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As relações entre ciência e religião segundo ian barbour, Notas de estudo de Pedagogia

O artigo trata da caracterização da tipologia quádrupla de Ian Barbour sobre as relações entre ciência e religião

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 20/12/2010

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AS RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO SEGUNDO IAN BARBOUR
Wellington Gil Rodrigues1
As relações entre ciência e religião na sociedade brasileira geralmente tendem a ser percebidas através de uma ótica
dicotomizada, tendemos a construir nossa visão de mundo através de princípios científicos ou religiosos. Os inúmeros avanços da
ciência ajudaram a estabelecer a imagem do conhecimento científico como algo quase incontestável, o que provoca em muitos
professores uma postura fechada em um cientificismo radical ou em um fundamentalismo religioso quando entram em choque esses
princípios.
A imagem da guerra entre ciência e religião foi alimentada pelas recentes discussões geradas pelo Governo do Rio o qual em
2004 através da Secretaria de Estado da Educação determinou que as escolas públicas deveriam promover reflexões sobre a criação
do mundo por meio de uma abordagem criacionista. Essa política conduzida pelo casal garotinho, ambos evangélicos, gerou uma
série de debates e protestos por parte de cientistas e políticos, os quais foram amplamente divulgados pela mídia, o que contribuiu
para alimentar a polêmica. Tome-se como exemplo o título da reportagem da revista Época de 24/05/04 “Rosinha contra Darwin:
Governo do Rio de Janeiro institui aulas que questionam a evolução das espécies”, nesse caso política, religião e ciência foram
invocadas para explicar o que estava ocorrendo no Rio. Uma das críticas à proposta do Governo Fluminense era o temor do
surgimento de uma competição pela verdade entre os professores de biologia e professores de religião sobre o surgimento da vida, ou
seja, que fosse reacendido pela fogueira estatal o velho debate entre criacionismo e evolucionismo. Nesse contexto de posições
antagônicas surgiram tentativas de solução da polêmica, geralmente apelando para um entendimento da natureza distinta dessas
duas interpretações de mundo, ou seja, de que ciência e religião não devem estar no mesmo plano que pertencem a contextos
diferentes, que o pressuposto da ciência é a dúvida e que a religião é uma questão de fé.
Desde a publicação de “Origens das Espécies” em 1859, cientistas e religiosos têm se digladiado numa luta que envolve
não só o amor ao progresso da ciência ou o amor ao progresso do evangelho com sua mensagem de Deus como criador e salvador
da humanidade, envolve também relações de poder, poder de definição, de nomeação sobre os próprios conceitos do que seja ciência
legítima e do que seja religião, poder para definir as fronteiras entre essas visões de mundo e para legitimá-las e deslegitimá-las
conforme os interesses dos grupos que as mantém.
No entanto, a partir dos últimos 50 anos vários teóricos de vertentes científicas e religiosas têm se empenhando em
aproximar essas duas áreas visando com isso oferecer um quadro mais amplo de explicações e tentando se beneficiar das análises
desses campos até então vistos como competidores ou incomunicáveis.
Entre os construtores de pontes entre ciência e religião destaca-se a obra pioneira de Ian G. Barbour, físico e teólogo,
professor de física e religião no conceituado Carleton College em Northfield, Minnesota (EUA), ele foi o primeiro a lançar as bases
dessa aproximação propondo a sua hoje clássica tipologia quádrupla de relações entre ciência e religião na obra “Religion in na Age
of Science” de 1990.
O modelo de Barbour é composto por quatro categorias principais sobre as relações entre ciência e religião: Conflito;
Independência; Diálogo e Integração. Apresentaremos a seguir um breve resumo de cada um dos tipos de relação possível entre
ciência e religião e sua ligação com o tema de estudo:
A primeira categoria é a do Conflito: A imagem de “guerra” entre ciência e religião é a mais recorrente no imaginário
popular já que a mídia se encarrega de apresentar em letra grande todas as polêmicas envolvendo os pólos da ciência e religião.
Curiosamente, os dois grupos responsáveis pela polêmica são concordantes no que tange ao uso da metáfora da guerra, pois ambos
assumem que ciência e religião são inimigas, que não terreno comum que possibilitem negociações e tratados de paz. Os
religiosos fundamentalistas não aceitam a teoria da evolução como explicação legítima para a origem do homem e os cientistas ateus
consideram a teoria da evolução como a prova da inexistência de Deus, pintando dessa forma o quadro de conflito que caracteriza
esse tipo de relação entre ciência e religião. Nota-se claramente que o conflito se estabelece como tipo de relação quando existem
posições radicais, extremas e opostas sobre determinados temas, conforme nos afirma Barbour (2004, p.25):
[...] tanto o materialismo científico quanto o literalísmo Bíblico alegam que a ciência e a religião tem
verdades literais e rivais a afirmar sobre o mesmo domínio (a história da natureza), de modo que é preciso
1 Mestre em Educação (UFMA), Professor de Ciência e Religião na Faculdade Adventista de Educação do Nordeste (FAENE) e
Coordenador do Núcleo de Estudos em Ciência e Religião (NECIR).
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AS RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA E RELIGIÃO SEGUNDO IAN BARBOUR

