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HISTÓRIA DA MATEMÁTICA CARL B. BOYER Professor de Matematica do Brookiyn College. EVA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA Tradução ELZA F. GOMIDE Professora Assistente-Doutor do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo “py editora EDGARD BLUCHER lida E EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Conteúdo 1 -— ORIGENS PRIMITIVAS ...... css ss srs iara res arara areia ria l titulo origina! 1.0 conceito de número. 2. Bases numéricas primitivas. 3. Linguagem de números e a origem da enu- A HISTORY OF MATHEMÁTICS meração. 4. Origem da geometria. a edição em lingua inglesa foi publicada por I— EGITO... are aaa e cane 7 JOHN WILEY & SONS, INC. , 1, Registros primitivos. 2, Notação hieroglifica. 3. Papirus Ahmes. d. Frações unitárias. 5. Operações ) | aritméticas. 6. Problemas algébricos. 7. Problemas geométricos. 8. Uma razão trigonométrica. 9, Pa- copyright & 1968 by JOHN WILEY & SONS, INC. à piso de Moscou. LO. Deficiências matemáticas. 1. Registros cuneiformes, 2. Numeração posicional. 3, Frações sexagesimais. 4. Operações fundamentais. 5. Problemas algébricos. 6. Equações quadráticas. 7. Equações cúbicas. 8 Triadas Pitagóricas. 9. Areas direitos reservados poligonais. 1), Geometria como aritmética aplicada. Il. Deficiências matemáticas. , para a lingua portuguesa pela 4— JÔNIA E OS PITAGÓRICOS ......cc. 3 Editora Edgard Bliicher Ltda. I. Origens gregas. 2. Tales de Mileto. 3. Pitágoras de Samos. 4, O pentagrama pitagórico. 5. Misticismo 1974 j sobre números. 6. À aritmética e a cosmologia. 7. Números figurativos. 8& Proporções. 9. Numeração ' ática. 10. Numeração jônia. 11, À aritmética e logística. 5— A IDADE HERÓICA..........ec sa MR 1. Centros de atividade. 2 Anaxágoras de Clazomene. à Três problemas famosos. 4, Quadratura de hunas. 5. Proporções prolongadas. 6. Hípias de Elis. 7. Filolaus e Arquitas de Tarento. & Dupiicação do cubo. 9, Incomensurabilidade. 1), À secção áurea. tl. Paradoxos de Zeno. 12. Raciocínio dedutivo. É proibida a reprodução total ou parcial 13. Álgebra geométrica. 14, Demócrito de Abdera, por quaisquer meios | sem autorização escrita da editora 6 — A IDADE DE PLATÃQ E ARISTÓTELES .........eo sie 61 1. Às sete artes liberais. 2. Sócrates. 3. Sólidos platônicos. 4. Teodoro de Cirene. & A aritmética e geo- e tnetria platônicas. 6. Origem da análise. 7. Eudoxo de Cnido. 8 Método de exaustão. 9. Astronomia EDITORA EDGARD BLUCHER LTDA. matemática, 210. Menaccmus. 11. Duplicação do cubo. 12, Dinóstrato é a quadratura do circulo. 13. 01000 CADA PostAL 5450 — RuA Peixoto GoMiDE, 1400 Autólico de Pitane. 14, Aristóteles. 15. Fim do periodo helênico. : — 11)287-2043 E 288-5285 END. TELSGRÁFICO: BLUCHERLIVRO O Sp B o 7 — EUCLIDES DE ALEXANDRIA ........ciiiiisiiierei : E. Autor de Os Elementos. 2. Outras obras. 3. Objetivo de Os Elementos, 4, Definições e postulados. 5. o Alcance do Livro 1. 6. Algebra geométrica. 7. Livros Ill e IV. 8. Teoria das proporções. 9. Teoria dos Impresso no Brasil Printed in Brazil números. 10, Números primos e perfeitos. 11. Incomensurabilidade. 12 Geometria no espaço. 13. Apócrifa. td. Influência de Os Elementos. 8 — ARQUIMEDES DE SIRACUSA .........cccss essere RB = Ea 1, Cerco de Siracusa 2 Lei da alavanca. 3 O princípio hidrostático, 4, O computador de areia. S. Me- Bom dos DEDALUS - Acervo - IAG dida do circulo. 6. Trissecção do ângulo. 7. Area de um segmento de parábola. & Volume de um seg- mento de parabolóide. 9, Segmento de uma esfera. 10, Sobre a esfera e o cifindro. 1. Livro de temas. Historia da matamatica / 1%. Sólidos semi-regulares c trigonometria, 13, O método. 14, Volume de uma esfera. 15, Recuperação MR à aroro 4— APOLÔNIO DE PERGA ........ce ca NH 30200005983 1. Obras perdidas. 2, Restaurações de obras perdidas. à O problema de Apolônio. 4. Ciclos e epiciclos. 5. As cônicas. 6. Nomes das secções cônicas. 7. O cone de duas folhas. & Propriedades fundamentais. 9, 44 — A IDADE HERÓICA DA GEOMETRIA .......cciiccini cics socos sereis ee c certa 1. Teoremas de Briançchon é Ferrerbach. 2. Geomeiria inversiva. 3. Geometria projetiva de Poncelet. A. Notação abreviada de Plucker. 5. Coondenadas homogêneas. 6. Coordenadas de retas e dualidade. 7. Renascimento da matemática inglesa. 8 A geometria n-dimensional de Cauchy. 9. Geometria na Ale- manha. 19. Lobachevsky e Ostrogradsky. 11, Geometria não-cuclidiana, 12 Os Bolyais. 1 Geometria Riemamniana. 14. Espaços de dimensão superior. 15. O Erlanger Program de Klein. 16. O modelo hiperbólico de Klein. 15 — À ARITMETIZAÇÃO DA ANÁLISE ...... coils css ese css cicsacriaseraccreneent caneta |. Séries de Fourier. 2. Teoria analítica dos números. 3. Números transcedentes. 4 Inquictação na análise. 4. Análise segundo Wejerstrass. 6, O “corte” de Dedekind. 7, O conceito de limite. 8& Ibfluência de Gudermann. 9, Juventude de Cantor. 10. A “potência” dos conjuntos infinitos. 12, Propriedades dos conjuntos infinitos. 12. Aritmética transfinita. 13, Crítica de Kronecker à obra de Cantor. 26 — O SURGIMENTO DA ALGERBRA ABSTRATA ........ccco cics ss cissses situar L A Idade Áurea da matemática. 2 Matemática em Cambridge. 3, Peacock, o “Euclides da Álgebra”. d. Quaternions de Hamilton 5. Grassmann é Gibbs. 6. Matrizes de Cayley. 7. Álgebra de Sylvester. 8. Invariantes de formas quadráticas. 9. Análise da lógica de Boole. 10, Álgebra de Boole. 11. De Morgan e os Peirçes. 12. A vida trágica de Galois. 13. Teoria de Galois. 14, Teoria dos corpos. 15. Definição de Frege do número cardinal. 16, Axiomas de Peano. 77 — ASPECTOS DO SÉCULO VINTE ...... css sos ic caeneeaa oco e an iean L À natureza da matemática. 2. Teoria das funções de Poincaré. 4 Matemática aplicada e topologia. 4. Problemas de Hilbert. 5. Teorema de Gúdel. 6. Números transcendentes. 7. Fundamentos da geometria. 8. Espaços abstratos. 9. Fundamentos da matemática. 10. Intuicionismo, formalismo é logicismo. 14, Medida e integração. 12. Topologia geral. 13. Abstração crescente na álgebra. 14, Probabilidade. 15. Computadores. L6. Estrutura matemática. 17. Bourbaki e a “Nova Matemática”. BIBLIOGRAFIA GERAL .........cccclscs css seas cera rena aan tema APÊNDICE: TABELA CRONOLÓGICA .. cocos e ariana scans ÍNDICE la e rena 387 419 475 Prefácio Numerosas histórias da Matemática apareceram durante este século, muitas delas em inglês. Algumas são muito recentes como 4 History of Mathematics, de J. F. ScottlM; uma nova produção neste campo deveria, portanto, ter características não existentes nos livros disponíveis. Na verdade, poucas das histórias publicadas são livros de texto, ao menos não no sentido que tem essa expressão nos Estados Unidos, e a History de Scot não é um desses. Pareceu-me, pois, que hávia lugar para um livro novo — um que satis- fizesse melhor às minhas preferências e talvez às de outros. A History of Mathematics, em dois volumes, de David Eugene Smith'?], foi de fato escrita “a fim de fornecer um texto de História da Matemática elementar que pudesse ser usado por professores e estudantes”, mas cobre uma área ampla demais num nivel matemático demasiado elementar para a maior parte dos cursos superiores modernos, E faltam-lhe problemas de tipos variados. A History of Mathematics, de Florian Cajorkl, é até hoje um livro de referência muito útil, mas que não se adapta a uso em aulas, nem tão pouco o admirável The Development of Mathematics de E. T. Bell!!! Atualmente o mais bem sucedido e apropriado parece ser An introduction to Mathematics de Howard Eves!º), que utilizei, com grande satisfação, com pelo menos uma dúzia de classes desde que apareceu, em 1953. Ocasionalmente eu modifiquei a ordem dos tópicos no livro, procurando alcançar uma maior intensidade de sentimento histórico, e suplementei o material com mais referências às contribuições dos séculos dezoito e dezenove, usando para isso principalmente 4 Concise History of Mathematics de D.J. Struiktf]. O leitor deste livro, seja ele leigo, estudante, ou professor de um curso de História da Matemática, verificará que O nível de conhecimento matemático pressuposto é apro- ximadamente o de um estudante de curso superior de 2.º ou 3.º ano, mas o materiat pode também ser visto com proveito por leitores de preparo matemático superior ou inferior a esse. Cada capítulo termina com uma coleção de exercícios mais ou menos distribuidos em três categorias. Questões de tipo ensaio, destinadas a indicar a capacidade do leitor para organizar e exprimir com suas palavras o que foi discutido no capítulo. Seguem-se exercícios relativamente fáceis, que exigem provas de alguns teoremas mencionados no capitulo ou sua aplicação a várias situações. Finalmente, uns poucos exercícios marcados com asterisco, que ou são mais difíceis ou exigem métodos especiais que podem não ser familiares a todos os estudantes ou leitores. Os exercícios não fazem parte da exposição geral e podem ser dispensados pelo leitor, sem perda de continuidade. Aqui e ali no texto há referências a notas de rodapé, em geral, de natureza biblio- gráfica, e no fim de cada capítulo há uma lista de leituras sugeridas. Há algumas refe- rências à vasta literatura em periódicos do campo, pois não é cedo demais para que estudantes desse nivel comecem a conhecer o rico material que se encontra em boas bibliotecas. Bibliotecas menores podem não dispor de todas essas fontes de referências mas convém que um estudante saiba da existência de domínios mais amplos de conhe- cimento fora de sua universidade. Há também referências a obras em outras linguas além do inglês: além de fornecer importantes fontes adicionais para os que conhecem tais finguas, tais referências podem ajudar a terminar o provinciatismo lingúístico que, como 1 iLondres: Taylor and Francis, 1958 RiBoston: Ginn and Company, 1923-1925 UlNew York: Macmillan, 1931, 2.