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AMARAL, Amadeu - O Dialeto Caipira, Notas de estudo de Biologia Marinha

ertgertrtert

Tipologia: Notas de estudo

2016

Compartilhado em 20/12/2016

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daniel-rincon-caires-7 🇧🇷

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Amadeu Amaral
O DIALETO CAIPIR A
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Amadeu Amaral

O D I A L E TO C A I P I R A

http://groups.google.com/group/digitalsource

INTRODUÇÃO

Tivemos, até cerca de vinte e cinco a trinta anos atrás, um dialeto bem pronunciado, no território da antiga província de S. Paulo. É de todos sabido que o nosso falar caipira - bastante característico para ser notado pelos mais desprevenidos como um sistema distinto e inconfundível - dominava em absolute a grande maioria da população e estendia a sua influência à própria minoria culta. As mesmas pessoas educadas e bem falantes não se podiam esquivar a essa influência. (1)

Foi o que criou aos paulistas, há já bastante tempo, a fama de corromperem o vernáculo com muitos e feios vícios de linguagem. Quando se tratou, no Senado do Império, de criar os cursos jurídicos no Brasil, tendo-se proposto São Paulo para sede de um deles, houve quem alegasse contra isto o linguajar dos naturais, que inconvenientemente contaminaria os futuros bacharéis, oriundos de diferentes circunscrições do país...

O processo dialetal iria longe, se as condições do meio não houvessem sofrido uma série de abalos, que partiram os fios à continuidade da sua evolução.

Ao tempo em que o célebre falar paulista reinava sem contraste sensível, o caipirismo não existia apenas na linguagem, mas em todas as manifestações da nossa vida provinciana. De algumas décadas para cá tudo entrou a transformar-se. A substituição do braço escravo pelo assalariado afastou da convivência cotidiana dos brancos grande parte da população negra, modificando assim um dos fatores da nossa diferenciação dialetal. Os genuínos caipiras, os roceiros ignorantes e atrasados, começaram também a ser postos de banda, a ser atirados à margem da vida coletiva, a ter uma interferência cada vez menor nos costumes e na organização da nova ordem de coisas. A população cresceu e mesclou-se de novos elementos. Construíram-se vias de comunicação por toda a parte, intensificou-se o comércio, os pequenos centros populosos que viviam isolados passaram a trocar entre si relações de toda a espécie, e a província entrou por sua vez em contato permanente com a civilização exterior. A instrução, limitadíssima, tomou extraordinário incremento. Era impossível que o dialeto caipira deixasse de sofrer com tão grandes alterações do meio social.

Hoje, ele acha-se acantoado em pequenas localidades que não acompanharam de perto o movimento geral do progresso e subsiste, fora daí, na boca de pessoas idosas, indelevelmente influenciadas pela antiga educação. Entretanto, certos remanescentes do seu predomínio de outrora ainda flutuam na linguagem corrente de todo o Estado, em luta com outras tendências, criadas pelas novas condições.

Essas outras tendências irão continuando, naturalmente, a obra incessante da evolução autônoma do nosso falar, que persistirá fatalmente em divergir do português peninsular, e até do português corrente nas demais regiões do país. Mas essa evolução já não será a do dialeto caipira. Este acha-se condenado a desaparecer em prazo mais ou menos breve. Legará, sem dúvida, alguma bagagem ao seu substituto, mas o processo novo se guiará por outras determinantes e por outras leis particulares.

Desapareceu quase por completo a influência do negro, cujo contato com os brancos é cada vez menor e cuja mentalidade, por seu turno, se modifica rapidamente. O caipira torna-se de dia em dia mais raro, havendo zonas inteiras do Estado, como o chamado Oeste, onde só com dificuldade se poderá encontrar um representante genuíno da espécie. A instrução e a educação, hoje muito mais difundidas e mais exigentes, vão combatendo com êxito o velho caipirismo, e já não há nada tão comum como se verem rapazes e crianças cuja linguagem divirja profundamente da dos pais analfabetos.

