Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

BULLYING NA ESCOLA E SEUS EFEITOS JURÍDICOS, Esquemas de Direito

1 em cada 7 alunos estava envolvido em casos de bullying. Revista da Faculdade de Direito da ... “bullies” denominaram essa reação extrema de “bullycídio”.

Tipologia: Esquemas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Aldair85
Aldair85 🇧🇷

4.8

(25)

224 documentos

1 / 17

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
// Revista da Faculdade de Direito // número 2 // segundo semestre de 2014
180
BULLYING NA ESCOLA E SEUS EFEITOS JURÍDICOS
Isa Gabriela de Almeida Stefano*
*Doutoranda e Mestre em Direito pela
PUC-SP, especialista pela Escola Supe-
rior do Ministério Público de São Paulo,
advogada, professora universitária e de
cursos de pós-graduação.
Sumário
INTRODUÇÃO. 1. HISTÓRICO. 2. CONCEITO. 3. ESPÉCIES. 4. LOCAIS ONDE PODE OCORRER A PRÁTICA DO
BULLYING. 5. REQUISITOS PARA CARACTERIZAR O BULLYING. 6. SUJEITOS DO BULLYING. 7. CONSEQÜÊN-
CIAS DO BULLYING. 8. MEDIDAS ESCOLARES CONTRA O BULLYING. 9. PROTEÇÃO JURÍDICA CONTRA O
BULLYING. CONCLUSÃO.
Resumo
O ser humano passa grande parte de sua vida na escola, é nela em que ocorre, de forma significativa, o desen-
volvimento social e intelectual da criança e do adolescente, assim, as relações escolares devem ser protegidas.
O presente trabalho tem por finalidade verificar a caracterização da prática do bullying e sugerir algumas medidas
protetivas contra esta conduta tão devastadora.
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff

Pré-visualização parcial do texto

Baixe BULLYING NA ESCOLA E SEUS EFEITOS JURÍDICOS e outras Esquemas em PDF para Direito, somente na Docsity!

// Revista da Faculdade de Direito // número 2 // segundo semestre de 2014

BULLYING NA ESCOLA E SEUS EFEITOS JURÍDICOS

Isa Gabriela de Almeida Stefano*

*Doutoranda e Mestre em Direito pela PUC-SP, especialista pela Escola Supe- rior do Ministério Público de São Paulo, advogada, professora universitária e de cursos de pós-graduação.

Sumário INTRODUÇÃO. 1. HISTÓRICO. 2. CONCEITO. 3. ESPÉCIES. 4. LOCAIS ONDE PODE OCORRER A PRÁTICA DO BULLYING. 5. REQUISITOS PARA CARACTERIZAR O BULLYING. 6. SUJEITOS DO BULLYING. 7. CONSEQÜÊN- CIAS DO BULLYING. 8. MEDIDAS ESCOLARES CONTRA O BULLYING. 9. PROTEÇÃO JURÍDICA CONTRA O BULLYING. CONCLUSÃO.

Resumo O ser humano passa grande parte de sua vida na escola, é nela em que ocorre, de forma significativa, o desen- volvimento social e intelectual da criança e do adolescente, assim, as relações escolares devem ser protegidas. O presente trabalho tem por finalidade verificar a caracterização da prática do bullying e sugerir algumas medidas protetivas contra esta conduta tão devastadora.

INTRODUÇÃO

N

osso sistema educacional encontra-se em crise pra- ticamente desde o momento em que foi criado. Es- pecialistas sempre criticaram a educação, mas nun- ca ela chegou ao caos em que se encontra hodiernamente.

Além da falta de qualidade e de professores capacitados, temos a falta da família estruturada, o que produz para o ambiente escolar pessoas que, por terem recebido proces- so de socialização primária inadequado, apresentam difi- culdades em sua inserção no meio social.

Antigamente as crianças passavam pelo processo educacional primário no seio familiar, onde aprendiam princípios tais como a alteridade, urbanidade, hierarquia, dentre inúmeros outros.

Cabia à escola introduzir esta pessoa em um grupo maior, processo de socialização secundário, potencializando o en- sino já recebido, bem como cabia à escola ensinar os conhe- cimentos necessários para que uma pessoa possa trabalhar e participar efetivamente da sociedade como um cidadão.

