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12.formação contínua a alegria de ser um eterno aprendiz-maria socorro lucena lima, Manuais, Projetos, Pesquisas de Cultura

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Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2011

Compartilhado em 06/10/2011

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FORMAÇÃO CONTÍNUA: A ALEGRIA DE SER UM ETERNO
APRENDIZ?1
Maria Socorro Lucena Lima
Guerreiros são pessoas, são fortes, são
frágeis/ Guerreiros são meninos, por dentro do
peito/ Precisam de um descanso/ Precisam de
um remanso/ Precisam de um sonho, que os
tornem perfeitos, É triste ver meu homem,
guerreiro menino, com a barra do seu tempo,
por sobre seus ombros, [...] Um homem se
humilha, se castram seus sonhos/ Seu sonho
é sua vida, e vida é trabalho/ E sem o seu
trabalho, o homem não tem honra/ E sem a sua
honra, se morre, se mata, [...].
(Gonzaguinha)
Não tenho o sol escondido
no meu bolso de palavras.
Sou simplesmente um homem
para quem já a primeira
e desolada pessoa
do singular – foi deixando,
devagar, sofridamente,
de ser, para transformar-se,
– muito mais sofridamente –
na primeira e profunda pessoa
do plural.
(Thiago de Mello)
Quero referir-me à formação contínua do professor como cantando a
beleza (e a dor) de ser um eterno aprendiz, um canto nem sempre sereno,
muitas vezes um canto de um guerreiro em sua luta, em suas vitórias e
fragilidades. Espero que esta reflexão seja entendida como um exercício de
compreensão e também como uma busca de descoberta das relações que se
constroem entre o professor, seu trabalho de professorar, o conhecimento e
seu desenvolvimento profissional.
Tentarei defender a formação contínua, como mediadora de
conhecimento crítico-reflexivo entre o trabalho do professor e o seu
desenvolvimento profissional, podendo, dessa forma, estar no horizonte da
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1 CAP.I. LIMA, M.S.L. A formação contínua dos professores nos caminhos e descaminhos do
desenvolvimento profissional. São Paulo, 2001. Doutorado (Educação), Universidade de São
Paulo
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FORMAÇÃO CONTÍNUA: A ALEGRIA DE SER UM ETERNO

APRENDIZ?^1

Maria Socorro Lucena Lima

Guerreiros são pessoas, são fortes, são frágeis/ Guerreiros são meninos, por dentro do peito/ Precisam de um descanso/ Precisam de um remanso/ Precisam de um sonho, que os tornem perfeitos, É triste ver meu homem, guerreiro menino, com a barra do seu tempo, por sobre seus ombros, [...] Um homem se humilha, se castram seus sonhos/ Seu sonho é sua vida, e vida é trabalho/ E sem o seu trabalho, o homem não tem honra/ E sem a sua honra, se morre, se mata, [...]. (Gonzaguinha) Não tenho o sol escondido no meu bolso de palavras. Sou simplesmente um homem para quem já a primeira e desolada pessoa do singular – foi deixando, devagar, sofridamente, de ser, para transformar-se,

- muito mais sofridamente – na primeira e profunda pessoa do plural. (Thiago de Mello)

Quero referir-me à formação contínua do professor como cantando a beleza (e a dor) de ser um eterno aprendiz, um canto nem sempre sereno, muitas vezes um canto de um guerreiro em sua luta, em suas vitórias e fragilidades. Espero que esta reflexão seja entendida como um exercício de compreensão e também como uma busca de descoberta das relações que se constroem entre o professor, seu trabalho de professorar, o conhecimento e seu desenvolvimento profissional.

Tentarei defender a formação contínua, como mediadora de conhecimento crítico-reflexivo entre o trabalho do professor e o seu desenvolvimento profissional, podendo, dessa forma, estar no horizonte da

(^1) CAP.I. LIMA, M.S.L. A formação contínua dos professores nos caminhos e descaminhos do desenvolvimento profissional. São Paulo, 2001. Doutorado (Educação), Universidade de São Paulo

emancipação humana, mesmo sofrendo as contradições da sociedade capitalista.