b) indicar, sempre que for possível, se se trata de dicção pouco usada ou freqüente, e se geralmente empregada ou apenas corrente em determinado grupo social;

c) grafá-la sempre tal qual for ouvida. Por exemplo: se ouvirem pronunciar capuêra, escrever capuêra e não capoeira. Isto é essencial, e há muitíssimas coleções de vocábulos que, por não terem obedecido a este preceito, quase nenhum serviço prestam aos estudiosos, não passando, ou passando pouco de meras curiosidades;

d) se houver diferentes modos de pronunciar o mesmo vocábulo, reproduzi-los todos com a mesma fidelidade;

e) sempre que possa dar-se má interpretação à grafia adotada, explicar cumpridamente os pontos duvidosos;

f) ter especial cuidado em anotar os sons peculiares à fonética regional (como o som de r em arara, ou o som de g em gente) ; declarar como devem ser pronunciadas tais letras, no caso de que o devam ser sempre da mesma maneira, e adotar um sinal para distinguir uma pronúncia de outra, no caso de haver mais de uma (por exemplo, um ponto em cima do g quando soa aproximadamente dg, para o diferençar do que soa a moda culta; uma risca sobre o c, para significar que é explosivo, como em chave (tchave), etc.

I - FONÉTICA

1.º GENERALIDADES

  1. Antes de tudo, deve notar-se que a prosódia caipira (tomando o termo prosódia numa acepção lata, que também abranja o ritmo e musicalidade da linguagem) difere essencialmente da portuguesa.

O tom geral do frasear é lento, plano e igual, sem a variedade de inflexões, de andamentos e esfumaturas que enriquece a expressão das emoções na pronunciação portuguesa.

  1. Os acentos em que a voz mais demoradamente carrega, na prolação total de um grupo de palavras, não são em geral os mesmos que teria esse grupo na boca de um português; e as pausas que dividem tal grupo na linguagem corrente são aqui mais abundantes, além de distribuídas de modo diverso. Na duração das vogais igualmente difere muito o dialeto: se, proferidas pelos portugueses, as breves duram um tempo e as longas dois, pode-se dizer, comparativamente, que no falar caipira duram as primeiras dois tempos e as segundas quatro.

Este fenômeno está estreitamente ligado à lentidão da fala, ou, antes, se resolve num simples aspecto dela, pois a linguagem vagarosa, cantada, se caracteriza justamente por um estiramento mais ou menos excessivo das vogais (2),

  1. Também decorre dessa mesma lentidão, como um resultado natural, o fato de que o adoçamento e elisão das vogais átonas, coisas comuns na pronunciação portuguesa, são aqui fenômenos relativamente raros. Com efeito, compreende-se bem que o português, na sua pronunciação vigorosa e rápida, torture muito mais os vocábulos, abreviando-os pelo enfraquecimento e supressão das vozes átonas internas, ligando-os uns aos outros pela absorção das átonas finais nas vogais que se lhes seguem: subrádu, p'dáçu, c'rôa, 'sp'rança, tiátru, d'hoj'em diante, um'august'assemblêia. Da mesma forma, compreende-se que o caipira paulista, no seu pausado falar, que por força há de apoiar-se mais demoradamente nas vogais, não pratique em tão larga escala essas mutações e elisões.

O caipira (como, em geral, todos os paulistas) pronuncia, em regra, claramente as vogais átonas, qualquer que seja a posição das mesmas no vocábulo: esperança, sobrado, pedaço, coroa, e recorre poucas vezes a sinalefa. Nos próprios monossílabos átonos me, te, se, de, o, que, etc., as vogais conservam o seu valor típico bem distinto, ao contrário do que sucede com os portugueses, em cuja pronunciação normal elas se ensurdeceram, assumindo tonalidades especiais.

Pode dizer-se que no dialeto não lia vogais surdas: todas soam distintamente, salvos os casos de queda ou de sinalefa. Dai provém o dizer-se que os caipiras acentuam todas as vogais, o que é falso, mas explica-se. E que não se leva em conta a duração relativa das átonas e tônicas, a que atrás nos referimos.