Para que o ser humano possa conviver em sociedade é, pois, fundamental a educação que nasce no seio familiar, onde se aprende desde a linguagem corporal, a verbal, a coordenação motora, as crenças e valores familiares, comi- nando no aprendizado e no exercício de comportamentos necessários à sua inclusão no ambiente social. Posterior- mente seu horizonte é ampliado e passa a conviver no meio social, aprendendo e entendendo, neste momento, que existem outras normas morais, costumes e normas gerais da vida social, dentre elas as jurídicas.

Esse panorama sofreu mudanças radicais decorrentes da própria mudança dos paradigmas sócio-econômicos que obrigam a inserção da mulher no mercado de trabalho e, conseqüentemente, a realidade evidencia uma família de- sestruturada em que não toma conta de suas crianças e entrega à escola o papel de criá-las por completo.

Ocorre que na maioria das famílias com as características acima, sempre que os pais ficam com os filhos, desejam compensar sua ausência deixando-os fazer todas as suas vontades, sem observar os limites morais que norteiam as condutas humanas. Ampliam a “proteção” de seus filhos quando passam a proibir que as escolas façam reprimendas ao comportamento desaprovado, sempre em apoio ao filho que acaba por não entender como se vive em sociedade.

Deste modo, cabe ao professor dar carinho, atenção, ensi- nar a ler, escrever, bem como tentar suprir as deficiências decorrentes da ineficiência da estrutura familiar.

Os desvios de conduta vêm se tornando incontroláveis, e os ataques às pessoas não mais se restringe a meros co-

“Quando a violência é banalizada ou não é identificada como sintoma de patologia social, corre-se o risco de transformá-la num valor cultural que pode ser assimilado pela criança e pelo jovem como forma de ser, um modo de autoafirmação.” (LEVISKY)

http://www.usjt.br/revistadireito/

Deste trabalho Dan Olweus publicou a obra “Bullying at school: what we know and what we can do” em 1993 e, motivada por esta obra, a Noruega implementou uma cam- panha nacional contra o bullying que resultou na diminuição de 50% de sua incidência nas escolas.

Na Europa os países que mais sofrem com o bullying são Portugal, Suíça e Áustria, que apresentam 40% de vítimas^3.

Conforme estudos realizados pela Unicef^4 , 80% dos alunos do ensino fundamental já sofreram bullying e, em sua maio- ria, a agressão ocorre na sala de aula.

O Brasil só começou a estudar esse desvio de comporta- mento nos fim dos anos de 1990 e início 2000 e adotou a terminologia inglesa que detém um significado amplo.

Em 2009 a Plan Brasil realizou uma pesquisa “Bullying no Ambiente Escolar” para constatar sua incidência nas esco- las brasileiras e o resultado foi alarmante, cerca de 70% dos estudantes afirmaram já ter presenciado agressões contra colegas e 30% fizeram parte das agressões.

A pesquisa mostrou que as regiões que mais sofrem com o bullying são a Sudeste e Centro-Oeste e a prática é mais comum em crianças e adolescentes com idade entre 11 a 15 anos. A conduta é mais comum entre os meninos (35,5% fo- ram vítimas) do que entre as meninas (12,5% foram vítimas).

  1. CONCEITO

A palavra bully significa valentão, e o termo bullying engloba várias condutas. Por nossa língua não ter uma única palavra

para descrevê-las, adotamos a terminologia em inglês.

Podemos dizer que bullying é todo comportamento cons- ciente através da violência física ou psicológica que visa humilhar, agredir, intimidar, dominar, difamar, furtar, excluir a vida social da vítima, apelidar de forma pejorativa, abusar sexualmente etc.

Cleo Fante ao tratar do assunto leciona:

Bullying é uma palavra inglesa, sem tradução em nossa língua. Bully pode ser traduzido como valentão, tirano, bri- gão. Os valentões da escola elegem como alvos colegas que apresentam dificuldade de defesa. Colocam apelidos constrangedores, intimidam, isolam, chantageiam, rejei- tam, difamam, zoam, humilham, batem, perseguem.^5

Durante muito tempo nossa sociedade ignorou o bullying acreditando ser brincadeira de criança, mas a conduta passou para além de brincadeira e trouxe sérios problemas psicológi- cos para suas vítimas, inclusive casos de suicídio e homicídio.