º edição New York: MacOraw-Hill, 1945, 2.º edição [New York: Holt, Rinchart and Winston, 1964, 3.º edição [Ney York: Dover Publications, 1967, 3.º edição um avestruz, se refugia na falsa impressão de que tudo que merece ser lido apareceu, ou foi traduzido em inglês. Esta obra difere do texto mais bem sucedido disponível até agora por aderir mais estritamente a um arranjo cronológico é por dar mais ênfase a elementos históricos. Há sempre a tentação, numa aula de História da Matemática, de supor que a finalidade prin- cipal do curso é ensinar Matemática. Uma quebra dos padrões de rigor matemático é então um pecado mortal, enquanto que um erro histórico é venial. Tentei evitar essa ati- tude, e o objetivo do livro é apresentar a História da Matemática com fidelidade não só para com a estrutura e exatidão matemáticas, mas também para com a perspectiva e de- talhe históricos. Seria absurdo, num livro deste conteúdo, esperar que todas as datas, como todas as casas decimais, estejam corretas. Espera-se, porém, que as inadveriências que possam ter restado depois do estágio de correção de provas não tarão violência ao senso histórico, entendido de modo amplo, ou a uma visão correta dos conceitos ma- temáticos. É preciso dar forte ênfase ao fato de que esta obra, em um único volume, de modo algum pretende apresentar o assunto completamente. Uma tal empresa exigiria o estorço coordenado de uma equipe, como à que produziu, em 1908, o quarto volume da Vorlesungen uber Geschichte der Mathematik, de Cantor; e levou a história até 1/99. Numa obra de proporções modestas o autor deve usar critério na seleção do material a ser incluído, controlando relutantemente a tentação: de citar a obra de todo matemático produtivo; raros leitores deixarão de notar aqui algo que considerarão como injustificável omissão. Em particular, o último capítulo busca apenas indicar algumas poucas das carac- terísticas salientes do século vinte. Para a História da Matemática talvez O que mais se deva desejar é que apareça um novo Felix Klein para completar, para o nosso século, à tipo de projeto que Klein tentou para o século dezenove, mas não viveu O suficiente para coneluir. Uma obra publicada é até certo ponto como um iceberg, pois, O que se vê é apenas uma pequena fração do todo. Nenhum livro aparece sem que o autor nele esbanje tempo e sem que receba encorajamento e apoio de outros, demasiado numerosos para serem citados individualmente. No meu caso, o débito começa com os muitos estudantes inte- ressados a quem ensinei a História da Matemática, principalmente no Brooklin College, mas também na Yeshiva University, University of Michigan, University of California (Berkeley) e University of Kansas. Na University of Michigan, principalmente graças ao estímulo do Professor Phillips S. Jones, a no Brooktin College com o auxílio do Diretor Walter H. Mais e dos Professores Samuel Borofsky e James Singer, eu às vezes tive minha carga didática reduzida para poder trabalhar no manuscrito deste livro. Amigos e colegas no campo da História da Matemática, tais como o Professor Dirk J. Struik do Massachusetts Institute of Technology, Professor Kenneth O. May na University of Toronto, Professor Howard Eves na University of Maine e Professor Morris Kline na New York University, fizeram muitas sugestões valiosas para a preparação do tivro, e essas foram grandemente apreciadas. Material em livros e artigos de outros foi livremente usado, com pouco reco- nhecimento, além de uma fria referência bibliográfica, e aproveito esta oportunidade para exprimir a esses autores minha calorosa gratidão. Bibliotecas e editores ajudaram muito, fornecendo informações e ilustrações necessárias ao texto; em particular foi um prazer trabalhar com a John Wiley and Sons. Finalmente, devo exprimir profunda gratidão a uma esposa muito compreensiva, Dra. Marjorie N. Boyer, por sua paciência em tolerar os problemas ocasionados pelo desenvolvimento de mais um livro dentro da família. Carl B. Boyer Brooklin, New York Janeiro 1968. AA md emo Capitulo 1 Origens primitivas Trouxeste-me um homem que não sabe contar seus dedos? Do Eivro dos mortos : Os matemáticos do século vinte desempenham uma atividade intelectual altamente sofisticada, que não é fácil de definir, mas boa parte do que hoje se chama matemática deriva de idéias que originalmente estavam centradas nos conceitos de número, gran- deza e forma. Definições antiquadas da matemática como uma “ciência do número e grandeza” já não são válidas, mas sugerem as origens dos diversos ramos da matemática. Noções primitivas relacionadas com os conceitos de número, grandeza e forma podem se encontradas nos primeiros tempos da raça humana, e vislumbres de noções matemá- ticas se encontram em formas de vida que podem datar de milhões de anos antes da humanidade. Darwin no Descent of Man (1871) observou que alguns animais superiores possuem capacidades como memória e imaginação, e hoje é ainda mais claro que as capacidades de distinguir número, tamanho, ordem e forma — rudimentos de um sentido matemático — não são proprisdades exclusivas da humanidades. Experiências com corvos, por exemplo, mostraram que pelo menos alguns pássaros podem distinguir conjuntos contendo até quatro elementos!!! Uma percepção de diferenças de padrões em seus ambientes claramente existe em muitas formas inferiores de vida, e isso tem parentesco com a preocupação de um matemático com forma e relação. 2 Em certa época pensou-se que a matemática se ocupava do mundo que nossos sentidos percebem, e foi somente no século dezenove que a matemática pura se libertou das limitações sugeridas por observações da natureza. É claro que a matemática origi- nalmente surgiu como parte da vida diária do homem, e se há validade no princípio bio- lógico da “sobrevivência do mais apto” a persistência da raça humana provaveimente tem relação com o desenvolvimento no homem de conceitos matemáticos. À princípio as noções primitivas de número, grandeza e forma podiam estar relacionadas com con- trastes mais do que com semelhanças — a diferença entre um lobo e muitos, a desigual- dade de tamanho entre uma sardinha e uma baleia, a dissemelhança entre a forma redonda da lua e a retilinea de um pinheiro. Gradualmente deve ter surgido, da massa de expe- riências caóticas, a realização de que há analogias: e dessa percepção de semelhanças em número e forma nasceram a ciência e a matemática. Às próprias diferenças parecem indicar semelhanças, pois o contraste entre um lobo e muitos, entre um carneiro e um rebanho, entre uma árvore e uma floresta, sugerem que um lobo, um carneiro e uma árvore tém algo em comum — sua unicidade. Do mesmo modo se observaria que certos grupos, como os pares, podem ser postos em correspondência um a um. Às mãos podem ser relacionadas com os pés, os olhos, as orelhas ou as narinas. Essa percepção de uma pro- priedade abstrata que certos grupos têm em comum e que nós chamamos número, re- presenta um grande passo no caminho para a matemática moderna. É improvável que isso tenha sido a descoberta de um indivíduo ou de uma dada tribo; é mais provável que a percepção tenha sido gradual, a pode ter-se desenvolvido tão cedo no desenvolvimento cultural do homem quanto o uso do fogo, talvez há 300 000 anos. Que o desenvolvimento do conceito de número foi um processo longo e gradual é sugerido palo fato de que certas línguas, o grego inclusive, conservaram na sua gramática uma distinção tripartite entre um e dois e mais de dois, ao passo que a maior parte daa línguas atuais só fazem a dis- UlVeja Levi Conant, The Number Concept, lts Origin and Development (1923). cf. H. Kalmus, “Animais as Mathematicians”, Nature 202 (1964), 1156-1160 Origens primitivas 1 Os milhares de anos que foram necessários para que o homem fizesse a distinção entre os conceitos abstratos e repetidas situações concretas mostram as dificuldades que devem ter sido experimentadas para se estabelecer uma base ainda que muito primitiva para a matemática. Além disso, há um grande número de perguntas não respondidas com relação à origem da matemática. Supõe-se usualmente que surgiu em resposta a neces- sidades práticas, mas estudos antropológicos sugerem a possibilidade de uma outra origem. Foi sugerido!” que a arte de contar surgiu em conexão com rituais religiosos primitivos e que o aspecto ordinal precedeu o conceito quantitativo. Em ritos cerimoniais representando mitos da criação era necessário chamar os participantes à cena segundo uma ordem específica, e talvez a contagem tenha sido inventada para resolver esse pro- blema, Se são corretas as teorias que dão origem ritual à contagem, o conceito de número ordinal pode ter precedido o de número cardinal. Além disso, uma tal origem indicaria a possibilidade de que o contar tenha uma origem única, espalhando-se subsequentemente a outras partes da terra. Esse ponto de vista, embora esteja longe de ser provado, estaria em harmonia com a divisão ritual dos inteiros em impares e pares, os primeiros consi- derados como masculinos e os últimos, como femininos. Tais distinções eram conhecidas em civilizações em todos os cantos da terra, e mitos relativos a números masculinos e femininos se mostraram notavelmente persistentes. O conceito de número inteiro é o mais antigo na matemática e sua origem se perde nas