1.1 Da produção do meio de vida à produção de si mesmo

De acordo com Marx e Engels (1984, p. 8), a forma como o homem produz seus meios de vida determina sua vida material, seu ser, a produção de si, ou seja:

[...] tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem, como com o modo "como" produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção.

Tal posição me remete à discussão sobre a concepção do trabalho como categoria fundante do homem como ser que pertence a uma espécie, isto é, na qualidade de ser social. Aqui, o trabalho é entendido em sua discussão mais geral, independente de qualquer formação social. Nesse sentido, concordo com a visão marxiana, que considera o trabalho como categoria fundante da sociabilidade humana. É através dele, como atividade transformadora, que o homem se torna um ser social. Assim é que o homem supera, radical e irreversivelmente, sua condição de ser natural, sem deixar essa condição como base do seu ser.

Tornando-se um ser social , o homem se desprende de sua condição natural, pela ação consciente, transformadora e criadora. É daí que vem a natureza emancipadora do trabalho, o que liberta o homem de um determinismo ou de uma dependência de outro ser. Por meio do trabalho, o homem cria algo que ainda não existe na natureza, ou seja, cria o novo, o futuro, o devir. Dessa forma, o conhecimento é uma exigência inerente à própria necessidade de transformação do real. Ao mesmo tempo, quanto melhor o homem conhece o objeto real (seus atributos, sua forma de vir a ser), maior será sua capacidade de transformá-lo.

O trabalho tomado nessa perspectiva significa, então, a contra-ordem da lógica capitalista, não como produtor de mercadoria, mas como elemento de

vida através do trabalho não se sente satisfeito, mas infeliz, porque o trabalho aqui é um trabalho forçado.

Essa alienação genérica da atividade produtiva reflete-se nos complexos sociais dele decorrentes, inclusive no trabalho docente. É nesse sentido que a alienação própria do trabalho no capitalismo envolve todas as dimensões da vida humana, como diz Marx (1985, p. 71): “[...] aqui, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas, que mantêm relações entre si e com os homens.” O sistema produtivo criado pelos próprios homens ganha, portanto, um caráter de autonomia que escapa do controle dos homens singulares como se não fosse resultado das suas ações.

A esse respeito, Mészáros (1995, p. 1) diz que o capital não é um mecanismo racionalmente controlável, mas ao contrário, é:

[...] um modo de controle social metabólico fundamentalmente incontrolável [...] não se pode imaginar um sistema de controle mais devorador (que atrai tudo para si) – e, nesse sentido, “totalitário” – que o sistema capitalista globalmente dominante. Porque este, sutilmente, sujeita a saúde, não menos que o comércio, a educação, não menos que a agricultura, a arte, não menos que a indústria manufatureira, aos mesmos imperativos, cruelmente superimpondo a tudo seu próprio critério de viabilidade [...]. (Grifos meus).

Nesse contexto, o professor, diante das diferentes formas de dominação e opressão que perfazem o contexto da atual sociedade capitalista, vê o seu emprego ameaçado e as conquistas adquiridas no decorrer dos tempos por sua classe, cada vez mais suprimidas. Esse processo gradativo (entre outros) vai fazendo, muitas vezes, com que ele abra mão dos instrumentos indispensáveis à sua práxis (PIMENTA, 1994), perdendo a disposição para a luta organizada de sua categoria, a capacidade de ver saídas, e de ter esperança. O procedimento repressivo na sociedade moderna vem acontecendo também pela manipulação sutil da dimensão subjetiva do ser humano, dos seus desejos e aspirações. Conceitos que significavam bandeiras de luta dos trabalhadores são hoje apropriados pelas forças dominantes, cuja prioridade não é o homem, mas sim o capital, e confundem os educadores, que perdem a referência conceitual de temas como qualidade, competência, democratização, entre outros.