  1. Não podemos, porém, atribuir inteiramente à influência da lentidão e pausa da fala essa melhor prolação das vogais átonas, no dialeto. Haverá também causas históricas, por ora pressentidas apenas.

O fenômeno é, naturalmente, complexo, e são complexas as suas causas; mas é impossível negar que existe pelo menos uma estreita correlação entre um e outro fato.

2.º OS FONEMAS E SUAS ALTERAÇÕES NORMAIS

  1. Os fonemas do dialeto são em geral os mesmos do português, se não levarmos em conta ligeiras variantes fisiológicas, que sempre existem entre povos diversos e até entre frações de um mesmo povo; variantes essas de que, pela maior parte, só a fonética experimental poderia dar uma notação precisa. Cumpre, entretanto, observar o seguinte:

a) s post-vocálico tem sempre o mesmo valor: é uma linguo-dental ciciante, não se notando jamais as outras modalidades conhecidas entre portugueses e mesmo entre brasileiros de outras regiões; s propriamente sibilante, assobiado, e bem assim chiante, são aqui desconhecidos. Para produzir este som a língua projeta a sua ponta contra os dentes da arcada inferior e encurva-se de modo que os bordos laterais toquem os dentes da arcada superior, só deixando uma pequena abertura sob os incisivos: modo de formação perfeitamente igual ao de c em cedo. (4)

b) r inter e post-vocálico (arara, carta) possui um valor peculiar: é linguo-palatal e guturalizado. Na sua prolação, em vez de projetar a ponta contra a arcada dentária superior, movimento este que produz a modalidade portuguesa, a língua leva os bordos laterais mais ou menos até os pequenos molares da arcada superior e vira a extremidade para cima, sem tocá-la na abóbada palatal. Não há quase nenhuma vibração tremulante. Para o ouvido, este r caipira assemelha-se bastante ao r inglês post-vocálico. É, muito provavelmente, o mesmo r brando dos autóctones. Estes não possuíam o rr forte ou vibrante, sendo de notar que com o modo de produção acima descrito é impossível obter a vibração desse último fonema. (5)

c) A explosiva gutural gh tem uma tonalidade especial, sobretudo antes dos semiditongos cuja prepositiva é u, casos em que freqüentemente se vocaliza: áu-ua = água, léu-ua = légua).

d) ch e j palatais são explosivos, como ainda se conservam entre o povo em certas regiões de Portugal (6), no inglês (chief, majesty) e no italiano (ciclo, genere).

e) A consonância palatal molhada lh não existe no dialeto, como na maioria dos dialetos port. de África e Ásia, e como em vários dialetos castelhanos da América. (7)

  1. Os fenômenos de diferenciação fonética que caracterizam o dial. resumem-se desta forma:

VOGAIS

As TÔNICAS, em regra, não sofrem alteração. O único fato importante a assinalar com relação a estas é que, quando seguidas de ciciante (s ou z), no final dos vocábulos, se ditongam pela geração de um i: rapáiz, méis, péis, nóis, láiz. (8)

  1. Quanto às ÁTONAS:

Na sílaba postônica dos vocábulos graves, conservam o seu valor típico. Não se operou aqui a permuta de e final por i, que se observa em outras regiões do país (oquêli, êsti), como não se operou a de o por u (povu, dígu), fenômeno este que se manifestou em Portugal, ao que parece, a partir do séc. XVIII.

Nos vocábulos esdrúxulos, a tendência é para suprimir a vogal da penúltima sílaba e mesmo toda esta, fazendo grave o vocábulo (ridico = ridículo, legite = legítimo, cosca = cócega, musga = música. Exceção: lático < látego (curiosa reversão à forma originária; cp. cósca < coç'ca < cócica), sumítico, nófico, etc.

  1. Nas sílabas pretônicas, alteram-se mais, como se verá das seguintes notas:

a) Inicial, aparece mudado em i nasal em inzame < exame, inguá < igual, inzempro < exemplo, inleição < eleição. A nasalação de e inicial seguido de x é fenômeno observado em tempos afastados da língua: enxame < examen, enxada < exada, enxuito < exsuctum. Enxempro encontra-se nos escritores mais antigos. Do mesmo modo inliçon (eleição). b) Medial, muda-se freqüentemente em i (tisôra, Tiodoro, piqueno), sobretudo se há outro i na sílaba seguinte: pirigo, dilicado, minino, atrivido, intiligente, pidi(r), midi(r), pitiço (assimilação regressiva).

