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A apropriação do corporativismo fascista no “autoritarismo instrumental” de Oliveira Vianna, Notas de estudo de Ciência Política

A apropriação do corporativismo fascista no “autoritarismo instrumental” de Oliveira Vianna

Tipologia: Notas de estudo

2020

Compartilhado em 22/06/2020

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usuário desconhecido 🇧🇷

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21/06/2020 A apropriação do corporativismo fascista no “autoritarismo instrumental” de Oliveira Vianna
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Tempo
Print version ISSN 1413-7704On-line version ISSN 1980-542X
Tempo vol.25 no.1 Niterói Jan./Apr. 2019
https://doi.org/10.1590/tem-1980-542x2018v250106
ARTIGO
A apropriação do corporativismo fascista no
“autoritarismo instrumental” de Oliveira Vianna
The appropriation of fascist corporatism in Oliveira
Vianna’s “instrumental authoritarianism”
Fábio Gentile*
http://orcid.org/0000-0001-5746-8008
* Universidade Federal do Ceará(UFC) - Fortaleza(CE) - Brasil. E-mail:
fabio_gentile@ymail.com
RESUMO
O objetivo deste estudo é apresentar novos elementos de reflexão sobre a complexa relação entre corporativismo
fascista e “autoritarismo instrumental” no pensamento de Oliveira Vianna, para entender de forma mais satisfatória
como ele se apropriou do modelo corporativo fascista para organizar o desenvolvimento nacional durante a Era
Vargas.
Palavras-chave: Oliveira Vianna; Corporativismo fascista; “Autoritarismo instrumental”; Era Vargas
ABSTRACT
The objective of this study is to provide new elements of reflection about the complex relationship between fascism
corporatism and “instrumental authoritarianism” in the thought of Oliveira Vianna, in order to explain in a more
satisfactory way how he organized in the Thirties the appropriation of the fascist corporate model to organize the
national development during Vargas Era.
Keywords: Oliveira Vianna; Fascist corporatism; “Instrumental authoritarianism”; Vargas era
INTRODUÇÃO
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Print version ISSN 1413-7704 On-line version ISSN 1980-542X

Tempo vol.25 no.1 Niterói Jan./Apr. 2019

https://doi.org/10.1590/tem-1980-542x2018v

ARTIGO

A apropriação do corporativismo fascista no

“autoritarismo instrumental” de Oliveira Vianna

The appropriation of fascist corporatism in Oliveira

Vianna’s “instrumental authoritarianism”

Fábio Gentile*

http://orcid.org/0000-0001-5746-

Universidade Federal do Ceará(UFC) - Fortaleza(CE) - Brasil. E-mail: fabio_gentile@ymail.com

RESUMO

O objetivo deste estudo é apresentar novos elementos de reflexão sobre a complexa relação entre corporativismo fascista e “autoritarismo instrumental” no pensamento de Oliveira Vianna, para entender de forma mais satisfatória como ele se apropriou do modelo corporativo fascista para organizar o desenvolvimento nacional durante a Era Vargas.

Palavras-chave: Oliveira Vianna; Corporativismo fascista; “Autoritarismo instrumental”; Era Vargas

ABSTRACT

The objective of this study is to provide new elements of reflection about the complex relationship between fascism corporatism and “instrumental authoritarianism” in the thought of Oliveira Vianna, in order to explain in a more satisfactory way how he organized in the Thirties the appropriation of the fascist corporate model to organize the national development during Vargas Era.

Keywords: Oliveira Vianna; Fascist corporatism; “Instrumental authoritarianism”; Vargas era

INTRODUÇÃO

Nas duas últimas décadas estabeleceu-se um acordo quase unânime entre os cientistas sociais e políticos brasileiros sobre a relevância do sociólogo e jurista Francisco José de Oliveira Vianna (Saquarema, 1883 - Niterói,

  1. como um dos grandes intérpretes do Brasil. Muitos - e de ótima qualidade - são os estudos recentes que

se confrontam criticamente com seu pensamento, visando fornecer um balanço interpretativo global (Bastos e Moraes, 1993; Bresciani, 2004; Brandão, 2007) ou um aprofundamento de aspectos específicos (Piva, 2000; Silva, 2004;

Botelho e Ferreira, 2011).

Porém, apesar de se ter registrado um notável despertar de interesse científico e acadêmico no pensamento do sociólogo fluminense sobre o assunto, bem como a republicação de algumas de suas obras em novas edições

críticas, o problema da apropriação do corporativismo fascista em seu “autoritarismo instrumental” (Santos, 1978) continua sendo ainda um tema pouco estudado de sua trajetória ideológica e política por duas razões fundamentais: no campo do pensamento social e político brasileiro, Oliveira Vianna durante muito tempo foi marginalizado pelo mundo intelectual e acadêmico por ter sido um dos grandes teóricos e apologistas do Estado varguista; já no campo dos estudos jurídicos, a obra de Vianna, consultor jurídico do Ministério do Trabalho de 1932 a 1940, comprometido com a construção da via brasileira para o corporativismo entre a Revolução de 1930 e a Segunda Guerra Mundial, está ligada com a questão mais ampla da incorporação da Carta del lavoro (1927), o manifesto do corporativismo fascista italiano, na legislação social brasileira das décadas de 1930 e 1940, até hoje centro de uma controvérsia, dado que os princípios fundamentais do modelo corporativo varguista

continuam sendo a espinha dorsal da atual organização sindical brasileira.