Neste sentido nos ensina Diogo Dreyer:

Todos os dias, alunos no mundo todo sofrem com um tipo de violência que vem mascarada na forma de “brincadei- ra”. Estudos recentes revelam que esse comportamento, que até bem pouco tempo era considerado inofensivo e que recebe o nome de bullying, pode acarretar sérias con- seqüências ao desenvolvimento psíquico dos alunos, ge- rando desde queda na auto-estima até, em casos mais extremos, o suicídio e outras tragédias.^6

http://www.usjt.br/revistadireito/

Estudos mostram que o bullying pode ocorrer através do meio: verbal (apelidar, xingar, zoar), moral (difamar,caluniar, discriminar), sexual (abusar, assediar, insinuar), psicológico (intimidar, ameaçar, perseguir), material (roubar, furtar, des- truir) e virtual (mensagens de celular e internet).

Apesar de o bullying estar presente em nosso cotidiano, sua incidência ocorre de forma alarmante nas escolas e por essa razão o legislador já sentiu a necessidade de tratar a respeito do tema.

Não há no Brasil uma lei nacional que trate do bullying, as leis existentes são municipais ou estaduais.

O município de São Paulo possui lei específica a respeito do bullying. Trata-se da Lei n. 14.957/2009.

Em seu artigo 2º traz o conceito do que pode ser entendido por bullying:

Entende-se por “bullying” a prática de atos de violência fí- sica ou psicológica, de modo intencional e repetitivo, exer- cida por indivíduo ou grupos de indivíduos, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidar, agredir, causar dor, angústia ou humilhação à vítima.

Parágrafo único. São exemplos de ‘bullying’ acarretar a ex- clusão social; subtrair coisa alheia para humilhar; perseguir; discriminar; amedrontar; destroçar pertences; instigar atos violentos, inclusive utilizando-se de meios tecnológicos.

Existem projetos de lei propondo que a proteção contra o bullying esteja prevista na Lei de diretrizes e bases da edu-

cação, bem como outros que criam o crime de intimidação vexatória.

  1. ESPÉCIES DE BULLYING

O bullying pode ocorrer várias formas, não há uma conduta específica para podermos determinar de maneira automáti- ca a existência do bullying. As principais formas são:

  • bullying direto: ocorre através de agressões diretas em sua maioria física ou por atos de humilhação da vítima como bater, furtar, empurrar, é mais comum no sexo masculino.

O tema das agressões diretas foi tratada por Noberto Bobbio^7 em uma obra coletiva em que ele leciona: “A violência é direta quando atinge de maneira imediata o corpo de quem sofre”.

  • bullying indireto: ocorre através do isolamento social da vítima É mais praticado através de fofocas, difamação, atos que acarretam sentimento de medo no outro atra- vés de intimidações, acusações injustas etc., sendo mais comum a sua incidência em pessoas do sexo feminino.

Essa forma é uma das que mais causa danos psicológicos principalmente por sua percepção ser mais difícil. Muitas vezes os adultos demoram a perceber a razão de a criança ser excluída e, por não haver uma violência física, não per- cebem a gravidade da conduta.

Miriam Abramovay bem elucida o fato de ser o bullying indi- reto uma forma de violência:

http://www.usjt.br/revistadireito/

erradas no mais fraco. Os pais devem estar atentos para reverter essa situação.

Mas o bullying mais perigoso é o praticado pelos pais con- tra os filhos. Sabe-se que existem pais que fazem compa- rações constantes entre os filhos e sempre coloca um deles em situação de inferioridade; há os pais que falam que seus filhos são “burros”, feios e não servem para nada.

Outra forma de bullying familiar que causa danos psicoló- gicos graves é a agressão do marido contra a mulher por meio de palavras e/ou com agressões físicas que pode in- cluir a sexual.

Tão comum é a agressão contra a mulher que nosso orde- namento a trata em lei especial conhecida como Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), em homenagem a uma vítima que sofreu todos os tipos possíveis de agressão pelo marido.

Esse tipo de agressão pode gerar um autor de bullying na escola, pois para suprir sua inferioridade ou medo a criança passa a querer exercer domínio fora de casa para se sentir capaz e forte dentro de um ambiente em que ela tem chan- ces de se impor e dominar.