Na pronúncia normal portuguesa tem-se dado, em tais casos, justamente o fenômeno contrário (dissimilação), embora nem sempre se substitua i por e na escrita: menino, preguiça, vezinho, menistro. O caipira ainda conserva, como remanescente do que aprendeu dos portugueses, a esse respeito, o nome próprio Vergílio, que pronuncia com e. Também diz Fermino.

Este fonema perdura intacto nos derivados e nas formas flexionadas, quando tônico nas palavras originárias: pretura, pretinho, pretejado, pedrenio, medroso.

  1. o - Medial, muda-se muitas vezes em u: tabuleta, cuzinha, dumingo, sobretudo nos infinitivos dos verbos em ir, que o têm na sílaba imediatamente anterior à tônica: ingulí(r), buli(r), tussi(r), surti(r). A possuir corresponde a forma dialetal pissuí(r), que também existe em galego. (9)

Nos infinitivos dos verbos em ar e er, conserva-se: cobrá(r), cortá(r), broqueá(r), intortá(r), sofrê(r), podê(r).

Conserva-se também nos derivados e nas formas flexionadas, quando tônico nas palavras originárias: locura, boquêra, porcada, mortinho, rodêro.

Conserva-se geralmente, aberto, nos diminutivos de nomes que o têm assim: pòrtinha, pòtinho, còbrinho (ao contrário do que se dá em outros pontos do país; notadamente em Minas, onde estes diminutivos têm o fechado).

  1. en (en, em) - Inicial, muda-se em in: imprego, incurtá(r), insino, imborná(l), insi(lh)á(r).

Em inteiro e indireitar, ao contrário, depara-se às vezes o i mudado em e - entêro, endereitá(r), provavelmente por assimilação regressiva. Aliás, as formas enteiro, enteiramente, endereitar, encontram-se em documentos portugueses anteriores à reação erudita.

  1. õ (on, om) - Medial, muda-se em u, em lumbi(lh)o, amuntá(r), cume(r), cumpadre, cumigo, cunversa, cumeçá(r) e em geral nos vocábulos cuja sílaba inicial e cõ.

GRUPOS VOCÁLICOS

(acentuados ou não)

  1. ai (dit.) - Antes da palatal x, reduz-se à prepositiva: baxo, baxêro, faxa, caxa, paxão.

Dois exemplos de mudança em éi: téipa, réiva.

Piracicaba e Pricicava - Piracicaba mangaba e mangava (fruta) - mangaba

bespa e vespa - vespa bagaço e vagaço - bagaço bamo e vamo - vamos

  1. d - Cai, quase sempre, na sílaba final das formas verbais em ando, ando, indo: andano = andando, veno = vendo, caíno, pôno, e também no advérbio quando, às vezes,
  2. gh - Quando compõe sílaba com os semiditongos ua, uá, ue, ué, uê, ul, como em guarda, água, tigüera, sagüi, torna-se quase imperceptível, vocalizando-se freqüentemente em u. Neste caso, esse u ditonga-se com a vogal anterior, e o segundo u continua a formar semiditongo com a vogal seguinte: áu-ua, tiu-uéra, sáu-ui.
  3. l - a) Em final de sílaba, muda-se em r: quarquér, papér, mér, arma.

Na locução tal qual, cai apenas o segundo l, porque o primeiro se tornou intervocálico: talequá. E ainda digna de nota a locução adverbial malemá (grafada como se pronuncia), que quer dizer "passavelmente", "sofrivelmente", "assim assim". (Terá provindo de mal e mal, ou de mal a mal, ou ainda de "mal, mal"? Fazer um serviço mal e má (l): passavelmente, antes mal que bem; passar mal e má de saúde: sofrivelmente).

