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A essencia da Constituição - Ferdinand Lassale
Tipologia: Notas de estudo
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Fui convidado para fazer uma conferência e para isso escolhi um tema cuja importância não é necessário salientar pela sua oportunidade. Vou falar de problemas constitucionais, isto é, qual a essência de uma Constituição? Antes de entrar na matéria, porém, desejo esclarecer que a minha palestra terá um caráter estritamente científico; mas, mesmo assim, ou melhor, justamente por isso, não haverá entre vós uma única pessoa que possa deixar de acompanhar e compreender, do começo até o fim, o que vou expor. A verdadeira ciência - nunca será demais lembrar - não é mais do que essa clareza de pensamento que não promana de coisa preestabelecida, mas dimana de si mesma, passo a passo, todas as suas conseqüências, impondo-se com a força coercitiva da inteligência àquele que acompanha atentamente seu desenvolvimento. Esta clareza de pensamento não requer, pois, daqueles que me ouvem, conhecimentos especiais. Pelo contrário, não sendo necessário, como já disse possuir conhecimentos especiais para esclarecer seus fundamentos, não somente não precisa deles, como não os tolera. Só tolera e exige uma única coisa: que os que me lerem ou me ouvirem não o façam com suposições prévias de nenhuma espécie, nem idéias próprias, mas sim que estejam dispostos a colocar-se ao nível do meu tema, mesmo que acerca dele tenham falado ou discutido, e fazendo de conta que pela primeira vez o estão estudando, como se ainda não soubessem dele, despindo-se, pelo menos enquanto durar a minha investigação, de tudo quanto a seu respeito tenham como conhecido.
Sobre a Constituição Que é uma Constituição?
Que é uma Constituição? Qual é a verdadeira essência de uma Constituição? Em todos os lugares e a qualquer hora, à tarde, pela manhã e à noite, estamos ouvindo falar da Constituição e de problemas constitucionais. Na imprensa, nos clubes, nos cafés e nos restaurantes, é este o assunto obrigatório de todas as conversas. E, apesar disso, ou por isso mesmo, formulamos em termos precisos esta pergunta: Qual será a verdadeira essência, o verdadeiro conceito de uma Constituição? Estou certo de que, entre essas milhares de pessoas que dela falam, existem muito poucos que possam dar-nos uma resposta satisfatória. Muitos, certamente, para responder-nos, procurariam o volume que fala da legislação prussiana de 1850 até encontrarem os dispositivos da Constituição do reino da Prússia. Mas isso não seria, está claro, responder à minha pergunta. Não basta apresentar a matéria concreta de uma determinada Constituição, a da Prússia ou outra qualquer, para responder satisfatoriamente à pergunta por mim formulada: onde podemos encontrar o conceito de uma Constituição, seja ela qual for? Se fizesse esta indagação a um jurisconsulto, receberia mais ou menos esta resposta: “Constituição é um pacto juramentado entre o rei e o povo, estabelecendo os princípios alicerçais da legislação e do governo dentro de um país”. Ou, generalizando, pois existe também a Constituição nos países de governo republicano: “A Constituição é a lei fundamental proclamada pela nação, na qual baseia-se a organização do Direito público do país.” Todas essas respostas jurídicas, porém, ou outras parecidas que se possam dar, distanciam-se muito e não explicam cabalmente a pergunta que fiz. Estas, sejam as que forem, limitam-se a descrever exteriormente como se formam as Constituições e o que fazem, mas não explicam o que é uma Constituição. Estas afirmações dão-nos critérios, notas explicativas para conhecer juridicamente uma Constituição; porém não esclarecem onde está o conceito de toda Constituição , isto é, a essência constitucional. Não servem, pois, para orientar-nos se uma determinada Constituição é, e por que, boa ou má, factível ou irrealizável, duradoura ou insustentável, pois para isso seria necessário que explicassem o conceito da Constituição. Primeiramente torna-se necessário sabermos qual é a verdadeira essência de uma
