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Intersecção entre Direito Penal e Direito Civil: Reparação de Danos, Notas de estudo de Direito

Este texto discute as interconexões entre o direito penal e o direito civil em relação à reparação de danos causados por um crime. O documento aborda diferentes situações legais, como a extinção da punibilidade por um crime, a suspensão de processos civis e a competência para decidir sobre a reparação de danos. Além disso, o texto apresenta quatro sistemas diferentes para lidar com a questão da ação civil e penal em conjunto.

O que você vai aprender

  • Em que circunstâncias a ação civil de reparação de danos pode ser intentada fora do processo penal?
  • Qual é a relação entre a morte de uma pessoa e a extinção da punibilidade por um crime?
  • Em que situações o exercício de jurisdição em matéria penal e civil pode se sobrepor?
  • Quais são os quatro sistemas para lidar com a ação civil e penal em conjunto?
  • Quais são as consequências legais para a pessoa responsável pela reparação de danos causados por um crime?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Agua_de_coco
Agua_de_coco 🇧🇷

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APONTAMENTOS PARA
UM
ESTUDO SOBRE A REPARAÇÃO
DO
DANO CAUSADO PELO CRIME E OS MEIOS
DE
PROMOVÊ-LA
EM
JUíZO
José Carlos Barbosa Moreira
1 . Efeitos penais e extrapenais do Crime -Ê trivial a obser-
vação de que um mesmo e único fato ou comportamento humano
pode surtir efeitos vários no mundo do
direito.
Basta, para tanto,
que mais de uma regra
jurídica
o preveja como suporte de sua inci-
dência, ou como elemento desse suporte. Assim, por exemplo, a
morte de determinada pessoa, que de
um
lado acarreta a abertura
da sucessão, com a transmissão imediata do domínio e da posse
da herança aos herdeiros legítimos e testamentários (Código Civil,
art.
1 . 572), extingue,
por
outro, a punibilidade de qualquer delito
por
ela praticado (Código Penal,
art.
108,
n.
0
1),
produz a suspensão
do processo civil
em
que ela seja parte (Código de Processo Civil,
art.
265,
n.
0
1),
ou até a respectiva extinção, caso -para usarmos
a linguagem legal -seja a ação considerada intransmissível (Código
de Processo Civil,
art.
267,
n.
0 IX), e assim por diante .
Em
se tratando de fato capitulado
na
lei como delituoso, além
da conseqüência mais gritante, que é a de sujeitar o agente à imposi-
ção de pena, desde que concorram todos os pressupostos legais, ou-
tras podem sobrevir, estranhas
ao
âmbito criminal . Aqui nos interes-
sam
as
conseqüências suscetíveis de manifestar-se
no
plano civil -
ou antes, uma delas, em particular, como se verá dentro em pouco .
Na verdade, concebem-se diversas,
que a prática de crime é rele-
vante para a incidência de mais de uma regra de direito civil: apenas
em
caráter exemplificativo, mencionem-se a que contempla o roubo
e o furto como excludentes da responsabilidade do alienante, a título
de evicção (Código Civil,
art.
1 .117,
n.
0
1);
as
que fazem revogável a
doação, quando o donatário atente contra a vida do
doador
ou co-
meta contra ele ofensa física, injúria grave ou calúnia (art.
1.
183,
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1,
li,
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que excluem da sucessão os herdeiros ou legatários
que houverem praticado homicídio ou tentativa de homicídio contra
o autor da herança, ou ainda incorrido em crime contra a sua honra
(art.
1.595,
n.
0s I e
li).
2.
O efeito
civil
relacionado cqm o dano -Não
é,
porém, de
quaisquer efeitos civis do fato delituoso que se tratará no presente
trabalho. O campo da nossa pesquisa
ficou, aliás, claramente de-
limitado pelo respectivo título . ·
A palavra
"dano",
bastante equívoca na linguagem jurídica,
nenhuma relação tem aí, convém desde logo advertir, com a.conhe-
cida classificação das figuras delituosas
em
"crimes
de
dano"
e
"cri-
mes de
perigo".
Não é este o
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próprio para o exame, ainda que
perfunctório, das numerosas e árduas questões que a doutrina pena-
lística tem versado a respeito de tal distinção e do critério
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APONTAMENTOS PARA UM ESTUDO SOBRE A REPARAÇÃO DO

DANO CAUSADO PELO CRIME E OS MEIOS DE PROMOVÊ-LA EM

JUíZO

José Carlos Barbosa Moreira

  1. Efeitos penais e extrapenais do Crime - Ê trivial a obser- vação de que um mesmo e único fato ou comportamento humano pode surtir efeitos vários no mundo do direito. Basta, para tanto, que mais de uma regra jurídica o preveja como suporte de sua inci- dência, ou como elemento desse suporte. Assim, por exemplo, a morte de determinada pessoa, que de um lado acarreta a abertura da sucessão, com a transmissão imediata do domínio e da posse da herança aos herdeiros legítimos e testamentários (Código Civil, art. 1. 572), extingue, por outro, a punibilidade de qualquer delito por ela praticado (Código Penal, art. 108, n.^0 1), produz a suspensão do processo civil em que ela seja parte (Código de Processo Civil, art. 265, n.^0 1), ou até a respectiva extinção, caso - para usarmos a linguagem legal - seja a ação considerada intransmissível (Código de Processo Civil, art. 267, n. 0 IX), e assim por diante.

Em se tratando de fato capitulado na lei como delituoso, além da conseqüência mais gritante, que é a de sujeitar o agente à imposi- ção de pena, desde que concorram todos os pressupostos legais, ou- tras podem sobrevir, estranhas ao âmbito criminal. Aqui nos interes- sam as conseqüências suscetíveis de manifestar-se no plano civil - ou antes, uma delas, em particular, como se verá dentro em pouco. Na verdade, concebem-se diversas, já que a prática de crime é rele- vante para a incidência de mais de uma regra de direito civil: apenas em caráter exemplificativo, mencionem-se a que contempla o roubo e o furto como excludentes da responsabilidade do alienante, a título de evicção (Código Civil, art. 1 .117, n.^0 1); as que fazem revogável a doação, quando o donatário atente contra a vida do doador ou co- meta contra ele ofensa física, injúria grave ou calúnia (art. 1. 183, n.^0 s 1, li, 111); as que excluem da sucessão os herdeiros ou legatários que houverem praticado homicídio ou tentativa de homicídio contra o autor da herança, ou ainda incorrido em crime contra a sua honra (art. 1.595, n.^0 s I e li).

