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As Aparições de Nossa Senhora em Fátima: Relato de Lúcia dos Santos, Papers of Theology

Um relato detalhado das aparições de nossa senhora em fátima, narrado por lúcia dos santos, uma das três crianças que testemunharam os eventos. O texto descreve as aparições, as mensagens recebidas, e as consequências para a vida das crianças. É um documento importante para o estudo da história religiosa e da fé católica.

Typology: Papers

2020/2021

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Boas para amar,
Queiram ou não.
Serranitas, meu coração!!!
II. HISTÓRIA DAS APARIÇÕES
PREFÁCIO
Agora, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, será a página mais custo-
sa de quantas V. Ex.cia Rev.ma me tem mandado escrever. Depois
de V. Ex.cia Rev.ma, em particular, me ter mandado escrever as apa-
rições do Anjo, com todos os seus detalhes e pormenores e, quan-
to me seja possível, até com os próprios efeitos íntimos, vem o
Senhor Dr. Galamba a pedir também a ordem de me mandar es-
crever as aparições de Nossa Senhora.
Mande-lhe, Senhor Bispo dizia, pouco, em Valença,
Sua Rev.cia.  Ó Senhor Bispo, mande-lhe que escreva tudo, mas
tudo. Que há-de dar muitas voltas no purgatório por ter calado tan-
ta coisa!
Do purgatório, nesse sentido, não tenho o menor receio. Obe-
deci sempre. E a obediência não tem pena nem castigo. Primeiro,
obedeci aos movimentos íntimos do Espírito Santo; depois, às or-
dens dos que em Seu nome me falavam. Foi esta mesma a primei-
ra ordem e conselho que, por meio de V. Ex.cia Rev.ma, o bom Deus
Se dignou dar-me.
E contente e feliz recordava as palavras dos tempos passa-
dos, do venerável sacerdote, Senhor Vigário de Torres Novas:
 O segredo da filha do Rei está todo no seu interior.
E começando a penetrar-lhe o sentido, dizia:
 O meu segredo é para mim.
Agora, não digo assim! Imolada no altar da obediência,
digo:
 O meu segredo pertence a Deus. Depu-lo nas Suas mãos;
que faça dele o que mais Lhe agradar.
Dizia, pois, o Senhor Dr. Galamba:
 Senhor Bispo, mande-lhe que diga tudo, tudo; que não ocul-
te nada. E V. Ex.cia Rev.ma, assistido, com certeza, pelo Divino Espí-
rito Santo, pronunciou a sentença:
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Boas para amar, Queiram ou não. Serranitas, meu coração!!!

II. HISTÓRIA DAS APARIÇÕES

PREFÁCIO

Agora, Ex.mo^ e Rev.mo^ Senhor Bispo, será a página mais custo- sa de quantas V. Ex.cia^ Rev.ma^ me tem mandado escrever. Depois de V. Ex.cia^ Rev.ma, em particular, me ter mandado escrever as apa- rições do Anjo, com todos os seus detalhes e pormenores e, quan- to me seja possível, até com os próprios efeitos íntimos, vem o Senhor Dr. Galamba a pedir também a ordem de me mandar es- crever as aparições de Nossa Senhora. – Mande-lhe, Senhor Bispo – dizia, há pouco, em Valença, Sua Rev.cia. – Ó Senhor Bispo, mande-lhe que escreva tudo, mas tudo. Que há-de dar muitas voltas no purgatório por ter calado tan- ta coisa! Do purgatório, nesse sentido, não tenho o menor receio. Obe- deci sempre. E a obediência não tem pena nem castigo. Primeiro, obedeci aos movimentos íntimos do Espírito Santo; depois, às or- dens dos que em Seu nome me falavam. Foi esta mesma a primei- ra ordem e conselho que, por meio de V. Ex.cia^ Rev.ma, o bom Deus Se dignou dar-me. E contente e feliz recordava as palavras dos tempos passa- dos, do venerável sacerdote, Senhor Vigário de Torres Novas: – O segredo da filha do Rei está todo no seu interior. E começando a penetrar-lhe o sentido, dizia: – O meu segredo é para mim. Agora, já não digo assim! Imolada no altar da obediência, digo: – O meu segredo pertence a Deus. Depu-lo nas Suas mãos; que faça dele o que mais Lhe agradar. Dizia, pois, o Senhor Dr. Galamba: – Senhor Bispo, mande-lhe que diga tudo, tudo; que não ocul- te nada. E V. Ex.cia^ Rev.ma, assistido, com certeza, pelo Divino Espí- rito Santo, pronunciou a sentença:

– Isso não mando. Em assuntos de segredos, não me meto (^12 ). Graças a Deus! Qualquer outra ordem ter-me-ia sido uma fon- te de perplexidades e escrúpulos. Com uma ordem contrária, perguntar-me-ia a mim mesma, milhares de vezes, a quem devia obedecer: a Deus ou ao Seu representante? E talvez sem encon- trar a decisão, permaneceria numa verdadeira tortura íntima. Depois, V. Ex.cia^ Rev.ma^ continuou a falar em nome de Deus: – A Irmã escreva as aparições do Anjo e de Nossa Senhora porque, minha irmã, é para glória de Deus e de Nossa Senhora. Como Deus é bom! Ele é o Deus da paz e por esse caminho conduz os que em Ele confiam. Começo, pois, a minha nova tarefa e cumprirei as ordens de V. Ex.cia^ Rev.ma^ e os desejos do Senhor Dr. Galamba. Exceptuando a parte do segredo que, por agora, não me é permitido revelar, direi tudo; advertidamente não deixarei nada. Suponho que pode- rão esquecer-me apenas alguns pequenos detalhes de mínima importância.

  1. Aparições do Anjo Pelo que posso mais ou menos calcular, parece-me que foi em 1915 que se deu essa primeira aparição do que julgo ser o Anjo, que não ousou, por então, manifestar-se de todo. Pelo as- pecto do tempo, penso que se deveram dar nos meses de Abril até Outubro – 1915. Na encosta do cabeço que fica voltada para o Sul, ao tempo de rezar o terço na companhia de três companheiras, de nome Teresa Matias, Maria Rosa Matias, sua irmã e Maria Justino, do lugar da Casa Velha, vi que sobre o arvoredo do vale que se esten- dia a nossos pés pairava uma como que nuvem, mais branca que neve, algo transparente, com forma humana. As minhas compa- nheiras perguntaram-me o que era. Respondi que não sabia. Em dias diferentes, repetiu-se mais duas vezes. Esta aparição deixou-me no espírito uma certa impressão que não sei explicar. Pouco e pouco, essa impressão ia-se des- vanecendo; e creio que, se não são os factos que se lhe seguiram, com o tempo a viria a esquecer por completo. (^12 ) Esta é a razão por que Lúcia, aqui, não descreve a terceira parte do Segredo.

calor, em que íamos com (os) rebanhos para casa, no meio da manhã, para os tornar a abrir só à tardinha. Fomos, pois passar as horas da sesta à sombra das árvores que cercavam o poço já várias vezes mencionado. De repente, vimos o mesmo Anjo junto de nós. – Que fazeis? Orai! Orai muito! Os Corações de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios. – Como nos havemos de sacrificar? – perguntei. – De tudo que puderdes, oferecei um sacrifício em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores. Atraí, assim, sobre a vossa Pátria, a paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal. Sobretudo, aceitai e suportai com submissão o sofrimento que o Senhor vos enviar. Estas palavras do Anjo gravaram-se em nosso espírito, como uma luz que nos fazia compreender quem era Deus, como nos amava e queria ser amado, o valor do sacrifício e como ele Lhe era agradável, como, por atenção a ele, convertia os pecadores. Por isso, desde esse momento, começamos a oferecer ao Senhor tudo que nos mortificava, mas sem discorrermos a procurar outras mor- tificações ou penitências, excepto a de passarmos horas seguidas prostrados por terra, repetindo a oração que o Anjo nos tinha ensi- nado. A terceira aparição parece-me que deveu ser em Outubro ou fins de Setembro, porque já não íamos passar as horas da sesta a casa. Como já disse no escrito sobre a Jacinta, passámos da Prégueira (é um pequeno olival pertencente a meus pais) para a Lapa, dando a volta à encosta do monte pelo lado de Aljustrel e Casa Velha. Rezámos aí o terço e (a) oração que na primeira apa- rição nos tinha ensinado. Estando, pois, aí, apareceu-nos pela ter- ceira vez, trazendo na mão um cálix e sobre ele uma Hóstia, da qual caíam, dentro do cálix, algumas gotas de sangue. Deixando o cálix e a Hóstia suspensos no ar, prostrou-se em terra e repetiu três vezes a oração: – Santíssima Trindade, Padre, Filho, Espírito Santo, adoro- -Vos profundamente e ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, San- gue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os

sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indi- ferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do Seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores. Depois, levantando-se, tomou de novo na mão o cálix e a Hóstia e deu-me a Hóstia a mim e o que continha o cálix deu-o a beber à Jacinta e ao Francisco, dizendo, ao mesmo tempo: – Tomai e bebei o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo horri- velmente ultrajado pelos homens ingratos. Reparai os seus crimes e consolei o vosso Deus. De novo se prostrou em terra e repetiu connosco a mais três vezes a mesma oração: – Santíssima Trindade... etc. E desapareceu. Levados pela força do sobrenatural que nos envolvia, imitá- vamos o Anjo em tudo, isto é, prostrando-nos como Ele e repe- tindo as orações que Ele dizia. A força da presença de Deus era tão intensa que nos absorvia e aniquilava quase por completo. Parecia privar-nos até do uso dos sentidos corporais por um gran- de espaço de tempo. Nesses dias, fazíamos as acções materiais como que levados por esse mesmo ser sobrenatural que a isso nos impelia. A paz e felicidade que sentíamos era grande, mas só íntima, completamente concentrada a alma em Deus. O abatimen- to físico, que nos prostrava, também era grande.

  1. Silêncio da Lúcia Não sei porquê, as aparições de Nossa Senhora produziam em nós efeitos bem diferentes. A mesma alegria íntima, a mesma paz e felicidade, mas, em vez desse abatimento físico, uma certa agilidade expansiva; em vez desse aniquilamento na Divina pre- sença, um exultar de alegria; em vez dessa dificuldade no falar, um certo entusiasmo comunicativo. Mas apesar destes sentimentos, sentia a inspiração para calar, sobretudo algumas coisas. Nos in- terrogatórios, sentia a inspiração íntima que me indicava as res- postas que, sem faltar à verdade, não descobrissem o que devia, por então, ocultar. Neste sentido, resta-me apenas uma dúvida: se não deveria ter dito tudo no interrogatório canónico. Mas não sinto escrúpulo de ter calado, porque, nessa altura, eu não tinha ainda

E começamos a descer a encosta, tocando as ovelhas em direcção à estrada. Ao chegar, mais ou menos a meio da encosta, quase junto duma azinheira grande que aí havia, vimos outro re- lâmpago e, dados alguns passos mais adiante, vimos, sobre uma carrasqueira, uma Senhora, vestida toda de branco, mais brilhante que o Sol, espargindo luz, mais clara e intensa que um copo de cristal, cheio d’água cristalina, atravessado pelos raios do sol mais ardente. Parámos surpreendidos pela aparição. Estávamos tão perto, que ficávamos dentro da luz que A cercava ou que Ela es- pargia, talvez a metro e meio de distância, mais ou menos. Então Nossa Senhora disse-nos: – Não tenhais medo. Eu não vos faço mal. – De onde é Vossemecê? – lhe perguntei. – Sou do Céu. – E que é que Vossemecê me quer? – Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13 a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero. Depois voltarei ainda aqui uma sétima vez (^13 ). – E eu também vou para o Céu? – Sim, vais. – E a Jacinta? – Também. – E o Francisco? – Também, mas tem que rezar muitos terços. Lembrei-me então de perguntar por duas raparigas que tinham morrido há pouco. Eram minhas amigas e estavam em minha casa a aprender a tecedeiras com minha irmã mais velha. – A Maria das Neves já está no Céu? – Sim, está. Parece-me que devia ter uns 16 anos. – E a Amélia? – Estará no purgatório até ao fim do mundo. Parece-me que devia ter de 18 a 20 anos. – Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os so- frimentos que Ele quiser enviar-vos, em acto de reparação pelos (^13 ) Esta «sétima vez» já foi em 16 de Junho de 1921, nas vésperas da sua parti- da para o colégio de Vilar, no Porto. Foi uma aparição com mensagem pesso- al para Lúcia, que, por isso, não a revelou.

pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores? – Sim, queremos. – Ides, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto. Foi ao pronunciar estas últimas palavras (a graça de Deus, etc.) que abriu pela primeira vez as mãos, comunicando-nos uma luz tão intensa, como que reflexo que delas expedia, que pene- trando-nos no peito e no mais íntimo da alma, fazendo-nos ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz, mais claramente que nos vemos no melhor dos espelhos. Então, por um impulso íntimo tam- bém comunicado, caímos de joelhos e repetíamos intimamente: – Ó Santíssima Trindade, eu Vos adoro. Meu Deus, meu Deus, eu Vos amo no Santíssimo Sacramento. Passados os primeiros momentos, Nossa Senhora acres- centou: – Rezem o terço todos os dias, para alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra. Em seguida, começou-Se a elevar serenamente, subindo em direcção ao nascente, até desaparecer na imensidade da distân- cia. A luz que A circundava ia como que abrindo um caminho no cerrado dos astros, motivo por que alguma vez dissemos que vi- mos abrir-se o Céu. Parece-me que já expus, no escrito sobre a Jacinta ou numa carta, que o medo que sentimos não foi propriamente de Nossa Senhora, mas sim da trovoada que supúnhamos lá vir; e dela, da trovoada, é que queríamos fugir. As aparições de Nossa Senhora não infundem medo ou temor, mas sim surpresa. Quando me per- guntavam se tinha sentido e dizia que sim, referia-me ao medo que tinha tido dos relâmpagos e da trovoada que supunha vir próxima; e disto foi do que quisemos fugir, pois estávamos habituados a ver relâmpagos só quando trovejava. Os relâmpagos também não eram propriamente relâmpagos, mas sim o reflexo duma luz que se aproximava. Por vermos esta luz, é que dizíamos, às vezes, que víamos vir Nossa Senhora; mas, propriamente, Nossa Senhora só A distinguíamos nessa luz, quando já estava sobre a azinheira. O não sabermos explicar e querer evi- tar perguntas foi que deu lugar a que umas vezes disséssemos que A víamos vir, outras que não. Quando dizíamos que sim, que

preendemos que era o Imaculado Coração de Maria, ultrajado pe- los pecados da humanidade, que queria reparação. Eis, Ex.mo^ e Rev.mo^ Senhor Bispo, ao que nos referíamos, quando dizíamos que Nossa Senhora nos tinha revelado um segre- do em Junho. Nossa Senhora não nos mandou, ainda desta vez, guardar segredo, mas sentíamos que Deus a isso nos movia.

  1. Treze de Julho Dia 13 de Julho de 1917 – Momentos depois de termos chegado à Cova de Iria, junto da carrasqueira, entre numerosa multidão de povo, estando a rezar o terço, vimos o reflexo da costumada luz e, em seguida, Nossa Senhora sobre a carrasqueira. – Vossemecê que me quer? – perguntei. – Quero que venham aqui no dia 13 do mês que vem, que continuem a rezar o terço todos os dias, em honra de Nossa Se- nhora do Rosário, para obter a paz do mundo e o fim da guerra, porque só Ela lhes poderá valer. – Queria pedir-Lhe para nos dizer Quem é, para fazer um mi- lagre com que todos acreditem que Vossemecê nos aparece. – Continuem a vir aqui todos os meses. Em Outubro direi Quem sou, o que quero e farei um milagre que todos hão-de ver, para acreditar. Aqui, fiz alguns pedidos que não recordo bem quais foram. O que me lembro é que Nossa Senhora disse que era preciso rezarem o terço para alcançarem as graças durante o ano. E continuou: – Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes, em es- pecial sempre que fizerdes algum sacrifício: Ó Jesus, é por Vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos peca- dos cometidos contra o Imaculado Coração de Maria. Ao dizer estas últimas palavras, abriu de novo as mãos, como nos dois meses passados. O reflexo pareceu penetrar a terra e vimos como que um mar de fogo. Mergulhados em esse fogo, os demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras ou bronzeadas, com for- ma humana, que flutuavam no incêndio, levadas pelas chamas que delas mesmas saíam juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faúlhas em os grandes (incêndios), sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de

