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Consumo Nocivo de Álcool: Dados Epidemiológicos Mundiais, Manuais, Projetos, Pesquisas de Saúde Pública

eBook que trata sobre o uso do álcool e suas complicações.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2019

Compartilhado em 21/08/2019

flavio-duccini
flavio-duccini 🇧🇷

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Consumo nocivo de álcool:
dados epidemiológicos
mundiais
Introdução
A cada ano, cerca de 2 bilhões de pessoas consomem bebidas alcoólicas, o que
corresponde a aproximadamente 40% (ou 2 em cada 5) da população mundial
acima de 15 anos. Em grande parte, as experiências com os compostos psicoativos
provenientes das bebidas alcoólicas provém do consumo de produtos comerciais,
como verificado nos registros oficiais de cada país (p. ex., arrecadação de impostos).
Ainda assim, há um consumo considerável de produtos alcoólicos não-comerciais,
como “vinho de palmeira”, “bebidas caseiras” e “chicha”, que também são levados
em conta nas estimativas globais do consumo de álcool. Focando-se nas conse-
qüências nocivas, a cada ano, estima-se que morrem 2 a 2,5 milhões de pessoas
devido ao uso de álcool (p. ex., intoxicações agudas, cirrose hepática induzida pelo
álcool, violência e colisões de automóveis). A proporção entre os dois (2 bilhões de
consumidores; 2 a 2,5 milhões de mortes atribuídas ao álcool) indica que a cada
ano as conseqüências nocivas do álcool são responsáveis por, aproximadamente,
1,2 morte atribuível ao álcool para cada 1.000 consumidores – aproximadamente
James C. Anthony
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Baixe Consumo Nocivo de Álcool: Dados Epidemiológicos Mundiais e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Saúde Pública, somente na Docsity!

Consumo nocivo de álcool:

dados epidemiológicos

mundiais

Introdução

A cada ano, cerca de 2 bilhões de pessoas consomem bebidas alcoólicas, o que corresponde a aproximadamente 40% (ou 2 em cada 5) da população mundial acima de 15 anos. Em grande parte, as experiências com os compostos psicoativos provenientes das bebidas alcoólicas provém do consumo de produtos comerciais, como verificado nos registros oficiais de cada país (p. ex., arrecadação de impostos). Ainda assim, há um consumo considerável de produtos alcoólicos não-comerciais, como “vinho de palmeira”, “bebidas caseiras” e “chicha”, que também são levados em conta nas estimativas globais do consumo de álcool. Focando-se nas conse- qüências nocivas, a cada ano, estima-se que morrem 2 a 2,5 milhões de pessoas devido ao uso de álcool (p. ex., intoxicações agudas, cirrose hepática induzida pelo álcool, violência e colisões de automóveis). A proporção entre os dois (2 bilhões de consumidores; 2 a 2,5 milhões de mortes atribuídas ao álcool) indica que a cada ano as conseqüências nocivas do álcool são responsáveis por, aproximadamente, 1,2 morte atribuível ao álcool para cada 1.000 consumidores – aproximadamente

James C. Anthony

Álcool e suas conseqüências: uma abordagem multiconceitual

6% de todas as mortes entre homens (consumidores e não-consumidores soma- dos) e 1% entre as mulheres. Mundialmente, o custo anual estimado do consumo nocivo em cada ano se encontra entre 0,6% até 2% do PIB global (aproximada- mente, US$ 210.000.000 até US$ 665.000.000). Esses custos estão distribuídos, de forma não-aleatória, pelos países do mundo, freqüentemente acompanhando o consumo per capita de álcool, como mostrado na Figura 1 (criada para esse ca- pítulo utilizando o software de mapeamento STATA e estimativas que podem ser obtidas do Statistical Information Systems Online Databases , uma ferramenta muito útil, disponibilizada pela Organização Mundial de Saúde – OMS –, que serviu de fonte para muitas estatísticas apresentadas neste capítulo^1 ). Como a Figura 1 mostra, com base em estatísticas da OMS para o ano de 2003, os países mais escuros incluem Hungria, Irlanda, Luxemburgo e a República da Moldávia, todos com consumo de álcool per capita registrado acima de 13 litros de etanol puro para habitantes acima de 15 anos. No outro extremo estão países como Afeganistão, Líbia, Mauritânia e Paquistão, onde os valores baixíssimos para o consumo per capita (abaixo de 0,5 litro) provavelmente não levam em conta o “mercado negro” e o “mercado cinza” para o consumo de álcool. Ainda assim,

Figura 1 Estimativas para consumo de etanol puro per capita para a população de cada país, com idade de 15 anos ou superior. (Ver figura em cores no Caderno Colorido). Fonte: adaptado de WHOSIS^1 , utilizando o software STATA: http://www.who.int/whosis/.