Portanto, o capital, no quadro da reestruturação produtiva, requer um trabalhador polivalente, com capacidade de abstração e criatividade para maior lucro e para as novas relações de trabalho. Não obstante, na própria aplicação do que se denomina democracia, tal sistema leva, ainda que de forma não desejada, à geração de forças progressistas que, contraditoriamente à sua ideologia, pode levar a transformações sociais. A esse respeito, diz Jimenez (1998a, p. 11):

Enquanto que para o capital interessa preparar o novo trabalhador, competente e polivalente para a velha sociedade, unilateralmente instrumentalizadora, para as forças progressistas se coloca a tarefa de formar o novo homem para uma nova sociedade.

Mesmo na contradição do capitalismo, situa-se a possibilidade de se exercer uma práxis educativa, valendo destacar que, como diz Marx (1984, p. 126), “[...] é na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensamento.” O trabalho docente insere-se nesse âmbito como forma de levar a professores a realizar a praxis no desenvolviemento das suas atividades concretas.

É por meio de sua docência como profissão, que o trabalho do professor possibilita a produção dele próprio, como pessoa e como profissional pertencente a uma organização, a um coletivo, a uma categoria profissional, a uma classe social e a uma sociedade.

1.1.1 Trabalho docente

O trabalho docente, como atividade de educação e construção do conhecimento, assume três grandes significações no decorrer do processo histórico da existência humana:

Num primeiro aspecto, a atividade educativa é, em si mesma, uma forma de trabalho. É, pois, uma atividade técnica, produtiva, socialmente útil. Em segundo lugar, ela é uma forma de preparação para o trabalho, no sentido de que constitui um investimento intergeracional para inserir os indivíduos das novas gerações no universo das relações produtivas. (SEVERINO, 1994, p. 60).

Essa ausência de autonomia e de significado da profissão 3 docente fica bem distante da preocupação de Nóvoa (1991, p. 24) quando, ao falar da função das instâncias formadoras, alerta: “[...] aqui não se forma apenas profissionais; aqui produz-se uma profissão_._ ” O autor ainda assinala que um projeto de autonomia profissional, responsável e exigente, pode dar outros rumos para a profissão professor e dimensionar novo ciclo na história das escolas e dos seus atores. Penso que para produzir a profissão professor é necessário ter a compreensão dos determinantes que regem o discurso e a prática da política neoliberal, que tem no campo da formação docente, a grande preocupação. Nunes (2000, p. 21) explica essa questão, falando da exigência de novos papéis para o professor, de novas práticas de formação de professores, e de uma nova escola. Existe a preocupação de produzir um novo tipo de homem que possa servir aos avanços de uma sociedade tecnológica, a qual exige modelos de ensino que produzam cidadãos autônomos, independentes, decididos. A busca desses requisitos considerados fundamentais pela lógica produtiva vêm afetando o trabalho do professor que se depara, entre outros aspectos, com a fragilidade de sua formação.

Acrescento ainda ao exposto, aspectos ligados à profissão (como a profissionalização) apresentados como necessários, e que diante do debatido no decorrer desse trabalho, apenas poderão ser compreendidos dentro da contradição da sociedade capitalista e no horizonte da utopia, entendida como um vir-a-ser e da esperança.

Em Nóvoa (1992, p. 16), há um esclarecimento, quando cita Mark Ginsburg: “A profissionalização é um processo através do qual os trabalhadores melhoram seu estatuto, elevam seus rendimentos e aumentam seu poder de autonomia_._ ”

Assim, a profissionalização estaria ligada à política educacional, ao contexto histórico vigente, ao status econômico e à valorização conferida à profissão docente pelas políticas sociais. A desprofissionalização implicaria a proletarização, a perda de autonomia e do professor.

(^3) Consultando o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, profissão: atividade ou ocupação especializada e que supõe determinado preparo; que encerra um certo prestígio pelo caráter social ou intelectual. Popkewitz (1992, p. 38), por sua vez, afirma que “[...] o conceito de profissão tem sua função modificada de acordo com as condições e contextos sociais, as relações de trabalho e de poder em que são utilizadas.”