névoas da antiguidade pré-histórica. A noção de fração racional, porém, surgiu rela- tivamente tarde e em geral não estava relacionada de perto com os sistemas para os inteiros. Entre as tribos primitivas parece não ter havido praticamente nenhuma necessidade de usar frações. Para necessidades quantitativas o homem prático pode escolher unidades suficientemente pequenas para eliminar a necessidade de usar frações. Portanto não houve um progresso ordenado de frações binárias para quinárias para decimais, e as frações decimais foram essencialmente um produto da idade moderna da matemática, não do pertodo primitivo. Afirmações sobre as origens da maternática, seja da aritmética seja da geometria, são necessariamente arriscadas, pois os primórdios do assunto são mais antigos que à arte de escrever. Foi somente nos últimos seis milênios, numa carreira que pode ter co- berto milhares de milênios, que o homem se mostrou capaz de por seus registros e pen- samentos em forma escrita, Para informações sobre a pré-história dependemos de inter- pretações bassadas nos poucos artefatos que restaram, de evidência fornecida pela moderna antropologia, e de extrapolação retroativa, conjetural, a partir dos documentos que so- breviveram. Heródoto e Aristóteles não quiseram se arriscar a propor origens mais antigas que a civilização egípcia, mas é claro que a geometria que tinham em mente tinha raizes mais antigas. Heródoto mantinha que a geometria se originava no Egito, pois acreditava que tinha surgido da necessidade prática de fazer novas medidas de terras após cada inundação anual no vale do rio. Aristóteles achava que a existência no Egito de uma classe sacerdotal com lazeres é que tinha conduzido ao estudo da geometria. Podemos consi- derar as idéias de Heródoto e Aristóteles como representando duas teorias opostas quanto às origens da matemática, um acreditando que a origem fosse a necessidade prática, outro que a origem estivesse no lazer sacerdotal é ritual. O fato dos geômetras egípcios serem às vezes chamados “estiradores de corda” (ou agrimensores) pode ser tomado como apoio de qualquer das duas teorias, pois cordas eram indubitavelmente usadas tanto para traçar as bases de templos como para realinhar demarcações apagadas de terras. Não podemos contradizer com segurança nem Heródoto nem Aristóteles quanto à mo- tivação que produziu a matemática, mas é claro que ambos subestimaram a idade do assunto. O homem neolítico pode ter tido pouco lazer e pouca necessidade de medir terras, porém seus desenhos e figuras sugerem uma preocupação com relações espaciais que abriu caminho para a geometria. Seus potes, tecidos e cestas mostram exemplos de Eiveja A. Seidenberg “The Ritual Origin of Counting”, Archive Jor History of Exact Sciences, 2 (1962), 140 4 História da matemática Figura 1.1 /N congruência e simetria, que em essência são partes da geometria elementar. Além disso sequências simples em desenhos como os da Fig. 141 sugerem uma espécie de teoria dos grupos aplicada bem como proposições geométricas e aritméticas. O esquema torna evidente que as áreas dos triângulos estão entre sí como os quadrados sobre um lado, ou, por contagem, que as somas de números ímpares consecutivos, começando com a unidade, são quadrados perfeitos. Para o periodo pré-histórico não há documentos, portanto é impossivel acompanhar a evolução da matemática desde um desenho específico até um teorema familiar. Mas idéias são como sementes resistentes, e às vezes a origem presumida de um conceito pode ser apenas a reaparição de uma idéia muito mais antiga que ficara esquecida. , = . l A preocupação do homem pré-histórico com configurações e relações pode ter origem em seu sentimento estético e no prazer que lhe dava a beleza das formas, motivos que muitas vezes propelem a matemática de hoje. Gostaríamos de pensar que ao menos alguns dos antigos geômetras trabalharam pela pura satisfação de fazer matemática, não como auxílio prático à mensuração; mas há outras alternativas. Uma É que a geometria, como a contagem, tivesse origem em rituais primitivos. Os mais antigos resuitados geo- métricos encontrados na índia formam o que se chamou os Suivasutras, Ou “regras da corda”. Tratava-se de relações simples que aparentemente se aplicavam à construção de templos e altares. Pensa-se usualmente que a motivação geométrica dos “estiradores de corda” no Egito era mais prática do que a dos seus colegas na Índia; mas sugeriu-se que tanto a geometria da Índia como a egípcia podem provir de uma fonte comum — uma protogeometria relacionada com ritos primitivos mais ou menos do modo como a ciência se desenvolveu a partir da mitologia e a filosofia da teologia. Devemos ter em mente que a teoria da origem da geometria numa secularização de práticas rituais não está de modo nenhum provada. O desenvolvimento da geometria pode também ter sido estimulado por necessidades práticas de construção e demarcação de terras, ou por sentimentos estéticos em relação a configurações e ordem. Podemos fazer conjeturas sobre o que levou os homens da Idade da Pedra a contar, medir, é desenhar. Que os começos da matemática são mais antigos que as mais antigas civilizações é claro. Ir além e identificar categori- camente uma origem determinada no espaço e no tempo, no entanto, é confundir con- jetura com história. É melhor suspender a julgamento nessa questão e ir adiante, ao terreno mais firme da história da matemática encontrada em documentos escritos que chegaram até nós. BIBLIOGRAFIA Conant, Levi, The Number Concept. fts Origin and Development (New York: Macmillan, 1923) Eels, W. C., “Number Systems of North American Indians," American Mathematica! Monthtfy, 20 (1913), 293 Kalmus, H., “Animais as Mathematicians,” Nasure, 202 (1964), 1156-1160 = . Menninger, Karl, Zahiwort und Ziffer: Eine Kuiturgeschichte der Zahlen, 2º edição (Gúttingen: Vande- nhoeck & Ruprecht, 1957-1958, 2 volumes) Seidenberg, A., "The Ritual Origin of Geometry,” Archive for History of Exact Sciences, 1 (1962), 488-527 Seidenberg, A., “The Ritual Origin of Counting," Archive for History of Exact Sciences, 2 (19H62), 1-40 Smelizer, Donald, Man and Number (New York: Emerson Books, 1958) LIA, Seidenberg, “The Ritual! Origin of Geometry”, Archive for History of Exact Sciences, 1962), 48288-527 Origens primitivas 5 Smith, D. E., History of Mathematics (Boston: Ginn, York: Dover, 1958) Smith, D. E., e Jekvthiel Ginsburg, Numbers amd Numerais (Washington, D. C.: National Council of Teachers of Mathematics, 1958). Struik, D. 1, “Stone Age Mathematios,” Scientific American, 179 (Dezembro, 1948), 44-49 1923-1925, 2 volumes; edição em brochura, New EXERCÍCIOS 1. Descreva o tipo de evidência em que um relato da matemática pré-histórica pode se basear, citando exemplos específicos. 2. Que provas existem, se é que existem, de que a matemática começou com q advento do homem? Você acha que a matemática é anterior ao homem? 3. Faça uma lista de evidências na lin de dez. 4. Quais as vantagens e desvantagens das bases dois, três, quatro, cinco, dez, vinte e sessenta? Você acha que isso influenciou o homem primitivo em sua escolha de uma base? 5. Se você tivesse que escolher uma base de numeração, qual seria? Por quê? &. O que acha que surgiu primeiro, nomes para números ou símbolos para números? Por quê ? 7. Por que há poucos vestígios de escalas de seis a nove? &. Quais você julga terem sido as primeiras fi consciartemente e sistamaticamente? Por quê? 3. O que você julga ter influido mais no aparecimento astronomia pu necessidade de demarcar terras? Exptiqua. 10. Qual das seguintes divisões do tempo à homem o ano. O mês, a semana, o dia, 3 hora? Explique. guagem do uso, em certo periodo, de bases diferentes guras geométricas planas e sólidas estudadas da geometria primitiva, interesse pela pré-histórico provavelmente mais observou: 6 História da matemática Capitulo 2 Egito Sesástris. .. repartiu o solo do Egito entre seus habitantes . E Se o rio levava qualquer parte do lote de um homem . 0 rei mandava pessoas para examinar, e determinar por medida a ex- tensão exaia da perda... Por esse costume, eu creio, que a geo- metria veio a ser conhecida no Egito, de onde passou para à Grécia. Heródoto i iodos, com particular ividi o da humanidade em eras e per , É costume dividir o passad iade em eras € pé ter terência a níveis e características culturais. Tais divisões são uteis, embora devamos ter compre em mente que são apenas uma estrutura superposta arbitrariamente para n ' conveniência e que as divisões no tempo que sugerem não são fossos nrsponve . À Idade da Pedra, um longo periodo que precede o uso de metais, não teve um m a rupto. Há . - Na verdade, o tipo da cultura que representou terminou muito mais tarde na uropa so em certas partes da Ásia e da África. O surgimento de civilizações caracterizadas or ig imei i o os do Egito, Mesopo , i ro em vales de rios, com uso de metais teve lugar primei lesor Podia e China; por isto nós designaremos a parte mais antiga do periodo mistórico pro ' ' . r a = 1 nos va “ i “ istros cronológicos das civilizações nome de “estágio potâmico”, Os reg rios Indo e Yang-tse não merecem confiança, mas dispomos de informação o Toro : i i te fértil dos rios [ eram ao longo do Nilo & no crescen segura sobre 05 povos que viv pera E DSO ilênio A. C. uma forma primitiva de escrt e Eufrates. Antes do quarto milênio rir ático dos i Nilo. Lá os primitivos registros pictog . tanto no vale mesopotâmio como no Nil um processo de gradual convencionalização, evoluiram para uma ordem irear de simbolos i ma is si e