diferença? Esta diferença é tão inegável, que existem até, constituições que dispõem taxativamente que a Constituição não poderá ser alterada de modo algum; noutras consta que para reformá-la não é bastante que uma simples maioria assim o deseje, mas que será necessário obter dois terços dos votos do Parlamento; existem ainda algumas onde se declara que não é da competência dos corpos legislativos sua modificação, nem mesmo unidos ao Poder Executivo, senão que para reformá-la deverá ser nomeada uma nova Assembléia Legislativa, ad hoc , criada expressa e exclusivamente para esse fim, para que a mesma se manifeste acerca da oportunidade ou conveniência de ser a Constituição modificada. Todos esses fatos demonstram que, no espírito unânime dos povos, urna Constituição deve ser qualquer coisa de mais sagrado, de mais firme e de mais imóvel que uma lei comum. Faço outra vez a pergunta anterior: Qual a diferença entre uma Constituição e uma simples lei? A esta pergunta responderão: Constituição não é uma lei como as outras, é uma lei fundamental da nação. É possível, meus senhores, que nesta resposta se encontre, embora de modo obscuro, a verdade que estamos investigando. Mas a mesma, assim formulada, de forma bastante confusa, não pode deixar-nos satisfeitos. Imediatamente surge, substituindo a outra, esta interrogação: como distinguir uma lei da lei fundamental? Como vêem, continuamos onde começamos. Somente ganhamos um vocábulo novo, ou melhor, um termo novo, “lei fundamental”, que de nada nos servirá enquanto não soubermos explicar qual é, repito, a diferença entre lei fundamental e outra lei qualquer. Intentemos, pois, nos aprofundar um pouco mais no assunto, indagando que idéias ou que noções são as que vão associadas a esse nome de lei fundamental; ou, em outros termos, como poderíamos distinguir uma lei fundamental de outra lei qualquer para que a primeira possa justificar o nome que lhe foi assinalado. Para isso será necessário: 1º - Que a lei fundamental seja uma lei básica , mais do que as outras comuns, como indica seu próprio nome: “fundamental”. 2º - Que constitua – pois de outra forma não poderíamos chamá-la de fundamental – o verdadeiro fundamento das outras leis; isto é, a lei fundamental , se
realmente pretende ser merecedora desse nome, deverá informar e engendrar as outras leis comuns originárias da mesma. A lei fundamental , para sê-lo, deverá, pois, atuar e irradiar-se através das leis comuns do país. 3º - Mas as coisas que têm um fundamento não o são por um capricho; existem porque necessariamente devem existir. O fundamento a que respondem não permite serem de outro modo. Somente as coisas que carecem de fundamento, que são as casuais e as fortuitas, podem ser como são ou mesmo de qualquer outra forma; as que possuem um fundamento, não. Elas se regem pela necessidade. Os planetas, por exemplo, movem-se de um modo determinado. Este movimento responde a causas, a fundamentos exatos, ou não? Se não existissem tais fundamentos, sua trajetória seria casual e poderia variar a todo momento, quer dizer, seria variável. Mas se de fato responde a um fundamento, se é o resultado, como pretendem os cientistas, da força de atração do Sol, isto é bastante para que o movimento dos planetas seja regido e governado de tal modo por esse fundamento que não possa ser de outro modo, a não ser tal como de fato é. A idéia de fundamento traz, implicitamente, a noção de uma necessidade ativa, de uma força eficaz e determinante que atua sobre tudo que nela se baseia, fazendo-a assim e não de outro modo. Sendo a Constituição a lei fundamental de uma nação, será - e agora já começamos a sair das trevas - qualquer coisa que logo poderemos definir e esclarecer, ou, como já vimos, uma força ativa que faz, por uma exigência da necessidade, que todas as outras leis e instituições jurídicas vigentes no país sejam o que realmente são. Promulgada, a partir desse instante, não se pode decretar, naquele país, embora possam querer, outras leis contrárias à fundamental. Muito bem, pergunto eu, será que existe em algum país – e fazendo esta pergunta os horizontes clareiam – alguma força ativa que possa influir de tal forma em todas as leis do mesmo, que as obrigue a ser necessariamente, até certo ponto, o que são e como são, sem poderem ser de outro modo? Os Fatores Reais do Poder Esta incógnita que estamos investigando apóia-se, simplesmente, nos fatores reais do poder que regem uma determinada sociedade.