  1. O efeito civil relacionado cqm o dano - Não é, porém, de quaisquer efeitos civis do fato delituoso que se tratará no presente trabalho. O campo da nossa pesquisa já ficou, aliás, claramente de- limitado pelo respectivo título. · A palavra "dano", bastante equívoca na linguagem jurídica, nenhuma relação tem aí, convém desde logo advertir, com a. conhe- cida classificação das figuras delituosas em "crimes de dano" e "cri- mes de perigo". Não é este o 1u·gar próprio para o exame, ainda que perfunctório, das numerosas e árduas questões que a doutrina pena- lística tem versado a respeito de tal distinção e do critério em que

ela se funda; nem caberia, sequer, enfrentar uma indagação rele- vante do ponto de vista penal, mas só dele: se em todo e qualquer delito, inclusive nos chamados "crimes de perigo", se deve ou não reconhecer a existência de um dano, em sentido lato. Nada disso vem agora ao caso, pois não é com o dano criminal, e sim com o dano civil, que se relacionam as nossas cogitações no momento. Mais precisamente, elas concernem àquela particular con- seqüência civil do fato delituoso, que consiste na obrigação de repa- rar o dano por ele causado. Ou, em termos ainda mais exatos: aos modos pelos quais o titular do direito à reparação pode fazê-lo valer, quando o próprio responsável não se disponha a compor volunta- riamente o dano.

  1. Crime e dano civil - Falando-se de "reparação do dano causado pelo crime", surge questão que desde logo cumpre enfr~n- tar. Diz-se que "nem todo crime produz dano apreciável civilmente" ('). Tal afirmação, contudo, poderia ser entendida em dois sentidos distintos: primeiro, o de que certos delitos não produzem dano algum, do ponto de vista civil; segundo, o de que não produzem dano capaz de fazer nascer a obrigação de reparar. Trata-se de coisas inconfun- díveis, e perfeitamente se concebe que uma exista sem a outra; que o ordenamento exclua a responsabilidade civil do causador em rela- ção a determinadas espécies de dano (moral, por exemplo), ou ao dano produzido sob certas circunstâncias. Dizer, pois, que pode haver crime sem que a gente fique obrigado à reparação, não im· porta necessariamente dizer que pode haver crime sem que se con- figure dano do ponto de vista civil: o dano existiria sempre, ainda que inidôneo para gerar aquela conseqüência. Deparam-se na doutrina ambas as opiniões: a que sustenta a possibilidade de crime sem qualquer resultado danoso (^2 ) e a que, reputando indissociável do crime o dano civil, admite apenas que este possa vir desacompanhado da obrigação de reparar (ª). Parece mais

l 1) Basileu Garcfa, Instituições de Direito Penal, 2~ ed., S. Paulo, 1952, vol. 1, t li, pág , 584.

  1. Vide, entre nós, Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, t. 53, Rio de Ja- neiro, 1966, pág. 103 : "O ato pode ser criminoso e incorrer em pena quem o pratique sem que daí resulte dever de indenizar (falta ao suporte láctico o ele• mento do dano)" (sem grifo no orig inal). Na m,'Jderna literatura peninsular, sub• linha por exemplo Grimaldi, L'azione civile ne/ processo pena/e, Nápoles, 1965, págs. 11, 37, 111, o caráter puramente eventual de um dano civil conseqüente ao delito. Veja-se, aliás, o texto do art. 185, 2~ alínea, do -Godice pena/e: "Ogni resto che abbia cagionato un danno, patrimoniale o non patrimonia/e, obbliga ai risarcimen- to. .. ", onde o trecho destacado manifestamente pressupõe a existência de crimes não produtores de dano (civil). ( 3) Cite-se, por todos, Carnelutti, li danno e il reato, Pádua, 1930, págs. 15/ 6, 25 , 65/.

apesar de privado o bem jurídico objeto da tutela penal: assim, de ordinário, no caso já lembrado da tentativa de furto (^6 ).

  1. Ilícito penal e ilícito cívil - Por vezes se afirma que a ili- citude penal do fato - ao menos quando esteja em jogo interesse privado - envolve sempre a sua ilicitude civil; ou, em outras pala- vras, que todo crime é também, necessariamente, um ato ilícito do ponto de vista civil ('). Caso se considere que o dano é inseparável do delito, qualquer dúvida será descabida. Na perspectiva oposta, contudo, a questão se torna mais complexa.

É que, no âmbito mesmo do direito civil, não há unanimidade acerca da pertinência ou não do dano ao próprio conceito de ato ilícito. Segundo corrente doutrinária prestigiosa, em nosso país e alhures, inexistindo dano, não se configura ilícito civil (ª); outra, não menos autorizada, vê no dano aspecto puramente acidental do ato ilícito, entendendo que este se caracteriza, na essência, pela simples relação de contradição entre o comportamento e o preceito conticfo na norma jurídica civil (^0 ). A esta última concepção objeta-se que uma atividade contrária ao direito, mas da qual não resulte qualquer prejuízo, deve ser considerada irrelevante: seria praticamente inútil, e por isso desaconselhável, qualificar de ilícito um ato que não pro-

