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The autonomy of Commercial Law Revista de Direito Privado | vol. 86/2018 | p. 65 - 84 | Fev / 2018 DTR\2018\
Marina Zava de Faria Doutoranda em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Especialista em Direito Empresarial e Docência Universitária pelo Instituto Goiano de Direito Empresarial (2012). Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes (2012). Advogada e Professora. marinazava@mzadvocaciacorporativa.com.br
Área do Direito: Constitucional; Comercial/Empresarial Resumo: O presente artigo abordará a importância e a necessidade de discutir e estudar a autonomia do Direito Comercial. No primeiro momento trataremos acerca do comércio, sua origem e desenvolvimento, assim como do surgimento do Direito Comercial como disciplina autônoma e independente. Posteriormente, discorremos sobre os principais fatores do eventual e gradativo enfraquecimento desta autonomia. Ao final, após confrontar discussões e correntes doutrinárias que demonstram a importância dessa autonomia e independência, poderemos conflagrar o real sentido de se concretizar uma autonomia em todas as suas nuances e especificidades.
Palavras-chave: Direito Civil – Direito Comercial – Enfraquecimento da Autonomia – Revitalização do Direito Comercial Abstract: This article will discuss the importance and necessity of discussing and studying the autonomy of Commercial Law. In the first moment we will deal with trade its origin and development, as well as with the emergence of Commercial Law as an autonomous and independent discipline. Subsequently, we discuss the main factors of the eventual and gradual weakening of this autonomy. In the end, after confronting discussions and doctrinal currents that demonstrate the importance of this autonomy and independence, we can conflagrar the real sense of realizing an autonomy in all its nuances and specificities.
Keywords: Civil Law – Commercial law – Weakening of Autonomy – Revitalization of Commercial Law Sumário:
1.Introdução - 2.Direito Comercial: origem e evolução - 3.A autonomia do Direito Comercial - 4.Conclusão - 5.Referências bibliográficas
1.Introdução
Reger a vida humana é um ato sublime e concreto. O nascimento de um ser ou qualquer vida nova faz com que o ser humano perceba a importância do mundo que o rodeia, possibilita o anseio e a esperança de algo novo, algo diferente, independente e único.
A unicidade permite que as pessoas sejam únicas, cada qual em seus preceitos e trejeitos, ou seja, se tornam autônomas e são totalmente capazes de exercer qualquer ato, são autossuficientes e podem se autogovernar. São livres em seus pensamentos, concepções e ações.
Essa liberdade humana possibilita ao indivíduo o livre exercício de atividade empresarial, seja individualmente (empresário individual ou EIRELI) ou, coletivamente (sociedades). Ao explorar uma atividade empresarial, esses indivíduos passam a agir e exercer atos que se diferem, desde o princípio, até sua execução e finalidade dos atos praticados pelas pessoas comuns, ou seja, praticam atos que estão sob a incidência do Direito
Empresarial, diferente dos atos reservados ao cuidado e amparo do Direito Civil.
As relações empresárias possuem características e nuances próprias, em toda sua independência necessitam, demandam e carecem de um conjunto, um agrupamento material que cuide e resguarde, traga segurança para o entabulamento desses negócios. É imprescindível a existência de características matérias que as tornem autônomas e independentes, ou seja, ele precisa ser visto como o Direito Comercial, seu próprio macrossistema, não um prolongamento do Civil.
Nesse sentido é que o presente artigo buscará tratar sobre os fundamentos e importância desta independência, logo, em um primeiro momento, será abordada a evolução, criação e história do comércio, perpassando todo seu desenvolvimento em conjunto com a sociedade, desde seu nascedouro. Desse modo, será feita uma análise metodológica dedutiva dos fatores e discussões travadas em época de significativa importância e transição do Direito Comercial.
Pretende-se por meio do estudo da origem, evolução, finalidade e regras do direito comercial, analisar a soberania da disciplina ao longo do tempo verificando se ela existe satisfatoriamente na época contemporânea.
Em um segundo momento será apresentado uma confluência do passado e do presente dessa autonomia, demonstrando qual a importância deste contexto e sua influência nas relações privadas, no comércio, para a economia global, bem como para o estudo e o crescimento da disciplina.