quando eu o ordenar. Assim, apoiado neste poder real, efetivo, das baionetas e dos canhões, não tolero que venham me impor posições e prerrogativas em desacordo comigo. Como podeis ver, um rei a quem obedecem o exército e os canhões é uma parte da Constituição. A Aristocracia Reconhecido o papel do rei e do exército, suponhamos agora que os senhores dissessem: Somos tantos milhões de pessoas, entre as quais somente existe um punhado cada vez menor de grandes proprietários de terras pertencentes à nobreza. Não sabemos por que esse punhado, cada vez menor, de grandes proprietários agrícolas possui tanta influência nos destinos do país como os restantes milhões de habitantes reunidos, formando somente eles uma Câmara Alta que fiscaliza os acordos da Câmara dos Deputados, eleita esta pelos votos de todos os cidadãos, recusando sistematicamente todos os acordos que julgarem prejudiciais aos seus interesses. Imaginemos que os meus ouvintes dissessem: Destruídas as leis do passado, somos todos “iguais” e não precisamos absolutamente “para nada” da Câmara Senhorial. Reconheço que não seria fácil à nobreza atirar contra o povo e que assim pensassem seus exércitos de camponeses. Possivelmente teriam mais que fazer para livrar-se de suas forças privadas. Mas a gravidade do caso é que os grandes fazendeiros da nobreza tiveram sempre grande influência na Corte e esta influência garante-Ihes a saída do exército e dos canhões para seus fins, como se este aparelhamento da força estivesse “diretamente” ao seu dispor. Vejam, pois, como uma nobreza influente e bem-vista pelo rei e sua corte é também uma parte da Constituição. A Grande Burguesia Suponhamos agora o inverso. Suponhamos que o rei e a nobreza, aliados entre si para restabelecer a organização medieval, mas não ao pequeno proprietário, pretendessem impor o sistema que dominou na Idade Média, aplicando-o a toda a organização social, sem excluir a grande indústria, as fábricas e a produção mecanizada. Sabe-se que o “grande” capital não poderia, de forma alguma, progredir e mesmo viver sob o sistema medieval que impediria seu desenvolvimento. Entre outros motivos, porque este regime levantaria uma série de barreiras legais entre os diversos ramos de produção, por muita afinidade que os mesmos tivessem, e nenhum
industrial poderia reunir duas ou mais indústrias em suas mãos. Neste caso, por exemplo, entre as corporações dos fabricantes de pregos e os ferreiros existiriam constantes processos para deslindar as suas respectivas jurisdições; a estamparia não poderia empregar em sua fábrica somente um tintureiro, etc. Ademais, sob o sistema gremial daquele tempo, estabelecer-se-ia por lei a quantidade estrita de produção de cada industrial e cada indústria somente poderia ocupar um determinado número de operários por igual. Isto basta para compreender que a grande produção, a indústria mecanizada, não poderia progredir com uma Constituição do tipo gremial. A grande indústria exige, sobretudo - e necessita como o ar que respiramos -ampla liberdade de fusão dos mais diferentes ramos do trabalho nas mãos de um mesmo capitalista, necessitando, ao mesmo tempo, da produção em “massa” e da livre concorrência, isto é, a possibilidade de empregar quantos operários necessitar, sem restrições. Que viria a acontecer se nestas condições, e a despeito de tudo, obstinadamente implantassem hoje a Constituição gremial? Aconteceria que os senhores industriais, os grandes industriais de tecidos, os fabricantes de sedas, etc., fechariam as suas fábricas, despedindo os seus operários; e até as companhias de estradas de ferro seriam obrigadas a agir da mesma forma. O comércio e a indústria ficariam paralisados, grande número de pequenos industriais seriam obrigados a fechar suas oficinas e esta multidão de homens sem trabalho sairia à praça pública pedindo, exigindo pão e trabalho. Atrás dela, a grande burguesia, animando-a com a sua influência e seu prestígio, sustentando-a com o seu dinheiro, viria fatalmente à luta, na qual o triunfo não seria certamente das armas. Demonstra-se, assim, que os grandes industriais, enfim, são todos, também, um fragmento da Constituição. Os Banqueiros Imaginemos, por um momento, que o governo pretendesse implantar uma dessas medidas excepcionais, abertamente lesivas aos interesses dos grandes banqueiros. Que o governo entendesse, por exemplo, que o Banco da Nação não foi criado para a função que hoje cumpre: baratear mais ainda o crédito aos grandes banqueiros e aos capitalistas que possuem, por razão natural, todo o crédito e todo o dinheiro do país. Mas suponhamos que os grandes banqueiros passem a intermediar numerário daquele estabelecimento bancário para tornar acessível o crédito à