( 6) • li danno civile manca (. .. ) sempre che la incriminazione sia in tunzione dei/a tutela i di un interesse di esclusiva valutazione pena/e. Ma esso puà mancare anche ne/ caso di concorso di norme quando la norma pena/e concorra con una norma di dlfitto pubblico (diritto costítuzionale o amministrativo) o sia pure di diritto pri- vato, ma diversa da quel/e dai/e qua/i origina una dei/e tre fattlspecíe dí danno (restítuzione, risarcímento, ríparazíone)" (Foschíní, Sistema dei díritto processuale pena/e, vol. 1, 2\ ed., Milão, 1965, pág. 159; destaqμes nossos). Um reparo: a oração final entrem:ostra ainda uma vez a falta de distinção nítida entre dano civil e dano civil gerador da obrigação de reparar (lato sensu). ( 7) Assim, v. g., Leone, Trattato di dirítto processuale pena/e, Nápoles, 1961, vol. 1, págs. 479/80; entre nós, Hélio Tornaghi, Instituições de processo penal, 2\ ed., 29 vol., S. Paulo, 1977, pág. 400: "o fato il feito penal é, a tortíorí, ilícito civil". ( 8i Veja-se a definição de C/óvis evíláqua, Direito das Obrigações, 3\ ed., Rio de Janeiro. 1921, pág. 211: ''Ato ilícito é aquele que, praticado sem direito, causa dano a outrem, seja uma omissão ou uma comissão" (grifamos). Modernamente, no mesmo sentido, entre outros, Sílvio Rodrigues, Direito Civil, vol. 1, S. Paulo, 1962, pág. 324; Arnoldo Wald, Curso de Direito Cívil Brasileiro, Parte geral, 2\ ed. , S. Paulo, 1969, pág. 249. Na Itália, cf., exemplificativamente, De Rugglero - Maroi, lstituzioni di díritto privato, 8\ ed., Milão - Messina, s/d, vol. li, pág. 480; Trabucchi, Jstituzíoni dí diritto cívile, 5\ ed., Pádua, 1950, pág. 184; Caríota - Ferr::ira, li negozio gíurídico ne/ dirítto privato italiano , Nápoles, s/d, págs. 28/9, 31; Brastel/o, 1 fimiti dei/a responsabilità per danni ne/ nuovo sistema Jegíslatlvo italiano, Nápoles, 1942, págs. 304 e segs. Aliter, na literatura recente, Carbone, li fatio dannoso nella responsabilítà cívíle, Nápoles, 1969, 97 e segs., onde se discute extensamente a questão, com amplas referências bibliográficas em not~s /vide também as notas 63 a 65, nas págs. 29/31). ( 9) Assinale Ponte de Miranda, Trata. de Dír. Prív., t. 53, pág. 196, que "o fato ilí· cito pode ser ilícito absoluto sem causar dano"; e dá o seguinte exemplo: "Entra B na casa de A, sem permissão, mas nenhum prejuízo patrimonial ou não patri- monial resultou de seu ato imprudente".

duza a consequencia de obrigar o agente à reparação (^10 ). Mesmo, porém, que se deixe de lado a conveniência de evitar confusão entre o conceito de dano e o dano reparável - isto é, entre o gênero e a espécie -, sempre se poderá responder que não se resume na alu- dida obrigação o rol das conseqüências previstas na lei civil para a infração do preceito: por exemplo, qualquer ato que importe "grave violação dos deveres do casamento", ainda quando não acarrete para o infrator a obrigação de reparar, pode servir de base ao pedido de separação judicial (Lei n.^0 6. 515, de 26.12.1977, art. 5. 0 , caput) (^11 ). Em tais condições, não bastará na verdade a inexistência de dano para que se exclua ipso facto a ocorrência de ilícito civil, a par do ilícito penal. Poderá haver, além do crime, ilícito civil sem dano: é suficiente que o comportamento contrarie preceito comum ao di- reito penal e ao direito civil. Várias são, portanto, as comb.inações em tese concebíveis: (a) crime sem ilícito civil (exemplo: reingresso de estrangeiro expulso - Código Penal, art. 338); (b )crime com ilí- cito civil sem dano (exemplo: violação de domicílio, se nenhum pre- Juízo ocorreu para ·o proprietário); (c) crime com ilícito civil e dano não produtor da obrigação de reparar (exemplo: injúria, caso o orde- namento não contemple a reparação do dano moral); (d) crime com ilícito civil e dano capaz de gerar tal obrigação (exemplos: homicídio, lesão corporal, furto, apropriação indébita, estelionato, etc.). Dos casos sob d, que são os mais freqüentes, cuida, à evidência, a pre- sente investigação. Os restantes deixam de interessar neste contex- to; as referências que a eles fizemos, nas precedentes considera- ções, visavam tão-só a demarcar com precisão a área em que se vai trabalhar.

  1. Espécies de composição do dano - Temos usado até aqui (e continuaremos a usar, commoditatis causa) a palavra "repa- ração' ' em sentido lato, para designar qualquer tipo de prestação de- vida à pessoa a quem o fato delituoso haja causado dano. A dou- trina, todavia, identifica mais de uma forma de composição do dano, a reserva para cada qual uma denominação específica (^1 ª ). Assim é que se fala de restituição (lato sensu) para indicar a mais singela

1 1 O) Nesse sentido, v. g ., Orlando Gomes, Obrigações, Rio-S. Paulo, 1961, pág. 347, reconhecendo embora que "não é de boa lógica introduzir a função no conceito", e " talvez fosse preferível dizer que a produção do dano é , antes, um requisito da responsabilidade, e não do ato íl/cíto " (grifado no original). Era o que já sugeria Paolí, li reato, íl risarc ., la ripar., págs. 166/7,. desvinculando do conceito de "ill• cito" o de "dano ", para relacioná-lo exclusivamente com a obrigação de reparar. ( 11) ,"ala Pontes de Miranda, Trat. de Dír. Priv. , t. 2, 1954, págs. 216 e segs ., em " atos ilícitos caducif icantes ", para designar " os atos ilícitos que não têm a efi- các ia de dever inden izativo e importam em perda de direitos, pretensões, ações e exceções ". Tal perda (caducidade) é que constitui, ai , a sanção; serviria de exemplo a perda do pátrio poder (Código Civil, art. 395). ( 12) Vide a respe ito , na literatura pátria, a clara lição de Hélio Tornaghi, Jnstit., 29 vol., págs. 380 e segs ., cujas linhas gerais acompanham o nosso texto ; entre os italia• nos , cf. por todos Carneluttí, li danno e íl reato, págs. 32 e segs. , onde se chama " esecuzionc" à rest ituição,