1 O debate parece polarizar-se em torno do confronto entre aqueles que defendem a tese de que a legislação brasileira é uma cópia tout court da

Carta del lavoro (Romita, 2001) e aqueles que tendem a dissociar-se do documento italiano para apoiar a tese da originalidade e novidade das leis varguistas em matéria de proteção do trabalho, já que pela primeira vez o povo

brasileiro tornou-se sujeito titular de direitos sociais (Barros Biavaschi,^ 2007). Além disso, se focamos nossa atenção no campo da pesquisa histórica, nem as obras mais críticas e documentadas sobre o assunto parecem sair desse impasse , uma vez que reconhecem apenas a matriz fascista das leis sociais durante a Era Vargas

(Gomes, 1988), sem reconstruir as causas e as trajetórias do complexo processo de assimilação do modelo jurídico

arquitetado pelo jurista fascista italiano Alfredo Rocco

2 de forma compatível com um Estado que aspirava claramente ao totalitarismo.

Na trilha aberta desta literatura, e tendo bem em vista o objetivo do nosso trabalho, pretendemos analisar a apropriação das ideias fascistas e corporativas no pensamento de Oliveira Vianna com um enfoque metodológico e analítico mais produtivo. O objetivo é abrir um diálogo entre o debate sobre o fascismo como “fenômeno em

andamento” (Paxton, 2005), pensado no “cerne da modernidade do século XX” (Mann, 2004), e aquele processo de “circulação-compartilhada” de ideias em nível global entre as duas guerras mundiais, de forma a analisar como, a partir do modelo italiano, ele foi recebido e reelaborado no pensamento nacionalista autoritário de Oliveira Vianna. Nossa investigação será focada, portanto, em dois textos significativos dos anos 1930 e 1940, nos quais

Vianna trata com sistematicidade as ideias corporativas: Problemas de direito corporativo (^1938 ) e Problemas de

direito sindical (^1943 ).

Vamos tentando responder a algumas das questões que surgiram ao longo do trabalho. Por exemplo, como e através de que fontes Oliveira Vianna, entre os decênios de 1920 e 1930, se apropriou das ideias corporativas fascistas, tais como “questão social”, “nacionalismo social”, “Estado nacional do trabalho”, “categoria”, “contrato coletivo”, “Justiça do trabalho”, “corporações”, “enquadramento sindical”, “sindicato único”, “produtores da nação”, “conselhos técnicos”?

Como e em que medida o sociólogo e jurista fluminense na qualidade de consultor jurídico do Ministério do Trabalho durante a década de 1930 se apropriou do modelo de Alfredo Rocco, modificando e adaptando-o de forma compatível com a realidade brasileira? Se, no caso do Estado fascista, Rocco pensou em uma organização corporativa sujeita ao controle rigoroso do partido-Estado totalitário, no caso brasileiro, pelo contrário, o corporativismo de Oliveira Vianna enquadrou-se em um regime autoritário que não tinha um partido único de massa, mas baseou-se na liderança do presidente. Trata-se de uma questão muito complexa, porque coloca dois problemas fundamentais do pensamento de Oliveira Vianna.

O primeiro problema quer discutir se o conceito de “autoritarismo instrumental” de Oliveira Vianna mantém até hoje um fecundo potencial analítico no campo do pensamento brasileiro. Teorizado pelo cientista brasileiro Wanderley G. dos Santos na década de 1970, o “autoritarismo instrumental” tornou-se, desde aquela época, uma categoria fundamental do pensamento político-social brasileiro. Visando diferenciar o autoritarismo de Vianna das outras famílias do pensamento autoritário brasileiro (o integralismo, o catolicismo e o tenentismo), o cientista político elaborou um conceito capaz de dar conta do sentido mais profundo de sua obra.Nessa perspectiva, o “autoritarismo instrumental” é pensado como um instrumento transitório, cuja utilização é limitada ao cumprimento de sua tarefa de criar as condições para a implantação de uma sociedade liberal no Brasil. É uma explicação parcialmente satisfatória. O “autoritarismo instrumental” formulado por Santos a partir de uma hipótese de convivência ambígua entre autoritarismo e liberalismo, que acompanha todo o processo da modernização brasileira do século XX, não explica de forma adequada as causas e as trajetórias do complexo processo de assimilação na legislação trabalhista brasileira do modelo corporativista de cunho totalitário, arquitetado por Rocco.

por meio da industrialização, do planejamento e dos investimentos, embora não haja na época varguista uma teoria econômica “científica” do desenvolvimentismo.

Nessa perspectiva, o corporativismo fascista apareceu e foi percebido pelos teóricos da “ideologia do estado

autoritário brasileiro” (Lamounier, 1977) - Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Francisco Campos - como a forma mais avançada, pela época, de reorganização das relações entre Estado, indivíduo e mercado. Se o corporativismo, na elaboração teórica do final do século XIX, se apresentava como uma forma de neutralização do conflito capital-

trabalho (Incisa, 1983, p. 257), não assimilável exclusivamente pelo fascismo (Schmitter, 1974), é preciso destacar que o fascismo criou o primeiro estado corporativista, pensado como a “terceira via” entre o liberalismo e socialismo. Perante a decadência do “artificialismo” da velha República liberal, a via brasileira para o corporativismo autoritário tomou a forma de uma apropriação criativa do repertório e da linguagem fascista em um contexto histórico diferente do contexto italiano da década de 1930. No caminho traçado pela Revolução de 1930, Getúlio Vargas e os arquitetos do Estado Novo apresentaram a industrialização como uma via para reconstruir a economia nacional após a crise de 1929 - que evidenciou a dependência do café, o principal produto da economia agroexportadora brasileira, do mercado global. E o Estado corporativo autoritário se tornou o principal instrumento para governar a transição para a civilização industrial.