A Pequena Burguesia e a Classe Operária Imaginemos agora que o governo, querendo proteger e satisfazer os privilégios da nobreza, dos banqueiros, dos grandes industriais e dos grandes capitalistas, tentasse privar das suas liberdades políticas a pequena burguesia e a classe operária. Poderia fazê-lo? Infelizmente, sim; poderia, mesmo que fosse transitoriamente. Os fatos nos demonstram que poderia. Mas, e se o governo pretendesse tirar à pequena burguesia e ao operariado não somente as suas liberdades políticas, mas a sua liberdade pessoal, isto é, pretendesse transformar o trabalhador em escravo ou servo, retornando à situação em que se viveu durante os tempos da Idade Média? Subsistiria essa pretensão? Não, embora estivessem aliados ao rei a nobreza e toda a grande burguesia. Seria tempo perdido. O povo protestaria, gritando: Antes morrer do que sermos escravos! A multidão sairia à rua sem necessidade de que os seus patrões fechassem as fábricas; a pequena burguesia juntar-se-ia solidariamente com o povo e a resistência desse bloco seria invencível, pois nos casos extremos e desesperados também o povo, nós todos, somos uma parte integrante da Constituição. Os Fatores Reais do Poder e as Instituições Jurídicas – A Folha de Papel Esta é, em síntese, em essência, a Constituição de um país: a soma dos fatores reais do poder que regem uma nação. Mas que relação existe com o que vulgarmente chamamos Constituição? Com a Constituição jurídica? Não é difícil compreender a relação que ambos os conceitos guardam entre si. Juntam-se esses fatores reais do poder, os escrevemos em uma folha de papel e eles adquirem expressão escrita. A partir desse momento, incorporados a um papel, não são simples fatores reais do poder, mas sim verdadeiro direito - instituições jurídicas. Quem atentar contra eles, atenta contra a lei, e por conseguinte é punido. Ninguém desconhece o processo que se segue para transformar esses escritos em fatores reais do poder, transformando-os dessa maneira em fatores jurídicos.
Está claro que não aparece neles a declaração de que os senhores capitalistas, o industrial, a nobreza e o povo são um fragmento da Constituição, ou de que o banqueiro X é outro pedaço da mesma. Não, isto se define de outra maneira, mais limpa, mais diplomática.
O Sistema Eleitoral das Três Classes
Por exemplo, se o que se quer dizer é que determinados industriais e grandes capitalistas terão tais e quais prerrogativas no governo e que o povo – operários, agricultores e pequenos-burgueses – também tem certos direitos, não se fará constar com essa clareza e sim de modo diferente. O que se fará será simplesmente decretar uma lei, como a célebre lei eleitoral das “três classes” que vigorou na Prússia desde o ano de 1849, que dividia a nação em três grupos eleitorais, de acordo com os impostos por eles pagos e que, naturalmente, estariam de acordo também com as posses de cada eleitor. Segundo a estatística oficial organizada naquele ano (1849) pelo governo, existiam na Prússia 3.255.703 eleitores, que ficavam assim divididos: Primeiro grupo 153.808; Segundo grupo 409.945; Terceiro grupo 2.691.950. Por esta estatística eleitoral, vemos que na Prússia existiam 153. pessoas riquíssimas que possuíam tanto poder político como os 2.691.950 cidadãos modestos, operários e camponeses juntos, e que esses 153.808 indivíduos de máximos cabedais, somados aos 409.945 eleitores de posses médias que integravam a segunda classe, possuíam tanto poder político como o resto da nação. Ainda mais: os 153. grandes capitalistas e somente a metade dos 409.945 membros do segundo grupo dispunham de maior força política que a metade restante da segunda categoria somada aos 2.691.950 eleitores desprovidos de riqueza. Verifica-se que por esse meio cômodo se chega exatamente ao mesmo resultado como se na Constituição constasse: o opulento terá o mesmo poder político que 17 cidadãos comuns, ou melhor, nos destinos políticos do país o capitalista terá uma influência 17 vezes maior que um simples cidadão sem recursos.