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Etanol ([0,.001] per capita ) (.001,3] (3,5] (5,7] (7,9] (9,11]

Álcool e suas conseqüências: uma abordagem multiconceitual

É claro que, em alguns países, os movimentos pela moderação demoraram a se desenvolver. Por exemplo, em um relato do movimento antiálcool na Europa, E.B. Gordon afirma que “em 1893 havia apenas um abstêmio conhecido no Im- pério Alemão, ao Sul de Eider, o Sr. Georg Asmussen [de Hamburgo]...”. Gordon acrescenta que, em 1897, o famoso cientista de saúde pública, o Professor Max von Petenkofer e seu colega von Bunge buscaram criar um consenso de moderação na Alemanha, e pediram a seus colegas médicos que se juntassem a eles na pro- moção da abstinência do álcool. Apenas nove médicos na Alemanha concordaram em assinar a declaração de abstinência quando foi circulada por Petenkofer e von Bunge 3. Durante a década passada, uma crescente preocupação com as conseqüências nocivas do consumo do álcool estimularam o renascimento de idéias sobre a regu- lação internacional de bebidas alcoólicas, incluindo a possibilidade de adicionar o álcool ao “calendário de controle de drogas” dos tratados sobre drogas psicotró- picas utilizados atualmente em esforços coletivos para reprimir mercados ilegais para outras substâncias psicoativas como a cocaína e a heroína 4. Estimulados pelo trabalho recente da Comissão de Determinantes Sociais de Saúde, patrocinada pela OMS, Room, Schmidt, Rehm e Makela 5 divulgaram a necessidade de uma convenção internacional de debates para o álcool (similar ao que existe para o tabaco), argumentando que: A crescente afluência nas regiões de rápido desenvolvimento no mundo – Ásia Oriental, a região do Pacífico e Sul Asiático – tem levado a um aumento no consumo de álcool, juntamente com um maior custo devido aos danos cau- sados pelo álcool. Esses aumentos precedem futuras tendências de consumo e danos para outros países em desenvolvimento – como os da África e Américas Central e do Sul. (...) Argumentos como esses tornam oportuno um olhar mais detalhado para os dados epidemiológicos mundiais de uma seleção de conseqüências nocivas do ál- cool, com vistas para evidências epidemiológicas em tópicos como a carga global das doenças atribuídas ao consumo de bebidas alcoólicas, bem como evidências recentemente publicadas sobre complicações associadas, como as Síndromes de

Consumo nocivo de álcool: dados epidemiológicos mundiais

Dependência do Álcool. A revisão de evidências e estimativas neste capítulo ba- seia-se fortemente na síntese e adaptação de material já publicado dos arquivos da OMS (incluindo o site da WHO Statistical Information System – WHOSIS)^1 , bem como duas outras fontes primárias: (1) publicações do recente Consórcio Mun- dial de Pesquisas sobre Saúde Mental ( World Mental Health Surveys Consortium