Por fim, no terceiro momento deste trabalho apresentaremos uma justificativa para a existência de uma autonomia. Abordaremos uma discussão acerca da autonomia formal ou legislativa e da autonomia substancial, igualmente, será apresentado doutrinadores que defendem tanto a necessidade de se primar e consagrar essa independência, bem como aqueles que não a veem como algo primordial.
O presente tema ganha proporções titânicas no presente momento da sociedade brasileira e no estudo do Direito Comercial, principalmente nas grades universitárias. É importante e fundamental recrudescer e engrandecer a regulamentação da relação especial envolvendo empresas, uma vez que é palatável, palpável e visível o enfraquecimento do direito comercial.
A pesquisa será feita com a exploração, conhecimento e raciocínio de diversos pontos de vista doutrinários, tanto favoráveis quanto contrários, com certa ênfase estudaremos doutrinadores, tais como, Fábio Ulhoa Coelho, Clóvis Belivaqua, Umberto Ecco, Oscar Barreto Filho, Paula Forgioni, Gladston Mamee, André Luiz Santa Cruz Ramos, Rubens Requião, Ivo Waisberg, Alfredo Rocco, Cesare Vivante e Marlon Tomazette.
2.Direito Comercial: origem e evolução
A palavra comércio tem sua origem no latim commutatio mercium, que significa troca de mercadorias. O comércio é a parte da economia que estuda os fenômenos pelos quais os bens passam das mãos de uma pessoa a outra, ou de um a outro lugar^1. No início a troca foi um elemento fundamental para o convívio em sociedade, sendo necessária e cômoda para a satisfação das necessidades de um grupo social.
Entretanto, como a oferta e a procura não eram coincidentes, vários inconvenientes aconteciam, sendo necessária, a criação de uma mercadoria que serviria de padrão para as trocas: a moeda. Assim, em virtude da importância da troca de mercadorias, surgiu uma atividade profissional em volta desta, qual seja: a mercancia. A intermediação para facilitar a troca, aliada ao aumento do valor das mercadorias (lucro), caracterizava a atividade mercantil. Esta atividade remonta os primórdios, sendo o comércio existente desde a Idade Antiga, tendo os fenícios se destacado no exercício da atividade mercantil.
Já o direito comercial surge em momento posterior. Na Idade Antiga, apesar da presença
matéria e a sua desvinculação das amarras próprias do conservadorismo civilista.
Assim, tornou-se necessário a criação de um critério que delimitasse a incidência de cada um desses ramos. Para tanto, a doutrina francesa criou a teoria dos atos de comércio, que tinha como uma de suas funções essenciais a de atribuir, a quem praticasse os denominados “atos de comércio”, a qualidade de comerciante, o que era pressuposto para a aplicação do Código Comercial. Assim, o direito comercial regularia, portanto, as relações jurídicas que envolvessem a prática de alguns atos definidos em lei como atos de comércio.
A definição de atos de comércio era tarefa atribuída ao legislador, o qual optou por descrever suas características básicas ou por enumerar, num rol de condutas típicas, que atos seriam considerados de mercancia. A doutrina criticava o sistema francês afirmando que nunca se conseguiu definir satisfatoriamente os atos de comércio. Nesta época o direito comercial era conceituado por Vivante 6 como sendo “a parte do direito privado que tem principalmente por objeto regular as relações jurídicas que nascem do exercício do comércio”.
No Brasil, o Código Comercial de 1850 adotou a teoria francesa dos atos de comércio, por influência da codificação napoleônica, e promulgou o Regulamento 727 com as atividades que eram consideradas “atos de comércio”. Embora Carvalho de Mendonça tentasse conceituar cientificamente os atos de comércio, não se conseguiu estabelecer um critério unitário aos atos de comércio. Barreto Filho^7 , compartilhando a orientação daqueles que criticam o sistema objetivo, afirma que:
Se compete à lei, em última análise, a definição de comerciante, ou de ato de comércio, e, por conseguintes, da matéria do comércio, conclui-se de modo irresistível que o Direito Mercantil é antes uma categoria legislativa, do que uma categoria lógica.