Sônia Maria de Souza Pereira escreveu sobre o assunto re- latando o estudo de Minayo:

O ideal de família seria aquela em que predominasse o amor, o carinho, a afeição e o respeito. Mas nem sempre isso acontece. Nesses casos, muitas crianças e jovens se desvirtuam e passam a reproduzir o que aprendem com seus familiares. Seja reproduzindo a violência sofrida em

casa, seja reproduzindo formas de uma educação deturpa- da, em que se combate a violência com violência. (...) A au- tora conclui que, para os agressores existem duas causas principais para explicar suas explosões de raiva. Uma de- las é a necessidade de reproduzir os maus-tratos sofridos, principalmente em casa, ou reproduzir a única maneira que lhe foi ensinada para lidar com as inseguranças pessoais. Outra causa seria a ausência de modelos educativos hu- manistas, capazes de orientar o comportamento da criança ou jovem, para a convivência social.^11

No mesmo sentido escreve Nancy Day, citando quatro fa- tores, principalmente familiares, que contribuem para a for- mação do bully:

  1. uma atitude negativa pelos pais ou por quem cuida da criança ou do adolescente; 2) uma atitude tolerante ou per- missiva quanto ao comportamento agressivo da criança ou do adolescente; 3) um estilo de paternidade que utiliza o poder e a violência para controlar a criança ou o adolescen- te; e 4) uma tendência natural da criança ou do adolescente a ser arrogante.^12

O bullying nas escolas é o mais comentado em nossa so- ciedade contemporânea e pode ser exercido entre os alu- nos, alunos contra professores e professores contra alunos.

Há estudos que visam a esclarecer as razões de exis- tir bullying em um ambiente em que as crianças vão para aprender a conviver com as diferenças e descobrir um pou- co das ciências. As razões são várias e o agressor pode ter aprendido ou sofrido a conduta em sua própria casa, levando-a para o ambiente escolar.

http://www.usjt.br/revistadireito/

Outra causa estudada é a escola como o ambiente causa- dor do bullying em razão da prática de competição como: “aquele que tiver a maior nota ganha um livro”; “assim que terminarem pode ir embora” etc..

Apesar dessa prática ser estimulante e incentivar o aluno, traz escondido um grande perigo, a esse respeito escreve Marie Nathalie Beaudoin:

Para os alunos que lutam para deixar de se envolver com o desrespeito e o bullying, a competição é um convite a problemas. O estresse e a frustração inevitáveis de se en- xergar nos outros um oponente podem ser excessivamente estimulantes. O que normalmente ocorre é que os alunos que têm problemas questionam sua auto-estima enquanto pessoas, e a competição transforma-se tanto em um con- texto para provar que eles têm auto-estima (o que significa que há muito em jogo), ou acaba sendo outra oportunidade de esses alunos confirmarem a si mesmos a idéia de que são perdedores ou inadequados.^13

Assim, a prática de competição pode gerar o perigo da não aceitação das desigualdades por exigir que todos os alunos tenham as mesmas habilidades e, por isso, nossa grade curricular é fixa.

A fim de sanar a reprovação em razão de uma ou outra ma- téria, criou-se o sistema de aprovação automática, alvo de severas e fundamentadas críticas por desestimular o aluno a estudar, pois ele percebe que mesmo não se dedicando estará apto ao próximo ano.

Esse sistema de aprovação automática não é ideal, o que

devemos ter são matérias seletivas que os alunos cursem conforme suas habilidades, sem exigir que todas as pesso- as tenham as mesma habilidades a serem observadas den- tro de uma grade curricular fixa.

Nesse sentido escreve Chalita:

As múltiplas habilidades demonstram que o melhor em ma- temática nem sempre o será em português ou em música ou em dança ou em oratória. O escultor não necessaria- mente é um profundo conhecedor de química inorgânica e o escritor pode não ser perito em análise sintática. Um dos maiores escritores de todos os tempos, o francês Gustave Flaubert, permaneceu analfabeto até quase os 10 anos de idade, tido por deficiente mental. Sartre escreveu um en- saio a esse respeito chamado, ‘O idiota da família’, em que discorre sobre os métodos de ensino aplicados ao menino Flaubert que o tornaram refratário ao aprendizado das pri- meiras letras.^14

O professor deve estar atento às brincadeiras realizadas en- tre os colegas, ao comportamento dos alunos, e deve evitar usar castigos ou competição como forma de estímulo para a realização de tarefas, deve sempre primar por comporta- mentos positivos.