- WMHS), na qual o autor participa como investigador principal e colaborador, e (2) estimativas, previsões e bases de dados da Carga Global de Doenças ( Global Burden of Disease – GBD), criados por Mathers e Loncar 6 da Public Library of Sciences (PLoS), de acesso livre. Na maior parte, a preparação do capítulo envol- veu a adaptação de estimativas e evidências de tabelas e figuras publicadas pelo WMHS, bem como cálculos baseados no WHOSIS e outras bases de dados como apêndices que Mathers e Loncar criaram e publicaram na época de seus artigos do PLoS. Cálculos baseados nos dados de Mathers e Loncar (referidos, de agora em diante, como “M-L”) envolveram o cálculo de razões das estimativas nas bases de dados do PLoS para o ano de 2002 e projeções nos bancos de dados do PLoS para o ano de 2030, bem como a preparação de estimativas de resumos metanalíticos e disposições gráficas. Detalhes metodológicos sobre o WMHS e as abordagens M-L podem ser encontradas em publicações prévias 6-7. A visão geral, apresentada neste capítulo, de evidências epidemiológicas sele- cionadas, tem como objetivo complementar o que é apresentado nos outros ca- pítulos deste livro, que analisam as complicações médicas e potenciais benefícios do consumo moderado de álcool em longo prazo (p. ex., benefícios à saúde car- diovascular, como descrito no capítulo 2), dependência de álcool (capítulo 3), problemas relacionados ao consumo por estudantes (capítulo 4), beber em padrão binge ou beber pesado episódico (capítulo 5), o álcool em relação à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana e a síndrome da imunodeficiência adquirida (HIV/AIDS, capítulo 6), violência relacionada ao álcool (capítulo 7), colisões de automóveis e outras fatalidades no trânsito associadas ao álcool (capítulo 8), e o espectro dos transtornos fetais e outras complicações relacionadas ao consumo de álcool durante a gravidez (capítulo 9). Neste capítulo, o foco principal são as projeções e estimativas publicadas de Anos de Vida Saudáveis Perdidos por Inca-

Consumo nocivo de álcool: dados epidemiológicos mundiais

dos cinzas e negros, ou distribuídos como presentes sem remuneração documentada. Isto é, há mais evidências para apoiar a idéia de que a riqueza de uma nação determi- na seu consumo de produtos alcoólicos comerciais do que para apoiar o aumento no consumo de todas as formas de álcool causado por uma maior riqueza. Entretanto, a hipótese de que a riqueza de uma região ou Estado-Nação é o motor do consumo de álcool e das taxas de incidência de transtornos relacionados a este devem continuar na agenda para futuras pesquisas. O escopo deste capítulo é um pouco mais estreito e está preocupado com variações regionais, nacionais e temporais na ocorrência de conseqüências atribuíveis ao álcool (associadas aos transtornos relacionados ao uso de álcool), sem a tentativa de explicar a que se deve essa variação. Para leitores familiarizados com as cinco rubricas principais da epidemiologia, este capítulo se foca na primeira rubrica (Quantidade) e na segun- da rubrica (Localidade), e não se foca nas complexidades encontradas quando as outras três rubricas da epidemiologia (Causas, Mecanismos, Prevenção e Contro- le) são consideradas^8. As variações observadas, como podem ser vistas no relato das projeções epidemiológicas da futura GBD, associadas com os transtornos do uso de álcool, podem ser relacionadas, em grande parte, às mudanças previstas na estrutura demográfica de regiões e nações (descritas a seguir) – principalmente o envelhecimento demográfico das populações, de forma que um maior número de habitantes sobrevive após a adolescência e adentram a primeira etapa da vida adul- ta, onde geralmente serão encontradas as maiores estimativas de prevalência dos transtornos do uso de álcool (em comparação às estimativas de prevalência especí- ficas da vida pré-adulta e em idosos). Como será discutido adiante, alguns países e regiões podem esperar níveis reduzidos de alguns danos relacionados ao álcool, entre o presente e 2030, baseados no tipo oposto de mudança demográfica – espe- cificamente, reduções notáveis no número de adultos economicamente ativos. Algumas das evidências da WMHS sobre a idade de início de consumo podem ser usadas para ilustrar como isso ocorre e como o aumento na sobrevivência além da infância pode ter um impacto na ocorrência de danos relacionados ao álcool

  • ao ponto que os padrões de danos relacionados ao uso de álcool, na verdade, tendem a seguir a prevalência de consumo e o consumo per capita. Por exemplo, a

Álcool e suas conseqüências: uma abordagem multiconceitual

Figura 2 apresenta um resumo da distribuição da idade de início do consumo para cada país, baseado em uma pesquisa de amostras representativas da comunidade em dezessete localidades que participaram na fase de 2000 a 2005 da iniciativa do WMHS; em cada país, participantes selecionaram uma linguagem apropriada para o levantamento e questionaram sobre o mesmo item padronizado acerca da idade do primeiro consumo de bebida alcoólica. As estimativas resultantes fo- ram derivadas depois do ajuste de peso e pós-estratificação desenhados para serem apropriados aos desenhos de amostra de cada um dos levantamentos. As análises para essa figura envolveram uma restrição aos bebedores na vida, em cada amostra, e uma avaliação da idade em que cada consumidor iniciou o consumo. A Figura 2 utiliza cada curva plotada no site do WMHS^9 e simplifica os padrões de dados para enfatizar a curva mais à esquerda (locais com menor idade da primeira expe- riência com álcool entre os bebedores) e a curva mais à direita (locais com maiores idades de início de consumo entre os bebedores).