de socorro (Código Penal, art. 135), em que o preceito não é comum a qualquer outro ramo do direito, e por isso mesmo a pena é a única sanção cabível. Também pode suceder que seja de direito público - administrativo, por exemplo, como em tantos crimes que são ao mes- mo tempo violações de deveres funcionais - o oreceito comum ao direito penal; e a sanção extrapenal pode não ter natureza de repara- ção: consistirá, v.g., na demissão do funcionário, punição adminis- trativa que não se confunde, vale recordar, com a pena acessória de perda de função pública (Código Penal, art. 67, n.^0 1). Ainda quando o preceito seja c_omum ao direito penal e ao direito civil, nem sempre é reparatória a sanção civil: não tem essa índole, por exemplo, o di- reito à separação judicial, que nasce, para o outro cônjuge, da prá- tica de adultério - crime e, simultaneamente, ato que importa grave violação de dever conjugal (Lei n. 0 6.515, de 26.12.1977, art. 5.^0 , caput). O que ficou dito não implica desconhecer as interferências de um sobre outro mecanismo sancionatório, na hipótese de fato ilícito ao duplo ângulo penal e extrapenal. Particularizando: é manifesto que, às vezes, a reparação ocupa lugar preeminente nas considera- ções de política legislativa que informam o ordenamento positivo; e a tal ponto, que se chega a preexcluir a imposição da pena, sob certas circunstâncias, uma vez reparado o dano: assim, no peculato culposo, antes de sentença condenatória irrecorrível (Código Penal, art. 312, § 3.º). A lei como que promete ao agente_deixar de apená-lo se ele a tempo proceder à reparação, o que se traduz, naturalmente, em incentivá-lo a reparar. Aí a pena aparece na verdade como recurso derradeiro, de que se prefere não usar, salvo em caso extremo; de- sempenha, por assim dizer, função subsidiária. A reparação basta; só na sua falta é que sobrevém a sanção penal.

  1. Posições jurídicas subjetivas relacionadas com a obrigação de compor o dano resultante do crime - Na relação jurídico penal, assim como o Estado, titular do ius puníendi, é sempre o sujeito ativo, sujeito passivo será sempre aquele a quem se imputa a prática do tato delituoso: somente ele, e mais ninguém, poderá sofrer a impo- sição de pena. Já a sanção civil pode recair sobre outrem: em várias e conhecidas hipóteses, a lei faz responsável pela reparação pessoa distinta daquela que cometeu o crime, ainda que tal responsabilidade não exclua a do infrator, mas seja com ela solidária (vide Código Ci- vil, arts. 1. 521 e 1. 518, parágrafo único). Aquele que, não tendo pra-

ticado a infração, está contudo obrigado a reparar o prejuízo dela

resultante costuma chamar-se responsável civíl: sem embargo de pos-

síveis objeções à sua propriedade técnica, vale registrar que a ex-

pressão é usada no art. 64, caput, do Código de Processo Penal. Passemos ao pólo oposto. Abstraindo-se de vacilações termino- lógicas freqüentes na doutrina penalística, é conveniente distinguir: a) o titular do bem jurídico ou interesse primariamente tutelado pela norma incriminadora (sujeito passivo do crime); b) a pessoa direta-

mente atingida pela ação do infrator, e comumente des:gnada como a "vítima" do delito; e) outra pessoa, ou eventualmente outras pes- soas, de quem se pode considerar também lesado pela infração al- gum interesse digno de proteção jurídica. As posições de a e de b confundem-se muitas vezes na mesma pessoa : na lesão corporal (Cóâigo Penal , art. 129), titular do bem jurídico penalmente tutelado (a integridade física ou a saúde) e, pois, sujeito passivo do crime é o próprio ser humano que sofreu, de maneira direta, a agressão. Isso, porém , nem sempre acontece: no delito de violência arbitrária (Có- digo Penal , art. 322), o bem jurídico primariamente tutelado pela norma i ncr iminadora é a regularidade do exercício da atividade admi- nistrativa, cujo titular (sujeito passivo do crime) é o Estado; mas há outr em que sofre a violência praticada pelo agente. O direito à reparação do dano pode nascer, e em regra nasce, para o sujeito passivo do crime ; este ocupará, na relação jurídica de direito privado, a posição de sujeito ativo (credor). Também ocorr~, entretanto, que se atribua tal posição à pessoa diretamente atingida pela ação delituosa, em conjunto ou não com o sujeito passivo do crime. E, em determinados casos, titular do direito à reparação será alguém totalmente estranho ao aspecto criminal do fato: alguém que nem é titular do bem jurídico penalmente tutelado, nem sofreu em si a ação do infrator. Ê o que se dá, v.g., no homicídio, em que, à evi- dência, o crédito pela reparação não tem como sujeito ativo o morto. Esta última situação apresenta certa afinidade com a do res- ponsável civil. O preponente do homicida, por exemplo (Código Civil, art. 1. 521 , n.^0 Ili) e o parente próximo da vítima têm em comum a circunstância de não estarem de modo algum envolvidos no crime, como tal; mas ambos assumem posições jurídicas - passiva, o pri- meiro; ativa, o segundo - na relação de direito privado oriunda do fato visto como ilícito civil. Observe-se, enfim, que não há confundir a situação do parente próximo da vítima, na hipótese de homicídio, com a daquele que, em razão do parentesco, porventura suceda, causa mortis, no crédito surgido v.g., para o sujeito passivo do delito de lesão corporal: aqui , há transmissão (hereditária) da relação ju- rídica civil, ao passo que lá ela se forma desde o início com o paren- te; não se deve entender que o primitivo credor fosse a própria ví- tima, pois o dano sofrido pelo parente só se configurou no momento da consumação do crime (isto é, da morte), e portanto, o correspn- dente crédito jamais pertenceu ao patrimônio do defunto (^15 ).

( 15) Opinião largamente predominante na doutrina : vide, entre outros, De Marslco, Le- zioni di diritto processuais pena/e, 3~ ed ., Nápoles, 1952, pág. 79; Ranieri, Ma- nuais di diritto processua/e pena/e, 2~ ed., Pádua, 1956, pág. 219; Pao/1 , li reato, il risarc ., la ripar ., págs. 83 e segs., espec. 88/9; Grimaldi, L'azione civ.... , pág. 187 ; Viada-Aragoneses, Curso de Derecho Procesal Penal, 4~ ed., Madri, 1974, t. 1, pág. 144; Aragoneses, lnstituciones de Derecho Procesal Penal, Madri, 1976, págs. 170/1. Contra, Capalozza, Parte civile, in Noviss. Dig. !tal. , vof. XII, pág. 476, para quem o direito surge ''nel momento stesso in cui la vittima viena colpita", bailando, para que ela o adquira, o espaço de tempo, mínimo que seja, P-nlre esse momento e o da morte.

destrói o equilíbrio entre as partes, pondo o réu em situação de inferioridade, atacado que se vê por dois flancos e forçado a com- bater, ao mesmo tempo, pretensões heterogêneas. Todos esses argumentos, ou quase todos, têm sua dose de verdade - o que significa que uma e outra solução apresenta van- tagens e desvantagens. O Código de Processo Penal em vigor optou pela segunda; no momento oportuno se assinalará o modo bastante engenhoso pelo qual sem juntar as duas causas no mesmo processo, tem o direito pátrio ensejado o aproveitamento, para fins civis, do resultado obtido no juízo criminal. É um expediente interessante, capaz de facilitar, em boa medida, a efetivação da responsabilidade civil emergente do delito, atendendo assim, ao menos em parte, a um dos principais argumentos invocados pelos partidários do julga- mento conjunto.