  1. REQUISITOS PARA CARACTERIZAR O BULLYING

Apesar do bullying ser um tipo de violência, essa deve ser entendida como gênero do qual o bullying é apenas uma de suas espécies.

Em nossas vidas podemos sofrer vários tipos de violência,

http://www.usjt.br/revistadireito/

vêem afrontados pelos alunos:

Eles se impõem até financeiramente em relação aos pro- fessores. Muitas vezes, eles nos tratam como emprega- dos deles (....) Nós temos casos aqui de professores que, simplesmente, não conseguem dar aula. (Grupo focal com professores, escola privada, Fortaleza). Os alunos, em al- guns casos, comportam-se de maneira autoritária, humi- lhando ou insultando o professor ou, em casos extremos, utilizando-se do poder ou prestígio dos pais para forçar a demissão daquele de quem não gosta. Segundo um ins- petor: Eles não respeitam, aqui, ninguém. Os alunos fazem o que querem, o que entendem, até os professores têm medo de agir^16.

Outro requisito para que o bullying ocorra é a ausência de motivos para o ataque, isto é, não surge como reação de uma conduta praticada pela vítima, pelo contrário, a vítima sem praticar conduta alguma passa a ser alvo do agressor que tem a intenção de agredí-la seja em razão de sua raça, sua inteligência (nerd), sua aparência, enfim, percebemos que o bullying decorre da incapacidade de as pessoas acei- tarem as diferenças.

  1. SUJEITOS DO BULLYING

O bullying pode ser praticado em qualquer faixa etária, mas se percebe a partir dos 3 e 4 anos de idade o comporta- mento manipulador e abusivo, entretanto, é mais comum a partido do 6º e 9º ano do ensino médio, e pode ser visto, também, na faculdade.

As vítimas geralmente são pessoas tímidas, retraídas, com

dificuldade de socialização, podem possuir um físico dife- rente bem como credo ou etnia diversa, possuem dificul- dade de reação, são inseguras, não pedem ajuda, não são facilmente aceitas nos grupos sociais etc.

Nesse sentido Cleo Fante se manifestou:

A maioria dos alvos de bullying são aqueles alunos con- siderados pela turma como diferentes ou ‘esquisitos’. São tímidos, retraídos, passivos, submissos, ansiosos, temerosos, com dificuldades de defesa, de expressão e de relacionamento. Além desses, as diferenças de raça, religião, opção sexual, desenvolvimento acadêmico, so- taque, maneira de ser e de se vestir parecem perfilar o retrato das vítimas. 17

Os agressores são pessoas com facilidade de liderança, geralmente são bonitas, não sabem respeitar as diferenças, não sofrem coerções por suas condutas maldosas, são pre- potentes e arrogantes.

O Promotor de Justiça Lélio Braga Calhau destaca que o agressor:

é mau caráter, impulsivo, irrita-se facilmente e tem baixa resistência às frustrações. Custa a adaptar-se às normas; não aceita ser contrariado, não tolera os atrasos e pode tentar beneficiar-se de artimanhas na hora das avaliações. È considerado malvado, duro e mostra pouca simpatia para com as vitimas. Adota condutas antissociais, incluin- do o roubo, o vandalismo, o uso de álcool, além de se sen- tir atraído pelas más companhia.^18

http://www.usjt.br/revistadireito/

Muitas vezes os agressores são pessoas inseridas em fa- mílias violentas ou que não lhes dão atenção, permitindo que façam de tudo para compensar a ausência e indiferen- ça dos pais.

