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Mario Quintana livro de poesias Baú de espantos
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Com Baú de espantos, publicado em 1986, Mario Quintana completa o conjunto iniciado dez anos antes com Apontamentos de História Sobrenatural (1976) e integrado também por Esconderijos do Tempo (1980). Essas três obras reafirmam e acentuam certos traços dispersos em livros anteriores: a tendência ao onírico, a reflexão sobre o poema, sobre a morte e a densidade dramática de sua poesia lírica. O vínculo com os livros precedentes é estabelecido desde a epígrafe de dois versos do poema "Esconderijos do tempo" , que intitulava a obra imediatamente anterior, e se fortalece pela maneira peculiar de recuperar a infância, os objetos perdidos e reencontrados, as velhas casas e outros fatos da vida, nos quais o quotidiano ganha uma expressão fantasmal, marcas de sua poesia desde os sonetos de A rua dos cataventos (1940). Também aqui, o poeta acredita não só no que vê, mas no que imagina. Por isso dirá no poema:
Neste mundo de tantos espantos, Cheio das mágicas de Deus, O que existe de mais sobrenatural São os ateus Tania Franco Carvalhal
Organização, plano de edição, fixação de texto, cronologia e bibliografia: Tania Franco Carvalhal / A RUA DOS CATAVENTOS / CANÇÕES / SAPATO FLORIDO / O APRENDIZ DE FEITICEIRO / ESPELHO MAGICO / APONTAMENTOS DE HISTÓRIA SOBRENATURAL / ESCONDERIJOS DO TEMPO / BAÚ DE ESPANTOS / A COR DO INVISÍVEL / CADERNO H / PORTA GIRATÓRIA / DA PREGUIÇA COMO MÉTODO DE TRABALHO / A VACA E O HIPOGRIFO / O BATALHÃO DAS LETRAS / PREPARATIVOS DE VIAGEM / VELÓRIO SEM DEFUNTO / NOVA ANTOLOGIA POÉTICA / 80 ANOS DE POESIA EDITORA GLOBO Copyright © 1994 by Elena Quintana Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser utilizada OU reproduzida - em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, por fotocópia, gravação etc. - nem apropriada ou estocada em sistemas de bancos de dados sem a expressa autorização da editora.
Revisão: Maria Sylvia Corréa e Valquíria Della Pozza Capa: Isabel Carballo Projeto Gráfico: Crayon Editorial Foto da capa: Stock Photos Foto da quarta-capa: Arquivo Agência Estado 2ª edição, 2006 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Quintana, Mario, 1906-1994. Baú de espantos / Mario Quintana Organização, plano de edição, fixação de texto, cronologia e bibliografia Tania Franco Carvalhal São Paulo Globo, 2006. Centenário Mario Quintana 1906- ISBN 85-250-4093-
Manhã Família desencontrada O deixador Invitation au voyage Segundo poema de abril: o navegador Noturno II O poema adormecido O último crime da mala Conversa fiada Viagem Os ceguinhos A sesta Tângolo-mango Passeio suburbano Verde A nossa canção de roda A voz subterrânea A missa dos inocentes Os degraus Pequeno poema de após chuva Noturno III Pé ante pé Metamorfoses do vento Estranhas aventuras da infância Os duros Um nome na vidraça Alma errada
Esperança Soneto azul Uma historinha mágica Bilhete atirado no fundo do tempo Viver Poema desenhado Soneto O olhar Noturno IV A mensagem A rua Poema ouvindo o noticioso O peregrino Meu bonde passa pelo mercado Data e dedicatória Janelinha de trem O fatal convívio Três poemas que me roubaram Da fatalidade histórica O velho poeta A ciranda As meninazinhas O encontro Louca O poema apesar de tudo Havia Convite
O instante, matéria-prima da poesia Antonio Hohlfeldt o maravilhoso espanto de viver por um só instante (In Apontamentos de História Natural, 1976) em sua pobre eternidade, os deuses desconhecem o preço único do instante... (In Baú de espantos, 1986) Já registrei, há alguns anos, o quase silêncio da crítica literária brasileira sobre a poesia de Mario Quintana e, por conseguinte, a quase inexistência de estudos e ensaios mais alentados sobre o seu trabalho.[1] Nesse sentido, e em boa hora, a reedição do alegretense, por ocasião dos festejos do centenário de seu nascimento, permite que diferentes pesquisadores possam registrar impressões e análises sobre essa obra que parece apresentar-se, ainda hoje, um pouco como a ameaça que, jocosamente, o próprio poeta registrava em um dos poemas presentes neste volume: Eis que me surge, aqui, neste terceto, a Esfinge/ Devora-me ou decifro-te/ E ela ringe.