Veiga (1998, p. 76) expressa o desejo de que a profissionalização no magistério seja um movimento em que seja possível juntar forças para a construção de uma identidade unitária, que tenha por base:

[...] a articulação entre formação inicial e continuada e o exercício profissional regulado por um estatuto social e econômico, tendo como fundamento a relação entre teoria e prática, ensino e pesquisa, conteúdo específico e conteúdo pedagógico, de modo a atender à natureza e à especificidade do trabalho pedagógico.

A literatura pedagógica tem apresentado ainda algumas reflexões sobre profissionalismo e “profissionalidade”. De acordo com Libâneo (1998, p. 90):

Profissionalismo significa compromisso com o projeto político democrático, participação na construção coletiva do projeto pedagógico, dedicação ao trabalho de ensinar a todos, domínio da matéria e dos métodos de ensino, respeito à cultura dos alunos, assiduidade, preparação de aulas etc.

O autor explica que o ensino de qualidade se torna inviável sem profissionalismo, da mesma forma que sem profissionalização, fica difícil o profissionalismo. Assim, alerta para a necessidade de articulação entre sindicatos e profissionais da educação, para o fortalecimento das lutas por salários e pela formação de qualidade. Almeida (1999, p. 39) diz ser necessário:

[...] um projeto educativo, capaz de expressar os compromissos da escola diante das necessidades comunitárias e sociais. Nessa concepção o professor está em constante processo de desenvolvimento profissional, no qual a formação contínua se coloca como elemento central.

A autora contribui para essa discussão, acrescentando dois aspectos centrais para o profissionalismo docente na atualidade: o primeiro é a necessidade do saber específico inerente à profissão; e o segundo são as posturas coletivas que precisam estar na concepção e no desenvolvimento do trabalho docente_._

A idéia de “profissionalidade” está vinculada à mudança e ao aperfeiçoamento docente. Conforme Sacristán (1993), para que se mudem as bases da “profissionalidade” faz-se necessária a viabilização de programas que não apenas venham suprir as falhas de conhecimento, mas sejam

exploração afeta diretamente o professor, como trabalhador, que vivencia na escola com seus alunos esta realidade no seu cotidiano. Para tanto, a exigência do professor qualificado, portador de um bom currículo, está presente desde a legislação de ensino até os requisitos para a seleção de professores e nos editais dos concursos.

A qualificação se constrói nas relações de trabalho em determinados contextos históricos e sociais. Como capacidade de trabalho, suscita a hierarquização e não deixa de ser uma luta pela seletividade diante do desemprego e mesmo da manutenção do próprio emprego. Ao mesmo tempo, ela é um direito, uma vez que há trabalho empenhado, desgaste do trabalhador e possibilidade de crescimento, de reconhecimento e de promoção. Tem ainda estreita relação com o desenvolvimento das habilidades necessárias ao melhor desempenho pessoal e profissional, ou seja, com a melhor competência no trabalho. Em momentos de desemprego estrutural, como o vivenciado pela sociedade hoje, que dá margem a ameaças constantes e ao consentimento dos trabalhadores frente às exigências capitalistas – a qualificação se torna cada vez mais um elemento de seletividade. Transferindo para a prática docente, qualificado (para o mundo capitalista) seria aquele professor eclético, flexível, que domina o conteúdo com destreza, capacidade, raciocínio e organização, e realiza seu trabalho com técnica e habilidade, disposto que está a adotar os novos padrões ditados pela chamada reestruturação produtiva.

Nesse contexto, a educação de qualidade tem como objetivo direcionar os educandos para as necessidades do mundo do trabalho capitalista. Assim, todas as atenções se voltam para a escola, pois a nova ordem capitalista transfere para esta a função de preparar o trabalhador para a empresa, que exige não apenas a força do trabalho manual, mas a própria capacidade intelectual e criativa para a produtividade.

