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Neste artigo, o autor analisa como a personagem hester prynne, da narrativa de nathaniel hawthorne the scarlet letter, é obrigada a usar uma letra escarlate como marca de seu pecado, que se transforma em sua margem de redenção e liberdade em uma sociedade rígida e intolerante. Além disso, a letra escarlate será discutida como representação do processo de fundação da américa. Palavras-chave: a letra a, hester prynne, adultério, alegoria, américa.
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Tipologia: Notas de aula
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Carlos Azevedo Universidade do Porto Resumo: Neste artigo, pretende-se analisar o modo como, pelo seu crime de adultério, Hester Prynne, protagonista feminina de Nathaniel Hawthorne em The Scarlet Letter , é obrigada a usar uma letra escarlate no seu peito enquanto marca do seu pecado, a qual, paradoxalmente, se transforma na sua margem de redenção e liberdade numa sociedade rígida e intolerante. Por outro lado, essa letra A, iniciadora do alfabeto, será igualmente perspectivada como re- presentação do processo de fundação da América como um Novo Mundo a haver. Palavras-chave: A Letra A , Hester Prynne, Adultério, Alegoria, América Abstract: This article aims to analyze how, for her crime of adultery, Hester Prynne, Nathaniel Hawthorne’s female protagonist in The Scarlet Letter , was punished with the mark of a letter A she had to wear on her chest, and which, paradoxically, will become a sign of her redemption and liberty in a rigid and intolerant society. On the other hand, that letter, the first of the alphabet, will also be discussed as a representation of the founding process of America as a nascent New World. Keywords: The Letter A , Hester Prynne, Adultery, Allegory, America
Carlos Azevedo No entender do conceituado americanista Sacvan Bercovitch, a Literatura Norte- -Americana, desde os seus primórdios, deixa transparecer uma recorrente obsessão com uma muito particular ideia de “América” de pendor ideológico, validada ou ques- tionada pelo poder da palavra (Bercovitch 1986: 419). Este estudioso faz remontar as origens dessa “América” e da ideologia que a sustenta à Nova Inglaterra, cuja coloni- zação pelo imaginário puritano, retomando mitos antigos – como o de Povo Eleito, Terra Prometida, Nova Jerusalém –, instituiu os termos em função dos quais o Novo Mundo inventou uma imagem para si próprio e para fora de si: a utopia finalmente realizável. Por outro lado, a propósito do romance maior de Nathaniel Hawthorne, Bervovitch sentencia: “It is not much to say that The Scarlet Letter began the institutionalization of an American literary tradition” (Bercovitch 1991: xix). Em The School of Hawthorne , já Richard Brodhead apresentara o autor de The Scarlet Letter como um conhecedor de tradi- ções, atento à projecção do passado no presente e ao modo como este se confronta com o passado (Brodhead 1986: 8). O exercício de arqueologia histórico-social desta figura cimeira do cânone literário norte-americano transporta-o, em registo intencio- nalmente crítico, à Nova Inglaterra do século XVII, fonte primeira de uma obra dada à estampa em 1850, na qual uma letra A , bordada a vermelho, se sobrepõe ao lugar do coração de uma mulher condenada por adultério, em conformidade com a rigidez dos códigos puritanos de então. Se tivermos em conta a consideração biográfica, será legítimo admitir que Hawthorne se serve das suas digressões pela história do país para exorcizar os seus fantasmas, ele próprio descendente de uma família puritana envolvida no julgamento das bruxas de Salem, Massachusetts, em finais do século XVII, com respaldo na arbitrariedade fanática de um punhado de líderes religiosos. No centro da chamada “Re-Nascença Americana”, período inaugural e flores- cente das letras norte-americanas, Hawthorne, a par de outros pensadores, poetas e romancistas oitocentistas – Ralph Waldo Emerson, Walt Whitman, ou Herman Melville –, entrelaça a sua visão da plenitude e incompletude da Améria com a palavra literária. A partir da Nova Inglaterra, pólo irradiador da vida cultural do seu tempo, Hawthorne revisita a rigidez ideológica, o