Figura 2 Resumo da distribuição de idade de início de consumo dentre os bebe- dores. Fonte: Degenhardt et al.^9

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condição do Espectro dos Distúrbios Alcoólicos Fetais se suas mães consumiram álcool durante a gestação. Na extrema direita da Figura 2, é possível ver que a maioria dos inícios de consumo ocorrem bem antes dos 64 anos, ou seja, antes do final da idade economicamente ativa típica. Dado que o início do consumo (e o início das conseqüências nocivas associadas) se dá no intervalo compreendido en- tre 15 e 64 anos, o tamanho da população de um país nessa faixa etária (o denomi- nador da “razão de dependência”) ajuda a determinar a freqüência e a ocorrência de conseqüências nocivas do beber naquele país. Como será esclarecido adiante neste capítulo, para países com previsão de re- dução da mortalidade infantil entre 2002 e 2030 (p. ex., devido à erradicação das doenças diarréicas da infância), as projeções demográficas disponíveis atualmente indicam um número aumentado de pessoas que chegam ao intervalo de 15 a 64

Figura 3 Estimativas para a incidência acumulada de beber aos 15 anos, para pessoas de 20-22 anos. Fonte: Degenhardt et al.^9

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Colômbia México EUA Bélgica França Alemanha Itália Holanda Espanha Ucrânia Israel Líbano Nigéria África do Sul Japão China Nova Zelândia

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Figura 4 Estimativas para a incidência acumulada de beber aos 21 anos, para pes- soas de 20-22 anos. Fonte: Degenhardt et al.^9

Proporção estimada com início de consumo até os 21 anos

Colômbia México EUA Bélgica França Alemanha Itália Holanda Espanha Ucrânia Israel Líbano Nigéria África do Sul Japão China Nova Zelândia EstimativaGeral Aproximada

anos, que é o intervalo de maior risco para o início do consumo de álcool e dos problemas a ele relacionados. Em concordância, nesses países, aumentos notáveis no número de adultos em idade economicamente ativa serão acompanhados de aumentos notáveis no número de casos de fatalidades relacionadas ao álcool, se tudo mais se mantiver constante. Da mesma forma, reduções notáveis do número de adultos em idade economicamente ativa serão acompanhadas de reduções no- táveis do número dessas fatalidades, se tudo mais se mantiver constante. Padrões específicos de idade, do tipo mostrado nas Figuras 2 a 4, indicam que os padrões epidemiológicos mundiais de conseqüências nocivas do consumo de álcool depen- derão de padrões demográficos e mudanças da categoria descritas anteriormente, e não apenas de padrões de variação no consumo per capita de álcool como mos- trado na Figura 1. De fato, essas análises epidemiológicas típicas de consumo de

Consumo nocivo de álcool: dados epidemiológicos mundiais

Finalmente, antes de finalizar esta introdução, deve-se mencionar que este ca- pítulo não cobre todas as formas de conseqüências nocivas atribuídas ao consumo de álcool. Por exemplo, as associações bem conhecidas do consumo de álcool com o Espectro dos Transtornos Alcoólicos Fetais e outros resultados gestacionais não são mencionados. Condições neurológicas como as síndromes de Wernicke e Kor- sakoff não foram estudadas, bem como outras patologias e transtornos comporta- mentais que ganharam a atenção de epidemiologistas psiquiátricos contemporâneos, como o jogo patológico 12. Felizmente, há outras fontes de evidências sobre essas conseqüências nocivas relacionadas ao álcool, incluindo revisões recentes que são mais abrangentes do que o presente capítulo.13-