Sonia Maria de Souza Pereira manifesta acerca do tema:

Para o agressor, os atos de bullying são divertidos porque humilham a pessoa vitimada. Quando esta aceita de forma pacífica, torna-se alvo de chacota também para outros alu- nos. O agressor se sente bem, pois para turma ele é ‘o po- deroso’, ele se satisfaz ao ver o riso dos colegas ou muitas vezes se sentem vingados pelas agressões e humilhações que sofrem em outros ambientes, entre eles, o familiar ou simplesmente porque a educação que recebem dos pais serve de incentivo à violência e ao sadismo, sente caso dando-lhe prazer ao ver o sofrimento da sua vítima.^19

A pessoa que cresce realizando práticas violentas e não sofre reprimenda possui grandes chances de se tornar um delinquente.

Como em nossa sociedade as coisas se alteram conforme os estímulos, existe dentro da figura do bullying o fenômeno da vítima/agressora, que é a pessoa que sofre o bullying por tanto tempo que, como forma de se defender, passa a ser autora da conduta para ganhar credibilidade e confiança.

O último sujeito do bullying são as testemunhas. Apesar de não serem sujeitos diretamente vinculados à conduta par- ticipam do fato em razão de uma conduta omissiva, isto é, não denunciam as agressões com medo de passarem a ser a próxima vítima do agressor. Elas podem ser a favor do ato

dando risadas e incentivando a conduta ou são contra e se mantém inertes. De qualquer forma as testemunhas são sujeitos agem sem praticarem a conduta de forma direta e sem intervir no processo das agressões.

  1. CONSEQUÊNCIAS DO BULLYING

O bullying traz consequências devastadoras para suas ví- timas.

Importante ressaltar que os sinais da agressão são visíveis, pois a vítima geralmente fica deprimida, com medo de sair de casa, ansiosa, nervosa, magoada, com desejo de vin- gança, pensamento suicida, baixa autoestima, entre outros.

Nas crianças é comum pedir para mudar de escola, ficar ansiosa perto do horário de sair de casa, pedir para faltar às aulas, apresenta baixo rendimento escolar, chega em casa com machucados sem explicação, “perde” objetos, tem pesadelos etc.

A vítima de bullying tende a ficar deprimida e pode ter re- ações agressivas, como vemos em casos de alunos agre- didos que matam os colegas e professores, ou podem se sentir tão frágeis que só vêem a morte como solução e aca- bam praticando o suicídio.

O pediatra Aramis A. Lopes Neto realizou um estudo acerca dos efeitos devastadores do bullying:

Alvos, autores e testemunhas enfrentam conseqüências fí- sicas e emocionais de curto e longo prazo, as quais podem causar dificuldades acadêmicas, sociais, emocionais e le-

http://www.usjt.br/revistadireito/

alguma forma de abuso.

Para ter maior efetividade, a pesquisa pode ser realizada através de questionário sem a identificação do aluno e do professor e posteriormente se realiza observação para en- tender como funciona os bastidores dos comportamentos de intimidação e provocação.

O professor exerce papel importante, pois ele tem maior con- tato com os alunos e pode perceber a alteração de compor- tamento, devendo sempre se interessar pelos sentimentos do aluno para verificar a causa da alteração comportamental.

Por ser o bullying um fenômeno social, a escola deve agir em parceria com a família, por exemplo, com a realização de palestras educativas que abordem os efeitos psicológicos e legais, incentivar condutas de solidariedade e de aceitação do próximo etc.. Pode ser feito através de gincanas, jogos cooperativos e dinâmica que envolva valores socioafetivos.

Sempre que identificados os agressores e as vítimas é ne- cessário que a escola trabalhe com eles individualmente para verificar as causas deste comportamento e incentivá- -los a mudar.

  1. PROTEÇÃO JURÍDICA CONTRA O BULLYING

Como toda forma de violência, o bullying não é tolerado em nosso ordenamento jurídico.

Embora não existam leis específicas que o caracterize como crime, entendemos que isso não é necessário para a repressão desses atos.

Suas condutas são penalmente reprováveis a partir dos vários tipos legais previstos em nosso ordenamento, tais como: constrangimento ilegal, furto, lesão corporal, difama- ção, calúnia, injúria e etc.

Na esfera civil o bullying gera o dever de indenizar pelos danos morais e materiais que a vítima tenha sofrido.

Ressalte-se que, se o bullying foi praticado dentro de es- cola do ensino médio e fundamental, onde os alunos são menores do 18 anos, a instituição passa a ser responsável pelos atos ali praticados de forma objetiva, pois seus alu- nos estarem sob seu poder de vigilância.