As palavras terminadas em aí, el, il.. freqüentemente aparecem apocopadas: má, só, jorná = mal, sol, jornal. Não inferir daí que houve queda de l. Esse l mudou-se primeiro em r, e depois caiu este fonema, de acordo com uma das leis mais rígidas, e mais facilmente verificáveis, da fonética dialetal.

É de notar-se ainda que a pronúncia em questão (má, só) é mais comum entre os negros, que, submetidos, em geral, ao império das mesmas leis, quando no mesmo meio, não deixam entretanto de diferir dos caboclos e brancos em mais de um ponto.

b) Quando subjuntivo de um grupo, igualmente se muda em r: craro, cumpreto, cramô(r), frô(r).

Esta troca é um dos vícios de pronúncia mais radicados no falar dos paulistas, sendo mesmo freqüente entre muitos dos que se acham, por educação ou posição social, menos em contato com o povo rude.(Cp. 6-b).

  1. r - a) Cai, quando final de palavra: andá, muié, esquecê, subi, vapô, Artú.

Conserva-se, entretanto, geralmente, em alguns monossílabos acentuados, tendo de certo influído nisso a posição proclítica habitual: dôr, cór, côr, par. Conserva-se também no monossíl. átono por, pela mesma razão, assim como, raras vezes, em palavras de mais de uma sílaba: amor, suôr. Nos verbos, ainda que monossílabos, cai sempre, provavelmente pela influência niveladora da analogia: vê, í, pô.

b) Esta consonância é de extrema mobilidade no seio dos vocábulos, dando lugar a metáteses e hipérteses freqüentíssimas. (26, i-j).

  1. s - Cai, quando final de palavra paro ou proparoxítona: arfére (alferes), pire (pires), bamo (vamos), imo (imos).

Desaparece também nos oxítonos, quando é sinal de pluralidade: mau, bambu, avo.

Conserva-se nos adjetivos determinativos e nos pronomes, ainda que graves, o que se explica, em parte, pela posição proclítica habitual: duas casa, minhas fiia, arguas pessoa, aqueles minino, eles, elas. A prova é que, quando não está em próclise, freqüentemente se submete à regra: aquelas são as minha, estas são sua. Em parte, porém, essa conservação se deve à necessidade de manter um sinal de pluralidade. Voltaremos oportunamente a este ponto, que é, talvez, mais do domínio dos fenômenos psicológicos na morfologia, do que de ordem fonética.

  1. lh - Vocaliza-se em i: espaiado, maio, muié, fiio = espalhado, malho, mulher, filho.

Cp. o que se dá com o l molhado em Cuba, na Argentina (caje = calle, cabajo = caballo) e na França, onde desde o século XVIII começou a acentuar-se a tendência para a vocalização deste fonema (batáie, Chantií = bataille, Chantilly).

II. - LEXICOLOGIA

  1. O vocabulário do dialeto é, naturalmente, bastante restrito, de acordo com a simplicidade de vida e de espírito, e portanto com as exíguas necessidades de expressão dos que o falam. Esse vocabulário é formado, em parte:

a) de elementos oriundos do português usado pelo primitivo colonizador, muitos dos quais se arcaízaram na língua culta; b) de termos provenientes das línguas indígenas; c) de vocábulos importados de outras línguas, por via indireta; d) de vocábulos formados no próprio seio do dialeto.

ELEMENTOS DO PORTUGUÊS DO SÉCULO XVI

  1. Em verdade, estes não se limitam ao léxico. Todo o dialeto está impregnado deles, desde a fonética até a sintaxe. A sua discriminação através dos vários departamentos do dialeto constituiria sem duvida um dos mais curiosos estudos a que se pode prestar a nossa linguagem rústica, e não só pelo interesse puramente lingüístico, senão também pelo clarão que lançaria sobre questões atinentes à formação do espírito do nosso povo.