  1. Princípio de união e princípio da separação - Conforme· ressalta do exposto no item anterior, dois princípios opostos dispu- tam a preferência das modernas legislações processuais. Podemos chamar a um deles princípio de união; ao outro, princípio de separa- ção. De acordo com o primeiro, apreciam-se e decidem-se em con- junto a causa penal e a causa civil atinente à reparação do dano, consoante o segundo, cada qual é apreciada e decidida em sede própria e específica - sem que se preexclua, vale ressaltar, a pos- sibilidade de recíprocas interferências, quer ao ângulo procedimen- tal (v.g ., suspensão de um dos processos, em certas circunstân- cias, até que o outro chegue ao término), quer mesmo sob a forma de uma vinculação, mais ou menos intensa, que se impõe ao julga- mento civil, à vista do teor do precedente julgamento penal. Os ordenamentos que se inspiram no princípio da união não o observam todos com igual rigor. Levado às últimas conseqüên- cias, ele acarretaria a obrigatoriedade do julgamento conjunto das duas causas, ou, em outras palavras, a impossibilidade de exercer-se em separado a atividade jurisdicional que tem por objeto a solução do litígio civil. A composição judicial do dano causado pelo crime de- penderia assim, necessariamente, de um pronunciamento em que se contivesse, também, a decisão da causa criminal. Pode-se (e cos- tuma-se), todavia, recorrer aqui a um temperamento: a lei permite, sob determinadas condições, o julgamento da lide civil juntamente com o da penal, sem excluir, por outro lado, a eventualidade de pro· nunciamentos distintos, em processos separados. Defronta-se neste ponto outra questão relevante. Admitida que seja a união - em caráter necessário ou, como na maioria dos casos, facultativo -, e não estando cumuladas nos mesmos órgãos atribuições relativas a ambas as causas, cabe indagar a quais dentre eles se deve confiar o julgamento conjunto: aos que exercem nor- malmente atividade jurisdicional em matéria civil, ou aos que nor-

malmente a exercem em matéria penal? Razões intuitivas justificam a preferência por estes últimos (1 6^ ); e, com efeito, em todos os or, denamentos processuais de que temos notícia, uma vez acolhido o princípio da união, invariavelmente se atribui o julgamento conjunto ao juízo criminal. Resta ver de que maneira se abre ensejo ao pronunciamento deste sobre ambas as causas. De ordinário, em obséquio ao prin- cípio de iniciativa de parte (ne procedat iudex ex officio), o juízo penal só poderá apreciar a matéria relativa às conseqüências civis do dano se algum legitimado a tanto o provocar. Quando, pois, alguém pretenda obter, no feito criminal, a condenação do respon- sável à reparação do dano, terá de formular nele o seu pedido, assumindo a condição de parte (^11 ) e introduzindo assim, no objetivo do processo, um novo thema decidendum. Mais raramente, prevê a lei que o juízo original, sem necessi- dade de qualquer pedido desse teor, se pronuncie sobre a obrigação civil acaso decorrente do fato delituoso. Quer isso dizer que o órgão incumbido de julgar a causa penal julga também, de ofício, a matéria referente à reparação do dano. Tal regulamentação com- porta ainda duas modalidades: ao juiz do crime pode atribuir-se quer o dever, quer a mera faculdade de impor ao responsável a sanção civil (^18 ). Mas, de uma forma ou de outra, sem dúvida se está diante de fenômeno excepcional: o exercício oficioso de atividade jurisdicio- nal, em matéria civil e habitualmente vista como sujeita ao princípio da disponibilidade, no sentido de que o prejudicado pode livremente dispor do seu crédito (e, a fortiori, simplesmente deixar de exigi-lo) -, entra decerto em choque com idéias que têm sólidas raízes na tradição jurídica ocidental.

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Vide a respeito Hélio Tornaglii, lnslit., 29 vol., pág. 393. "Part/e civile" chama-lhe o direito francês (Code de procédure pénale, art. 85); •·parte civile" o italiano (Godice di procedura pena/e, art. 23); "parte civil" ou ''actor civil" o espanhol (Ley de Enjuiciamiento Criminal, arts. 37, 133, 320 e outros). Reza o art. 34, caput, do Código de Processo Penal português que "o juiz, no caso de condenação, arbitrará aos of~ndidos uma quantia como reparação por perdas e danos, ainda que lhe não tenha sido requerida". Já no ordenamento russo, de acordo com o disposto no art. 29, 4~ parte, do estatuto processual pe- nal (temos sob os olhos a tradução inglesa feita por Harold J. Berman e Jam9s W. Spind/er e publicada pela Harvard University Press, no volume Soviet Criminal Law and Procedure - The RSFSR Cedes), se a ação civil não houver sido in- tentada perante o juízo criminal, po'tlora este, apesar disso, ao julgar a ação penal, decidir também sobre a reparação do dano material acaso resultante do delito. Na Argentina, o art. 29 do Código Penal (que derrogou o art. 1096 do Código Civil, onde se consagrava o principio da separação) reza igualmente que "a sen- tença condenatória poderá ordenar" a reparação civil; mas predomina a tendên- cia a interpretar esse dispositivo como só aplicável quando algum legitimado o requeira ao juiz do crime - excluída, pois, a condenação civil acessória ex officlo.

do responsável a reparar (lato sensu) o dano. Seria esse o fenô- meno, se o autor da ação penal ped isse também a aplicação da sanção civil, como ocorre no México; ou, pelo menos, se a lei con- siderasse "implícito" semelhante pedido no de imposição de pe- na (2^1 ). Não é tal, porém, o caso: simplesmente, o juízo criminal pro- nuncia- se ex officio sobre a matéria civil, sem que se faça mister, para tanto, que a condenação à reparação (lato sensu) do dano seja pleiteada pelo particular ou pelo órgão público de acusação. Pre- ferível, destarte, enxergar em tais julgamentos verdadeiros casos de jurisdição sem ação (^22 ). Convém observar que o Código português não exclui a formu- lação, no processo-crime, de um "pedido de indenização por perdas e danos": antes o prevê, em termos expressos, no art. 29, permi- tindo por outro lado, no art. 30, que a ação civil, sob certas circuns- tâncias, seja proposta em separado, perante o órgão próprio. Pode- ria inferir-se daí a filiação do direito luso ao sistema de solidarie- dade, com algumas concessões ao da livre escolha (^2 ª). Disso se aproxima, também, o colombiano, onde a regra é a da competência privativa do juízo penal para a ação civil de reparação do dano causado pelo crime, e só por exceção pode esta ser exercida inde- pendentemente (Código de Procedimento Penal, arts, 24 e 25); mas

