivamente, se se tomam os dados da Europa Oriental e da ex- União soviética, constata-se que os pobres passaram de 4 milhões em 1987 para 120 milhões em 1997, aumento registrado depois da entrada em um regime capitalista. Caso não sejam formuladas políticas mundiais que revertam as ten- dências econômicas próprias do mercado, estes pobres, e menos ainda os filhos deles, não obterão emprego.
O relacionamento entre a economia capitalista e os problemas ambientais obriga-nos a recolocar teoricamente a questão ambiental. As primeiras aproximações ao estudo da questão ambiental pro- vém da ecologia. A ecologia surge como uma área da biologia para estu- dar a inter-relação dos organismos e comunidades e organismos com o meio-ambiente. As considerações mais avançadas da ecologia incorpo- ram o ser humano e assim a ecologia passa a se converter em uma ciência interdisciplinar que pretende estabelecer uma conexão entre as ciências físico-naturais e as ciências sociais. 7
(^5) United Nations Development Programm (UNDP),Human Development Report, New York/Oxford, Oxford University Press, 1993, p. 35. 6 O critério de pobreza utilizado pelo PNUD e pelo Banco Mundial considera aqueles que vivem com até 370 dólares por ano, ou seja, praticamente um dólar por dia. Critério conservador, certamente.
(^6) O critério de pobreza utilizado pelo PNUD e pelo Banco Mundial considera aqueles que vivem cm até 370 dólares por ano, ou seja, praticamente um dólar por dia. Critério conservador, certamente. (^7) Eugene Odum,Ecología. México D.F., Continental, 1980.
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O capitalismo e a crise ambiental
No caso do ser humano existe uma diferença notável. O relaciona- mento com o meio ambiente é principal e crescentemente mediado por coi- sas produzidas. A bagagem genética, assim como o nicho ecológico em que se situa, poderá Ter sido importante na origem do gênero homo e, talvez, também da espécie homo sapiens , mas é cada vez menos importante na medida do avanço da produtividade do trabalho humano. A conseqüência evidente deste comportamento mediado com o meio é que as coisas são separadas do indivíduo biológico, o que permite a sua acumu- lação através do tempo. Mais ainda, como esta acumulação não é da sociedade como um todo nem de grupos segundo o nicho ecológico em que se encon- tram, e sim de grupos de indivíduos segundo a sua produtividade e acesso aos meios de produção (que são os que permitem, por sua vez, produzir o resto das coisas) e à riqueza em geral, resulta que as leis sociais que guiam a repartição dos meios de produção condicionam um acesso diferenciado á riqueza natural.
Daí que o ponto de partida para entender o comportamento do ser humano com o ambiente não seja estender a análise ecológica para abranger a sociedade humana, mas entender como cada forma de or- ganização econômica da sociedade humana explica um determinado tipo de relacionamento ecológico.
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Guillermo Foladori
A análise das implicações das relações sociais capitalistas com o meio ambiente permite-nos extrair algumas conclusões que mostram diferenças de grau e de essência a respeito de outras formas de organização social. De grau, porque a busca do lucro, como lógica interna econômica, condiz a uma tendência à produção ilimitada: diferente de outras sociedades humanas na história, que apresentam limites à produção em relação à satisfação de suas necessidades. De essência, porque pela primeira vez na história da sociedade humana, o sistema capitalista gera desemprego de maneira cres- cente e estrutural, mostrando com maior nitidez que as contradições no interior da sociedade humana são o aspecto mais candente da crise ambiental.
As relações sociais capitalistas geram tendências de comportamento com o meio ambiente que lhes são particulares. Um olhar superficial pode não ver esta especificidade devido ao resultado geral da poluição e depreda- ção abranger todas as sociedades humanas, independentemente de sua especificidade histórica. Mas diferem tanto na causa quanto na forma, am- plitude e ritmo com que se apresentam. A produção capitalista implica ten- dências exclusivas. A tendência exclusiva mais geral é a produção ilimitada. Uma das “queixas”, se assim podemos chamá-la, do movimento ambientalista, que tem sido dirigida à sociedade moderna, é seu crescimento ilimitado. O crescimento ilimitado da sua produção seria a causa de uma poluição e depredação também ilimitadas e segundo alguns autores de uma sobrecapacidade de carga do Planeta. Mas esta tendência ilimitada à pro- dução não é uma conseqüência natural da espécie humana e sim particu- lar da produção capitalista. É claro que a teoria econômica neoclássica e keynesiana têm se encarregado de divulgar o suposto sobre o qual elas se construíram, isto é, que o ser humano tem necessidades ilimitadas. Mas isto jamais foi demonstrado. Pelo contrário, tanto a história econô- mica como a antropologia têm mostrado este equívoco. A tendência à produção ilimitada é o resultado direto e necessário de uma organização econômica que gira em torno da produção de lucro e não da satisfação das necessidades. Por isso, é impossível entender a crise ambiental sem partir da compreensão da dinâmica econômica da sociedade capitalista. Por isso, também, resultam fúteis as críticas à produção ilimitada que não encaram, ao mesmo tempo, as críticas à organização capitalista da sociedade humana. A tendência exclusiva mais grave do capitalismo é a geração de po- pulação excedente. Aqui, a diferença em relação às outras formas de organi- zação econômica não é só de grau , mas quanto ao maior aumento, ou ritmo