nobreza, não será necessário mais do que redigir um artigo que reze assim: O rei nomeará todos os cargos do exército e da marinha; acrescentando mais um artigo: Ao exército e à marinha não será exigido o juramento de guardar a Constituição. E, se isto parecer ainda pouco, acrescentar-se-á à teoria, que não deixa de ter seu fundo de verdade, que o rei ocupa frente ao exército uma posição muito diferente daquela que lhe corresponde comparativamente com as outras instituições do Estado. Dir-se-ia que o rei, como comandante das forças militares do país, não é somente rei, é qualquer coisa mais, algo especial, misterioso e desconhecido, para cuja denominação inventaram a expressão chefe supremo das forças de mar e terra. Por isto, nem a câmara dos deputados nem mesmo a nação têm que preocupar-se com o exército, nem intervir nos seus assuntos e organização, limitando-se somente a votar as quantias necessárias para que a instituição subsista. E não pode negar-se que esta teoria tem seu apoio no artigo 108 da Constituição prussiana. Se esta dispõe que o exército não necessita prestar juramento de acatar a Constituição, como é o dever de todos os cidadãos da nação e do próprio rei, isto equivale, em princípio, a reconhecer que o exército fica à margem da Constituição e fora da sua jurisdição , que nada tem a ver com ela, que somente precisa prestar contas do que faz à pessoa do rei , sem manter relações com o resto do país. Conseguido isto, reconhecida ao rei a atribuição de preencher todos os postos vagos do exército e colocado este sob a sujeição pessoal do rei, este consegue por si reunir um poder muito superior ao que goza a nação inteira, supremacia esta que ficaria diminuída embora o poder efetivo da nação fosse dez, vinte ou cinqüenta vezes maior do que o do exército. A razão aparente deste contra-senso é simples.
O Poder Organizado e o Poder Inorgânico
O instrumento do poder político do rei, o exército, está organizado, pode reunir-se a qualquer hora do dia ou da noite, funciona com uma disciplina única e pode ser utilizado a qualquer momento que dele se necessite. Entretanto, o poder que se apóia na nação, meus senhores, embora seja como de fato o é, infinitamente maior, não está organizado. A vontade do povo, e,
sobretudo seu grau de acometimento, não é sempre fácil de pulsar, mesmo por aqueles que dele fazem parte. Perante a iminência do início de uma ação, nenhum deles é capaz de contar a soma dos que irão tentar defendê-la. Ademais, a nação carece desses instrumentos do poder organizado, desses fundamentos tão importantes de uma Constituição como acima demonstramos, isto é, dos canhões. É verdade que os canhões adquirem-se com o dinheiro fornecido pelo povo; certo também que se constroem e se aperfeiçoam graças às ciências que se desenvolvem no seio da sociedade civil: à física, à técnica, etc. Somente o fato de sua existência demonstra como é grande o poder da sociedade civil, até onde chegaram os progressos das ciências, das artes técnicas, dos métodos de fabricação e do trabalho humano. Mas aqui calha a frase de Virgílio: Sie vos non vobis! Tu, povo, fabrica-os e paga-os, mas não para ti! Como os canhões são fabricados sempre para o poder organizado e somente para ele, a nação sabe que essas máquinas de destruição e de morte, testemunhas latentes de todo o seu poder, a metralharão infalivelmente se revoltar. Estas razões explicam por que uma força organizada pode sustentar-se anos a fio, sufocando o poder, muito mais forte, porém desorganizado, do país. Mas a população um dia, cansada de ver os assuntos nacionais tão mal administrados e pior regidos e que tudo é feito contra sua vontade e os interesses gerais da nação, pode se levantar contra o poder organizado, opondo-lhe sua formidável supremacia, embora desorganizada. Tenho demonstrado a relação que guardam entre si as duas constituições de um país: essa constituição real e efetiva , integralizada pelos fatores reais de poder que regem a sociedade, e essa outra constituição escrita , à qual, para distingui-la da primeira, vamos denominar folha de papel.