  • à semelhança do que ocorre em Portugal - o titular do direito à reparação a rigor não precisa intervir no processo criminal para postulá-lo: nos termos do art. 92 do Código Penal, a sentença con- denatória por qualquer infração de que resulte dano civil condenará também os responsáveis, solidariamente, ao ressarcimento dos p.re- juízos causados. Em sua pureza, o sistema de solidariedade tam- pouco parece vigorar em qualquer dos ordenamentos contempo- râneos. O sistema da livre escolha é o mais difundido na Europa con- tinental. Na França, já o seguia o velho Code d'instructíon crimi- nelle (^2 •), e manteve-o o Code de procédure pénale de 1957 (arts. 3.^0

( 21) Algo assim se depara no direito espanhol: de acordo com o art. 112, H parte, da Ley de Enjuiciamento Criminal, "ejercitada só/o la acción penal, se entenderá uti- lizada también la civil, a no ser que e/ danado o perjudicado la renunciasse o /a reserva-se expressamente para ejercitarla después de terminado e/ juic/o criminal, s, a e/lo hubiere lugar ". Mas a leitura do dispositivo inteiro, e de outros pertinen- tes, sobretudo o art. 111, revela que não é possível enquadrar o ordenamento hispanico no sistema puro da confusão: esta, com efeito, é nele contingente, não necessária. ( 22) Aliier, Hélio Tornaghi, lnstit.,. 29 vol., págs. 389/90, onde, entre outros, se men- cionam justamente, como filiados ao sistema da confusão, o velho diploma penin• sular e o português. ( 23) Não é pacifico em doutrina, porém, que o art. 29 contemple uma verdadeira ação civil exercitável no juízo criminal. Vide, em contrári o, a opinião de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 19 vol., Coimbra, 1974, págs. 543 e segs. espec.

( 24 ) Sobre o antigo ordenamento francês, no particular, vide a clara e minuciosa ex- posição de Donnedieu de Vabres, Trai/é de droit cr lmlnel et de Jégislatíon péna/e comparée, 31' ed. , Paris, 1947, págs. 641 e segs.

e 4. 0 ). Vigora igualmente na Itália (Godice di procedura pena/e de 1930, arts. 23 e 24), e - não obstante as severas críticas de que tem sido alvo (2") - foi prestigiado, de iure condendo, pela Lei n.^0 108, de 3-4-1974, que delegou ao Governo poderes para editar novo Código (2"). A ele se filiam, ademais, o direito sueco (Código proces- sual, Cap. 22, Secção 1) e suíço Loi fédérale sur la procédure pé- nale, art. 210). Enfim, na Alemanha, que durante muito tempo adotou o sistema da separação, uma reforma levada a cabo em meados deste século (^21 ) introduziu o da livre escolha, embora com acen- tuadas restrições Strafprozêssordnung, §§ 403 e segs.). Entre os ordenamentos da América Latina, serve de exemplo o venezuelano (Código de Enjuiciamiento Criminal, art. 3. 0 ). As legislações enquadráveis no sistema da livre escolha, ainda que em mais de um ponto difiram bastante entre si, apresentam uma característica fundamental comum: a faculdade que conferem ao

( 25) Tenazmente o combateu, v. g., Carnelutti, não só em trabalhos doutrinários (Principi dei processo pena/e, Nápoles, 1960, págs. 53/4; Crisi dei/a giustizia pena/a, in "Riv. di dir. proc." vol. XIII, 1958, págs. 337 e segs.; Priml problemi dei/a rlforma dei processo pena/e, ln "Rev. di dir. proc.", vol. XVI, 1961, págs. 525/6), mas também como redator de um esboço de projeto de novo Código Penal, qua ela- borou em 1962, na qualidade de presidente de uma comissão de juristas nomeada pelo governo itafiano (vide a respeito Pisapia, Re/azione introduttiva ao 69 Con- vegno di Studio Enrico de Nico/a, no vol. Azione civile e processo pena/e, Milão, 1971, pág. 3). ( 26) O ponto 17 do art. 29 da lei de delegação refere-se à "ammissibilità dell'esercizlo, nel processo pena/e, dell'azione civile per /e restituzionl e per il risarcimenlo dei dano cagionato dai reato"; o texto acha-se publicado em apêndice ao livro de valiante, li nuovo processo pena/e, Milão, 1975, págs. 382 e e segs. (vide o aludido, ponto 17 na pág. 409). Na verdade, as censuras dirigidas pelos autores italianos ao sistema adotado em seu país antes parecem endereçar-se, na maioria dos ca- sos, à maneira por que a lei disciplina a participação do ofendido no feito penal, do que propriamente ao principio que informa o sistema. Pisapia, v.g., na já citada Relazione lntroduttlva (Azione civ. e proc. pen., pág. 14). confessa a sua preferência pelo regime da união, embora sublinhe a necessidade, de ferie ferenda de ' inserire effettivamente ed efficacemente la parte civile nel processo pena/e"'. retírando-a 60 lugar de ''cenerento/a, ospite appena tollerata". Para a exposição, em resumo, das tendências manifestadas ao propósito no 69 Convegno di Studio Enrico de Nico/a, v!de a Relazione d/ sintes/ dei dlbattito congressua/e, de Conso, no vol. cit., págs. 241 e segs.