o barro era abundante, marcas em To mais simples. Na Mesopotâmia, ond cs eram feitas com um estilete sobre tabletas moles que depois eram cozidas em fornos UIngÃoRS: EP: 4 EO” > SP caps | FIO e dd AN o 4) Pia tlo4 NI | = VitincaR HH ma Pt E iuine 3 qua am | 1 1. UNB EM Upa Já miIIZEA Reprodução (ao) de uma parte do Papiro de Moscou mostrando q problema do volume de um tronco de pirâmide quadrada, juntamente com a transcrição hieroglífica (abaixo) Egiw 7 especial para frações unitárias — isto é, com numerador um. O reciproco de qualquer inteiro era indicado simplesmente colocando sobre a notação para o inteiro um sinal oval alongado. A fração 1/8 aparecia então como af , 8 1/20 como ín. Na notação hie- rática, dos papiros, o oval alongado é substituído por um ponto, colocado sobre a cifra para O inteiro correspondente (ou sobre a cifra da direita no caso do reciproco de um número multidígito). No Papiro Ahmes, por exemplo, a fração 1/8 aparece como == e 1/20 como. Tais frações eram manipuladas livremente no tempo de Ahmes, mas a fração geral parece ter sido um enigma para os egípcios. Eles se sentiam à vontade com a fração 2/3, para a, qual tinham um sinal hierático 2-.; ocasionalmente usavam sinais especiais para frações da forma n/(n + 1), os complementos das frações unitárias. Atribulam à fração 2/3 um papel especial nos processos aritméticos de modo que para achar o terço de um número primeiro achavam os dois tarços e tomavam depois a metada disso. Co- nheciam e usavam o fato de dois terços da fração unitária 1/p ser a soma de duas frações unitárias 1/2p e 1/6p; também tinham percebido que o dobro da fração 1/2p é a fração 1/p. No entanta, parece que tirando a fração 2/3, os egípcios consideravam a fração racional própria geral da forma m/n não como uma “coisa” elementar, mas como parte de um processo incompleto. A fração 3/5, pata nós uma única'fração irredutível, era pensada pelos escribas egípcios como soma de três frações unitárias 1/3 e 1/5 e 1/15. Para facilitar a redução de frações próprias “mistas” à soma de frações unitárias, o Papiro de Rhind começa com uma tabela fornecendo 2/1 como soma de frações unitárias, para todos os valores ímpares de n de 5 a 101. O equivalente de 2/5 é dado como 1/3 mais 1/15; 2/1 é escrito como 1/6 mais 1/66; e 2/15 é expresso como 1/10 mais 1/30. O último item da tabela decampõe!*! 2/10 em 1/101 mais 4/202 mais 1/303 mais 1/606. Não se percebe por que uma forma de decomposição era preferida a outra, dentre a infinidade possível. Sugeriu-se que alguns dos itens na tabela para 2/n eram obtidos usando a equi- valente da fórmula 2.1 + 2; ara ) n+7 n(n+71) ; 2 2 ou de 2 . 1 , 1 Pq pºiS q? 2 2 Porém, nenhum desses processos fornece a combinação para 2/15 que aparece na tabela, Recentemente foi sugerido !ºi que a escolha na maior parte dos casos era ditada pela preferência dos egípcios pelas frações derivadas das frações “naturais” 1/2 e 1/3 e 2/3 por sucessivas divisões ao meio. Assim quando elas querem exprimir 2/15 como soma de frações unitárias, podem bem começar por tomar a metade de 1/15 e depois vsr se ao resultado 1/30 eles podem somar uma fração unitária para formar 2/15; ou poderiam usar a relação conhecida 211 N 1 3 p 2p 6p para chegar ao mesmo resultado 2/15 = 1,10 + 1/30. Um problama no Papiro de Rhind menciona especificamente € segundo método para achar dois terços de 1/5 e afirma que se procede de modo seme:hante com outras frações. Passagens como essa indicam que os egípcios tinham algume percepção de regras gerais e métodos de alcance mais amplo Sima lista de decompc. ções de 2/m desde m — 5 até n — 101 é dada em B. L. van der Waerden, Science Awakening (196!) e ev Kurt Vogel, Forgriechische Mathemarik, Vol. |, Forgeschichte und Agypten (por volta de 1958). Uma cl="a explicação das frações egípcias aparece também em O. Neugebauer, The Exact Sciences im Antiguity. +: três obras contêm excelentes exposições sobre a matemática egípcia ioMVeja Neugebauer, Exrct Sciences im Antiquity, pp. 74 e seguintes 10 História da matemática que O caso específico tratado, e isso representa um passo importante no desenvolvimento da matemática. Para a decomposição de 2/b o processo de dividir ao meio é inadequado; mas começando com um terço de 1/5 encontra-se a decomposição dada por Ahmes, 2/5 = 1/3 + 1/15. No caso de 2/7 aplica-se duas vezes a divisão por dois a 1/7 para obter o resultado 2/7 = 1/4 + 1/28; sucessivas divisões por dois fornecem também a decomposição de Ahmes 2/13 =1/8+ 1/52 41/1084. A obcessão egípcia com dividir por dois e tomar a terça parte se percebe no último caso da tabela 2/n para 9 = 101, pois não é nada claro porque a decomposição 2/n = 1/n + 1/2n+1/3n+1/2-3-n é melhor que 1/n + 1/n. Talvez um dos objetivos da decomposição de 1/29 fosse chegar a frações unitárias menores que 1/n. A tabela para 2/n no Papiro Ahmes é seguida de uma curta tabela para n/10 para n entre 1 e 9 as frações sendo novamente expressas em termos das favoritas — frações unitárias e a fração 2/3. A fração 9/10, por exemplo, é decomposta como 1/30 mais 1/5 mais 2/3. Ahmes tinha começado sua obra garantindo que ela forneceria um “estudo completo e minucioso de todas as coisas... e o conhecimento de todos os segredos”, e por isso a parte principal do material que se segue às tabelas para 2/n e n/10 consiste de oitenta e quatro problemas sobre questões variadas. Os seis primeiros requerem a divisão de um ou dois ou seis ou sete ou oito ou nove pães entre dez homens, e o escriba usa a tabela para n/10 que acabou de dar. No primeiro problema o escriba tem um tra- balho considerável para mostrar que está correto dar a cada homem um décimo de um pão. Se um homem recebe 1/10 de um pão, dois homens receberão 2/10 ou 1/5 e quatro receberão 2/5, ou seja, 1/3 + 1/15 de um pão. Portanto cito homens receberão 2/3 Ay, ou 2/3 + 1/10 + 1/30 de um pão, e oito homens mais dois homens terão 246)* 1/6+ + 1/10 + 1/30, ou um pão inteiro. Áhmes parece ter tido alguma espécie de equivalente de nosso minimo múltiplo comum, que lhe permitiu terminar a demonstração. Na divisão de seta pães por dez homens, o escriba poderia ter escolhido 1/2 + 1/5 de pão para cada um, mas a predileção por 2/3 levou-o a 2/3 mais 1/30 de pão para cada um”! A operação aritmética fundamental no Egito era a adição, e nossas operações de multiplicação e divisão eram efetuadas no tempo de Ahmes por sucessivas “duplações”. Nossa palavra “multiplicação”, na verdade, sugere O processo egípcio. Uma multiplicação de, digamos, 69 por 19 seria efetuada somando 69 com ele mesmo para obter 138, depois adicionando a si próprio para alcançar 276, novamente duplicando para obter 552 e mais uma vez, dando 1 104, que é, naturalmente, dezesseis vezes 69, Como 19=18+2+1, o resultado da multiplicação de 89 por 19 é 1104 +138+ 69 — isto é 1311. Ocasio- nalmente usava-se também uma multiplicação por dez, pois isto é natural na notação higroglifica decimal. Multiplicação de combinações de frações unitários também era parte da aritmética egípcia. O Prob. 13 no Papiro Ahmes, por exemplo. pede o produto de 1/16 + 1/112 por 1+1/2+ 1/4; 0 resultado 1/B é achado corretamente. Para a divisão, inverte-se o processo de duplicação, e o divisor é dobrado sucessivamente, em vez do multiplicando. Que os egípcios tinham alcançado grande vimtuosidade na aplicação do processo de duplicação e do conceito de fração unitária É evidente pelos cálculos nos problemas do Papiro Ahmes. O Prob. 70 requer o quociente da divisão de 100 por 7+1/2+1/4+ 1/8; 0 resultado, 12 + 2/3+ 1/42 + 1/126 é obtido assim: dobrando o divisor sucessivamente, primeiro obtemos 15 + 1/2 + 1/4, depois 31 + 1/2, e finalmente 63, que é oito vezes o divisor. Alêm disso, dois terços do divisor sabe-se dar 5 + 1/4. Por- tanto q divisor, quando multiplicado por 8 + 4 + 2/3 dará 99 3/4, faltando 1/4 para O produto 100 que se quer. Aqui um ajuste inteligente é feito. Como oito vezes q divisor dá 63, resulta que à divisor quando multiplicado por 2/63 produzirá 1/4. Da tabela para 2/n sabe-se que 2/63 é 1/42 + 1/128, portanto o quociente procurado é 12+ 2/3+ + 1/42 + 1/126. Incidentalmente, esse processo usa a comutatividade da rmultiplicação, princípio evidentemente familiar aos egípcios. CiPara mais detalhes, veja RJ. Gillngs “Probiems 1 to 6 of the Rhind Mathematical Papyrus”, The Marhemutics Teacher, 55 (1962), 61-69 Egito 11 Muitos dos problemas de Ahmes mostram conhecimento de manipulações equiva- lentes à regra de três. O problema 72 pergunta qual 0 número de pães de força 45 que são equivalentes a 100 de força 10, e a solução é apresentada coma 100/10 x 45 ou A5O pães. Nos problemas sobra pães ou cerveja a força Ou pesu é o inverso da densidade de grão, sendo o quociente do número de pães ou de unidades de volume dividido pela quantidade de grão. São numerosos os problemas sobre pães e cerveja no Papiro Ahmes. Q Prob. 63, por exemplo, pede que sejam repartidos 700 pães entre quatro pessoas, sendo que as quantidades que devem receber estão na proporção prolongada 2/3:1/2:1/3:1/4. A solução é encontrada fazendo o quociente de 700 pela soma das frações na proporção. Nesse caso o quociente de 700 por 1 3/4 é encontrado multiplicando 700 pelo reciproco do divisor, que é 1/2 + 1/14. O resultado é 400; calculando 2/3 e 1/28 1/3 e 1/4 disto são obtidas as parcelas de pão requeridas. Os problemas egipcios descritas até agora são de tipo digamos, aritmético, mas há outros que merecem a designação de algébricos. Não se referem a objetos concretos, específicos, como pães e cerveja, nem exigem operações entre