Wellington Gil Rodrigues^1

As relações entre ciência e religião na sociedade brasileira geralmente tendem a ser percebidas através de uma ótica dicotomizada, tendemos a construir nossa visão de mundo através de princípios científicos ou religiosos. Os inúmeros avanços da ciência ajudaram a estabelecer a imagem do conhecimento científico como algo quase incontestável, o que provoca em muitos professores uma postura fechada em um cientificismo radical ou em um fundamentalismo religioso quando entram em choque esses princípios. A imagem da guerra entre ciência e religião foi alimentada pelas recentes discussões geradas pelo Governo do Rio o qual em 2004 através da Secretaria de Estado da Educação determinou que as escolas públicas deveriam promover reflexões sobre a criação do mundo por meio de uma abordagem criacionista. Essa política conduzida pelo casal garotinho, ambos evangélicos, gerou uma série de debates e protestos por parte de cientistas e políticos, os quais foram amplamente divulgados pela mídia, o que contribuiu para alimentar a polêmica. Tome-se como exemplo o título da reportagem da revista Época de 24/05/04 “Rosinha contra Darwin: Governo do Rio de Janeiro institui aulas que questionam a evolução das espécies”, nesse caso política, religião e ciência foram invocadas para explicar o que estava ocorrendo no Rio. Uma das críticas à proposta do Governo Fluminense era o temor do surgimento de uma competição pela verdade entre os professores de biologia e professores de religião sobre o surgimento da vida, ou seja, que fosse reacendido pela fogueira estatal o velho debate entre criacionismo e evolucionismo. Nesse contexto de posições antagônicas surgiram tentativas de solução da polêmica, geralmente apelando para um entendimento da natureza distinta dessas duas interpretações de mundo, ou seja, de que ciência e religião não devem estar no mesmo plano já que pertencem a contextos diferentes, que o pressuposto da ciência é a dúvida e que a religião é uma questão de fé. Desde a publicação de “Origens das Espécies” em 1859, cientistas e religiosos têm se digladiado numa luta que envolve não só o amor ao progresso da ciência ou o amor ao progresso do evangelho com sua mensagem de Deus como criador e salvador da humanidade, envolve também relações de poder, poder de definição, de nomeação sobre os próprios conceitos do que seja ciência legítima e do que seja religião, poder para definir as fronteiras entre essas visões de mundo e para legitimá-las e deslegitimá-las conforme os interesses dos grupos que as mantém. No entanto, a partir dos últimos 50 anos vários teóricos de vertentes científicas e religiosas têm se empenhando em aproximar essas duas áreas visando com isso oferecer um quadro mais amplo de explicações e tentando se beneficiar das análises desses campos até então vistos como competidores ou incomunicáveis. Entre os construtores de pontes entre ciência e religião destaca-se a obra pioneira de Ian G. Barbour, físico e teólogo, professor de física e religião no conceituado Carleton College em Northfield, Minnesota (EUA), ele foi o primeiro a lançar as bases dessa aproximação propondo a sua hoje clássica tipologia quádrupla de relações entre ciência e religião na obra “Religion in na Age of Science” de 1990. O modelo de Barbour é composto por quatro categorias principais sobre as relações entre ciência e religião: Conflito; Independência; Diálogo e Integração. Apresentaremos a seguir um breve resumo de cada um dos tipos de relação possível entre ciência e religião e sua ligação com o tema de estudo: A primeira categoria é a do Conflito : A imagem de “guerra” entre ciência e religião é a mais recorrente no imaginário popular já que a mídia se encarrega de apresentar em letra grande todas as polêmicas envolvendo os pólos da ciência e religião. Curiosamente, os dois grupos responsáveis pela polêmica são concordantes no que tange ao uso da metáfora da guerra, pois ambos assumem que ciência e religião são inimigas, que não há terreno comum que possibilitem negociações e tratados de paz. Os religiosos fundamentalistas não aceitam a teoria da evolução como explicação legítima para a origem do homem e os cientistas ateus consideram a teoria da evolução como a prova da inexistência de Deus, pintando dessa forma o quadro de conflito que caracteriza esse tipo de relação entre ciência e religião. Nota-se claramente que o conflito se estabelece como tipo de relação quando existem posições radicais, extremas e opostas sobre determinados temas, conforme nos afirma Barbour (2004, p.25):

[...] tanto o materialismo científico quanto o literalísmo Bíblico alegam que a ciência e a religião tem verdades literais e rivais a afirmar sobre o mesmo domínio (a história da natureza), de modo que é preciso

(^1) Mestre em Educação (UFMA), Professor de Ciência e Religião na Faculdade Adventista de Educação do Nordeste (FAENE) e Coordenador do Núcleo de Estudos em Ciência e Religião (NECIR).

escolher uma delas. Convergem ao dizer que ninguém pode acreditar em evolução e em Deus ao mesmo tempo. Cada um dos dados ganha adeptos, em parte, por opor-se ao outro, e ambos utilizam uma retórica de guerra.