radicalismo e a intolerância da sociedade da Salem seiscentista, palco de uma história de expiação e resgate que gira em torno de uma mulher transgressora, Hester Prynne, coagida à exibição pública de uma letra cor de fogo, escarlate, que estigmatizava as mulheres adúlteras e que vai adquirindo sentidos diversos desde o texto que lhe serve de introdução, “The Custom-House”. The Scarlet Letter aborda, sem o convocar declaradamente, um tópico electivo do século XIX, o adultério, na sua declinação puritana da América do século XVII, mas nem por isso menos susceptível de transposição para a condição humana em geral. Embora seja o agente propulsor do ordálio de Hester Prynne e da sua subsequente redenção, a palavra adultério fica confinada à pré-narrativa; o que surge plasmado no jogo ficcional é o signo desse pecado maior para um tribunal puritano. Por outro lado, num dos seus fluxos de (auto-) interrogação contemplativa, o narrador discorre
Carlos Azevedo que emana da sua imaginação fantasiosa, arquitecta a legitimação e autenticação da história que quer contar, admitindo ter encontrado documentação antiga que re- gista a vida de uma habitante de Massachusetts em finais do século XVII, de seu nome Hester Prynne, “who appeared to have been rather a noteworthy personage” ( idem : 31). A descoberta concomitante de um embrulho misterioso, com um fragmento de tecido vermelho que assume a forma de uma letra A – “a most curious relic” ( ibidem ) –, e o alegado ímpeto de decifrar o sentido dessa letra constituirão o pretexto para a narra- tiva que se vai seguir e para as figurações de expiação, culpa, hipocrisia e libertação que constituem a espinha dorsal do romance. O cenário onde a inspiração do motivo escarlate é dramatizada ascende deste modo à condição de espaço privilegiado para a criação literária e para a recuperação histórica que subjaz à feitura da obra. Ao nomear o achamento da letra, Hawthorne compõe uma imagética verbal a partir da selecção de elementos da realidade que ima- gina apreendida, ao mesmo tempo que estabelece com o leitor um pacto de confiança mútua, procurando garantir um contexto factual e coerente para que a narrativa exista. A letra A abandonada na alfândega é um emblema de tempos pré-Revolução Americana, das origens da nação, mas também de uma muito peculiar alfabetização da América e do seu abecedário cultural: A de uma América primeira que se adulterou ao longo da História sem nunca abdicar da sua capacidade auto-regeneradora. A América de Hester aprisiona-a na sua condição de mulher dissidente, para quem pecado ou crime são apenas palavras que servem para caucionar práticas de exclu- são, às quais resiste, desafiando-as. Enfrenta o olhar impiedoso das mulheres e dos homens de Boston, recusa denunciar Dimmesdale e expande o significado primeiro do A , subvertendo-o. A filha Pearl, “her elf-child”, prova pública do adultério, é a letra escar- late feita pessoa, orgulhosamente assumida por sua mãe, de quem herda o gosto pelo recolhimento e pela comunhão com a natureza. Longe das leis que a aprisionam, Hester encontra na solidão que a floresta oferece a sua margem de liberdade e a afirmação plena do seu ser. No capítulo XVI, “A Forest Walk”, Hester, como salienta Lucy Maddox, é capaz de fazer a sua própria leitura do seu percurso , que a conduz ao reconhecimento de uma evidência: “the moral wilderness in which she had so long been wandering” (Hawthorne 1963: 176). Atraída pelas manifestações de uma “wilderness” bem mais lite- ral, Hester admite encontrar na “floresta inescrutável” um lugar de sentido para a sua existência, “where the wildness of her nature might assimilate itself” ( idem : 75). Acres- centa Maddox: “Mentally, she is an inhabitant of ‘desert places, where she roamed as freely as the wild Indians in his woods’”(Maddox 1991: 119). É na exuberância do espaço selvático que Hester se despe de preconceitos e se reinventa como mulher, “naturali- zando” o adultério ao retirar das suas vestes aquela letra escarlate que Dimmesdale entende como espelho de uma outra que, simbolicamente, arde no seu corpo. Desde o momento em que aquele sinal de infâmia lhe foi imposto, Hester foi esvaziando a sua carga simbólica através do aparato decorativo com que o adorna,