números conhecidos. Em vez disso, pedem o que equivale a soluções de equações lineares, da forma x + ax = & ou x+ax+ bx=c onde ab ec são conhecidos e x é desconhecido. À incógnita é cha- mada de “aha”. O Prob. 24, por exemplo, pede o vator de aha sabendo que aha mais um sétimo de aha dá 19. A solução de Ahmes não é a dos livros modernos, mas é característica de um processo conhecido como “método de falsa posição”, ou “regra de falso”. Um valor específico, provavelmente falso, é assumido para aha, e as operações indicadas à esquerda do sinal de igualdade são efetuadas sobre esse número suposto. O resultado é então comparado com o resultado que se pretende, e usando proporções chega-se à res- posta carreta. No problema 24 o valor tentado para a incógnita é 7, de modo que x + 1/7 x é 8, em vez de 19 como se queria Como 8B(2 + 1/4 + 1/8) = 19, deve-se multiplicar 7 por2+ 1/4 + 1/8 para obter a resposta: Ahmes achou 16 + 1/2 + 1/8. Então conferiu sua resposta mostrando que se a 16+ 1/2 + 1/8 somarmos um sétimo disto (que é 2+ 1/4 + 1/8) de fato obteremos 19. Aqui notamos outro passo significativo no desen- volvimento da matemática, pois a verificação é um exemplo simples de prova. Embora o método de falsa posição fosse o geralmente usado por Ahmes, há um problema (Prob, 30) em que a equação x + 2/3 x +1/2x+1/7x=37 é resolvida fatorando o primeiro mem- bro e dividindo 37 por 1 + 2/3 + 1/2 + 1/7, o resultado sendo 16 + 1/56 + 1/679 + 1/776. Muitos dos cálculos com “aha” no Papiro de Rhind são evidentemente exercícios para javens estudantes. Embora uma grande parte deles seja de natureza prática, em algumas ocasiões o escriba parece ter tido em mente enigmas ou recreações matemáticas. Assim o Prob. 72 cita apenas “sete casas, 49 gatos, 343 ratos, 2401 espigas de trigo, 16 807 hecates”. É presumível que o escriba estava tratando de um problema, talvez bem conhecido, em que em cada uma das sete casas havia sete gatos, cada um deles come sete ratos, cada um dos quais havia comido sete espigas. cada uma delas teria produzido sete medidas de grão. O problema evidentemente não pedia uma resposta prática, que seria O número de medidas de grão poupadas, mas a não-prática soma dos números de casas, gatos. ratos, espigas e medidas de grão. Este divertimento no Papiro de Ahmes parece um antepassado do versinho infantil: Quando ia a Sto. ives, encontrei um homem com sete mulheres: cada mulher tinha sete sacos, cada saco tinha sete gatos, cada gato tinha sete gatinhas. Gatinhos, gatos, sacos e mulheres, quantos iam a Sto. Ives ?!'! (HAs 1 was going to St. Ives/I met a man with seven wives:/Every wife had seven sacks, / Every sack had seven cais, Every cal had seven kits. / Kits, cats, sacks, and wives, /How many were going to St. Eves? 12 História da matemática 7 O historiador grego Heródoto nos diz que o apagamento das demarcações pelas inundações do Nilo tornou necessários os mensuradores. Os conhecimentos dos “esti- radores de corda” egípcios eram evidentemente admirados por Demócrito, um matemático de competência e um dos fundadores de uma teoria atômica, e hoje suas realizações parecem ser demasiado valorizadas, em parte em consequência da precisão admirável da construção das pirâmides. Diz-se frequentemente que os egípcios antigos conheciam o teorema de Pitágoras, mas não há traço disto nos papiros que chegaram aié nós. Há no entanto alguns problemas geométricos no Papiro Ahmes. O Prob. 51 mostra que a área de um triângulo isósceles era achada tomando a metade do que chamariamos base e multiplicando isso pela altura. Ahmes justífica seu método para achar a área sugerindo que o triângulo isósceles pode ser pensado como dois triângulos retângulos, um dos quais pode ser deslocado de modo que os dois juntos formam um retângulo. O trapézio isásceles é tratado de modo semelhante no Prob. 52, em que a base maior é 6, a menor é 4, e a distância entre elas é 20. Tomando a metade da soma das bases, “de modo a fazer um retângulo", Ahmes multiplica isso por 20 para achar a área. Em transformações como essa, em que triângulos e trapézios isósceles são transformados em retângulos, vemos q início de uma teoria de congruências e da idéia de prova em geometria, mas os egípcios não foram além. Uma deficiência séria em sua geometria era a falta de uma distinção claramente estabelecida entre relações que são exatas e as que são apenas aproximações. Um documento de Edfu que se preservou, datando de cerca de 1 500 anos depois de Ahmes, dá exemplos de triângulos, trapézios, retângulos, e quadriláteros mais gerais; a regra para achar a área do quadrilátero geral é fazer o produto das medidas aritméticas de lados opostos. Imprecisa como é a regra, o autor do documento deduziu dela um corolário — que a área do triângulo é a metade da soma de dois lados multiplicada pela metade do terceiro lado. Este é um notável exemplo de busca de relações entre figuras geométricas, bem como de uso do conceito de zero como substituto de uma grandeza na geometria.- À regra egipcia para achar a área dó -cirgulo tem sido considerada um dos maiores sucessos da época. No Prob. 50 o escriba Ahmes assume que a área de um campo circular com diâmetro de nove unidades é a mesma de um quadrado com lado de oito unidades, Comparando com a fórmula moderna 4 = «+? vemos que a regra egipcia equivale apro- ximadamente a atribuir a 7 q vator 3 1/6 uma aproximação bastante elogiável; mas no- vamente não há sinal de que Ahmes soubesse que as áreas de seu circulo e seu quadrado não eram exatamente iguais. É possível que o Prob. 48 dê alguma sugestão sobre como os egípcios chegaram à sua área do circulo. Nesse problema o escriba formou um octógono a partir de um quadrado de lado nove unidades dividindo os lados em três e cortando os quatro triângulos isósceles dos cantos, cada um tendo área 4 1/2 unidades. À área do octógono, que não difere muito da de um círculo inscrito no quadrado, é sessenta e três unidades, O que não está longe da área do quadrado com lado de cito unidades. Que o número 4(8/9)? desempenhava papel comparável ao de nossa constante x parece ser confirmado pela regra egípcia para calcular a circunferência do circulo, segundo a qual a razão da área de um circulo para a circunferência é igual à da área do quadrado cir- cunscrito para seu perimetro. Essa observação representa uma relação geométrica muito mais precisa e matematicamente significativa do que a aproximação relativamente boa para x. O grau de precisão na aproximação não é afinal, uma boa medida das realizações matemáticas ou arquitetônicas, e não devemos dar ênfase demais a esse aspecto da obra dos egípcios. À percepção de inter-relações entre figuras geométricas, revelada pelos egípcios, foi, de outro lado, muito frequentemente esquecida. No entanto, é aqui que eles mais se aproximaram da atitude de seus sucessores, 0s gregos. Não se conhece teorema ou demonstração formal na matemática egípcia, mas algumas comparações geométricas feitas no vate do Nilo, como essas sobre perímetros e áreas de círculos e quadrados, estão entre as primeiras afirmações precisas da história, referentes a figuras curvilineas. q... O Prob. 56 do Papiro de Rhind tem especial interesse por conter rudimentos de trigonometria e uma tegria de triângulos semelhantes. Na construção de pirâmides era essencial manter uma inclinação constante das faces e pode ter sido essa preocupação Egito 13 semigirculo, e a obscuridade do texto permite oferecer interpretações ainda mais primitivas, inclusive a possibilidade de ser o cálculo apenas uma avaliação grosseira da área de um teio de celeiro em forma de cúpula. De qualquer forma, parece que temos aqui uma esti- mativa primitiva da área de uma superficie curva. Durante muito tempo se supôs que os gregos aprenderam os rudimentos de geometria com os egípcios, e Aristóteles arguiu que a geometria teria surgido no vale do Nilo porque lá os sacerdotes tinham o lazer necessário para desenvolver o conhecimento teórico. Que os gregos de fata emprestaram do Egito alguma matemática elementar é provável, pois o uso de frações unitárias persistiu na Grécia e em Roma até boa parte do período medieval, mas evidentemente a extensão desse empréstimo foi exagerada. O conhecimento revelado nos papiros é quase todo prático e o elemento principal nas questões eram cálculos. Quando parecem entrar elementos teóricos, o objetivo pode ter sido o de facilitar a técnica e não a compreensão. Mesmo a geometria egipcia, outrora louvada aparece na verdade mais como um ramo da aritmética aplicada. Onde entram relações de congruência ele- mentares, O motivo aparentemente é o de fornecer artifícios de mensuração e não o de conseguir melhor compreensão. As regras de cálculo raramente são motivadas e dizem respeito apenas a casos concretos específicos. Os papiros de Ahmes e Moscou, nossas principais fontes de informação, podem ter sido apenas manuais destinados a estudantes, mas indicam a direção e as tendências do ensino de matemática no Egito; outras evidências fornecidas por inscrições sobre monumentos, fragmentos de outros papiros matemáticos, e documentos de ramos aparentados da ciência servem para confirmar a impressão geral. É verdade que nossos dois principais papiros matemáticos são de época bastante antiga, mil anos antes do surgimento da matemática grega. mas a egípcia parece ter permanecido notavelmente uniforme durante sua longa história. Em todos os seus estágios, era cons- truída em torno da operação de adição, uma desvantagem que conferia aos cálculos dos egípcios um peculiar primitivismo, combinado com uma ocasional e assombrosa com- plexidade. O fértil vale do Nilo tem sido descrito como o mator oásis do mundo no maior deserto do mundo. Regado por um dos rios mais “bem-educados” do mundo e geo- graficamente protegido em larga extensão da invasão estrangeira, era um abrigo para um povo pacífico que levava uma vida calma e sem desafios. Q amor aos deuses benevolentes, o respeito à tradição, a preocupação com a morte e as necessidades dos mortos, tudo isso encorajou um alto grau de estagnação. A geometria pode ter sido uma dádiva do Nilo, como Heródoto acreditava, mas os egípcios pouco a aproveitaram. À matemática de Ahmes era a de seus antepassados e descendentes. Para realizações matemáticas mais pro- gressistas devemos examinar o vale fluvial mais turbulento conhecido como Mesopotâmia. BIBLIOGRAFIA Chace, A. B., L. 8. Bull, H. P. Manninge R.