Nesse sentido leciona Carlos Roberto Gonçalves:

Assim, quando o aluno se encontra em regime de externa- to, a responsabilidade é restrita ao período em que o edu- cando está sob a vigilância do educador, compreendendo que ocorre no interior do colégio, ou durante a estada no estabelecimento, inclusive no recreio, ou em veículo de transporte fornecido pelo educandário. O que mais ocorra fora do alcance ou da vigilância do estabelecimento estará sujeito ao princípio geral da incidência de culpa^21.

Entretanto, apesar do Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, ter previsto a responsabilidade civil obje- tiva nas relações do consumo, entendemos que as universi- dades só são responsáveis pelos atos que estão dentro de seu limite de atuação, isso é, aqueles que envolvem seus funcionários, segurança e instalações físicas. Ela não será responsável pelas agressões verbais realizadas entre alu-

http://www.usjt.br/revistadireito/

nos, assim, em regra, não se poderá responsabilizar a insti- tuição nos casos de bullying, salvo se provar que se omitiu, mesmo podendo agir. Isto ocorre em razão de seus alunos não estarem sob seu poder de vigilância.

Nesse sentido leciona Carlos Roberto Gonçalves:

Embora a lei brasileira e a francesa silenciem a respeito da responsabilidade do educador, quando se trata de edu- cando maior de idade, DEMOGUE entende que, em se tra- tando de educandos maiores, nenhuma responsabilidade cabe ao educador ou professor, pois é natural pensar que somente ao menor é que se dirige essa responsabilidade, porquanto o maior não pode estar sujeito a essa mesma vigilância que faz necessário a uma pessoa menor. SOUR- DAT, igualmente, nega, sem distinção, a responsabilidade do professor pelo aluno, maior, sob o fundamento de que as relações que existem entre eles resultem de uma vonta- de livre de sua parte e que o aluno maior não precisa ser vigiado como acontece com o menor: é senhor de seus atos e de seus direitos, e tem plena responsabilidade pelo que faz.^22

Como exemplo da aplicação dessas diretrizes destacam-se algumas decisões do Poder Judiciário:

DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. ABA- LOS PSICOLÓGICOS DECORRENTES DE VIOLÊNCIA ESCOLAR. BULLYING. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIG- NIDADE DA PESSOA. SENTENÇA REFORMADA. CON- DENAÇÃO DO COLÉGIO. VALOR MÓDICO ATENDENDO- -SE ÀS PECULIARIDADES DO CASO.(TJ-DFT - Ap. Civ.

2006.03.1.008331-2 - Rel. Des. Waldir Leôncio Júnior - Julg. em 7-8-2008) RESPONSABILIDADE DO ESTADO. O Município é respon- sável por danos sofridos por aluno, decorrentes de mau comportamento de outro aluno, durante o período de aulas de escola municipal. O descaso com que atendido o au- tor quando procurou receber tratamento para sua filha se constitui em dano moral que deve ser indenizado. (TJ-SP

  • Ap. 7109185000 – Rel. Des. Barreto Fonseca – Julg. em 11-8-2008) AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - COMUNIDADE VIRTUAL DO ORKUT - MENSAGENS DEPRECIATIVAS A PROFESSOR
  • RESPONSABILIDADE DOS PAIS. Os danos morais cau- sados por divulgação, em comunidade virtual – orkut – de mensagens depreciativas, denegrindo a imagem de profes- sor – identificado por nome –, mediante linguagem chula e de baixo calão, e com ameaças de depredação a seu patrimônio, devem ser ressarcidos. Incumbe aos pais, por dever legal de vigilância, a responsabilidade pelos ilícitos cometidos por filhos incapazes sob sua guarda. (TJ-RO – Acórdão COAD 126721 - Ap. Civ. 100.007.2006.011349-
  • Rel. Convocado Juiz Edenir Sebastião Albuquerque da Rosa – Public. em 19-9-2008).

O Estatuto da Criança e do Adolescente traz várias nor- mas de proteção que podem ser utilizadas, inclusive como meios de se garantir a proteção contra o bullying.