Libreto #25 | 12/2020: 5-6 - ISBN 978-989-54784-4-6 | 10.21747/9789895478415/lib25a Práticas e memórias de exclusão: o romance de adultério do século XIX
numa intencionalidade deliberada que lhe vem da sua força interior e da sua con- testação dos poderes oficiais. Essa estética do excesso, a par da independência e firmeza de carácter desta mulher, autoriza as especulações do narrador em torno dos vários As que preenchem as páginas do romance. A consequência desta flutuação de sentidos surge alinhada com um propósito hawthorniano: a diluição do estigma do adultério por obra da sua protagonista, em sucessivos gestos emancipatórios que a redimem e que desvelam princípios e valores conducentes a um patamar de respei- tabilidade na comunidade. Se é certo que Hester desafia convenções, também não deixa de ser verdade que o seu desafio se alarga ao próprio Dimmesdale, acenando- -lhe com uma proposta de fuga, ao arrepio da natureza do seu parceiro no adultério. O padre Dimmesdale encerra em si uma divisão interior entre a veneração pública que lhe assegura um estatuto de eleição na comunidade e o dilaceramento interior que a ocultação do seu envolvimento passional com Hester lhe provoca. Sabe- -se culpado de traição a essa mulher que deixa entregue ao seu destino sem por ela interceder, mas também da traição a si próprio, denotando uma dupla personalidade que o arrasta para a representação de uma farsa, que mais não é do que a exibição da sua fraqueza e hipocrisia. Ou seja, Dimmesdale vive na dependência do dogma puritano e na inutilidade de confissões que nada solucionam, incapaz de transcender o seu vínculo à ideologia dominante e de partilhar a demanda de liberdade que Hester protagoniza, escondendo-se por trás da sua auto-comiseração. A duplicidade deste talentoso pregador, cujos sermões encantavam os seus fieis, tem as suas raízes mais profundas na estratificação daquela sociedade no que às questões de género diz respeito, dado que ao homem era outorgado, por uma espécie de direito divino, o poder inerente à condição de intermediário privilegiado de Deus. Parte da ironia que permeia The Scarlet Letter reside na troca de papeis entre dois seres diferentes entre si, uma vez que é Hester, a mulher do pecado e da desonra, que se impõe no romance como encarnação da autoridade, em contraste com a tibieza paralisante de Dimmesdale, que se imola na sua própria impotência. É como se as qualificações de “able” e “angel”, atribuíveis por definição à missão gloriosa do porta- dor da palavra divina, se transferissem da esfera do masculino para o espaço público feminino. De acordo com A. Robert Lee, Hester pode ser considerada uma pioneira do feminismo, na linha de Anne Hutchinson e Margaret Fuller, uma encarnação da “bruxa” enquanto mulher sexualmente autónoma, uma mártir do patriarcado, uma agente da “feminização” da cultura norte-americana, o equivalente norte-americano a Anna Karenina ou Emma Bovary (Lee 2011: 1184). A América de Hawthorne, palco de movimentos abolicionistas e da emancipação da mulher, põe na boca de Hester o anúncio de um novo mundo, ainda que condicionado no tempo:
Libreto #25 | 12/2020: 5-6 - ISBN 978-989-54784-4-6 | 10.21747/9789895478415/lib25a Práticas e memórias de exclusão: o romance de adultério do século XIX
Bibliografia Bercovitch, Sacvan/Jehlen, Myra (eds.) (1986), Ideology and Classic American Literature , Cambridge, Cambridge University Press. Bercovitch, Sacvan (1991), The Office of the The Scarlet Letter , Baltimore, The John Hopkins University Press. Bloom, Harold (ed.) (2004), Major Literary Characters: Hester Prynne , New York, Chelsea House. Brodhead, Richard (1986), The School of Hawthorne , New York, Oxford University Press. Crain, Patricia (2000), The Story of A: The Alphabetization of America from The New England Primer to The Scarlet Letter , Stanford, CA, Stanford University Press. Lee, A. Robert (2011), “The Scarlet Letter by Nathaniel Hawthorne (1850)”, in Schellinger, Paul (ed.), Encyclopedia of the Novel , vol, 2, London, Routledge. Maddox, Lucy (1991), Removals: Nineteenth-Century American Literature and the Politics of Indian Affairs , New York and Oxford, Oxford University Press.