É de se notar que as críticas se referem ao critério definidor do âmbito de incidência entre Código Civil (LGL\2002\400) e Comercial, sendo que a teoria dos atos de comércio definitivamente não funcionava. Embora poucas eram as críticas referentes à dupla codificação às disciplinas de direito privado.
Com a visão ultrapassada da teoria dos atos de comércio e a necessidade econômica que impulsionou o direito comercial, sobretudo após a Revolução Industrial, várias atividades econômicas relevantes surgiram, e muitas delas não estavam compreendidas no conceito de ato de comércio. E então, mesmo antes da derrogação do Código Comercial, a teoria dos atos do comércio foi sendo abandonada, como com a edição do Código de Defesa do Consumidor, Lei de Locação Predial Urbana e Reforma do Registro Mercantil^8.
Inaugurando a terceira fase do direito comercial, é publicado, na Itália, o Código Civil de 1942, trazendo um novo sistema delimitador: a teoria da empresa. Embora o Código Civil italiano não tenha definido empresa, o jurista Alberto Asquini, analisando as empresas na Itália, trouxe os perfis: subjetivo, funcional, objetivo e corporativo. Ainda, o codex italiano optou por promover a unificação formal do direito privado, disciplinando as relações civis e comerciais num único diploma legislativo. Assim, em princípio, qualquer atividade econômica, desde que seja exercida empresarialmente, está submetida às regras do direito comercial.
Inspirado no Codice Civile italiano, o novo Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro derrogou grande parte do Código Comercial de 1850, mantendo apenas a segunda parte relativa ao comércio marítimo, na busca da unificação, ainda que formal do direito privado. O empresário, nos termos do artigo 966, passou a ser aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços. Nos termos do Ministro João Otávio de Noronha:
circulação de bens ou de serviços” e, ao assim proceder, propiciou ao interprete inferir o conceito jurídico de empresa como sendo “o exercício organizado ou profissional de atividade econômica para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. 3. Por exercício profissional da atividade econômica, elemento que integra o núcleo do conceito de empresa, há que se entender a exploração de atividade com finalidade lucrativa.^9
Assim, se persiste a divisão material do direito privado, contrapondo regimes jurídicos distintos para a disciplina das relações civis e empresariais, continua a existir, em consequência, a necessidade de se estabelecer um critério que delimite o âmbito de incidência do direito comercial e esse critério foi justamente a teoria da empresa.
É oportuno ressaltar que toda essa evolução tem um traço de continuidade, uma vez que, em todas as fases, foram duas as exigências constantes do Direito Mercantil. A primeira exigência diz respeito à tutela do crédito e a segunda à melhor alocação dos recursos, que se faz presente com a facilitação da circulação de bens e da conclusão dos negócios.
A justificativa da inclusão de parte da matéria mercantil no novo Código Civil (LGL\2002\400), situação inédita no ordenamento jurídico nacional, deve-se, exclusivamente, a tentativa, sem sucesso, do engessamento do Direito Comercial, como forma de minimizar a crise e prestigiar o Direito Civil (a grande crise da mercantilização do direito civil, no século XX), tudo a partir da unificação das obrigações civis e mercantis, como previsto na Lei 10.406/2002.
Importante – para pleno conhecimento da dinâmica do estudo da unificação das obrigações – compreender que o legislador brasileiro, por razões variadas, copiou, embora com diferenças estruturais, daí a não fidelidade, o modelo do Código Civil italiano, inserindo, a nosso juízo, indevidamente, a matéria dos títulos de crédito e do direito da empresa e demais institutos mercantis conexos no Código Civil (LGL\2002\400), representando, assim, ao invés de um avanço, verdadeiro prejuízo ao direito comercial.
Data vênia aos ilustres membros da Comissão Revisora e Elaboradora, mas o novo Código Civil (LGL\2002\400), copiando o modelo do Código Civil italiano, de 1942, avançou na matéria mercantil, de forma precária e equivocada, revogando parcialmente o Código Comercial Imperial, de 1850.
Hoje, conceituam o direito comercial como o conjunto de regras e princípios jurídicos que regem a organização das empresas e as relações entre empresas no âmbito do mercado. Segundo Forgioni^10 , o direito comercial constitui o complexo de normas que regulam a organização e o exercício profissional de uma atividade intermediária dirigida à satisfação das necessidades do mercado em geral e consequentemente os atos singulares nos quais essa atividade se concretiza.