Sobre a importância lingüística, não é necessário insistir, pois ela, por assim dizer, se impõe por definição. Basta notar o seguinte: uma vez reconhecido que o fundo do dialeto representa um estado atrasado do português, e que sobre esse fundo se vieram sucessivamente entretecendo os produtos de uma evolução divergente, o seu acurado exame pode auxiliar a explicação de certos fatos ainda mal elucidados da fonologia, da morfologia e da sintaxe histórica da língua. Por exemplo: a pronunciação clara de e e o átonos finais comprova o fato de que o ensurdecimento vozes só começou em época relativamente próxima, pois de outro modo não se compreenderia porque o caipira analfabeto pronuncia lado, verdade, quando os portugueses pronunciam ladu, verdad'.

  1. São em grande número, relativamente à extensão do vocabulário dialetal, as formas esquecidas ou desusadas na língua. Lendo-se certos documentos vernáculos dos fins do século XV e de princípios e meiados do século XVI, fica-se impressionado pelo ar de semelhança da respectiva linguagem com a dos nossos roceiros e com a linguagem tradicional dos paulistas de "boa família", que não é senão o mesmo dialeto um pouco mais polido.

Na carta de Pero Vaz Caminha abundam formas vocabulares e modismos envelhecidos na língua, mas ainda bem vivos no falar caipira: inorância, parecer (por aparecer) mêa (adj. meia), u"a, trosquia, imos (vamos), despois, reinar (brincar), preposito, vasios (região da ilharga), luitar, desposto, alevantar, "volvemo nos lá bem noute", "veemo nos nas naus', "lançou o na praya".

  1. Os elementos arcaicos da língua, conservados no vocabulário dialetal, dividem-se, naturalmente, em arcaísmos de forma, de significação, e de forma e significação (11) Exemplos:

ARCAÍSMOS DE FORMA

acupá(r) inorá(r)

agardecê(r) livér argua (u nasal). ........... lua (u nasal) avaluá(r) malino Bertolomeu manteúdo correição .................... ninhua (u nasal)

cresçudo premêro dereito repuná(r) eigreja reposta ermão saluço escuitá(r) somana

estâmego sajeitá(r) fermoso sojigá(r) fruita sovertê(r) ímburuiá(r) súpito intrúido teúdo

inxúito trusquia

ARCAÍSMOS DE SENTIDO

aério .............................. perplexo dona .............................. senhora

função ........................... baile, folguedo praça .............................povoado reiná(r) ......................... fazer travessuras salvar ........................... saudar

ARCAÍSMOS DE FORMA E SENTIDO

arreminado ................................. indócil contia ......................................... quantidade qualquer cuca (arc. côco, côca) escotêro .. ente fantástico escotêro ...................................... o que viaja sem bagagem

imitante (como particípio) modinha ..................................... cançoneta punir ........................................... defender, "pugnar" sino-samão ................................. signo de Salomão.