€, Archibald, eds. The RAind Mathematical Papvrus (Oberlin, Ohio, 1927-1929, 2 vols). Contém uma completa bibliografia de obras sobre a matemática egípcia publicadas no periodo de 1706 até 1927, bem como uma extensa exposição da matemática egipcia Gillings, R. 3., “Problems 1 tg 6 of the Rhind Mathematical Papyrus”, The Mashematics Teacher, 55 (1962), 61-69. Continuações se encontram em volumes posteriores do periódico . Guggenbuhl, Laura, “Mathematics in Ancient Egypt: À Checklist”, The Mathematics Teacher, 58 (1965), 6300-634 Neugebauer, O., Die Grundiagen der ágypiischen Bruchrechrung (Berlin: Springer, 1926) Neugebauer, O. The Exact Sciences in Antiguity, 2.º edição (Providence, R. L.: Brown University Press, 1957; edição em brochura New York; Harper Torchbook) Parker, R. À. The Calendars of Ancient Egypt (Chicago: University of Chicago Press, 1950) Struve, W. W., “Mathematischer Papyrus des Staatlichen Museuros der Schónen Kiúnste in Moskau”, Queilen and Studien zur Geschichte der Mathematik, Parte A, Quellen, | (1930) Yan der Waerden, B. L., “Die Entstebungsgeschichte der agyptischen Bruchrechnung”, Queilen und Studien zur Geschichte der Mathematik, Parte B, Studien, TV (1937-1938), 2359-382 Van der Waerden, B.L., Science Awakening, traduzido para o inglês por Arnold Dresden (New York: Oxford University Press, 1961; edição em brochura New York: Wiley, 1963) 18 História da matematica Vogel, Kurt, Forgricchische Mathemasik, Vol. 1, Forgeschichie und Agypien (edição em brochura, Hannover: Hermann Schroedel, por volta de 1958) Wheeler, Noel F., “Pyramids and Their Purpose,” Antiquity, 9 (1835), 5-21, 161-189, 292-304 EXERCÍCIOS 1. Descreva a evidência em que se baseia nossa avaliação da matemática egipcia. Você acha provável que isso seja modificado pela descoberta de novos documentos? Explique. 2. Você acha que a astronomia foi um fator mais importante que a demarcação de terra no surgimento da matemática egípcia? Explique. 3. Que significa esmologicamente a palavra “geometria”? O ust dessa palavra é justificável à luz da origem histórica do assunto? Explique. 4. Quais são, na sua opinião, as três mais importantes deficiências da matemática egípcia? Explique por que as considera as mais significativas. 5. Quais são, na sua opinião, as três mais importantes contribuições do Egito ao desenvol- vimento da matemática? Explique por que as considera importantes. 6. Escreva o número 7654 em forma hieroglífica egípcia. Em que difere isso do modo pelo qual Ahmes escrevia esse número? 7. Exptima 2/103 como soma de duas frações unitárias diferentes, e escreva-as em notação hieroglifica egípcia. Em que a forma hierática difere dessa ? 8. Resolva pelo método da falsa posição a equação x + 1/2 x — 16. (Esse é o Prob. 25 nó Papiro Ahmes.) 9. Resolva o seguinte problema do Papiro Ahmes (Prob. 40): Divida cem pães entra cinco homens de modo que as partes estejam em progressão aritmética e que a sétima parte da soma das três partes maiores seja Igual à soma das duas menores. 10. Resolva à maneira egipcia as equações simultâneas x* + y? = 100, y = 3x/4, tiradas de um papiro de Berlim do antigo Egito. (Use o método de “dupla falsa”, começando com um valor su- posto para x, calculando o y correspondente pela segunda equação, e ajustando os valores de modo a satisfazer a primeira.) 14. Por duplicação e mediação (sucessivas multipicações e divisões por dois) ache 101 +16, exprimindo o resultado em hieroglifos egipcios. 12. Ache algebricamente a fórmula egípcia para O volume do tronco de pirâmide quadrada, a partir da fórmula para volume da pirâmide, usando proporções conhecidas da geometria elementar. Você acha que os egípcios poderiam ter encontrado sua fórmula desse modo? Explique. 13. Até que ponto é correto dizer que os egípcios conheciêm a área do círculo? Explique cla- ramente. 14. Por que você acha que os egipcçios preferiam a decomposição 2/15 = 1/10 + 1/30 à alter- nativa 2/15 = 1/12 + 1/20? 15. Mostre que se n é um múltiplo de três, 2/1 pode ser decomposto na soma de duas frações unitárias, uma sendo a metade de 1/n. 16. Mostre que se n é múltiplo de cinco, 2/n pode ser decomposto na soma de duas frações unitárias, uma sendo um terço de 1/n. 97. Justifique o método de resolução usado por Ahmes no Prob. 63, (Ver texto.) 18. Justifique o fato de Ahmes assumir que a razão da área do circulo para sua circunferência é iguat à razão da área do quadrado circunscrito para o perímetro desse quadrado. 19. Se o segt de uma pirâmide é 5 palmos (ou mãos) e 1 dedo por cúbito, e se o lado da base é 140 cúbitos, qual é a altura? (Prob. 57 no Papiro Ahmes.) Hã cinco dedos nur palmo. 20. Use o método egipcio de divisão para resolver o seguinte problema do Papiro Ames (Prab. 31): Uma quantidade e seus dois terços, sua metade e seu um sétimo juntos fazem 32. Ache essa quantidade. [À resposta dada é 14 + 1/4 + 1/56 + 1/97 + 1/194 + 1/88 + 14679 + 1/7766] Egito 17 capítulo 3 Mesopotâmia Quanto um deus está além de outro deus? De um texto astronômico babilônico antigo. O quarto milênio antes de nossa era foi um periodo de notável progresso cultural trazendo o uso da escrita, da roda, é dos metais. Como no Egito durante a primeira dinastia, que começou pelo fim desse maravilhoso milênio, também no vale mesopotâmio havia por essa época uma civilização de alto nível. Ali os sumérios tinham construído casas e templos decorados com cerâmica e mosaicos artísticos em desenhos geométricos. Go- vernantes poderosos uniram os principados locais num império que realizou vastas obras públicas, como um sistema de canais para irrigar a terra é controlar as inundações. Õ relato biblico da inundação no tempo de Noé tem uma contrapartida mais antiga na lenda relativa ao herói sumeriang Utnapischtun e a inundação da região entre os rios Tigre e Eufrates, onde o fluxo dos rios era imprevisível, ao contrário do que ocorria no Nilo. À Bíblia nos diz que Abraão vinha da cidade de Ur, um aldeamento sumério onde o Eufrates desaguava no Golfo Pérsico, pois nessa época os rios não se reuniam como agora, antes de chegar ao Golfo, O tipo de escrita cuneiforme desenvolvido pelos sumérios durante O quarto milênio, muito antes dos dias de Abraão, pode ser a mais antiga forma de comu- nicação escrita, pois provavelmente é arterior à hieroglífica egípcia, que pode derivar dela. Embora nada tenham em comum, é uma coincidência interessante que as origens da escrita e dos veículos com rodas sejam aproximadamente contemporâneas. As civilizações antigas da Mesopotâmia são frequentemente chamadas babilônias, embora tal designação não seja inteiramente correta. A cidade de Babilônia não foi a prin- cipio, nem foi sempre em períodos posteriores, o centro da cultura associada com os dois rios, mas a convenção sancionou o uso informal do nome “babilônica” para a região durante o periodo de cerca de 2000 até aproximadamente 600 À. €. Quando em 538 A.C. a Babilônia toi dominada por Ciro da Pérsia, a cidade foi poupada mas o império babi- lônio terminou. A matemática “babilânia”, no entanto, continuou através do período selêucida na Síria, quase até o surgimento do cristianismo, Ocasionalmente a área entre os rios é também designada como Caldéia, porque os caldeus, provenientes do sul da Mesopotâmia, foram dominantes durante certo tempú, principalmente durante o fim do sétimo século A. C., em toda a região entre os rios. Então, como hoje, a Terra dos Dois Rios estava aberta a invasões de várias direções o que fazia do Crescente Fértil um campo de batalha, com a hegemonia mudando fregiientemente. Uma das invasões mais sig- nificativas foi a dos acadianos semíticos sob Sargão | (2276-2221 A. C. aproximadamente) ou Sargão, o Grande. Ele estabeleceu um império que se estendeu do Golfo Pérsico ao sul, até o Mar Negro ao norte e das estepes da Pérsia a leste, até O Mediterrâneo a oeste. Sob Sargão começou uma gradual absorção pelos invasores da cultura suméria indigena, inclusive da escrita cuneiforme. Invasões e revoltas posteriores trouxeram estirpes de várias raças — amoritas, cassitas, elamitas, hititas, assírios, medos, persas, € Outros — 0 poder político em épocas diversas, mas permaneceu um grau suficientemente alto de unidade cultural na área para que se possa chamar simplesmente de, mesopotâmica essa civilização. Em particular, o uso da escrita cuneiforme formou um forte laço. Leis, registros de impostos, estórias, lições de escola, cartas pessoais — tais coisas e muitas outras eram incisas em tabletas de barro mole com um estilete, e as tabletas eram então cozidas ao sol ou em fornos. Tais documentos, felizmente, eram muito menos vulneráveis aos estragos do tempo que os papíros egípcios: por isso se dispõe hoje de muito mais documentação 18 História da matemática sobre a matemática da Mesopotâmia que sobre a do Egito. S6 de um local, a área da antiga Nipur. temos umas 50 000 tabletas. As bibliotecas universitárias em Columbia, Pennsylvania e Yale, entre outras, têm grandes coleções de tabletas antigas da Mesopotâmia, algumas delas matemáticas. Apesar da quantidade de documentos disponíveis, no entanto, a escrita hieroglífica egipcia foi decifrada antes da cuneiforme, nos tempos modernos. Algum progresso na leitura da escrita babilônia tinha sido feito no começo do século dezenove por Grotefend, mas somente no segundo quarto do século vinte começaram a aparecer, nas histórias da antiguidade, exposições substanciais da matemática mesopotâmica! 