Nesse sentido, conclui-se que o direito comercial é o direito que regula a atividade empresarial e todos os atos que normalmente são praticados no exercício dessa atividade. O direito comercial é gênero que comporta várias espécies, como o direito marítimo, o direito cambial, o direito dos contratos, o direito das sociedades e o próprio direito de empresa.
O direito comercial, em vista do âmbito de atuação, é marcado pelo fragmentarismo, em decorrência da própria diversidade e das situações abrangidas. Segundo Bulgarelli^11 , o direito comercial se classifica em:
Teoria geral do direito comercial: a parte geral do direito comercial, sua conceituação, sua delimitação. Direito das empresas e das sociedades: abrangendo o estudo do empresário individual ou coletivo. Direito industrial: estudo o estabelecimento comercial e a propriedade industrial. Direito cambiário ou cartular: estuda os títulos de crédito. Direito das obrigações mercantis: compreende o estudo dos contratos mercantis. Direito
ou gozo dos bens e os atos de produção e de circulação, vale dizer, deve haver um tratamento distinto entre os bens tratados como objeto de propriedade ou de consumo e os bens empregados em um processo produtivo. O direito civil é um direito da produção e do consumo de bens no seu valor de uso, já o direito comercial disciplina a circulação de bens.
Como examina-se, o direito comercial surgiu de uma necessidade histórica, da necessidade dos comerciantes de regular uma atividade especial. Esse direito se desenvolveu profundamente do modo que seus institutos passaram a ser utilizados não apenas pelos comerciantes, mas também por outros cidadãos. Segundo Tomazetti^15 , essa intromissão da matéria mercantil no dia a dia das pessoas põe em xeque sua própria autonomia em face do direito civil, o que se torna mais atual no Brasil com o advento do Código Civil de 2002, que, no Livro II da Parte especial, trata do chamado direito de empresa. Essa insegurança tem preocupado os estudiosos.
A autonomia dos ramos do direito pode ser encarada sob dois aspectos: a autonomia formal ou legislativa e autonomia substancial ou jurídica.
A autonomia formal ou legislativa existe quando há um corpo próprio de normas destacado no direito comum. Assim, o direito comercial possuiria autonomia se houvesse um Código próprio. Podemos afirmar que, com o advento do Código Civil de 2002, a autonomia formal do direito comercial diminuiu drasticamente, mas não que deixou de existir completamente, pois ainda existe uma parte do Código Comercial que continue em vigor.
A autonomia substancial, por sua vez, se refere ao conteúdo da disciplina, se possui institutos e princípios específicos.
O tema é objeto de grandes embates, tanto pela doutrina nacional quanto estrangeira. Um momento marcante na controvérsia sobre a autonomia do direito comercial foi a aula inaugural proferida por Cesare Vivante na Universidade de Bolonha, em 1892. O maior comercialista moderno atacou a divisão do direito privado, afirmando que não se justificava um tratamento autônomo do direito mercantil. Vivante, no entanto, não insistiu nessas críticas à autonomia do direito comercial; em 1919, após ser nomeado presidente da comissão de reforma da legislação comercial da Itália, abandonou a tese de unificação e elaborou um projeto de Código Comercial específico.^16
No Brasil, expoentes como Teixeira de Freitas, Inglez de Souza, Orozimbo Nonato também defendiam a unificação direito civil e direito comercial.