  • Cupecê
  • Ebirapuéra
  • Gopaúva
  • Guacuri
  • Guaiaúna
  • Guaió
  • Guapira
  • Guaracau
  • Guarapiranga
  • Guarará
  • Guaratim
  • Guaraú
  • Guavirutuba
  • Imbiras
  • Ipiranga
    • Itaberaba
    • Itacuaquecetuba
    • Itacuéra
    • Itaguassu
    • Itaim
    • Itaparicuéra
    • Itaperoá
    • Itapicirica
    • Itararé
    • Jaceguai
    • Jaceguava ou
    • Jacuné
    • Jaguaré
    • Jaraguá
    • Jaraú
      • Juquiri
      • Jurubatuba
      • Mandaqui
      • Mandi
      • Mhoi
      • Mooca
      • Murumbi
      • Mutinga
      • Nhanguassú
      • Pacaembú
      • Pari
      • Piquiri
      • Pirajussara
      • Pirituba
      • Pirucaia
        • Poá
        • Prati
        • Quitaúna
        • Saracura
        • Tacuaxiara
        • Tamanduitei
        • Tamburé
        • Tatuapé
        • Tremembé
        • Tucuruvi
        • Uberaba
        • Utinga
        • Voturantim
        • Votussununga
  1. Os nomes de animais contam-se por centenas. Uma parte dos mais conhecidos:
  • acará
  • anu
  • araponga
  • arapuá
  • arara
  • bacurau
  • baitaca
  • biguá
  • biriba
  • borá
  • caçununga
  • cambucu
  • caninana
  • capivara
  • cará-cará
  • chabó
  • coró
  • cuati
  • cuiú-cuiú
  • cumbé
  • cupim
  • curiango
  • curimbatá
  • curió
  • curruíra
  • curuquerê
  • cutía
  • gambá
  • gaturamo
  • giboia
  • guará
  • guariba
  • guaripu
  • guaru-guaru
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  • içá
  • inhambu
  • irara
  • itobi
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  • jacaré
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  • jaguatirica
  • jaó
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        • uru
        • urubu
        • urutau
        • urutu
        • xororó
        • xupim
  1. Não são menos abundantes os nomes indígenas de vegetais, de que daremos algumas dezenas, à guisa de exemplificação:
  • abacate
  • abacaxi
  • açatunga
  • andaguassú
  • araçá
  • araribá
  • araticum
  • aruêra
  • bacaba
  • baguassu
  • bracuí
  • brejaúva
  • bucuva
  • buriti
  • butiá
  • cabiúna
  • cabriúva
  • caiapiá
  • cajuru
  • cambuci
  • cambuí
  • canjarana
  • canxim
  • capim
  • capitava
  • capixingui
  • caraguatá
  • carnaúba
  • caróba
  • caruru
  • catanduva
  • cipó
  • crindiuva
  • grumixama
  • guabiroba
  • guãibè
  • guandu
  • guanxuma
  • guapê
  • guapocarí
  • guaraiúva
  • guaratã
  • guareróva
  • guatambu
  • imbaúva
  • imbúia
  • indaiá
  • ingá
  • ipê
  • jaborandi
  • jabuticava
  • jacarandá
  • jacaré
  • jantá
  • jaracatiá
  • jarivá
  • jataí
  • jiquitaia
  • jiquitibá
  • jovéva
  • juá
  • jurema
  • maçaranduva
  • macaúba
  • manacá
  • mandióca
  • mangava
  • maracajá
  • nhapindá
  • orindiúva
  • perova
  • pipóca
  • piri
  • pitanga
  • piúva
  • sagùi
  • samambaia
  • sapé
  • sapuva
  • sumaúma
  • tacuara
  • tacuari
  • tacuaritinga
  • tacuarussu
  • taióva
  • taiúva
  • timbó
  • pepuíra
  • pereréca
  • piricica
    • piririca
    • piúva
    • punga
      • pururuca
      • sarambé
      • turuna
  1. Todos os vocábulos acima citados são, com uma ou outra excepção apenas, de origem tupi.

Esta língua, como diz o sr. Teodoro Sampaio no seu precioso livrinho "O Tupi na Geografia Nacional", vicejou próspera e forte em quase todo o país, sobretudo em S. Paulo e algumas outras capitanias. Aqui, segundo aquele escritor, a gente do campo falava a língua geral até fins do século XVIII. Todos a sabiam, ou para se exprimir, ou para entender. Era a língua das bandeiras; era a de muitos dos próprios portugueses aqui domiciliados.

É o que explica essa absoluta predominância do tupi, entre as línguas brasílicas, na toponímia local, na nomenclatura de animais e de plantas e em geral no vocabulário de procedência indígena.

É possível, entretanto, como dissemos, que haja excepções. Mesmo sem outros elementos de suspeita, pode-se duvidar que todos os vocábulos vulgarmente apresentados como tupis de fato sejam dessa língua, ou mesmo de qualquer outra língua brasílica, considerando-se apenas as dificuldades de ordem geral que embaraçam todo trabalho etimológico em idiomas não escritos, cujas formas variam tanto no tempo e no espaço, e se acham tão sujeitas, em bocas estranhas, a profundas corrupções voluntárias e involuntárias. (13)

  1. Muitos dos vocábulos de procedência indígena flutuam numa grande variabilidade de formas, principalmente certos nomes de animais e de plantas: açatonga, açatunga, guaçatonga, guaxatonga; caraguatá, crauatá, cravatá; tarira, taraira, traíra; maitaca, baitaca; corimbatá, curumbatá, curimatá. Na terminação vogal + b + vogal, geralmente usada pela gente culta, o caipira prefere quase sempre v a b: jabuticava, mangava, beréva, tiriva, taióva, saúva.