1, O uso antigo da escrita na Mesopotâmia é atestado por centenas de tabletas de barro encontradas em Uruk e datando de cerca de 5 000 anos atrás. Por essa época a escrita tinha atingido o ponto em que formas estilizadas convencionais eram usadas para muitas coisas: = para água, o» para olho, e combinações dessas para indicar choro. Gradualmente o número de simbolos tornou-se menor, de modo que de uns 2 000 sím- bolos inicialmente usados só um terço restou ao tempo da conquista acadiana. Desenhos primitivos deram lugar a combinações de cunhas: água ficou | e alho ET-. A princípio o escriba escrevia do alto para baixo em colunas da direita para a esquerda; mais tarde, por conveniência, a tableta era girads de 90º em sentido anti-horário, e 6 escriba escrevia da esquerda para a direita em linhas horizontais de cima para baixo. O estilete, que ante- riormente fora um prisma triangular, foi substituído por um cilindro circular reto — ou antes, por dois de raios diferentes. Nos primeiros tempos, a ponta do estilete era apoiada verticalmente sobre o barro para representar dez unidades e obliquamente para uma usando o estilete menor; de modo análogo, uma impressão oblíqua com o maior indicava sessenta unidades e uma vertical indicava 3 600. Combinações dessas eram usadas para os números intermediários. Quando os acadianos adotaram a escrita suméria, léxicos foram compilados dando equivalentes nas duas línguas, e as formas das palavras e numerais se tornaram menos variadas. Milhares de tabletas do tempo da dinastia Hamurabi (1800-1600 A, €. aproxi- madamente) ilustram um sistema numérico que estava bem estabelecido. O sistema de- cimal, comum à maioria das civitizações tanto antigas quanto modernas, tinha sido sub- merso da Mesopotâmia sob uma notação que dava a base sessenta como fundamental. Muito se escreveu sabre Os motivos para essa mudança; sugeriu-se que considerações astronômicas podem ter sido determinantes ou que o sistema sexagesimal pode ter sido a combinação natural de dois mais antigos, um decimal outro em base seis. Parece mais provável, porém, que a base sessenta fosse adotada conscientemente e legalizada no interesse da metrologia, pois uma grandeza de sessenta unidades pode ser facilmente subdividida em metades, terços, quarios, quintos, sextos, décimos, dozeavos, qgiinzeavos vigésimos e trigésimos, fornecendo assim dez possíveis subdivisões. Qualquer que tenha sido a origem o sistema sexagesimal de numeração teve vida notavelmente longa, pois até hoje restos permanecem, infelizmente para a consistência, nas unidades de tempa e medida dos ângulos, apesar da forma fundamentalmente decimal de nossa sociedade. A numeração cuneiforme babilônia, para os inteiros menores, seguia as mesmas linhas que a hieroglifica egípcia, com repetições dos símbolos para unidades e dezenas. Se : , . « . . e o arquiteto egípcio, esculpindo na pedra escrevia cingúenta e nove como mao tit, o preriba mesopotâmio podia analogamente representar o mesmo número numa tableta de da por quatorze marcas em cunha — cinco cunhas jargas colocadas de lado ou “pa- nteses em ângulo”, cada um representando dez unidades, e nove cunhas verticais finas, cada uma valendo uma unidade, todas justapostas num grupo bem arrumado como E P A . . ara além do número cinglenta e nove porém, os sistemas egípcio e babilônio divergiam UN os : Scien Veja especialmente O. Neugebauer, The Exact Sciences in Antiquity (1957) e B. L. van der Waerden, ria Awakening (1961). Ver também O. Neugebaver e A. Sachs, Mathematica! Cuneiform Texts (Ame- Archibald a Pei am 29, 1945). Uma boa exposição auxiliar e mais referências se encontram em R. C “Oui . OS 1 €. supi 19) utline of the History of Mathematics”, (American Mathematical Monthly, 56, 1949, n.º 1, Mesopotâmia 19 majorante e um minorante para o recíproco do número irregular 7, colocando-o entre 0:8,34,16,559 e 0,8,34,18. Pensando no gosto deles por cálculos multiposicionais, é tantalizante não encontrar ima percepção da simples periodicidade de três posições na representação sexagesimal de 1/7, uma descoberta que poderia ter levado à consideração de séries infinitas. É claro que as operações aritméticas fundamentais eram tratadas pelos babilônios de modo não muito diferente do usado hoje, e com facilidade comparável. À divisão não era efetuada pelo incômodo processo de duplicação dos egípcios, mas por uma fácil multiplicação do dividendo pelo inverso do divisor, usando os itens apropriados nas tabelas. Ássim como hoje o quociente de 34 por 5 é achado facilmente multiplicando 34 por 2 e colocando virgula, na antiguidade o mesmo processo era realizado achando o produto de 34 por 12 e colocando uma casa sexagesimal, dando 6 48/60. Tabelas de reciprocos, em geral, forneciam os de números “regulares” apenas, isto é, os que são produtos de fatores dois, três e cinco, embora haja algumas exceções. Uma tabela contém as aproximações 1/59 =0,1,1,1 e 1/51 = 0:0,59,0,59. Aqui temos os análogos sexa- gesimais das expressões decimais 1/9 = 0,111 e 1/11 = 0,0909, frações unitárias em que o denominador é a base mais ou menos um; mas parece novamente que os babilônios não observaram ou pelo menos não consideraram significativas, as expansões infinitas periódicas nessa situação!!! Entre as tabletas babilônias encontram-se tabelas contendo potências sucessivas de um dado número, semelhantes às nossas tabelas de logaritmos, ou mais propriamente, de antilogaritmos. Tabelas exponenciais (ou togaritmicas) foram encontradas em que são dadas as dez primeiras potências para as bases 9,16, 1,40 e 3,45 (todos quadrados per- feitos). À questão posta num problema, a que potência deve ser elevado um certo número para fornecer um número dado, equivale à nossa, quai o logaritmo de um número dado num sistema com um certo número como base. As diferenças principais entre as tabelas antigas e as nossas, além de linguagem e notação, são que não é usado um número único, sistematicamente, como base em variadas situações e que as lacunas entre Os números que constam das tabelas anilgas são muito maiores que nas nossas. Também, suas “tabelas de logaritmos” não eram usadas para fins gerais de cálculo, mas para resolver certas questões bem específicas. Apesar das grandes lacunas em suas tabelas exponenciais, os matemáticos babilônios não hesitavam em interpolar por partes proporcionais para obter valores intermediários aproximados. À interpolação linear parece ter sido comumente usada na Mesopotâmia antiga, e a notação posicional é conveniente para a regra de três. Vê-se um exemplo claro do uso prático da interpolação em tabelas exponenciais num problema que pergunta quanto tempo levaria uma quantia em dinheiro para dobrar, a 20 por cento ao ano; a resposta dada é 3;47,13,20. Parece inteiramente claro que o escriba usou interpolação linear entre os valores para (1:12)! e (1,12)! usando a fórmula para juros compostos a=P(1 +49", onde * é 20 por cento ou 12/60, e tirando valores de uma tabela expo- nencial com potências de 1:12. Uma tabela que os babilônios achavam muito útil não é geralmente incluída nos manuais de hoje. É uma tabulação dos valores de nº? + nº para valores inteiros de n, tabela essencial na álgebra babilônia,; esse assunto atingiu nível consideravelmente mais alto na Mesopotâmia que no Egito. Muitos textos de problemas do periodo Babilônio antigo mostram que a solução da equação quadrática completa não constitufa dificuldade séria para os babilônios, pois tinham desenvolvido operações algébricas flexíveis. Podiam transportar termos em uma equação somando iguais a iguais, e multiplicar ambos os membros por quantidades iguais para remover frações ou eliminar fatores. Somando 428 a (a—b)? podiam obter (a + 5)?, pois muitas fórmulas simples de fatoração lhes eram familiares. Não usavam latras para quantidades desconhecidas, pois o alfabeto não fora inventado, mas palavras como “comprimento”, “largura”, “área” e “volume” serviam bem além das referências mencionadas na nota de rodapé 1 deste capítulo, veja também Kurt Vogel, Forgriechische Mathemarik, Vol. 11, Die Mathemarik der Babylonier (1959) 22 História da matemática nesse papel. Que tais palavras possam ter sido usadas num sentido abstrato é sugerido pelo fato de os babilônios não hesitarem em somar um “comprimento” com uma “área”, ou uma “área” com um “volume”. Tais problemas tomados literalmente, não podiam ter base em mensuração. o A álgebra egípcia tratara muito de equações lineares mas os babilônios eviden- temente as acharam demasiado elementares para merecer muita atenção. Um problema pede o peso x de uma pedra se (x + x/7) + (1/11) (x + x!7) é um mina; a resposta é dada simplesmente como 48;7,30 gin, onde 80 gin formam um mina. Em outro problema num texto da Babilônia antiga, achamos duas equações lineares simultâneas em duas incógnitas, chamadas respectivamente “primeiro anel