Um dos principais fundamentos teóricos dessa visão foi o conceito de corporativismo “integral” e “puro” do

economista e político romeno Mihail Manoilescu,

3 elaborado de acordo com os diferentes níveis econômicos e políticos de cada país para resolver a crise econômica das áreas avançadas e coadjuvar o takeoff industrial da “periferia” do capitalismo, com base na ideia de que essa área poderia romper o vínculo de dependência

semicolonial dos países mais desenvolvidos (Love, 1986). Esse conceito previa a implantação de um Estado forte, capaz de organizar integralmente todos os recursos nacionais para projetar a transformação necessária e

irreversível da sociedade agrária para a sociedade industrial (Manoilescu, 1938, p. 7).

Embora as massas trabalhadoras da “periferia” do capitalismo ainda não tivessem chegado em um nível de organização e consciência de classe comparável aos dos países mais industrializados, também nessa área a necessária transição para a era industrial, dominada pela organização e pela técnica, deveria ser coadjuvada por uma política preventiva, orgânica à centralização capitalista, de incorporação da classe operária ainda em embrião no Estado, para evitar a reprodução do conflito de classes da sociedade europeia durante a Primeira Guerra Mundial.

Nessa perspectiva, o corporativismo fascista - em suas múltiplas dimensões de catalogação jurídica do “social”, dirigismo econômico, organização da nação e harmonização do conflito capital-trabalho - encaixou-se perfeitamente no projeto nacional-autoritário e Estado-cêntrico de Oliveira Vianna de modernização corporativa da sociedade brasileira no período entre guerras.

Os anos 1920: Oliveira Vianna e a questão social brasileira

A análise do tema da apropriação do corporativismo fascista no pensamento de Oliveira Vianna impõe uma reflexão preliminar sobre sua trajetória cultural e política na década de 1920. É nessa época, como observado por Ângela Gomes, que Oliveira Vianna elabora o diagnóstico da realidade brasileira sobre o qual fundamentar a

“práxis corporativa” dos anos 1930 (Gomes,^ 1993). Não é, portanto, produtivo dissociar o cientista social dos anos 1920, comprometido em pensar uma solução autoritária para a falta de organização do povo brasileiro, do jurista maduro dos anos 1930, teórico da harmonização do conflito capital-trabalho produzido pelos processos de modernização em um estado corporativo moldado com base na carta do trabalho italiana.

Como pretendemos mostrar, o confronto crítico com sua produção da década de 1920 destaca que Oliveira Vianna já possuía profundo conhecimento do debate europeu sobre o corporativismo, embora ainda não tivesse elaborado uma orgânica teoria sindical-corporativista. O conceito sobre o qual pretendemos focar a análise do pensamento de Vianna nos anos 1920 é o nacionalismo social, por duas razões fundamentais: em primeiro lugar, trata-se de um dos conceitos-chave do debate sobre o corporativismo na Europa entre o fim do século XIX e a época entre as guerras mundiais; em segundo lugar, porque satisfaz o sociólogo preocupado em adaptar as ideias mais modernas produzidas pelos grandes debates sociais e políticos da Europa ao seu amplo programa de estudo do povo brasileiro e sua cultura cívica, iniciado na década de 1910 com Populações meridionais do Brasil (1920) e aprimorado nos outros trabalhos fundamentais da década de 1920: desde Pequenos estudos de psicologia social (1921), passando por Evolução do povo brasileiro (1923), as várias versões de O idealismo da Constituição (1922, 1924, 1927, 1939), O ocaso do Império (1925), até Problemas de política objetiva (1930), Raça e assimilação (1932).

Antes de analisarmos a incorporação do nacionalismo ao pensamento social de Vianna, precisamos examinar as linhas essenciais de sua gênese no debate francês desde a segunda metade do século XIX até sua assimilação no sindicalismo nacionalista, confluído então no fascismo italiano.

A referência básica do nacionalismo é um conceito social do homem completamente diferente daquele do constitucionalismo liberal. A recusa do liberalismo e a preocupação com a solidariedade social, bem como o controle dos conflitos produzidos pela sociedade industrial, continuam sendo uma constante de todas as vertentes do pensamento nacionalista e corporativista tecnocrático que fundamentam o nacionalismo social, entre elas o pensamento social católico e o sindicalismo nacionalista do final do século XIX. É um campo de

doutrinas heterogêneas, alimentando as principais vertentes antiliberais do século XIX, especialmente o familismo de Le Play e o nacionalismo protecionista de Maurice Barres, e l’Action Française de Maurras. Trata-se de uma variada literatura antiliberal, na qual, no entanto, podemos identificar alguns temas constantes, tais como necessidade e autoridade, hierarquia e família, absorvidas explicitamente como categorias fundamentais do autoritarismo político e da concepção organicista da ordem do movimento nacionalista.

Não há dúvida de que essas doutrinas heterogêneas, misturando a autoridade da Igreja Católica com uma visão tradicionalista da nação, confluíram no sindicalismo nacionalista. Afirma-se na Europa em princípio do século XX (França, Itália, Inglaterra, Alemanha, Suíça, Polônia) e fundamenta-se na socialização da economia entregue às categorias do trabalho e da produção em todas as suas manifestações. Seu programa teórico-político se embasa na aversão pelo regime liberal-representativo, no desenlaço do sindicato e do trabalho dos dogmas do marxismo e na centralidade do trabalho nos processos de transformação política, econômica e social do Estado como fundação da nação (o “Estado nacional do trabalho”). Nesse modelo, só os “produtores”, identificados por sua condição profissional, gozam plenamente do status de cidadãos da nação.