( 27) No texto em vigor, os dispositivos concernentes à reparação (lato sensu) do dano causado ao ofendido ("Entschadlgung des Verletzten", segundo a rubrica) com- põem a Secção Terceira do Quinto Livro da STPO. A mudança de orientação re- monta a 29 de maio de 1943, data da Ordenação que tornou possível a cumulação da ação civil com a penar (Adhasionsprozess) : vide Henkel, Strafverf.ahrensrecht, 2~ ed., Stuttgart - Berlim X Colônia - Mainz, 1968, pág. 413, nota 1; Kern-Roxin, Strafverfahrensrecht, 13f ed., Munique, 1975, pág. 349; Nikisch Zivilprozessrecht, セセ@ ed., Tübingen, 1952, pág. 44; Schônke, Studien zum Adh/1sionsprozess, in Studi ln onore di Enrico Redenti, Milão, 1951, vol. 1, pág. 356. Assinalam os autores que a inovação teve fraca repercussão, prática : Henke/, Strafverfahrensrecht, pág. e nota cit.; Kern-Roxin , Strafverfahrensrecht, pág. 323 ; Baumann, Grundbegriffe und Verfahrensprinzipien des Strafprozessrechts, 2~ ed. , Stuttgart ,-- Berlim - Colônia - Mainz, 1972, pág. 15; Jauernlg, Zivilprozessrecht, 18~ ed ., Munique 1977, págs. 10/11; Geigel-Geigel, Der Haftpfl/chtprozess, 7f ed., Munique - Ber- lim, 1954, 449.

se o caso de restituição de coisas, que em certas circunstâncias pode ser pleiteada, segundo o direito pátrio, no próx'mo juízo penal (art. 120 do vigente Código); a separação não é, pois, absoluta.

  1. Direito brasileiro - O Código Criminal do Império, de 1938, após estatui r, no art. 31, caput, que a "satisfação" do dano causado pelo delito não ocorrer:a "antes da condenação do delin- qüente por sentença do Juízo criminal, passada em julgado", abria, nos parágrafos 1.º e 3. 0 , certas exceções, entre as quais a corres- pondente ao caso de o ofendido preferir "usar da ação civil contra o delinqüente". O advento do Código do Processo Criminal, de 1832, marcou o triunfo do princípio da união. Salvo se estivesse o infrator ausente do território nacional, ou em lugar não sabido - hipótese em que, trat·ando-se de crime afiançável, era inadmissível a ação penal, podendo então ser proposta a civil (arts. 233 e 234) -, no próprio processo-crime é que se apreciava a matéria referente às conseqüências civis do fato delituoso. Assim, cumpria ao juiz de direito submeter aos jurados, além dos concernentes à responsa- bilidade penal do réu, quesitos relativos à obrigação de reparar o dano (art. 269, § 5. 0 ). Rezava ainda o art. 338: "A mesma sentença que condenar o réu na pena o condenará na reparação da injúria e prejuízos, que se liquidarão no Foro comum, se tal liquidação for necessária".

Durou pouco, todavia, esse regime: a Lei n.^0 261, de 3-12-1941, que reformou o processo criminal, viria consagrar o princípio da separação. Revogando expressamente o art. 31 do Código Criminal e o § 5.º do art. 269 do Código de Processo Criminal, estabeleceu que a "indenização" teria de ser pedida, em qualquer caso, por ação civil (art. 68).

No período republicano, ao tempo da dualidade de legislações (federal e local) sobre processo, algumas unidades da Federação, como o Estado do Rio de Janeiro (Código Judiciário, art. 697, § 1.º), continuam a adotar o princípio da separação, ao passo que noutras, como o Distrito Federal (Código de Processo Penal, arts. 3. 0 e 61 ), se instalou o sistema da livre escolha, facultando-se a quem preten- desse obter a reparação do dano intervir no processo penal, como "parte civil". No texto carioca, era visível a influência do velho diploma italiano de 1913, que serviu de modelo, em mais de um dispositivo, ao nosso estatuto.

O Código de Processo Penal de 1941, como é notório, deixou-se guiar também pelo princípio da s-eparação. Argumentou-se na Ex- posição de Motivos: "A invocada conveniência prática da economia de juízo não compensa o desfavor que acarretaria ao interesse da repressão a interferência de questões de caráter patrimonial no curso do processo penal.'' Nos termos do art. 64, a "ação para ressarcimento do dano" é intentável, só e sempre, "no juízo cível",

permitindo-se a este, consoante o parágrafo único, suspender o curso do processo, até o julgamento definitivo da ação penal acaso promovida. É mérito do Código de 1941 fazer da sentença condenatória proferida no juízo penal título executivo civil, permitindo seja ela executada, em sede civil, após o trânsito em julgado, "para o efeito da reparação do dano", pelo "ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros" (art. 63). Tal disposição, que repercutiu no texto do Código de Processo Civil de 1973 (cujo art. 594, n.^0 li, arrola expressamente a "sentença penal condenatória transitada em jul- gado" entre os "títulos executivos judiciais"), não representa, a rigor, uma concessão ao princípio da união: de modo nenhum atri- bui ao órgão penal competência para condenar civilmente (ªº). Abre, porém, a possibilidade de aproveitar-se, para a efetivação de respon- sabilidade civil, o resultado obtido no processo criminal, com evi- dente benefício prático para o lesado, que encontra aí um meio de fazer valer o seu direito à reparação sem precisar sofrer os incô- modos e despesas inerentes ao processo civil de conhecimento, nem os que teria de suportar se lhe fosse necessário, para conseguir o título executivo, intervir no processo penal como "parte civil". Em outras palavras: asseguram-se as vantagens do julgamento conjunto evitando-se, ao mesmo tempo, os inconvenientes que se costumam lamentar no regime de acumulação das duas ações. O louvável in- tuito de facilitar a satisfação do dano levou ainda o legislador de 1941 a estatuir que a execução civil da sentença condenatória penal

  • como a própria ação civil -, quando pobre o "titular do direito à reparação do dano", seja promovida, "a seu requerimento, pelo Ministério Público" (art. 67).

Não obstante, é forçoso reconhecer que, na prática judiciária, não se tem trilhado com freqüência a via acima descrita. Pequeno é o número de execuções promovidas no juízo civil com base em sentenças condenatórias penais. O interessado na reparação (lato sensu) do dano em regra prefere intentar desde logo, em separado, a ação própria, sem aguardar o pronunciamento da justiça criminal.