A figura do professor, com a devida qualificação para a realização desse desempenho, interessa ao capital para a realização de trabalhos de maior complexidade e para a formação de trabalhadores que respondam à solicitação de um novo modelo de exploração calcado em novas tecnologias, no contexto da redefinição dos bens sociais. A chamada nova ordem social, a mesma velha ordem fundada no princípio da acumulação privada, tende a fazer

novas exigências e formas de organização, tanto do Estado como do trabalhador e da escola. São princípios do capitalismo, baseados na propriedade privada e na liberdade de empresa, na não-intervenção do Estado na economia, hoje reelaborados na forma de neoliberalismo, que privatiza tudo, creditando o êxito ou infringindo o fracasso social na dependência de opções individuais.

É nesse quadro que está inserida a exigência por novas qualificações para os trabalhadores, dentre eles, o professor. Por isso, se a qualificação dos professores não consistir em direito da categoria, são poucos os beneficiários desta qualificação, porquanto os docentes com maiores obrigações financeiras para o próprio sustento e de sua família a ela não terão acesso.

Outro aspecto da qualificação está no fator cartorial da titulação que, muitas vezes, não é sinônimo de competência, mas é moeda corrente na sociedade excludente. A procura descompromissada do certificado e do diploma, servindo apenas para o cumprimento das exigências legais, tem sido muito comum.

Qualificação e competência estão inseridas em estudos recentes da Psicologia Cognitiva e Psicologia Social sobre a identidade profissional. Têm sido utilizadas pelas empresas e trazido à tona a questão das competências, fazendo a contraposição com as incompetências. Ropé e Tanguy (1997, p. 205) abordam esta particularidade, considerando que os fenômenos chamados de competências estão ligados a situações específicas provisórias e em contextos singulares. O indivíduo é, dessa forma, competente para a empresa e aí reside a “[...] preferência dada ao termo competências sobre o de qualificações, no domínio do trabalho, e sobre os de conhecimento e de saberes, no domínio da educação e da formação.” A certificação e o diploma não garantem o emprego, a empresa é quem dá essa legitimidade. Para Rios (2000, p. 17),

É importante, no entanto, que se reafirme a procedente e sempre atual preocupação com a qualidade do trabalho na educação. Que necessitamos de uma educação de qualidade é inquestionável. O que se deve questionar é qual o significado que se dá à qualidade, conceito que guarda em sua compreensão uma multiplicidade de elementos.

utopia, ao compromisso necessário para que seja possível construir no coletivo as condições e os espaços de formação. A contribuição de Freire (op. cit.) para os estudos sobre a formação contínua dos professores está na proposta de fazer da prática docente um compromisso político, um envolvimento definitivo com a causa da educação como direito de todos e prática de liberdade. Os estudos aqui realizados contribuíram para um conceito de formação contínua elaborado por mim, partindo da compreensão da rede de relações que permeia e envolve os professores com o conhecimento no mundo do trabalho. Tem como pontos de partida e de chegada o trabalho docente, competente e refletido, ficando assim concebido: formação contínua é a articulação entre o trabalho docente, o conhecimento e o desenvolvimento profissional do professor, como possibilidade de postura reflexiva dinamizada pela práxis.

Este conceito de formação contínua parte de dois princípios de perspectiva marxista: o primeiro tem o trabalho como categoria fundante da vida humana, e o segundo, baseado na seguinte afirmativa de Pimenta (1994, p. 83): “A atividade docente é práxis”, compreendendo que esta práxis se faz na relação com o conhecimento em um dado momento histórico de dada realidade. Assumindo um enfoque gramsciano, a compreensão dessa realidade se caracterizará a partir de reflexão crítica e do posicionamento do professor no status de intelectual orgânico^7. A partir desses pressupostos, reafirmo a posição de Pimenta (op. cit.) acerca da atividade docente como práxis, pois o professor, no contexto histórico das contradições do capitalismo, pode com seu trabalho docente, (^7) Conforme Gramsci (1989, p. 3-4), “[...] intelectual orgânico refere-se à homogeneidade de um grupo organizador de uma cultura, com capacidade dirigente e técnica, isto é, intelectual. Dessa forma, o intelectual orgânico deve possuir uma certa capacidade técnica, não somente na esfera restrita de sua atividade e de sua iniciativa, mas também nas demais esferas do complexo social. Para Gramsci, “[...] a escola é um instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis.” (Ibid., p. 9).