Deve-se a Alfredo Rocco a transformação da “terceira via” do sindicalismo nacional em “sindicalismo jurídico”, pressuposto para a construção do Estado corporativo fascista, caracterizado pelo reconhecimento do sindicato como um organismo de direito público e pela introdução dos contratos coletivos, de uma nova legislação social e da justiça do trabalho.

Voltando agora ao pensamento de Oliveira Vianna, se analisarmos de forma global a produção das décadas de 1910 e 1920, já é possível perceber a preocupação de incorporar o debate sobre o nacionalismo social, de cunho autoritário, nos grandes filões de seu pensamento, de acordo com um redescobrimento da questão nacional que envolve todas as famílias intelectuais durante a Primeira República.

No caminho aberto pelos estudos de Silvio Romero sobre o Brasil social, o próprio Vianna indica as fontes nas quais baseou o estudo do povo brasileiro: a geopolítica de Teodor Ratzel, as primeiras doutrinas nacionalistas de cunho racial e racista de Lapouge, Gobineau e Ammon, a relação entre mito e ação nos estudos psicológicos de Ribot, a psicologia de massas de Le Bon e, especialmente, a escola de Le Play, pelas quais absorvia novos

modelos de integração, de associação, de solidariedade e de intervenção do Estado (Oliveira Vianna, 1987).

Com essas ferramentas do tardopositivismo cientificista, do neotradicionalismo católico e do nacionalismo político de matriz autoritária, Vianna enfoca o dúplice problema de evitar a desagregação individualista provocada pela proclamação da República e da Constituição de 1891 e de garantir os direitos dentro de um novo sistema de relações de solidariedade social. Em síntese, de conciliar a liberdade do indivíduo com a reapropriação da autoridade pelo Estado.

Ao longo da produção dos anos 1920, o horizonte problemático é a crise do liberalismo, considerado incompatível com a realidade do país, e a exigência de substituí-lo por uma nova organização da nação política, moldada com base nas especificidades do povo brasileiro, de acordo com a lição de Alberto Torres, um dos precursores da ideologia do Estado autoritário.

É um projeto ambicioso, e para sua realização é preciso se livrar do modelo conceitual do “idealismo utópico” das elites liberais, por ele definido como “todo e qualquer sistema doutrinário, todo e qualquer conjunto de aspirações políticas em íntimo desacordo com as condições reais e orgânicas da sociedade que pretende reger e dirigir”

(Oliveira Vianna, 1939, p. 10-11).

Ao idealismo utópico, Vianna opõe a nova metodologia sociológica e o novo sistema doutrinário que ele próprio define do “idealismo orgânico”, pois nasce da própria evolução orgânica da sociedade, tendo como objetivo o

estudo dos elementos constitutivos do povo brasileiro, de modo a diferenciá-lo dos outros povos (Oliveira Vianna, (^1939) , p. 11).

Há, portanto, um significado ainda mais profundo no “idealismo orgânico” de Vianna, que consiste, em nossa opinião, em um novo conceito orgânico de Estado, enquadrado dentro de quatro séculos de história do Brasil, fortemente influenciado pelo idealismo, ao mesmo tempo concebido segundo um método científico rigoroso, recuperado do positivismo sociológico e jurídico. Aproximando-se ao movimento nacionalista italiano, antecipador do fascismo, a nação de Oliveira Vianna se realiza em um Estado orgânico que transcende os interesses dos indivíduos que a compõem. É uma visão do Estado na qual convivem o conceito de ordem de matriz positivista de Comte e o conceito de progresso da nação da matriz idealista.

Sobre esses temas, presentes ao longo de toda a sua obra, nasce Populações meridionais do Brasil. Estamos no final da Primeira Guerra Mundial quando Oliveira Vianna escreve o livro, que sai em 1920, logo após o grande conflito, em um momento de grande transformação dos equilíbrios mundiais.

Para fins de nossa análise, o que nos interessa é destacar os temas que são centrais para o caminho nacionalista e autoritário que ele está amadurecendo.

Uma das grandes questões no foco da obra é uma visão da relação elites-massas que, embora dialogando com alguns autores clássicos, não se põe em uma perspectiva analítica e metodológica tradicional, mas busca o confronto com a escola elitista de Pareto e Mosca, com o tema das multidões de Gustave Le Bon e com o conceito

de “anomia” de Émile Durkheim (Oliveira Vianna, 1943, p. VI).

Como foi justamente observado, aquele pensamento de Vianna é “eclético” (Vieira, 1981) e utiliza o que pode ser compatível com seu projeto de comunidade organicística e autoritária. Nesse caso, o Estado sindical-corporativo do fascismo, especialmente após a crise de 1929, coloca-se como um caminho privilegiado para preencher a falta de planejamento da “questão social” do Estado moderno. Isso leva a vida social ao plano da vida política, com a condição de integrar a sociedade, em suas múltiplas articulações e subdivisões, em um projeto de “Estado Novo”, comprometido em se reapropriar totalmente da esfera pública mediante um processo de incorporação das forças sociais, coadjuvado nesse papel pelo sindicato, instrumento privilegiado da transformação corporativa do Estado, dada sua proximidade com a classe trabalhadora.