Capítulo II Sobre a História Constitucionalista
A Constituição Real e Efetiva Uma Constituição real e efetiva a possuíram e a possuirão sempre todos os países, pois é um erro julgarmos que a Constituição é uma prerrogativa dos tempos modernos. Não é certo isso.
liberdades, os direitos especiais, os privilégios, os estatutos e as cartas outorgadas de uma casta, de um grêmio, de uma vila, etc. Todos esses fatos e precedentes, todos esses princípios de direito público, esses pergaminhos, esses foros, estatutos e privilégios reunidos formavam a Constituição do país, sem que todos eles, por sua vez, fizessem outra coisa que não exprimir, de modo simples e sincero, os fatores reais do poder que regiam o país. Assim, pois, todos os países possuem ou possuíram sempre e em todos os momentos da sua história uma Constituição real e verdadeira. A diferença nos tempos modernos - e isto não devem ficar esquecidas, pois tem muitíssima importância - não são as constituições reais e efetivas, mas sim as constituições escritas nas folhas de papel. De fato, na maioria dos Estados modernos, vemos aparecer, num determinado momento da sua história, uma Constituição escrita, cuja missão é a de estabelecer documentalmente , numa folha de papel, todas as instituições e princípios do governo vigente. Qual é o ponto de partida desta aspiração própria dos tempos modernos? Também isto é uma questão importantíssima e não há outro remédio senão estudá-la para sabermos a atitude que devemos adotar perante a obra constitucional, o juízo que devemos formar a respeito das constituições que regem atualmente e a conduta que devemos seguir perante as mesmas, para chegarmos finalmente ao seu conhecimento e a possuir uma arte e uma sabedoria constitucionais. Repito novamente: De onde provém essa aspiração, própria dos tempos modernos, de possuir uma constituição escrita? Vejamos. Somente pode ter origem, evidentemente, no fato de que nos elementos reais do poder imperantes dentro do país se tenha operado uma transformação. Se não se tivessem operado transformações nesse conjunto de fatores da sociedade em questão, se esses fatores do poder continuassem sendo os mesmos, não teria cabimento que essa mesma sociedade desejasse uma Constituição para si. Acolheria tranqüilamente a antiga, ou, quando muito, juntaria os elementos dispersos num único documento, numa única Carta Constitucional. Mas perguntarão: como podem se dar essas transformações que afetam os fatores reais do poder de uma sociedade?
Constituição Feudal
Em resposta ao item anterior ilustremos, por exemplo, com um Estado pouco povoado da Idade Média, como acontecia naquele tempo, sob o domínio governamental de um príncipe e com uma nobreza que açambarcou(???) a maior parte da propriedade territorial. Como a população é escassa, somente uma parte muito pequena da mesma pode dedicar as suas atividades à indústria e ao comércio; a imensa maioria dos habitantes não tem outro recurso a não ser cultivar a terra para obter da agricultura os produtos necessários para viver. Não devemos esquecer que a maior parte das terras está sob o domínio da aristocracia e que por este motivo os que as cultivam encontram emprego nesses serviços: uns como feudatários, outros como servos, outros, enfim, como colonos do senhor feudal; mas em todos esses feudatários, verdadeiros vassalos, há, um ponto de coincidência: são todos eles submetidos ao poder da nobreza que os obriga a formar suas hostes e a tomar as armas para fazerem a guerra aos seus vizinhos, para resolver seus litígios ou suas ambições. Ademais, com as sobras dos produtos agrícolas que tira de suas terras, o senhor aumenta as suas hostes, contratando e trazendo para seus castelos chefes de armas e soldados, escudeiros e criados. Por sua vez, o príncipe não possui para afrontar esse poder da nobreza outra força efetiva, no fundo, senão a própria força dos que compõem a nobreza, que obedecem e atendem suas ordens guerreiras, pois a ajuda que lhe podem prestar as vilas, pouco povoadas e pouco numerosas, é insignificante. Qual seria, pois, a Constituição de um Estado desses? Não é difícil responder, pois a resposta provém necessariamente desse número de fatores reais do poder que acabamos de examinar. A Constituição desse país não pode ser outra coisa que uma Constituição feudal, na qual a nobreza ocupa um lugar de destaque. O príncipe não poderá criar sem seu consentimento novos impostos e somente ocupará entre eles a posição de primus inter pares , isto é, o primeiro posto entre seus iguais hierárquicos. Esta era, meus senhores, a Constituição prussiana e a da maior parte dos Estados na Idade Média. Absolutismo Continuando, vamos supor o seguinte: a população cresce e multiplica-se constantemente, a indústria e o comércio progridem e seu progresso facilita