Em seu artigo 3° dispõe: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa hu- mana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, to-

http://www.usjt.br/revistadireito/

Além dos deveres legais, a escola deve prevenir a ocorrên- cia do bullying através de aulas e palestras que ensinem a respeitar o ser humano por suas diferenças, bem como é papel do professor reconhecer os casos de agressões e reprimi-las, além de contar aos pais.

O bullying nas escolas fundamentais e básicas só acabará quando houver integração família, aluno e escola.

Acreditamos que a melhor forma de penalizar o aluno agressor é colocando-o para realizar trabalhos voluntários em estabelecimentos de recuperação de pessoas portado- ras de síndromes especiais, ou obrigando-os a assistirem palestras comportamentais.

D

Notas

  1. CALHAU, Lélio Braga. Bullying: o que você precisa saber: identificação, prevenção e repressão. Niterói: Impetus, 2009, p. 12.
  2. BEAUDOIN, Marie-Nathelie; TAYLOR Maureen. Bullying e desrespeito: como acabar com essa cultura na escola. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 29.
  3. FANTE, Cleo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 49.
  4. http://www.unicef.org/malaysia/UNICEF__Fact_Sheet__Impact_and_Scope_of_Bullying.pdf. Acessado em 22/04/2014.
  5. FANTE, Cleo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 132.
  6. DREYER, Diogo. A brincadeira que não tem graça ttp://www.educacional.com.br/reportagens/bullying/. Acessado em 25/08/2013.
  7. BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Tradução: Carmen C. Varriola et. AL. Dicionário de Política 3ª. ed. Brasília: UnB, 1991.
  8. ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças. Violência nas escolas: versão resumida. Brasília: Unesco Brasil, 2003, p. 08.
  9. “Indenizatória. Danos morais. Comunidade virtual. Divulgação, por menores, de mensagens depreciativas em relação a professor. Identificação. Lingua- gem chula e de baixo calão. Ameaças. Ilícito configurado. Ato infracional apurado. Cumprimento de medida sócioeducativa. Responsabilidade dos pais. Negligência ao dever legal de vigilância. Os danos morais causados por divulgação, em comunidade virtual (orkut) de mensagens depreciativas, denegrindo a imagem de professor (identificado por nome), mediante linguagem chula e de baixo calão, e com ameaças de depredação a seu patrimônio, devem ser ressarcidos. Incumbe aos pais, por dever legal de vigilância, a responsabilidade pelos ilícitos cometidos por filhos incapazes sob sua guarda.” (TJ/RO, Des. Rel. Edenir Sebastião Albuquerque da Rosa, 2ª Câmara Cível. Apelação nº. 100.007.2006.011349-2. Julgamento em 20/08/2008).”
  10. FANTE, Cleo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 66.
  11. PEREIRA, Sônia Maria de Souza. Bullying e suas implicações no ambiente escolar. São Paulo: Paulus, 2009, p. 53.

http://www.usjt.br/revistadireito/

  1. DAY, Nancy. Violence in Schools – Learning in Fear. Berkeley Heights, NJ: Enslow Publishers, 1996, p. 44-45.
  2. BEAUDOIN, Marie-Nathelie; TAYLOR Maureen. Bullying e desrespeito: como acabar com essa cultura na escola. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 23.
  3. CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Gente, 2001, p. 136.
  4. FANTE, Cleo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 38.
  5. ABRAMOVAY, Miriam; RUA, Maria das Graças. Violência nas escolas: versão resumida. Brasília: Unesco Brasil, 2003, p. 39.
  6. FANTE, Cleo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 45.
  7. CALHAU, Lélio Braga. Bullying: o que você precisa saber: identificação, prevenção e repressão. Niterói: Impetus, 2009, p. 08-09.
  8. PEREIRA, Sônia Maria de Souza. Bullying e suas implicações no ambiente escolar. São Paulo: Paulus, 2009, p. 32.
  9. LOPES NETO, Aramis A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. J. Pediatr. (Rio J.) vol.81 no.5 suppl.0 Porto Alegre Nov. 2005.
  10. GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 133.
  11. GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 137.
  12. RODRIGUES, Oswaldo Peregrina; STEFANO, Isa Gabriela de Almeida. O dever jurídico dos profissionais da saúde e educação no ECA. In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme. Cuidado & vulnerabilidade. São Paulo: Atlas, 2009, p. 155.

http://www.usjt.br/revistadireito/