Acreditamos, portanto, que seja possível antecipar para o final dos anos 1920, e não os 1930, a apropriação do corporativismo, em sua versão fascista-estatal, no autoritarismo de Oliveira Vianna.

Os anos 1930: Oliveira Vianna teórico da via brasileira ao corporativismo autoritário. Elementos

para uma nova leitura do conceito de “autoritarismo instrumental”

Visando focar como Oliveira Vianna elabora em seu “autoritarismo instrumental” o modelo corporativo criado por Alfredo Rocco, com a Lei sobre a disciplina jurídica das relações de trabalho (1926), e a Carta del lavoro , cujos princípios basilares são o reconhecimento jurídico dos sindicatos e dos contratos coletivos de trabalho, a justiça do trabalho, a proibição de greve e lockout , precisamos em primeiro lugar discutir o que é “autoritarismo instrumental”.

Para explicar a tensão permanente entre um Vianna que ao longo da toda a sua trajetória intelectual mantém firmes alguns princípios fundamentais do liberalismo (princípio da separação dos poderes e a liberdade individual garantida) e o teórico do Estado sindical corporativo de cunho autoritário, o cientista Wanderley G. dos Santos elaborou o conceito de “autoritarismo instrumental”.

A elaboração da categoria é parte de um interesse renovado das ciências sociais no Brasil pelo debate sobre o autoritarismo, impulsionado por Juan Linz desde a década de 1960. Preocupado em diferenciar as ditaduras da segunda metade do século XX dos regimes totalitários de partido único, Linz estrutura sua definição de autoritarismo em torno dos seguintes elementos:

Sistemas políticos com pluralismo político limitado, não responsável, sem ideologia orientada e elaborada, mas com mentalidades distintas, sem mobilização política extensiva ou intensiva, exceto em alguns pontos do seu desenvolvimento e no qual um líder ou, ocasionalmente, um pequeno grupo exerce o poder dentro de limites formalmente mal definidos, mas, na realidade, bem previsíveis (Linz, (^1970) , p. 255).

Embora ultrapassada no que diz a respeito ao problema da ausência de uma ideologia orientada e elaborada, essa definição, motivada pela necessidade de esclarecer uma das mais importantes categorias da ciência política contemporânea, teve o mérito de incentivar os cientistas sociais brasileiros a voltar a refletir sobre o autoritarismo.

No campo aberto por Linz se colocam os trabalhos de Bolivar Lamounier (1977)^ e Wanderley G. dos Santos (1978).

Rompendo com a categoria de “cordialidade”, de acordo com a qual o “homem cordial” brasileiro seria incompatível com os processos de mobilização total da sociedade europeia, fascistas ou comunistas, Lamounier analisava as experiências autoritárias como fixação de aspectos que se tornaram perenes e que estavam inseridos na própria fundação do Brasil. De acordo com ele, a “ideologia do Estado autoritário brasileiro”, articulada em torno de um conjunto de pensadores, entres os quais Oliveira Vianna, não era uma mera cópia do fascismo europeu, dado que foi alimentada desde o início do século XX por uma síntese entre o pensamento conservador brasileiro do século XIX e uma bagagem de ideias “protofascistas” que há muito tempo estavam circulando no Brasil: do autoritarismo ao corporativismo, do antiliberalismo ao antissocialismo, ao centralismo e ao nacionalismo.

Em contraposição à teoria de Lamounier, Santos, se apropriando de Oliveira Vianna, recolocava o autoritarismo brasileiro dentro do álveo do paradigma liberal da “ditadura autoritária” como “parêntese” no caminho brasileiro para a democracia liberal. De acordo com Santos, então, o autoritarismo de Vianna, moldado no positivismo castilhista, seria um instrumento transitório, pensado para dar estrutura, educação e consciência coletiva à sociedade brasileira, de modo tal que ela possa apoiar a introdução de instituições genuinamente liberais no

Brasil, evitando assim ser apenas uma pálida cópia dos modelos norte-americanos ou europeus (Santos, 1978, p. 93).

Conforme antecipada, compartilhamos a hipótese de uma convivência ambígua entre autoritarismo e liberalismo, que acompanha todo o processo da modernização brasileira do século XX. Porém, a teoria de Santos parece cair na armadilha ideológica elaborada por Oliveira Vianna na hora de justificar o caráter “instrumental” do Estado autoritário.

Para poder manter todo o potencial analítico do conceito de “autoritarismo instrumental” precisamos então reconstruir o processo de absorção no pensamento autoritário de Vianna do Estado corporativo de Alfredo Rocco.

De forma preliminar, é preciso observar que o “autoritarismo instrumental” de Vianna, cujos elementos essenciais já estão presentes desde Populações meridionais , conhece nova linha teórica sob o impulso da notável difusão

das ideias fascistas na América Latina entre as duas guerras mundiais (Trindade, 1974). Focalizando a nossa atenção sobre o Brasil, é possível dizer que, entre a segunda metade dos anos de 1920 e os primeiros anos da década de 1930, o fascismo penetrou no país através de organizações políticas, livros, revistas, jornais e outras fontes impressas, como o próprio Oliveira Vianna está disponível para admitir.