com o príncipe , abandona seus castelos para concentrar-se na residência real, recebendo em troca disso uma pensão e contribui, com sua presença, para prestigiar a monarquia. A Revolução Burguesa No contexto que mostramos a indústria e o comércio desenvolvem-se progressivamente e, ao mesmo tempo, acompanhando esse surto de prosperidade, cresce a população e melhora o gênero de vida da mesma. Há de parecer que esse progresso seja proveitoso ao príncipe porque cresce também seu exército e o seu poder; mas o desenvolvimento da sociedade burguesa chega a alcançar proporções imensas, tão gigantescas, que o príncipe não pode, nem auxiliado pelos seus exércitos, acompanhar na mesma proporção o aumento formidável do poder da burguesia. O exército não consegue acompanhar o surto maravilhoso da população civil. Ao desenvolver-se em proporções tão extraordinárias, a burguesia começa a compreender que também é uma potência política independente. Paralelamente, com este incremento da população aumenta e divide-se a riqueza social em proporções incalculáveis, progredindo ao mesmo tempo, vertiginosamente, as indústrias, as ciências, a cultura geral e a consciência coletiva; outro dos fragmentos da Constituição. Então a população burguesa grita: Não posso continuar a ser uma massa submetida e governada sem contarem com a minha vontade; quero governar também e que o príncipe reine limitando-se a seguir a minha vontade e regendo meus assuntos e interesses. E este protesto da burguesia ficou gravado no relevante fato histórico da Prússia, no dia 18 de março de 1848. E agora fica demonstrado que o exemplo do incêndio foi hipotético, é verdade. Os fatos anteriormente expostos, todavia, fizeram o mesmo que se um incêndio ou um furacão tivessem varrido a velha legislação nacional.
Capítulo III
Sobre a Constituição Escrita e a Constituição Real A Arte e a Sabedoria Constitucionais
Quando num país irrompe e triunfa a revolução, o direito privado continua valendo, mas as leis do direito público desmoronam e se toma preciso fazer outras novas. A Revolução de 1848 demonstrou a necessidade de se criar uma nova constituição escrita e o próprio rei se encarregou de convocar em Berlim a Assembléia Nacional para estudar as bases de uma nova Constituição. Quando podemos dizer que uma constituição escrita é boa e duradoura? A resposta é clara e parte logicamente de quanto temos exposto: Quando essa constituição escrita corresponder à constituição real e tiver suas raízes nos fatores do poder que regem o país. Onde a constituição escrita não corresponder à real , irrompe inevitavelmente um conflito que é impossível evitar e no qual, mais dia menos dia, a constituição escrita, a folha de papel , sucumbirá necessariamente, perante a constituição real, a das verdadeiras forças vitais do país. O Poder da Nação é Invencível Em 1848, ficou demonstrado que o poder da nação é muito superior ao do exército e, por isso, depois de uma cruenta e longa luta, as tropas foram obrigadas a ceder. Mas não devemos esquecer que entre o poder da nação e o poder do exército existe uma diferença muito grande e por isso se explica que o poder do exército, embora em realidade inferior ao da nação, com o tempo seja mais eficaz que o poder do país, embora maior. É que o poder desta é um poder desorganizado e o daquele é uma força organizada e disciplinada que se encontra a todo o momento em condições de enfrentar qualquer ataque, vencendo sempre, a não ser nos casos isolados em que o sentimento nacional se aglutina e, num esforço supremo, vence o poder organizado do exército. Mas isso somente acontece em momentos históricos de grande emoção. Para evitar isso, depois da vitória de 1848, para que não fosse estéril o esforço da nação, teria sido necessário que, aproveitando aquele triunfo, tivessem transformado o exército tão radicalmente, que não voltasse a ser o instrumento de força a serviço do rei contra a nação. Não se fez.