Entre os autores que se manifestaram contrários à autonomia do direito comercial, destacamos o posicionamento de Cesare Vivante e Philomeno José da Costa. Vivante sustentou que na vida moderna há certa uniformidade nas obrigações, o que não justificaria dois tratamentos diversos. Continuou dizendo que, se as regras do direito comercial foram criadas para os comerciantes, não seria justa a sua aplicação aos não comerciantes. Alegou que a divisão do direito privado era perniciosa ao progresso da ciência, dada a própria dificuldade da definição da matéria mercantil e, por fim, que a existência de dois códigos dificultaria a aplicação, quando existissem disposições em ambos sobre o mesmo instituto.^17
Fhipolomeno José da Costa também nega a autonomia do direito comercial. Afirma que o direito comercial desapareceu em decorrência do processo histórico; que os costumes, o cunho progressista e o caráter internacional não justificam a sua autonomia e, por fim, alega que há uma unidade na vida econômica, não havendo motivos para um tratamento peculiar ao direito comercial.^18 O mesmo autor afirma que a redução do direito comercial ao direito empresarial não daria uma solidez suficiente para o reconhecimento de uma eventual autonomia deste ramo do Direito. Gladston Mamede assevera que, com o Código Civil (LGL\2002\400), houve a unificação das matérias.^19
Apesar dos posicionamentos, a autonomia do direito comercial é defendida em caráter
majoritário. O próprio Vivante se retrata e reconhece a autonomia do Direito Comercial. Reconhece, em primeiro lugar, que o método do direito comercial é indutivo, prevalecendo o estudo empírico de fenômenos técnicos, afirmando, ainda, a tendência de criação de um único mercado mundial, em substituição a mercados locais. Em seguida, afirma que a regulamentação dos negócios à distância, dos negócios em massa e a disciplina dos títulos de crédito só poderiam ser feitas dentro do direito comercial, à medida que o direito civil não seria suficiente para tutelar os interesses do jogo.
Rocco afirma que não teria qualquer influência a dificuldade de definição dos limites entre o direito comercial e o direito civil, e que o problema dos limites é uma constante dentro do direito. Também não influiria na autonomia do direito comercial a questão das deficiências técnicas, na medida em que estas não decorreriam da dualidade do direito privado. Afirma que: a autonomia do direito comercial, mesmo à luz da vida econômica moderna, asseverando que a atividade comercial reclama do direito uma maior simplicidade de formas e uma maior eficácia do crédito. 20
No Brasil, Oscar Barreto Filho defende a autonomia do direito mercantil em função da especialidade do fenômeno econômico regulado. Waldírio Bulgarelli também defende a autonomia, invocando a existência de institutos peculiares à vida comercial, os quais não podem ser regidos pelo direito comum. A autonomia do direito comercial não é comprometida nem pela unificação legislativa do direito privado, nem pela teoria da empresa, encontra-se nos currículos dos cursos jurídicos das faculdades italianas. Já se passaram 60 anos da unificação legislativa e da adoção da teoria da empresa na Itália, e o direito comercial continua sendo tratado lá como disciplina autônoma, com professores e literatura especializados. 21
O direito mercantil é autônomo, uma vez que as características peculiares ao direito civil não atendem as necessidades de uma atividade tão peculiar. Renault aponta três motivos para a necessidade desta distinção: “há instituições públicas ou privadas que são típicas do comércio, como as bolsas, os bancos e os armazéns gerais; as operações comerciais se realizam em massa envolvem grandes valores com frequência; e a importância no cumprimento das obrigações”.^22
Não compromete a autonomia da disciplina a adoção, no direito privado brasileiro, da teoria da empresa. Como visto, a bipartição dos regimes jurídicos disciplinadores de atividades econômicas não deixa de existir, quando se adota o critério da empresarialidade para circunscrever os contornos do âmbito de incidência do direito comercial. Aliás, a teoria da empresa não importa nem mesmo a unificação legislativa do direito privado.
O direito comercial repousa basicamente em três pilares: a rapidez; a segurança e o crédito. Em função disso, não se pode negar a autonomia do direito comercial, com suas características e princípios próprios.
Apesar de toda afirmação e fundamentação do direito comercial, percebemos que, com o advento do Código Civil (LGL\2002\400), uma perda gradativa desta autonomia e retrocesso para a disciplina, e com isso uma necessidade de mudança eminente.
Segundo Cordeiro apud Malcher Filho:
Tem se afirmado que as experiências unitárias suíça e italiano não conduziram nos respectivos espaços, ao desaparecimento do direito comercial. Não é rigorosamente exato. É verdade que a um tipo de problemática ligada à vida dos negócios – portanto: situações jurídicas nuclearmente empresariais, muito mais restritas do que o tradicional direito comercial –, um tanto à semelhança do atual Merchant Law anglo saxônico, adquire um tratamento em conjunto sob o título “Direito Comercial”.Porém, os clássicos desenvolvimentos jurídicos comerciais, patentes em qualquer manual alemão, francês ou português perderam-se. O manual típico italiano ocupa-se da empresa, das sociedades, das marcas e dos contratos comerciais, ignorando as muitas centenas de páginas que,
A diferença de método nas codificações civis e mercantis, a disciplina dos títulos de crédito, os negócios celebrados em massa e, sobretudo a índole cosmopolita do comércio e do direito comercial, convenceram-me da inconveniência da unificação que acarretaria grave prejuízo ao progresso do direito comercial.