Essa inclinação para o Fascismo não seria, aliás, coisa muito difícil de compreender. Quando a Constituição de 1937 foi publicada, o regime fascista estava no esplendor de seu prestígio e de seu êxito. Os tratadistas italianos de direito sindical e de direito corporativo nos eram todos conhecidos; suas obras entravam aqui em copiosa abundância; rumas e rumas delas se acumulavam nas vitrinas dos livreiros. Havia mesmo casas especializadas na matéria - como a livraria Boffoni. Esta passou a ser a meca de todos os interessados nesses assuntos novos e fascinantes. Os volumes de Barassi, Zanobini, Costamagna, Cioffi, Palopoli, Chiarelli, Carnelutti e toda a luminosa plêiade de juristas do corporativismo mussoliniano ali chegavam e para logo lhe desapareciam das estantes, absorvidos pela sede de saber dos estudiosos da nova doutrina. Nas palestras dos técnicos e especialistas improvisados, que se comprimiam em torno dos balcões, faiscantes de vistosas lombadas, a língua italiana era quase tão falada quanto a portuguesa (Oliveira Vianna, 1943, p. 27).

Do ponto de vista ideológico, o fascismo chegou a ganhar mais força após a Revolução de 1930, quando a nova elite governante, liderada por Getúlio Vargas, pretendeu enfrentar a crise do liberalismo da velha República com um projeto de Estado autoritário, embora a Constituição de 1934 fosse ainda um compromisso entre o liberalismo e o autoritarismo.

Na verdade, o próprio Getúlio Vargas, na véspera da revolução, não fez segredo de sua admiração pela doutrina corporativa fascista, base de sua ideologia do “trabalhismo” (Vargas, 1938, p. 150), tentando uma conciliação entre sua visão positivista e castilhista do indivíduo totalmente absorvido no coletivo e o primeiro modelo de Estado nacional que enfrentava a questão social de forma autoritária.

Também sob o aspecto mais prático, os conceitos de “superior interesse da nação”, “sindicalismo nacional” e “colaboração entre as classes” exerceram profunda influência após a Revolução de 1930. No discurso do Rotary Club, proferido em dezembro de 1930, o Ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, anunciando o princípio do enquadramento jurídico do sindicato, fundamento da lei sindical de 1931, argumentava que “A regularização jurídica das relações entre o capital e o trabalho obedecerá, pois, entre nós, ao conceito fundamental de

colaboração das classes” (Collor, 1990, p. 187).

4

É nesse contexto de adaptação do modelo corporativo fascista à realidade brasileira que Oliveira Vianna é escolhido como consultor jurídico do Ministério do Trabalho, em 1932. Sobretudo no campo jurídico, foi evidenciada sua importância seja na fundação da legislação trabalhista brasileira nos anos 1930, seja como um dos principais teóricos da questão social durante a Era Vargas. Como demonstrado, suas ideias corporativas encontram-se já na constituição de 1934, nos artigos 136-140 da Constituição do Estado Novo, de 1937, no

decreto-lei no^ 1.237, que organiza a justiça do trabalho, no decreto no^ 1.402, ambos de 1939, que institui o

sindicato único, e na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), de 1943 (Romita, 2001).

A questão central a ser colocada é como e em que medida Oliveira Vianna incorpora no “autoritarismo instrumental” um modelo de corporativismo pensado para uma ditadura permanente.

Atentemos a Problemas de direito corporativo , de 1938. Trata-se de uma coletânea de artigos publicados no Jornal do Comércio , para defender o anteprojeto da comissão dos técnicos do Ministério do Trabalho, em 1935, que se apropriava da justiça do trabalho (artículo V da Carta del lavoro ), das críticas dirigidas pelo exímio jurista

liberal Waldemar Ferreira por ter introduzido no direito brasileiro um dos pilares do totalitarismo fascista (Ferreira, (^1937) , p. 233-236; Oliveira Vianna, 1938, p. 78 ss.). O texto de Vianna utiliza um léxico jurídico e argumentações

reelaboradas pela principal ciência jurídica fascista da época e pelo pensamento de Mihail Manoilescu.

Desde as primeiras páginas do livro, o tom da autodefesa de Vianna é montado sobre uma hábil e fina tentativa de desenganchar o corporativismo do férreo modelo do partido-Estado totalitário fascista, levando o discurso no âmbito da relação entre a tradição jurídica e o novo direito corporativo, que se afirmou em consequência da imprescindível necessidade de organizar o “coletivo”, bem como de harmonizar o conflito capital-trabalho em um nível internacional e portanto não limitado ao caso do fascismo italiano.

Utilizando a ciência jurídica italiana da época (Carnelutti, 1928; Ranelletti, 1937), Vianna mostra como o modelo corporativo quer resolver, do mesmo jeito do modelo liberal no século XIX, o problema das relações entre Estado e sociedade no século XX.

Se a Grande Guerra havia declarado o fim da velha ordem do século XIX, o novus ordo do século XX, caracterizado pela ampliação das forças sociais e dos grupos de interesse, precisava de uma nova reflexão sobre a ligação Estado-indivíduo-sociedade. Segundo Oliveira Vianna, fica então claro que os problemas jurídicos tornaram-se problemas de “categoria” (Oliveira Vianna, 1938, p. 26). O Estado Novo estava retomando o monopólio da ordem para organizar a “questão social” em um novo projeto moldado no corporativismo.