[2] Tive a oportunidade, nos quase vinte anos em que trabalhei no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, de conviver com o poeta Mario Quintana. Nossas mesas de trabalho, na redação, ficavam vis-a-vis. Chegando à tarde, depois de tomar um cafezinho no bar do jornal, o poeta punha-se a ler sua própria poesia. Invariavelmente. Lá pelo final da tarde, pegava do lápis (às vezes da caneta esferográfica) e começava a rabiscar naquele antigo papel de jornal que nos era oferecido pela redação, antigas resmas de composição, então já reduzidas a toalhas para secar as mãos. Enfim, o poeta, ao final da jornada, às vezes já no início da noite, usava sua imensa máquina de escrever Olivetti 88 e punha-se a digitar (literalmente, porque Mario escrevia com não mais do que quatro dedos,
dois de cada mão), com vagar, e eu diria, com método, o novo poema, qual fênix, renascido de outros tantos que o mesmo poeta escrevera e ali deglutira, antropofagicamente. É como se Mario Quintana conversasse permanentemente consigo mesmo, numa espécie de solilóquio continuado, sobre o qual igualmente já tive a oportunidade de escrever, em momento anterior.[3] Aliás, para além do solilóquio, como processo de criação, pode-se registrar o diálogo com o leitor, pressuposto no uso significativo da 2ª pessoa do singular, como procedimento de recepção, antecipado pelo poeta, numa espécie de escolha do leitor, como já o registrou Umberto Eco.[4] Não é de surpreender, assim, que se deva reconhecer um continuum na criação poética de Quintana, resultado dessa autoleitura, dessa constante reflexão em que não apenas palavra puxa palavra, mas poema puxa poema. Por vezes, um único texto pode sugerir tantas outras coisas, que o poeta prefere suspender aquelas potencialidades, interrompendo o verso pela colocação das reticências... seria curioso, aliás, estudar-se a relação entre essa pontuação gráfica, os versos em que ela é usada, e o desdobramento que ela permite desses versos em outros poemas... Mas para isso é preciso paciência... Os temas abordados por Quintana são variados, mas quase sempre surgem em pares, cuja combinação é constituída de opostos: o fim do mundo x a presença da eternidade; Deus x Diabo; poeta x poesia; velho x antigo; passagem do tempo x progresso; anonimato x solidão etc. Os pares antônimos se constroem também a partir de princípios ou conceitos: ausência física x presença pela memória; tempo que corrói a vida x infinitude da morte etc A associação de idéias é uma constante: a preocupação em distinguir claramente os termos, também. Há enormes sutilezas, nessas distinções, como em casos do anonimato x solidão: o anonimato é voluntário, é saudável; a solidão é indesejada, é negativa, O anonimato permite o exercício da identidade, da personalidade, do distanciar-se de si mesmo e assim ver-se de maneira crítica; a solidão pode ocorrer até mesmo – e sobretudo - em meio à massificação. Pode-se afirmar, por isso, que o principal procedimento criativo de Mario Quintana é a reflexão sobre o próprio fazer poético. Para o escritor, o poema é como que a ponta de um iceberg, não apenas da poesia que o poeta contém dentro de si, mas de toda a poesia. O poema é, ao mesmo tempo, um disfarce do poeta: ele parece falar de alguma coisa (aparente) mas, na verdade, está a tocar em um tema bem mais profundo e certo. A poesia, por seu lado, é um encantamento: o poeta se vale de palavras como fórmulas mágicas, criando uma atmosfera que desvela/revela o mundo, produzindo o que poderíamos denominar de