Em outras palavras, a inserção de parte da matéria comercial no Código Civil (LGL\2002\400) restou absolutamente pífia, porquanto, a um só tempo, não unificou o direito privado e não revogou o Código Comercial de 1850, deixando fora do novo Diploma outros institutos mercantis, com exceção da fraca teoria geral dos títulos de crédito e do desatualizado direito societário (direito da empresa), tampouco retirou a autonomia substancial, acadêmica e formal ou legislativa do direito comercial. Em verdade, a reforma como ocorrida, especificamente no direito mercantil, não se justificou; ao revés, trouxe maior complicação didática ao estudo do direito comercial. Legislativamente falando, não foi interessante e produtivo, quer substancial ou academicamente, inserir o direito comercial no Código Civil (LGL\2002\400), ainda que parcialmente, como ocorreu com a chegada do CC/2002 (LGL\2002\400).
A pretensa unificação legislativa do direito privado trouxe graves problemas para o direito comercial, pois os contratos cíveis e mercantis passaram a ter uma mesma “teoria geral”, ignorando-se a enorme distinção que existe entre estes; as normas gerais sobre os títulos de crédito estão em descompasso com as leis existentes, notadamente a Lei Uniforme de Genebra, que resta incorporada há décadas ao nosso sistema jurídico; a sociedade limitada, antes submetida a flexível e enxuto arcabouço normativo, tornou-se a figura societária burocrática e engessada; institutos jurídicos receberam confuso tratamento atécnico, gerando dificuldades interpretativas que promovem a insegurança jurídica, conforme ocorre com a difícil distinção prática entre as sociedades simples e as empresárias; velhos costumes jurídicos consagrados na praxe forense, como a desnecessidade de outorga conjugal para o aval de pessoa casada, e a possibilidade de contratação de sociedade entre os cônjuges, independentemente do regime de bens, foram injustificadamente alterados; novas figuras já conhecidas pelo direito estrangeiro perderam a chance de serem adotadas, como a sociedade limitada unipessoal e o empresário individual de responsabilidade limitada (recentemente, a EIREI – empresa individual de responsabilidade limitada que acabou de ser incorporada ao Código Civil de 2002 pela Lei 12.441/2011).
Apesar de todos os argumentos elencados, nos filiamos a corrente que entende que o direito comercial é autônomo. Segue alguns motivos para tal posicionamento
O direito comercial possui princípios próprios. Segundo Barreto Filho:
[...] o direito mercantil é dotado de princípios próprios que decorrem de exigências econômicas. Nesse sentido podemos destacar o conceito de propriedade, circulação, e a necessidade de regulamentação uniforme dos negócios característicos da economia de massa, bem como à uniformização internacional das técnicas negociais. Por sua vez, o direito civil é cunhado em princípios formais e rígidos. Os princípios da celeridade, simplicidade e ausência de formas, são incompatíveis com o direito civil. Ressalta se que o estado de maturidade dos dois ramos é extremamente diverso.^28
Requião 29 reconhece características próprias no direito mercantil, quais sejam o cosmopolitismo, o individualismo, a informalidade, o fragmentarismo e a proteção ao crédito. As mesmas não estão presentes no direito civil.
A simplicidade das formas é inerente ao direito comercial, tanto na formação quanto na extinção das relações jurídicas. Ora, a velocidade das relações econômicas modernas não permite que o conservadorismo do direito civil esteja presente nas relações de massa. É necessária uma disciplina mais célere aos negócios. Percebe-se essa característica, na representação de mercadorias por títulos, e a consequente circulação deste. Também, na prevalência da vontade na formação de relações, como nas sociedades.