A origem destas incertezas está em que a nossa fonética nem sempre possui sons exatamente correspondentes aos indígenas. O u consoante (w) foi desde cedo interpretado de vários modos: por uns como v, por outros como b, por outros ainda como gh: é o que explica as variações caraguatá, carauatá, cravatá, - capivara, capibara, capiguara, - piaçava, pioçaba, piaçágua (cf. Piaçagùéra), etc.

A pronúncia popular, nestes casos, é a melhor. O povo, direta e inconscientemente influenciado pela fonética indígena, conserva ainda sinais dessa influência na própria incapacidade para bem apanhar o som distinto de v em vocábulos portugueses: daí pronúncias, que às vezes se ouvem, como guapô por vapor, etc. (14)

ELEMENTOS DE VÁRIA PROCEDÊNCIA

  1. A receptividade do dialeto em relação a termos de origem estranha é muito limitada, porque as necessidades de expressão, para o caipira, raramente vão além dos recursos ordinários.

O caipira genuíno vive hoje, com pouca diferença, como vivia há duzentos anos, com os mesmos hábitos, os mesmos costumes, o mesmo fundo de idéias. Daí o conservar teimosamente tantos arcaísmos - e também tantos termos especiais que, vivos embora no português europeu, são às vezes completamente desconhecidos, aqui, da gente da cidade, tais como chêda, tamoeiro, cambota, náfego, etc. Daí, também, o não precisar tanto de termos novos, que, pela maior parte, ou designam coisas a que vive alheio, ou idéias abstratas que não atinge.

  1. Dos vocábulos estrangeiros modernamente introduzidos na língua e que são de uso corrente no falar das pessoas mais ou menos cultas, ele só tem aceito alguns, poucos, relativos a objetos de uso comum, produtos de artes domésticas, etc.: paletó (que desterrou por completo o vernáculo casaco), croché, cachiné, revórve, etc.
  2. Existem entretanto no dialeto muitos vocábulos (além dos brasílicos e parte dos africanos) que não lhe vieram por intermédio da língua. Destas aquisições, umas pertencem ao dialeto geral do Brasil, outras resultaram da própria atividade paulista. Exemplos:

Do guarani, do quichúa (15):

  • chacra
  • garõa
    • guaiaca
    • guaiava
      • iapa
      • pampa
        • purungo

Do castelhano:

  • amarilho
  • aragano
  • caraquento
  • cincha
  • cochonilho
    • cola
    • empalizado
    • enfrenar
    • entreverar
    • lonca
      • lunanco
      • parêia
      • pareiêro(16)
      • perrengue
      • pitiço
        • porvadêra
        • rengo
        • retovado
        • rinha

Dos dialetos ibero-sul-americanos e do vocabulário sul-rio-grandense:

  • bagual
  • gaúcho
    • guasca
    • matungo
      • pala
      • pangaré
        • ponche
        • retaco

Quase todos esses termos nos vieram por intermédio do Rio Grande do Sul, com o qual mantiveram outrora os paulistas intensas relações de comércio, sobretudo de comércio de animais, sendo freqüentíssimas as viagens de tropeiros de uma para outra província. Dessas relações guardam ainda os vocabulários e os costumes populares de lá e de cá numerosíssimos elementos comuns, não só de origem estrangeira, como de elaboração própria.

  1. A maior parte dos vocábulos africanos existentes no dialeto caipira não são aquisições próprias. A colaboração do negro, por mais estranho que o pareça, limitou-se à fonética; o que dele nos resta no vocabulário rústico são termos correntes no país inteiro e até em Portugal:
    • angu
    • banguela
    • batuque
    • binga
    • cachaça
      • cacunda
      • carimbo
      • caximbo
      • cuxilo
      • lundu
        • macóta
        • malungo
        • mandinga
        • missanga
        • quilombo
          • quingengue
          • quisília
          • samba
          • sanzala
          • urucungo