  1. Considerações finais - Reconhecem todos a necessidade de tornar mais segura e mais pronta a reparação (lato sensu) do dano causado pelo crime. Não é de hoje, evidentemente, que estu- diosos e legisladores se preocupam com o problema. Bem se co- nhecem as tentativas, brotadas do seio da Escola Positiva, no sen- tido de equiparar à própria pena, imprimindo-lhes o caráter de me- didas repressivas, as providências tendentes à satisfação da vítima, em particular o ressarcimento do prejuízo suportado. O próprio Es- tado deveria, segundo alguns, tomar a iniciativa de promovê-las,

{ 30) Para uma refutação das opiniões flm contrário, vide Barbosa Moreira, A sentença penal como titulo executório civil, ln "Rev. de Dir. Penal", vol. 4, págs. 43 e segs.

giando uma tradição decerto já longa entre nós, mas em contraste com a diretriz de política legislativa preponderante no direito dos povos ocidentais (^34 ). É realmente difícil, reconheça-se, prever se, na prática judi- ciária brasileira, as possíveis vantagens de uma recepção, conquanto atenuada, do princípio da união - mediante a adoção do sistema da livre escolha, com restrições - superariam ou não os inconve- nientes. A fonte principal das ações civis de reparação (lato sensu) do dano são os homicídios e lesões corporais "de trânsito"; ora, à persecução desses crimes, quando culposos - e é o caso de imensa maioria-, determinou a Lei n.^0 4.611, de 2-4-1965, que se aplicasse o rito sumário, até então próprio das contravenções. Evidente a preocupação, aliás justificável, de imprimir aí maior celeridade ao processo penal - objetivo para o qual decerto não concorreria a admissão de uma "parte civil", com a conseqüente ampliação da atividade instrutória e decisória à apuração do quantum porventura devido a título de ressarcimento. Quanto ao expediente de atribuir-se efeito executivo cívil à sen- tença penal condenatória, nem o Anteprojeto, nem o Projeto cogita- ram, naturalmente, de desprezá-lo; e, mantido o sistema da sepa- ração, seria pouco razoável que o fizessem. O Anteprojeto procurou até, de início, facilitar a reparação (lato sensu) do dano por ess via, com regras como a que permitia fosse promovida a execução civil nos próprios autos da ação penal, quando competente para ambas o mesmo órgão, e a que sujeitava àquela execução a pessoa apenas civilmente dita responsável. Dessas inovações veio a recuar- se no curso dos trabalhos preparatórios da reforma (^3 " ). Ao menos contra a primeira, entretanto, nenhuma objeção séria se pode le- vantar; já que a elaboração de novo Código de Processo Penal parece haver sido relegada ad calendas graecas, a idéia é sus- cetível de aproveitamento por meio de singelo acréscimo ao texto do Código de Processo Civil, sob a forma de parágrafo ao art. 375, cujo inciso IV trata justamente da competência para a execução civil de sentença penal condenatória. A exeqüibilidade da sentença penal condenatória em face do "responsável civil", para o fim de reparação (lato sensu) do dano,

( 34) Vide as observações criticas feitas ao ' Projeto por Pisani, em conferência pronun- ciada em S. Paulo e publicada, sob o título A reparação às vitimas de crima no projeto brasileiro e nas tendências jurldicas contemporâneas, in "Justitia", vol. 86 , págs. 35 e segs. Também o XI Congresso Internacional de Direito Penal, de 1974, manifestou-se favoravelmente à cumulabilidade das duas ações perante o juízo penal, sob a forma do sistema da livre escolha (in "Rev. de Dlr. Penal", vol. 15/6, pág. 88). ( 35) Os dispositivos, que constavam do Anteprojeto, segundo o texto revisto e pwbll- cado no Diário Oficial da União, Seção 1, Parte I, Suplemento ao n9 118, de. .. • 29-6-1970 (arts. 803, § 19, e 804, n9s I e li, respectivamente). já não figuravam na versão estampada no mesmo órgão, Suplemento ao n9 88, de 10-5-1974, nem foram restabelecidos no Projeto definitivo (Projeto de lei n9 633, de 1975, in "Diário do Congresso Nacional", Seção 1, Suplemento A ao n9 061 de 13-6-1975).

já suscita problemas de maior delicadeza. A pessoa a quem se atri- bui tal responsabilidade tem dois interesses dignos de consideração: um é o de tentar evitar que seja condenado o réu no processo-crime, com o que ficará naturalmente preexcluída qualquer execução; outro é o de, ainda na hipótese de condenação penal do réu, negar a própria responsabilidade no plano civil - matéria não apreciada, é óbvio, pelo juízo criminal. Ao primeiro deles atender-se-ia de ma- neira cabal se se abrisse ao interessado a possibilidade de participar do processo penal, para coadjuvar a defesa, suprindo-lhe omissões ou deficiências, na qualidade de assistente do réu (^36 ), em simetria com a faculdade que se· confere ao lesado, na ação penal pública, de intervir como assistente da acusação (Código de Processo Penal de 1941, art. 268; Anteprojeto José Frederico Marques, art. 116, n.^0 li; Projeto definitivo, art. 115, n.^0 li); é certo, porém, que algum preço se teria de pagar em termos de simplicidade e rapidez do pr-oce- dimento. No que tange ao segundo interesse, o modo de preservá-lo consistiria em permitir àquele a quem se irroga a responsabilidade civil contestá-la na execução mesma, ou no procedimento prévio de liquidação da sentença (ª^1 ). Em contrário poderia objetar-se que tal franquia desnatura o processo executivo - onde, em princípio, já não se exerce atividade puramente cognitiva, como a tendente a apurar a existência ou inexistência de responsabilidade-, e quan- do nada faz extravasar do âmbito próprio a cognição inerente ao procedimento de liquidação, em regra limitada à fixação do quantum debeatur. Mas os escrúpulos de dogmática ortodoxa teriam pro- vavelmente de ceder aqui o passo a uma incontornável imposição de justiça.

Outro ponto de que se poderia copitar- é a possibilida'de de instaurar-se, a título provisório, o processo executivo civil, ou pelo menos de promover-se a liquidação no juízo civil, desde que a condenação criminal, embora não transitada em julgado, já não esteja sujeita a recurso de efeito suspensivo. Se o recurso extraor- dinário, v.g., não obsta à execução provisória da sentença civil, por- que deverá obstar à execução civil, também provisória, da sentença penal? São questões, todas essas, que devem merecer do legislador mais atenta consideração, quando se retomarem - o que, cedo ou tarde, será inevitável - os trabalhos de reforma do processo pena: brasileiro.

( 36) Já o observáramos no trab. cit. em a nota 30, pág. 50. ( 37) Assim dispunha o Anteprojeto José Frederico Marques, art. 804, n9 li, com o aplau- so de Moniz de Aragão, Da reparação do dano causado pelo crime, in "Rev. da da Fac. de Dir. da Univ. Fed. do paraná", n9 13, pág. 94.