uma orIentação para os transtornos relacIona- dos ao uso de álcool

A seção introdutória deste texto já cobriu uma lista das conseqüências nocivas do consumo de álcool, capítulo por capítulo, sobre um cenário histórico do seu uso e potenciais benefícios médicos de níveis moderados de consumo em longo prazo. Para alguns leitores, pode ser útil oferecer uma lembrança de que algumas conseqüências nocivas podem estar relacionadas a uma única ocasião de intoxica- ção (p. ex., uma intoxicação aguda e possivelmente fatal, como parte de um trote de iniciação à universidade), e algumas vezes estará associado a um comportamen- to socialmente mal-adaptado como dirigir sob a influência de álcool (p. ex., cau- sando uma fatalidade no trânsito ou ferimento não-letal). Outras conseqüências nocivas necessitam de acontecimentos em longo prazo (p. ex., cirrose hepática induzida por álcool ou uma síndrome de dependência alcoólica). Em geral, os dados epidemiológicos mundiais sobre as conseqüências nocivas do consumo de álcool têm se ocupado com o que ocorre depois de comportamentos de consumo em longo prazo, com algumas exceções (p. ex., colisões no trânsito causadas pela embriaguez ao volante). Especificamente, tem havido um foco nos “Transtornos Relacionados ao Uso de Álcool” (AUD) como foi originalmente deter- minado pela American Psychiatric Association (APA) em relação às duas categorias diagnósticas que se sobrepõem, a de “abuso de álcool” e “dependência de álcool”,

Álcool e suas conseqüências: uma abordagem multiconceitual

posteriormente convertidas em duas categorias não-sobreponentes de “dependência de álcool” e “uso de álcool não-dependente”, e com um desenvolvimento análogo para a Classificação Internacional de Doenças (CID) da OMS na forma de “depen- dência alcoólica” e “uso nocivo de álcool”. (Os especialistas da OMS deliberadamen- te evitaram as conotações pejorativas, moralistas e cheias de estigma do termo abuso que seus colegas americanos da APA preferiram manter.) Como discutido em outras publicações, o conceito americano de “abuso de álcool”, na verdade, inclui padrões do uso mal-adaptado de álcool com manifestações como incapacidade de atingir suas obrigações sociais e expectativas de familiares, amigos, professores, empregado- res (ou outros “julgadores naturais” em seus campos sociais), ou infrações recorrentes de embriaguez ao volante e outros padrões de consumo associados a riscos^15. Con- tudo, ocasionalmente, a construção do uso nocivo de álcool tornou-se operacional em termos quantitativos, como em uma definição específica para cada gênero, em construção por Rehm et al., que estavam conscientes de que a curva dose-resposta do etanol possa mostrar um desvio para a esquerda para mulheres, comparado aos homens. Especificamente, o uso nocivo de álcool pode ser mensurado como um consumo regular médio de 40 g diárias de etanol para mulheres e 60 g diárias de etanol para homens bebedores^16. Em comparação, há uma forma potencialmente mais tóxica do “consumo nocivo de álcool” que agora é denominada “beber pesado episódico” (BPE) (substituindo o termo freqüentemente mal compreendido binge drinking ). Essa denominação é definida, operacionalmente, como uma única oca- sião de consumo que inclui o uso de pelo menos 60 g de etanol. Implicitamente, um único episódio de beber pesado episódico pode causar danos (p. ex., hospitalização por intoxicação alcoólica), mas não qualificaria o bebedor para o diagnóstico de “uso nocivo de álcool” como definido por Rehm et al., que indicam o “consumo regular” como um critério necessário. Especialmente na abordagem americana, os AUDs podem ser incluídos dentro de uma denominação mais geral de Transtornos Relacionados ao Uso de Drogas (DUD, do inglês Drug Use Disorders ), por vezes denominados por Transtornos Re- lacionados ao Uso de Substâncias (SUD, do inglês Substance Use Disorders ) quando uma platéia não-acadêmica pode não notar que o álcool, na verdade, é uma droga