transformar-se a si mesmo e também a sociedade circundante. Para tanto, não se pode prescindir de uma postura crítica, pois a dimensão da práxis:

[...] só pode apresentar-se, inicialmente, em uma atividade polêmica e crítica, como superação da maneira de pensar precedente e do pensamento concreto existente (ou mundo cultural existente) [...] não se trata de introduzir ex- novo uma ciência na vida individual de todos , mas de inovar e tornar crítica uma atividade já existente [...]. (GRAMSCI, 1989, p. 18 – grifos meus).

Esta é uma dimensão dialética que ocorre no movimento de articulação, realizada entre a continuidade da formação e o trabalho do professor, situada como potencialidade para uma prática refletida e transformadora (práxis), cujo significado Pimenta (1998a, p. 169) deixa bem claro: “Isso significa definir o trabalho do professor como intelectual e não como um técnico executor. Ou ainda significa valorizar os processos de reflexão na ação e de reflexão sobre a reflexão na ação.”

A valorização dos processos de reflexão e sua incorporação efetiva à vida do professor representam a teia que intercruza os saberes adquiridos, formal ou informalmente. A condição do professor está para além de um mero executor, ultrapassa os limites da titulação e dos certificados que ele possa exibir em seu currículo. Está, sim, na sua competência profissional e intelectual. Está nos seus saberes vários e nos inúmeros conhecimentos que se entrelaçam e se intercruzam na vida, no trabalho, nas associações e grupos que freqüenta, enfim, nas experiências em geral. A formação contínua estaria, assim, a serviço da reflexão e da produção de um conhecimento sistematizado, capaz de oferecer a fundamentação teórica necessária para a articulação com a prática e a crítica criativa do professor em relação ao aluno, à escola e à sociedade. Estaria ainda ajudando a pensar a profissão, a profissionalização, o profissionalismo e o desenvolvimento profissional do professor.

Como falar de desenvolvimento profissional, de formação contínua, de qualificação, quando o próprio trabalho (emprego) está ameaçado no contexto da atual política capitalista? Levanto esta questão para lembrar o panorama da globalização neoliberal, feita expressão da crise do capital, com a instauração do desemprego estrutural, do trabalho precário, da perda dos direitos trabalhistas e da idéia de empregabilidade. O paradoxo fica mais evidente

A formação contínua precisa ser reconhecida como um direito do professor, objetivando a realização de um trabalho de boa qualidade e em condições de dignidade. Essa questão não é apenas individual, é também social, pois envolve a ética (direção de sentido dada ao exercício da profissão) e a autonomia (relativa ao projeto social da docência). Sendo um direito do professor, subentende-se que este direito corresponda concomitantemente a um dever que precisa ser exercido. Então, como cumprir este dever e como exercer este direito?

A preocupação de estar com o “pé no chão” da realidade traz de volta a indagação: será que os professores, incluídos na condição de funcionários públicos, vendo seus direitos usurpados a cada dia, submetidos em sua escola e em seu cotidiano às marcas desse tempo de violência e exclusão, têm condições satisfatórias de responder aos apelos de qualificação e de formação contínua? A reflexão empreendida neste estudo precisa ser contextualizada e compreendida. O propósito desta caminhada teórica é abrir espaços para a compreensão da formação contínua numa visão de totalidade. Para isso, o item seguinte apresenta a contribuição de diversos autores para a construção do pensamento sobre a formação contínua no Brasil.

1.3 Da formação permanente à formação contínua no Brasil:

breve resgate histórico

Neste tópico trago as idéias de Pierre Furter sobre educação permanente no Brasil, porque a meu ver, nesse autor é possível localizar os primórdios do pensamento sobre a formação contínua. Apresento a seguir, uma breve visão da produção de autores brasileiros que ajudaram a configurar e sistematizar as idéias sobre formação contínua na história da educação no Brasil.