[no nevoeiro - que em vão busca o rumo das eternas, das misteriosas Américas ainda [por descobrir! Em Baú de espantos, o tema da viagem está extremamente presente: resultado da própria composição do volume, em que o poeta viajou por dentro de sua obra pregressa, resgatando antigos poemas (que cuida em datar), combinando-os com outros mais recentes. De qualquer modo, o tema da viagem (por dentro de si mesmo) não é novo na literatura contemporânea: ao contrário, é marca da modernidade e traduz, por certo, a busca da identidade. A morte e sua significação, bem como o jogo escatológico que anima toda a existência humana, persistem nesse volume, e por certo não haveria razão para desaparecerem justamente aqui, quando o poeta se (nos) indaga a respeito do que é (somos): (...) Dizem que os deuses morreram? Um deus sempre está sepulto para depois ressuscitar... ........................................................... (Homens, sementes ocultas cujo sonho é germinar...) ou, então, este "O poema adormecido": De vez em quando do fundo do sono surgem os periscópios dos ouvidos; parece que além, nas margens, estão acontecendo misérias... (Os dinossauros mergulham, desinteressados...) E ainda: Quem nunca quis morrer
Não sabe o que é viver Não sabe que viver é abrir uma janela E pássaros pássaros sairão por ela E hipocampos fosforescentes Medusas translúcidas Radiadas Estrelas-do-mar... (...) O próprio poema vive esse constante morrer aparente, para renascer logo em seguida: Teus poemas, não os dates nunca... Um poema Não pertence ao Tempo... Melhor que todos, contudo, é o poema intitulado "Um nome na vidraça", que traduz, à perfeição, o processo de criação/transformação/recriação da poesia: A guriazinha desenha as letras do seu nome na vidraça
no rumo de vossas almas bárbaras. ............................................................................. E eu na verdade não vos trago a mensagem de [nenhum deus. Nem a minha... Vim sacudir o que estava dormindo há tanto [tempo dentro de cada um de vós a limpar-vos de vossas tatuagens. Quase trágico, por isso, é o sentimento que perpassa A árvore dos poemas, que traduz a morte da inspiração poética: Quando a árvore dos poemas não dá poemas, Seus galhos se contorcem todos como mãos de enterrados vivos, Os galhos desnudos, ressecos, sem o perdão de [Deus! ............................................................................... Maldita a geração sem poetas que deixa as almas seguirem. Quando a árvore dos poemas não dá poemas, Qual será o destino das almas? Por tudo isso, esse Baú de espantos é um livro importante. Produzido nos últimos momentos de Mario Quintana, não é, contudo, um conjunto aleatoriamente constituído. Não se tratou de reunir alguns poemas (exatos 99 - por que não 100?) para um volume qualquer. Há método nessa seleção, há unidade nesse novo trabalho, unidade claramente traduzida pelo seu título, que aprofunda uma perspectiva sempre presente e que traduz, com fidelidade, uma das principais características do poeta e de sua poesia: a capacidade de se surpreender e de se espantar. [1] HOHLFELDT, Antonio. A poesia do todo em Mario Quintana, in Caderno de Sábado, Porto Alegre, Correio do Povo. 23- 10- 1976, vol. XVII, Ano VIII, nº 438, ps. 8 e 9. [2] QUINTANA, Mario. Baú de espantos, Rio de Janeiro, Globo, 1986. [3] HOHLFELDT, Antonio. "O encontro dos vários temas na poesia de Quintana", in Caderno de Sábado, Porto Alegre, Correio do Povo, 10.11.1979, vol. LXXXIX, Ano VIII, nº 589, ps. 8-9.
[4] ECO, Umberto. Lector in fabula: A cooperação interpretativa nos textos narrativos, São Paulo, Perspectiva, 1986, e Seis passeios pelos bosques da ficção, São Paulo, Cia. das Letras, 1994. [5] HOHLFELDT, Antonio. A poesia segundo Mario Quintana, in Caderno de Sábado, Porto Alegre, Correio do Povo, 24.11.1979, vol. XCI, Ano VIII, nº 591, ps. 11-15. [6] QUINTANA. Mario. Na volta da esquina (antologia). Porto Alegre, Globo- RBS. 1979. p. 50.
Noite alta, na soçobrante Nau exposta aos quatro ventos, em pleno céu sulcado de relâmpagos, os marinheiros mortos trovejam palavrões. Ó velhos marinheiros meus avos... para eles ainda não terminou a espantosa Era dos Descobrimentos! Santa Bárbara e São Jerônimo, transidos de divino amor, escutam suas pragas como orações. Quando eu acordar amanhã, livre e liberto como uma [asa - vou rezar a São Jerônimo vou rezar a Santa Bárbara por este nosso fim de século pobre Nau perdida no [nevoeiro que em vão busca o rumo das eternas, das misteriosas Américas ainda por [descobrir!
O tigre da manhã espreita pelas venezianas. O Vento fareja tudo. Nos cais, os guindastes domesticados dinossauros - erguem a carga do dia.