Álcool e suas conseqüências: uma abordagem multiconceitual

nhecido há algum tempo para o tabaco e a dependência dele. Isto é, os DALYs indiretamente atribuíveis ao uso e à dependência de tabaco foram divididos em categorias de DALYs para neoplasmas malignos, doenças respiratórias e cardio- vasculares. O reconhecimento desse artefato estimulou o desenvolvimento de um conceito mais abrangente de mortalidade prematura e DALYs atribuíveis ao ta- baco, seguido de esforços para somar todas as mortes e DALYs potencialmente causadas pelo tabaco que podem originalmente ter sido classificados em outras categorias. Para ilustrar, Mathers e Loncar 6 projetaram que em 2015 haverá 6, milhões de mortes causadas pelo tabaco, principalmente na forma de câncer, como a forma mais proximal, mas também com contribuições de outras categorias ante- riormente separadas como mortes por doenças respiratórias e cardiovasculares. Numa aplicação desse mesmo tipo de cenário para a análise comparada de ris- cos, a carga total global de saúde devido ao álcool iria considerar as mortes prema- turas causadas este em cirrose hepática, doença isquêmica do coração, acidentes vasculares cerebrais (isquêmicos ou hemorrágicos), bem como os anos vividos com incapacitação induzidos pelas conseqüências de um derrame não-fatal atribuído ao álcool. A carga total de saúde global devido ao álcool incluiria também o con- dutor que, sob efeito de álcool, causa uma morte em uma colisão, possivelmente com incapacitações residuais para os sobreviventes, bem como o número maior de mortes, por embriaguez ao volante, causadas por motoristas que sofrem de um transtorno relacionado ao uso de álcool. A soma das mortes prematuras totais e anos vividos com incapacitações atribuíveis ao álcool é um processo contínuo, ainda inacabado. Leitores interessados encontrarão um relatório atualizado na internet, usando os termos de busca Global Burden e Alcohol , que disponibiliza informações sobre a determinação de risco da morbi-mortalidade relacionada ao álcool, a ser publicado nos próximos anos. Um dos primeiros sites para apresen- tações desse tipo de trabalho sobre o uso de álcool está localizado em http://www. med.unsw.edu.au/gbdweb.nsf^19. Contudo, a fim de apresentar as estimativas de DALYs atualmente disponíveis é necessário que se foque a atenção na categoria diagnóstica dos Transtornos Re- lacionados ao Uso de Álcool, geralmente devidos ao beber em longo prazo. Com

Consumo nocivo de álcool: dados epidemiológicos mundiais

esse foco, pode-se ter uma visão global sobre essa forma de conseqüência nociva do consumo de álcool. Na próxima seção deste capítulo, apresentam-se algumas esti- mativas recentemente publicadas de freqüência e ocorrência de AUDs, agrupados com outras formas de “abuso de drogas” e “dependência de drogas” sob o título de “Transtornos Relacionados ao Uso de Drogas”, conscientes que, virtualmen- te, em todas as populações estudadas, os AUDs respondem pela grande maioria dos DUDs observados, e que uma maioria considerável dos casos ativos de DUD não-alcoólico tem um histórico de AUD ou posteriormente desenvolvem AUD. De fato, como há uma subestimação bem conhecida dos AUD (e DUD) em le- vantamentos de comunidades (p. ex., devido a estados de negação ou tendências de sub-relatar ou desconsiderar problemas com álcool e outras drogas), os valores estimados para o grupo agregado de DUD pode compensar essa subestimação de forma que a freqüência e ocorrência estimadas de DUD se aproximam ainda mais da freqüência e ocorrência verdadeiras de AUD, especificamente nas estimativas de levantamentos populacionais.

FreqüêncIa estImada de aud e dud

As primeiras estimativas a serem apresentadas nesta seção referem-se a epide- miologia do AUD e DUD, mas com o intuito de preparar o cenário para a apre- sentação dessas estimativas, a Figura 3 descreve previsões mais simples oriundas do WMHS e que representam variações internacionais na ocorrência do beber entre adultos. Antes da apresentação dessas estimativas, é necessário ressaltar que até mesmo os melhores estudos epidemiológicos sobre o consumo de álcool po- dem produzir dados enviesados da ocorrência do beber e de problemas oriundos do uso de álcool, especialmente quando o desenho do estudo envolve amostras transversais de experiências humanas. Para entender esse possível viés devido à amostragem transversal, é necessário conceitualizar o risco na vida do beber como uma grandeza gradual que se inicia com o valor zero a partir do momento em que o indivíduo nasce. Como pôde ser observado anteriormente na Figura 2, qualquer risco individual do início de consumo de álcool por vontade própria se mantém num valor bastante baixo durante os estágios iniciais da vida. Globalmente, du-