Analisando essas relações Macgrath (2005, p. 62) comenta: “Historicamente o modelo mais importante de relação entre ciência e religião é o do „conflito‟ ou, talvez até mesmo „luta‟. Esse modelo fortemente antagonista continua a influenciar profundamente os debates populares, mesmo se amenizado entre os estudiosos.” O principal ponto da polêmica entre ciência e religião pode ser vista na questão das origens da humanidade. O ser humano e sua evidente complexidade encontraram ao longo dos séculos uma explicação através do relato do Gênesis, Deus como o autor do milagre da vida. No entanto, hoje a maioria dos cientistas concorda que essa não é uma boa resposta (pelo menos não da forma como o Gênesis apresenta a origem da vida). Comentando sobre o poder explicativo do darwinismo sobre essa questão Richard Dawkins afirma:

Antes de Darwin, um ateu poderia ter afirmado, pautando-se em Hume: “Não tenho explicação para a complexidade do design dos seres vivos. Tudo o que sei é que Deus não é uma boa explicação, portanto devemos aguardar e esperar que alguém avente algo melhor”. Não posso deixar de sentir que tal atitude, ainda que logicamente correta, não satisfaria ninguém; penso igualmente que, antes de Darwin, o ateísmo até poderia ser logicamente sustentável, mas que só depois de Darwin é possível ser um ateu intelectualmente satisfeito. (2001, p. 24).

Richard Dawkins, professor de Zoologia em Oxford (Inglaterra) é considerado hoje o maior expoente vivo do darwinismo, o titulo do livro de onde foi tirada essa citação já dá uma idéia da categoria do conflito, pois em “O Relojoeiro Cego – a teoria da evolução contra o desígnio divino” Dawkins tenta demonstrar contra a visão criacionista que a seleção natural não é aleatória, que ela segue regras estritas e definidas e que o debate sobre a evolução não pode se reduzido ao binômio acaso versus desígnio. Para evitar o conflito entre ciência e religião muitos apelam para a categoria da Independência, segundo a qual não há a necessidade de existir o conflito entre essas duas áreas dado que elas se referem a aspectos diferentes da existência humana. A ciência diz respeito a fatos objetivos, preocupa-se em saber como o mundo funciona, já a religião está mais relacionada ao subjetivo, à realidade última, ao sentido e valores da vida. Esse posicionamento é uma tentativa de manter ciência e religião restritas a um campo próprio, com metodologia e linguagem próprias, evitando cada uma fazer declarações sobre o domínio da outra, de uma forma que a distância e diferença entre ambas garantam que não haverá discordâncias. Barbour aponta dois aspectos da defesa da tese da independência. Primeiro, ciência e religião são independentes porque tratam de domínios separados do conhecimento, esse posicionamento tem representantes tanto entre os religiosos como entre os cientistas. Entre os religiosos destaca-se a corrente da neo-ortodoxia a qual tem em Karl Barth um de seus principais teóricos, essa corrente admite que:

A esfera principal de Deus é a história, e não a natureza. Os cientistas são livres para prosseguir com seu trabalho sem a interferência da teologia e vice-versa, uma vez que seus métodos e objetos de estudo são totalmente diversos. A ciência baseia-se na observação e razão humanas, enquanto a teologia baseia-se na revelação divina. (BARBOUR, 2004, p. 33).

Pelo lado dos cientistas temos como principal defensor da independência Stephen Jay Gould com o seu principio básico dos magesteria não sobrepostos (NOMA*), indicando que cada área tem um domínio separado para se pronunciar. Segundo, a independência pode ser invocada com base na tese de que ciência e religião utilizam linguagens diferentes e cumprem funções também diferentes.

A ciência e a religião cumprem papéis completamente diferentes, e nenhuma delas deve ser julgada pelos padrões da outra. A linguagem científica é utilizada fundamentalmente para fins de prognóstico e controle. [...] A ciência formula perguntas cuidadosamente delimitadas sobre fenômenos naturais. Não podemos esperar que ela cumpra papéis que não são seus, como fornecer uma visão de mundo integral, uma filosofia de vida ou um conjunto de normas éticas. [...] As funções específicas da linguagem religiosa, de acordo com os analistas lingüísticos, são as de recomendar um modo de vida, explicitar um conjunto de atitudes e estimular a adesão a determinados princípios morais. (BARBOUR, 2004, p. 35).

* Non-overlapping magesteria [NOMA], onde magesteria significa um domínio de autoridade doutrinal..