Por esse motivo, Manoilescu, mesmo dando mérito ao fascismo italiano por ter redescoberto o corporativismo como resposta à crise da Primeira Guerra Mundial, teoriza que o corporativismo “integral” não é somente um dirigismo econômico ou a burocratização das corporações e dos sindicatos diretamente subordinados ao partido único (Partito Nazionale Fascista) pilar central do Estado totalitário, mas é sobretudo um modelo de organização de todos os aspectos da vida nacional, que vê o Estado e as corporações, na qualidade de fontes legítimas de poder público, juntarem-se no exercício da função econômica e da função político-social (criação do sindicato único, justiça do trabalho, socialização dos meios de produção). Na visão de Manoilescu, a própria versatilidade do corporativismo faz dele um modelo compatível seja com países que estão em estágio industrial avançado, como no caso da via fascista italiana ao corporativismo, seja também com países rurais, a “periferia” do capitalismo, com forte influência dos militares no poder político, como é o caso da Romênia e do Brasil nos anos de 1930, comprometido com a transição para uma economia industrial.

Porém Oliveira Vianna recusa a teoria do partido único do pensador romeno, considerada inadequada à psicologia coletiva do povo brasileiro (Oliveira Vianna, 1939, p. 201-205), bem como tenta diferenciar-se de Alfredo Rocco e mais em geral do corporativismo fascista, na medida em que, se para Rocco o corporativismo foi essencialmente a “terceira via” fascista dirigista entre o liberalismo e o comunismo, para Oliveira Vianna o problema não é apenas de natureza econômica: o corporativismo desassociado da estrutura totalitária embasada no partido único (modelo fascista) e utilizado na forma “integral” por Manoilescu deve se tornar uma organização compatível com

a estrutura antropogeográfica, econômica e profissional brasileira (Oliveira Vianna, 1943, p. XII-XIV).

Por tais razões, a verdadeira essência de seu “autoritarismo instrumental” - antimarxista, nacionalista e sindical- corporativo -, cujo objetivo é levar o Brasil à “democracia social”, está na capacidade de reelaborar, de forma original e em função da realidade brasileira, os modelos de organização política, econômica e social originados na Europa entre as duas guerras.

Também de Manoilescu provém a ideia de Oliveira Vianna de que o corporativismo, enquanto princípio de organização e mobilização integral dos indivíduos nas corporações, realiza o escopo final da nação, que do contrário seria forçada a se apresentar como uma massa amorfa de indivíduos não organizados, no centro da

qual estaria um Estado muito fraco em relação à atribuição de seus poderes, como no período liberal (Manoilescu, (^1938) , p. 78). Trata-se de uma ideia muito ampla do corporativismo, na qual a concepção idealista da nação como

“espírito vivo” funde-se à ideia de cunho positivista da nova função do Estado, coadjuvado pelas corporações, na organização do mundo da produção e do trabalho, tendo sempre em vista o interesse superior da nação.

Essa concepção satisfaz Oliveira Vianna durante sua atividade de sociólogo, jurista e homem político dedicado a dar uma forma ao povo brasileiro. Ele absorve do modelo corporativo de Manoilescu os elementos que podem ser úteis para a realidade brasileira, enquanto do fascismo italiano recupera a estrutura sindical-corporativa do Estado. Aqui temos outra transição importante, mas não sem contradições. Se o autoritarismo se caracteriza como instrumental também por ter recusado o totalitarismo, por que então se remete ao princípio fascista de absorção do sindicado no Estado corporativo, do qual Rocco foi o principal artífice, destacando a importância do sindicato único em suas principais obras dos anos 1930? A nosso ver, em sintonia com o projeto fascista italiano, a constituição do Estado nacional do trabalho em todas as suas articulações sobre a base das representações sindicais, voltadas a realizar a transformação radical da sociedade nacional no sentido corporativo, Vianna se apropria do significado mais moderno da lei de Rocco: a absorção dos elementos constitutivos da sociedade industrial e a incorporação dos interesses sindicais parciais na totalidade do estado. Esvaziou-se a capacidade de representação antagônica de sujeitos fora do Estado, para incorporá-los e legitimá-los como órgãos públicos do Estado, em busca da sua antiga prerrogativa de organizador da sociedade. O Estado torna-se a nova fonte de legitimidade dos sindicatos: não mais os trabalhadores.

Reelaborando o pensamento corporativo “puro” e “integral”, Vianna monta de forma original a “via brasileira para o estado autoritário de cunho corporativo”, na qual se entrelaçam várias dimensões, inspiradas pelas teorias de Manoilescu e pelo modelo de Rocco:

A dimensão econômica. O corporativismo como uma “terceira via” para responder eficazmente à crise capitalista de 1929, através da intervenção do Estado na economia, com uma perspectiva necessariamente nacional-desenvolvimentista e industrialista, com o objetivo de quebrar a dependência do mercado internacional.

A dimensão ideológico-política. O corporativismo como momento de máxima expressão do Estado autoritário surgido para nacionalizar as massas amorfas e sem educação. Para Oliveira Vianna, o estado corporativo era o modelo mais “adequado” para resolver o problema da distância entre o “Brasil legal” cristalizado na Constituição de 1891 e o “Brasil real”, lidando com a pobreza, a ignorância, a falta de cultura política e de educação do povo.

A dimensão social. O estado corporativo como resposta preventiva para o perigo de uma revolução comunista no Brasil. Nesta perspectiva, era necessário neutralizar o conflito de classes que, inevitavelmente, surgiu a partir do processo de industrialização, como aconteceu nos países mais avançados, incorporando o sindicato no Estado em troca de uma legislação protetora do trabalho, para dar uma nova representação social em nome da solidariedade, da reconciliação e da harmonia entre as classes.

A dimensão tecnocrática. O corporativismo como manifestação de uma era de “pensamento estratégico” (Salsano, 2003), caracterizada por processos de racionalização, administração - entregue nas mãos de uma elite de “técnicos” incompatíveis com os políticos liberais tradicionais -, divisão técnica, organização científica de trabalho, taylorismo e fordismo.