Na década de 1960, o filósofo e sociólogo francês Pierre Furter, a serviço da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) no Brasil, teve fundamental influência no meio acadêmico educacional, com suas idéias a respeito de educação permanente, como compromisso dos educadores com a sociedade e com eles próprios. Daí, o

motivo deste trabalho de pesquisa ter considerado importante mostrar que nas idéias de Furter sobre educação permanente, de certa forma, permaneceram as reflexões sobre o que a literatura pedagógica chama de educação continuada e formação contínua de professores. O ciclo que dura historicamente, toda a vida do ser humano, em suas múltiplas dimensões (não apenas escolares), é denominado educação permanente, conceituada por Furter (1966, p. 143) como: [...] uma concepção dialética de educação, como duplo processo de aprofundamento, tanto da experiência pessoal, quanto da vida social global, que se traduz pela participação efetiva, ativa e responsável de cada sujeito envolvido, qualquer que seja a etapa da existência que esteja vivendo.

A educação permanente 8 pode ser compreendida, assim, como a dinâmica que atende à necessidade de crescer mais e de ser mais, sempre presente nos seres humanos. Esta se realiza no percurso da vida dos indivíduos, nas diferentes instâncias e espaços dos quais eles participam (formais e informais), e no tempo histórico em que estão inseridos.

Na categorização que o autor faz sobre as instâncias da educação permanente, ele aponta como primeiro imperativo, “[...] a necessidade de aperfeiçoar a nossa formação profissional.” (FURTER, 1966, p. 146). Esta é a primeira preocupação do autor, para que a educação realize sua ação transformadora na sociedade.

Por meio dos cursos de Filosofia da Educação, ministrados em São Paulo e de sua publicação Educação e Vida , entre outras, Furter (op. cit.) apresentou idéias de caráter inovador – o que resultou na ressonância das suas teorias entre os intelectuais da educação brasileira. Sobre esta questão, os estudos realizados por Arouca (1996) oferecem importantes subsídios para a formação de um pensamento sobre educação permanente, uma vez que as idéias de Furter (op. cit.) sugeriam a análise dos problemas educacionais brasileiros e contribuíram para a formação de uma mentalidade pedagógica

(^8) Em consonância com a definição de Furter (op. cit.), a educação permanente foi caracterizada por Mendes (1969, p. 12) dentro de uma preocupação formal das políticas educacionais do Brasil, com a finalidade definida de produzir conhecimentos, valores e técnicas para a promoção da práxis humana, bem como a potencialidade da escola e da sociedade.

o professor se torne “mestre da sua práxis” (Ibid., p. 148). Portanto, este autor, a mudança é a essência da educação.

Apropriação do discurso dos educadores pelos agentes da política neoliberal se repete de acordo com o interesse do governo e dos organismos internacionais pelo controle e direcionamento da educação no Brasil. Comparando as principais idéias defendidas nas obras de Furter (op. cit.), e o que mostram Cunha e Góes (1985) sobre a década de 60, é possível verificar que o discurso de Furter está a serviço de uma política de dominação internacional, mesmo parecendo libertador.

De acordo com os autores em foco, a crise brasileira nos anos 1960 é econômica, social e política. A inserção dos interesses do setor industrial no Estado liberal oligárquico requeria rearticulações tanto no âmbito externo como no interno. Mesmo no confronto entre “abertura de mercado interno” e “exportar é a solução”, o discurso político progressista e populista, permanece nos palanques, enquanto a discussão sobre a luta de classe ficou restrita aos setores marxistas. A Aliança para o Progresso nos anos 60 se incumbia de ser a grande ideóloga contra a Revolução Cubana, e os intelectuais orgânicos da classe dominante escamoteavam a discussão da luta de classe através da sua atuação no Congresso Nacional.

Cunha e Góes (1985, p. 10) fazem a seguinte indagação: “Na crise de 1964, onde estavam os educadores? Que faziam? Qual a visão de mundo das suas vanguardas? Qual o papel do Estado na educação nacional?”