de prata” e “segundo anel de prata”. Se as denotarmos por x e y, em nossa notação as equações são x/7 +y/11=1 e 6x/7 = 10/11. A resposta é dada laconicamente em termos da regra Ma LL TON 7ó7am 72 *o Mm Fam 7 Em outro par de equações o método de resolução está incluido no texto. Aqui 1/4 da largura + comprimento = 7 mãos e comprimento + largura = 10 mãos. À solução é achada primeiro substituindo cada “mão” por 5 “dedos” e então observando que uma largura de 20 dedos e um comprimento de 30 dedos satisfazem a ambas as equações. Em se- guida. porém, a solução é achada por um outro método equivalente a uma eliminação por combinação. Exprimindo todas as dimensões em termos de mãos, e fazendo com- primento e largura iguais a x € y respectivamente, as equações ficam y + 4x = 28 é x + y = 10. Subtraindo a segunda da primeira tem-se o resultado 3x = 18: daí x = 6 mãos ou 30 dedos e vy = 20 dedos. À solução de uma equação quadrática com três termos parece ter sido demasiado dificil para os egípcios, mas Neugebaver em 1930 revelou que tais equações tinham sido tratadas eficientemente pelos habilônios em alguns dos mais antigos textos de problemas. Por exemplo, um problema pede o lado de um quadrado se a área menos o lado dá 14,30. A solução desse problema, equivalente a resolver x? - x — 870 à expressa assim: Tome a metade de 1, que é 0:30, e multiplique 0,30 por 0,30, o que dá 0,15; some isto a 14,30, o que dá 14,30:15. Ista é o quadrado de 29,30. Agora some 0:30 a 29/30 e o resultado é 30, o lado do quadrado. A solução, é claro, equivale exatamente à fórmula x = ./ (p/2)) + g + p/2 para uma raiz da equação x? —- px = q-—a fórmula quadrática que qualquer aluno de ginásio conhece. Em outro texto a equação 11x? + 7x = 6;15 foi reduzida ao tipo padrão x? + px=g multiplicando primeiro tudo por 11, para obter (1tx)? + 7(11)x = 1,8:45. Essa é uma quadrática em forma normal para a incógnita y = 11x, e a solução para y é achada fa- cilmente pela regra familiar y = / (D/2)?+ q-—p/2 e dela se calcula o valor de x. Essa solução é um notável exemplo de uso de transformações algébricas. Até os tempos modernos não havia idéia de resolver uma equação quadrática da forma x? + px+ q=0, onde p é q são positivos, pois a equação não tem raiz positiva. Por isso as equações quadráticas na antiguidade e na Idade Média, e mesma no começo do período moderno, foram classificadas em três tipos 19) x +px=q. 2) x? = ox + q, 3) x2 + q = px. Todos esses tipos são encontrados em textos do periodo Babilônio antigo, de uns 4 000 anos atrás. Os dois primeiros estão exemplificados nos problemas dados acima; o terceiro aparece frequentemente em textos de problemas, onde é tratado como equivalente ao sistema simultâneo x + y =p. xy = q. Tão numerosos são os problemas em que sa pede achar dois números dados seu produto e ou suã soma ou sua diferença, que eles parecem Mesnpotâmia 23 ter sido para os antigos, tanto babilônios quanto gregos, uma espécie de forma “normal” à qual as quadráticas se reduzem. Então, transformando as equações simultâneas xy = & ex +vy=b no par de equações lineares x + y= bex+y=b4! + 4a,os valores de x e y são achados por uma adição e uma subtração. Uma tableta cuneifarme de Yale, nor exemplo, pede a solução do sistema x + y=6,30 e xy = 7:30. As instruções do escriba são essencialmente as seguintes. Primeiro ache MY 2345, depois x+yY ( 3 ) = 10:;33,45. Entã : ntão (Pg = 3,345 . (1 fm 1545 é USO uistis a E 4 (EE) rans-tias Das duas últimas equações é evidente que x = 5 e y = 1 1/2. Como as quantidades x e y entram simetricamente nas equações dadas, pode-se interpretar os valores de x e y como as duas raizes da equação quadrática x? + 7,30 = 6,30x. Qutro texto pergunta qual o número que somado com seu recíproco dá 2;0,0,33,20. Isso leva a uma equação quadrá- tica do tipo 3 e novamente temos duas soluções, 1:0,45 é 0:59,15,33,20. A redução babilônia de uma equação quadrática da forma ax* + bx=€c à forma normal y? + by = ac pela substituição y = ax mostra O grau extraordinário de flexibilidade da álgebra mesopotâmia. Essa facilidade, junto com a idéia de valor posicional, explica em grande parte a superioridade dos babilônios em matemática. Não há registro no Egito de resolução de uma equação cúbica, mas entre os babilônios há muitos exemplos. Cúbicas puras, como x* = (:7,30 eram resolvidas por referência direta às tabelas de cubos e raizes cúbicas, onde a solução x = 0,30 era encontrada. À interpolação linear dentro das tabelas era usada para achar aproximações para valores não constantes na tabela. As cúbicas mistas na forma padrão x” + x? = a esam resolvidas de modo semelhante, por referência às tabelas disponiveis, que davam valores para a combinação nº + nº para valores inteiros de n entre 1 e 30. Com a ajuda dessas tabelas viam facilmente que a solução, por exemplo, de x! + x? = 4,12 é igual à 6. Para casos ainda mais gerais de equações de terceiro grau, como 144x) + 12x? = 21, os babilônios usavam seu método de substituição. Multipli- cando ambos os membros por 12 e usando y = 12x, a equação fica y* + y? = 4,12, da qual se acha y = 6, donde x é 1/2 ou 0,30. Cúbicas da torma ax? + bx? = € são redutíveis à forma babilônia normal multiplicando tudo por a7/4? para obter (ax/b)* + (ax/b)? = = ca!/b*, cúbica do tipo padrão na incógnita ax/b. Lendo na tabela o valor dessa incógnita, determina-se o valor de x. Se os babilônios eram ou não capazes de reduzir a cúbica geral de quatro termos ax? + bx? + ex =d à sua forma normal, não se sabe. Que não é de- masiado improvável que pudessem reduzi-la é indicado pelo fato de que basta a resolução de uma quadrática para levar a equação em quatro termos à forma em três termos px) + qx* = +, da qual, como vimos, se obtém facilmente a forma normal. Não há porém evidência que sugira que os matemáticos mesopotâmios de fato realizaram tal redução da equação cúbica geral. 24 História da matemática A solução de equações quadráticas e cúbica na Mesopotâmia é um feito notável, admirável não tanto pelo alto nível de habilidade técnica quanto pela maturidade e fle- xibilidade dos conceitos algébricos envolvidos. Com o simbolismo moderno é fácil ver que (ax)? + (ax)? = b é essencialmente o mesmo tipo de equação que y* + y? = 4: mas reconhecer isso sem nossa notação é uma realização de significado muito maior para o desenvolvimento da matemática que atê o louvado princípio posicional na aritmética, que devemos à mesma civilização. A álgebra babilônia tinha atingido um tal nivel de abstração que as equações ax! + bx? = ce ax* + bx' = € eram reconhecidas como sendo apenas equações quadráticas disfarçadas — isto é, quadráticas em x? e x*. As realizações dos babilônios no domínio da álgebra são admiráveis, mas os motivos que impulsionaram essa obra não são fáceis de entender. Era suposição comum que virtualmente toda a ciência e a matemática pré-helênicas eram puramente utilitárias; mas que espécie de situação da vida real na Babilônia antiga podia levar a problemas envol- vendo a soma de um número e seu recíproco, ou a diferença entre uma área e um com- primento? Se o motivo era utilitário, então o culto do imediatismo era menos forte que hoje, pois conexões diretas entre q objetivo é a prática na matemática babilônia não são nada aparentes. Que pode ter havido tolerância para com a matemática por si mesma, se não encorajamento, é sugerido por uma tableta (N.º 322) na Plimpton Collection na Columbia Universityi*. A tableta data do período babilônio antigo (1900 a 15600 A.C. aproximadamente) e as tabelas que contém podiam facilmente ser tomadas por um registro de negócios. No entanto, a análise mostra que há profundo significado matemático na teoria dos números, e que talvez se relacionasse com uma espécie de prototrigonometria. Plimpton 322 era parte de uma tableta maior, como se vô pela quebra ao longo da margem esquerda, e a parte que resta contém quatro colunas de números dispostos em quinze filas horizontais. A coluna da direita contém os números de um a quinze, e sua finalidade é evidentemente a de identificar a ordem dos itens nas outras três colunas dispostas como segue, 1,53,0,15 1,59 2,49 1 1,56.56,58,14,50,6,15 06,7 1,20,25 2 1,55,7,41,15,33,45 1,15,41 1,50,49 3 1,53,10,29,32,52,16 3,31,49 5.9,1 4 1,48,54,1,40 1,5 1,37 5 1,47,6,41,40 5,19 8,1 5 1,43,11,56,28,26,40 38,11 59,1 7 1,41,33,59,3,45 13,19 20,49 8 1,38,33,36,36 8,1 12,49 9 1,35,10,2,28,27,24,26,40 1,22,41 2,16,1 10 1,33,45 45,0 1,15,0 1" 1,29,21,54,2,15 27,59 48,49 12 1,27,0,3,45 2,41 4,49 13 1.25,48,51,35,6,40 29,31 53,49 14 1,23,13,46,40 56 1.46 15 A tableta não está em condições tão perfeitas que todos os números possam ainda ser tidos, mas o esquema de construção da tabela é claramente discernível, o que tornou bossivel determinar os itens que faltam por causa de pequenas fraturas. Para entender º que a tabela provavelmente significava para os babilônios consideremos o triângulo retângulo ABC (Fig. 3.1). Se os números na segunda e terceira colunas (da esquerda para a direita) forem considerados como os lados a e c respectivamente, a primeira coluna a es- querda contem em cada caso o quadrado da razão de c para b. Assim, a coluna da esquerda Maior descrição dessa tableta se encontra em Neugebauer, Exact Sciences in Antiguity, pp. 36-40. Uma boa exposição também se acha em Howard Eves, An introduction io the History of Mashematics (1964), Pp. 35-37. Uma interpretação da possivel motivação para o texto de tabela é dada por D. 1. de Solta Price, “The Babylonian 'Pythagorcan Triangle” Tablet”, Centaurus, 10 (1964), 219.23] Mesopotâmia 25