O primeiro e último fim do direito comercial é o lucro, sendo a onerosidade essencial. O empresário age movido pelo lucro e a atividade empresarial é marcada pela objetivação do lucro, não sendo concebida na atividade empresarial a gratuidade. Sobre esta característica comenta Requião^30 : “a onerosidade é a regra, e ela se presume. No Direito Civil a gratuidade é a constante, em muitos contratos, a começar pelo mandato. O mutum, no direito romano, era contrato entre amigos, passando a ser oneroso com o desenvolvimento do comércio”.
O crédito é elemento essencial para o exercício da atividade comercial e serve como máquina para o crescimento, e como tal deve ser protegido. Todo empresário necessita de crédito e trabalha com operações de crédito. Podemos elencar como mecanismos tipicamente comercialistas para a proteção ao crédito: a inoponibilidade de exceções pessoais nos títulos de crédito, o processo de execução que visa satisfazer a obrigação de forma rápida, a possibilidade de decretação da falência devido à impontualidade injustificada.
O cosmopolitismo ou internacionalismo do direito comercial visa regular relações que não se prendem a uma nação, pelo contrário, dizem respeito a todo o mundo, sobretudo com a globalização. O direito civil, por sua vez, representa as concepções de vida de uma sociedade determinada, estando sujeito aos influxos históricos de cada nação. Assim, as normas comerciais devem se atentar em relação aos mecanismos internacionais. O cosmopolitismo do direito comercial se reflete no grande número de tratados que disciplina a matéria mercantil, como a Lei Uniforme de Genebra.
O direito comercial é uma área especializada do conhecimento jurídico. Sua autonomia, como disciplina curricular ou campo de atuação profissional específico, decorre dos conhecimentos extrajurídicos que professores e advogados devem buscar quando o elegem como atuação. Exige-se do comercialista não só dominar conceitos básicos de economia, administração de empresas, finanças e contabilidade, como principalmente compreender as necessidades próprias do empresário e a natureza de elemento de custo que o direito muitas vezes assume para este.^31
Portanto, é fundamental que o Direito Comercial seja autônomo e independente, não se confundindo ou embaralhando com o Direito Civil, para que ele possa desempenhar toda a desenvoltura de sua importância. É preciso entender que essa incidência advém da importância desta disciplina para os indivíduos, sociedade e desenvolvimento.
Em suma, buscar a construção, formação, efetivação de sua autonomia permite tratar suas diferenças e diversidades com o Direito Civil. Concentrando e condensando seus princípios, legislações e institutos próprios. Afinal, a empresa e todos os valores que gravitam ao seu redor, são importantíssimos para toda sociedade, logo, imprescindível que seja firme em suas próprias estruturas básicas.
O Direito Comercial é autônomo, pois ele é composto por microssistemas unitários, com suas próprias características e diversidade, ele comunga, se comunica, com diversos outros institutos. É preciso tolher qualquer tentativa de contestação da autonomia do Direito Comercial e reafirmar a ideia de que ele não é parte do macrossistema, Direito Civil, ao contrário, ele é seu próprio macrossistema.
4.Conclusão
O presente artigo permite que se possa entender o que é autonomia, bem como qual a sua importância nos diversos ramos do Direito, além de seu estudo nas grandes doutrinas, da sua influência na sociedade, no poder social, no governo, na justiça, bem como nas relações privadas empresariais que movem a economia global.
A autonomia dos ramos do Direito é a liberdade que este ou aquele tem para poder orientar-se e ponderar-se em seus princípios próprios, em sua própria legislação, em suas características de direito especial. É o modo que se passará a entender sua
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15 TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. São Paulo: Atlas, 2014.
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17 VIVANTE, Cesare. Instituições do Direito Comercial. São Paulo: Minelli, 2006.
18 COSTA, Philomeno J. da. Autonomia do direito comercial. São Paulo: Ed. RT, 1956.
19 MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro: Empresa e atuação empresarial. São Paulo: Atlas, 2014.
20 ROCCO, Alfredo. Princípios de direito comercial. Trad. Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN, 2003.
21 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2014. v. I.
22 COSTA, Philomeno J. da. Autonomia do direito comercial. São Paulo: Ed. RT, 1956.
23 CORDEIRO apud MALCHER FILHO (2015, p. 79).
24 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2014. v. I.
25 WAISBERG, Ivo. O novo Código Comercial Brasileiro. Valor Econômico.