Falando sobre a tomada do poder no Brasil em 1964, Cunha e Góes (op. cit., p. 32) dizem que os intelectuais já não eram mais confiáveis, pois considerados subversivos. A pressa em criar quadros e afastar os intelectuais

comprometidos com a reforma do Estado, decorria dos acordos MEC-USAID 9 , que deveriam ser implantados.

Tem se repetido a utilização no decorrer da história da educação brasileira da presença de intelectuais portadores de uma teoria educacional que serve aos interesses de organismos internacionais.

As idéias de Furter (1966) sobre educação permanente são em grande parte as assumidas pela UNESCO e têm seu caráter de atualidade garantido por intermédio de outros intelectuais e discursos, que ainda que lancem mão de diferentes argumentos, contém no fundo as mesmas idéias^10.

Essas idéias da UNESCO sobre educação permanente, de certa forma, trouxeram à tona uma reflexão sobre a necessidade do preparo do professor e do cuidado permanente com sua formação. Isso prestou uma parcela de contribuição no debate sobre formação de professor no Brasil e para que

(^9) MEC-USAID: Melhor do que falar é demonstrar. Daí a transcrição da lista das ementas dos acordos MEC-USAID e suas respectivas datas, compilada por Otaíza de Oliveira Romanelli: a) 26 de junho de 1964: Acordo MEC - USAID para Aperfeiçoamento do Ensino Primário; b) 31 de março de 1965: Acordo MEC-Contap (Conselho de Cooperação Técnica para o Progresso)- USAID para melhoria do ensino médio; c) 29 de dezembro de 1965: Acordo MEC-USAID para dar continuidade e suplementar com recursos e pessoal o primeiro acordo para o ensino primário; d) 5 de maio de 1966: Acordo do Ministério da Agricultura-Contap-USAID, para treinamento de técnicos rurais; e) 24 de junho de 1966: Acordo com MEC-Contap-USAID, de assessoria para a expansão e aperfeiçoamento do quadro de professores de ensino médio e proposta de reformulação das faculdades de Filosofia do Brasil; f) 30 de junho de 1966: Acordo MEC-USAID de assessoria para a modernização da administração universitária; g) 30 de dezembro de 1966: Acordo MEC-INEP-Contap-USAID, sob a forma de termo aditivo dos acordos para aperfeiçoamento do ensino primário; nesse acordo, aparece, pela primeira vez, entre os objetivos, o de "elaborar planos específicos para melhor entrosamento da educação primária com a secundária e a superior" ; h) 30 de dezembro de 1966: Acordo MEC-SUDENE- Contap-USAID, para criação do Centro de Treinamento Educacional de Pernambuco; i) 6 de janeiro de 1967: Acordo MEC-SNEL (Sindicato Nacional dos Editores de Livros)-USAID, de cooperação para publicações técnicas, científicas e educacionais (por esse acordo, seriam colocados, no prazo de três anos, a contar de 1967, 51 milhões de livros nas escolas; ao MEC e ao SNEL caberiam apenas responsabilidades de execução, mas aos técnicos da USAID todo o controle, desde os detalhes técnicos de fabricação do livro até os detalhes de maior importância como: elaboração, ilustração, editoração e distribuição de livros, além da orientação das editoras brasileiras no processo de compra de direitos autorais de editores não- brasileiros, vale dizer, norte-americanos; j) Acordo MEC-USAID de reformulação do primeiro acordo de assessoria à modernização das universidades, então substituído por assessoria do planejamento do ensino superior, vigente até 30 de junho de 1969; k) 27 de novembro de 1967: Acordo MEC-Contap-USAID de cooperação para a continuidade do primeiro acordo relativo à orientação vocacional e treinamento de técnicos rurais; l) 17 de janeiro de 1968: Acordo MEC- USAID para dar continuidade e complementar o primeiro acordo para desenvolvimento do ensino médio (CUNHA; GÓES, 1985, p. 33 – grifos meus). 10 Relatório Jaques Delors datado de 1966, por exemplo, elaborado por especialistas de vários países pertencentes à Comissão Internacional sobre Educação da UNESCO, apresenta as aprendizagens (aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a ser) como pilares da educação para o próximo século.