CONCLUSÕES

O fascismo atualizou o “autoritarismo instrumental” de Oliveira Vianna, intelectual e funcionário em busca de um novo modelo de organização dos processos de modernização que estavam atravessando o Brasil entre o final dos anos 1920 e a década de 1930.

Seu autoritarismo mostrou-se disponível para receber a novidade do modelo corporativo fascista, tirando assim sua matriz totalitária. Nessa perspectiva, podemos dizer que Vianna assume o conceito de corporativismo “puro” e “integral” de Manoilescu, enquanto não assume a simbiose entre corporativismo e totalitarismo de Rocco, com o qual, todavia, compartilha o conceito de matriz positiva e nacionalista do Estado sindical-corporativo, que incorpora a questão “social” em nome de seus interesses superiores. Essa contaminação - alimentada também pela exigência de se defender da acusação de ter imitado a Carta do trabalho fascista - serve seja para recuperar o que é útil a fim de modelar um caminho nacional ao corporativismo respeitoso dos caracteres específicos do Brasil, seja para operar a soldagem entre o “país legal” da Constituição de 1891 e o “país real” da pobreza e da falta de espírito associativo. Nesse panorama, são as corporações que garantem a intermediação entre Estado e sociedade, na convicção, como acontece no pensamento de Rocco, de que é o Estado o depositário da soberania, não o povo. Embora a Era Vargas nunca tenha se apresentado como uma época transitória, Oliveira Vianna dedicou uma ampla parte de seu trabalho intelectual e técnico a defender o varguismo apresentado como o momento de máxima realização de seu “autoritarismo instrumental” de matriz nacional-corporativa, baseado na ideia de que o único percurso para dar ao Brasil uma organização nacional era a criação de um Estado forte, capaz de plasmar as massas através de uma legislação social, primeira etapa daquela democracia social- corporativa que constitui o ponto de chegada da utopia de Oliveira Vianna.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - OBRAS DE OLIVEIRA VIANNA

Oliveira Vianna. Pequenos estudos de psicologia social. São Paulo: Monteiro Lobato, 1923. [ Links ]

Oliveira Vianna. Problemas de direito corporativo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938. [ Links ]

Oliveira Vianna. Problemas de direito sindical. Rio de Janeiro: Max Limonad, 1943. [ Links ]

Oliveira Vianna. Problemas de organização e problemas de direção. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1952. [ Links ]

Oliveira Vianna. Problemas de política objetiva. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1930. [ Links ]

Oliveira Vianna. Populações meridionais do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987. [ Links ]

ARTIGOS

OLIVEIRA VIANNA, Francisco José. Os sindicatos são os intermediários naturais e legais entre as classes e o poder público”. Revista do Trabalho , n. 2, p. 13, 1933. [ Links ]

OUTRAS REFERÊNCIAS

BARROS BIAVASCHI, Magda. O direito do trabalho no Brasil 1930-1942 : a construção do sujeito de direitos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2007. [ Links ]

BASTOS, Elide R.; MORAES, João Q. (Orgs.). O pensamento de Oliveira Vianna. Campinas: Editora Unicamp,

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BOTELHO, André; FERREIRA, Gabriela(Orgs.). Revisão do pensamento conservador. São Paulo: Hucitec, 2011. [ Links ]

BRANDÃO, Gildo. Linhagens do pensamento político brasileiro. São Paulo: Hucitec , 2007. [ Links ]

VIEIRA, Evaldo. Autoritarismo e corporativismo no Brasil. São Paulo: Cortez, 1981. [ Links ]

(^1) Apesar da recente reforma trabalhista aprovada em julho de 2017 durante o governo interino presidido por

Michael Temer.

(^2) Alfredo Rocco (Nápoles, 1875-Roma, 1935). Professor titular em processo civil pela Universidade de Parma e

professor de direito comercial da Universidade de Pádua, 1910-1925, e mais tarde de legislação econômica da Universidade La Sapienza, de Roma, da qual foi reitor. Após uma adesão juvenil ao Partido Radical, se tornou um dos maiores expoentes do movimento nacionalista italiano. Eleito em 1921 pela Câmara dos Deputados do Reino de Itália com a chegada do fascismo no poder, foi nominado Ministro da Justiça de 1925-1932 e promoveu a codificação do direito penal fascista, através da elaboração do Código Penal de 1930.

(^3) Seguidor do fascismo italiano, convidado para o Congresso de Ferrara (1932), Manoilescu foi um dos autores

mais populares do debate brasileiro dos anos de 1930. Sua obra mais famosa — O século do corporativismo (1934) - foi traduzida do francês para o português por Azevedo Amaral, um dos principais apologistas do Estado Novo. Por “integral” entende-se um modelo de corporativismo não limitado apenas ao dirigismo econômico, mas que engloba todas as forças sociais e culturais da nação. “Puro” refere-se à centralidade das corporações como fontes de poder do Estado.

(^4) O decreto no (^) 19.770 regula a sindicalização das classes patronais, operárias e dá outras providências. O artigo 1

atribui às associações sindicais o direito de defender perante o governo e por intermédio do Ministério do Trabalho os interesses de ordem econômica, jurídica, higiênica e cultural de todos os trabalhadores que exercessem profissões idênticas, similares ou conexas no território nacional.

Recebido: 15 de Novembro de 2017; Aceito: 26 de Maio de 2018

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