Consumo nocivo de álcool: dados epidemiológicos mundiais

mente resultante de uma intoxicação alcoólica). Por conta da força da mortalidade relacionada ao uso de álcool ser bastante baixa antes dos 15 anos de idade, deve haver pouco viés nas estimativas transversais para os mais jovens da coorte. Mas este não é o caso para as primeiras coortes de nascimento. Observando os está- gios de idade mais tardios, pode-se imaginar o impacto das taxas de mortalidade relacionadas ao envelhecimento, na medida em que cada vez mais membros da coorte morrem a cada ano que se passa desde o nascimento (p. ex., mãe que morre durante o parto; avô que morre por derrame). Com a extensão que o álcool causa a morte prematura, a amostra transversal em 2000 de cada coorte de nascimento anterior necessariamente representa a experiência dos sobreviventes; os não-sobre- viventes cujas mortes foram devidas ao uso de álcool não estão incluídos nessas estimativas derivadas de estudos transversais. Dessa forma, as estimativas para características da amostra transversal são desti- nadas somente para sobreviventes, e podem subestimar os reais comportamentos e as condições de saúde relacionadas ao consumo de álcool de cada coorte de nascimento amostrada transversalmente. É por essa razão que nosso grupo de pes- quisa geralmente não tenta estimar o risco na vida a partir de dados de pesquisas transversais quando a condição sob estudo pode gerar mortalidade prematura. Há exceções nos trabalhos publicados por nosso grupo de pesquisa, mas as limitações metodológicas são claramente explicitadas em artigos sobre esse tema 20. Por outro lado, a escolha geralmente tem sido apresentar estimativas na forma de proporções de incidência acumulada entre os sobreviventes Cumulative Incidence Proportions Among Survivors – CIPAS, que é um termo que ajuda a compreensão da possi- bilidade de alguns membros da população da coorte de nascimento poderem ter morrido prematuramente. A Figura 5 apresenta uma metanálise baseada em estimativas CIPAS para o con- sumo de álcool nos estágios iniciais da iniciativa WMHS. Como se pode obser- var, a maior estimativa CIPAS foi encontrada para um inquérito de comunidade realizado com adultos da Ucrânia, onde todos, exceto cerca de 2% da população sob estudo, havia consumido álcool em pelo menos uma ocasião até a data de re- alização da pesquisa. A menor estimativa foi encontrada para um inquérito de co-

Álcool e suas conseqüências: uma abordagem multiconceitual

munidade no Líbano, onde somente 40% da população residente adulta haviam consumido uma dose em pelo menos uma ocasião – isto, provavelmente, devido às tradições Islâmicas adotadas por grande parte da população desse país^9. A estimativa metanalítica CIPAS de 80% (originada especialmente para este capítulo) fornece uma estimativa geral para a experimentação global, baseada nes- sa seleção não-aleatória dos locais da WMHS. Especificamente, baseado nas ex- perimentações das populações estudadas no início do século XXI, foi encontrada uma estimativa de que 80% dos adultos haviam consumido bebidas alcoólicas em pelo menos uma ocasião. Lembrando que essa não é uma estimativa do risco na vida , mas sim uma estimativa para a proporção de incidência acumulada entre os sobreviventes, como explicado anteriormente. Em contraste, a Figura 6 apresenta estimativas metanalíticas para a prevalên- cia de transtornos relacionados ao uso de drogas recentes e “clinicamente signi- ficantes”, de acordo com o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders

- Fourth Edition (DSM-IV). Essas estimativas foram baseadas em inquéritos de comunidade em amostras da população adulta conduzidos como parte da ini- ciativa WMHS, com uma restrição para os dez locais que possuíam um número suficiente de casos para serem incluídos na metanálise. Aqui, o conceito de significância clínica foi realizado operacionalmente por meio da exigência de uma evidência de um padrão comportamental prejudicial relacionado ao consumo de álcool ou uso nocivo antes da identificação dos casos de dependência DSM-IV ou síndromes de abuso sem dependência, como descrito por Degenhardt, Bohnert & Anthony15-17. Ainda, deve existir evidência de que o DUD clinicamente significante esteve ativo nos 12 meses anteriores à data de realização da pesquisa. Essas duas condi- ções (a atualidade e a significância clínica) servem para tornar essas estimativas de alguma maneira mais conservadoras do que se essas condições não tivessem sido exigidas. Vale a pena notar que a Itália e a Espanha possuem freqüências importantes de consumo (Figura 5), mas nenhuma estimativa para esses países é mostrada nas Figuras 6 e 7 porque o autor acredita que a avaliação do WMHS sobre o DUD