dor e desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor (de- veu ser ao deparar-me com esta vista que dei esse ai! que dizem ter-me ouvido). Os demónios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas trans- parentes como negros carvões em brasa. Assustados e como que a pedir socorro, levantámos a vista para Nossa Senhora que nos disse, com bondade e tristeza: – Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres peca- dores; para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção a Meu Imaculado Coração. Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar. Mas, se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio Xl começa- rá outra pior. Quando virdes uma noite alumiada por uma luz des- conhecida (^15 ), sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai a punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre. Para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia a Meu Imaculado Coração e a Comunhão reparadora nos primeiros sá- bados (^16 ). Se atenderem a Meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promoven- do guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquila- das. Por fim, o Meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-Me-á a Rússia que se converterá e será concedido ao mundo algum tempo de paz (^17 ). Em Portugal se conservará sem- pre o dogma da Fé, etc. Isto não o digais a ninguém. Ao Francisco, sim, podeis dizê-lo. Quando rezais o terço, dizei, depois de cada mistério: Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno; levai as alminhas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais precisarem. Seguiu-se um instante de silêncio e perguntei: – Vossemecê não me quer mais nada? – Não. Hoje não te quero mais nada. (^15 ) Trata-se da aurora boreal, na noite de 25 de Janeiro de 1938, que foi um fenó- meno extraordinário e que a Lúcia sempre considerou como o sinal prometi- do do Céu. (^16 ) Cfr. Apêndice I. (^17 ) Cfr. Apêndice II.

– Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios por os pecadores, que vão muitas almas para o inferno por não haver quem se sacrifique e peça por elas. E, como de costume, começou a elevar-se em direcção ao nascente.

  1. Treze de Setembro Dia 13 de Setembro de 1917 – Ao aproximar-se a hora, lá fui, com a Jacinta e o Francisco, entre numerosas pessoas que a custo nos deixavam andar. As estradas estavam apinhadas de gente. Todos nos queriam ver e falar. Ali não havia respeito humano. Numerosas pessoas, e até senhoras e cavalheiros, conseguindo romper por entre a multidão que à nossa volta se apinhava, vinham prostrar-se, de joelhos, diante de nós, pedindo que apresentásse- mos a Nossa Senhora as suas necessidades. Outros, não con- seguindo chegar junto de nós, chamavam de longe: – Pelo amor de Deus! peçam a Nossa Senhora que me cure meu filho, que é aleijadinho! Outro: – Que me cure o meu, que é cego! Outro: – O meu, que é surdo! – Que me traga meu marido... – ... meu filho, que anda na guerra! – Que me converta um pecador! – Que me dê saúde, que estou tuberculoso! Etc., etc. Ali apareciam todas (as) misérias da pobre humanidade. E alguns gritavam até do cimo das árvores e paredes, para onde subiam, com o fim de nos ver passar. Dizendo a uns que sim, dan- do a mão a outros para os ajudar a levantar do pó da terra, lá fomos andando, graças a alguns cavalheiros que nos iam abrindo passagem por entre a multidão. Quando agora leio, no Novo Testamento, essas cenas tão encantadoras da passagem de Nosso Senhor pela Palestina, recordo estas que, tão criança ainda, Nosso Senhor me fez presenciar, nesses pobres caminhos e estradas de Aljustrel a Fátima e à Cova de Iria, e dou graças a Deus, oferecendo-Lhe a fé do

nosso bom Povo português. E penso: se esta gente se abate assim diante de três pobres crianças, só porque a elas é concebida misericordiosamente a graça de falar com (a) Mãe de Deus, que não fariam, se vissem diante de si o próprio Jesus Cristo? Bem; mas isto não era nada chamado para aqui. Foi mais uma distracção da pena que me escapou para onde eu não queria. Paciência! Mais uma coisa inútil; não na tiro, para não inutilizar o caderno. Chegámos, por fim, à Cova de Iria, junto da carrasqueira e começamos a rezar o terço com o povo. Pouco depois, vimos o reflexo da luz e a seguir Nossa Senhora sobre a azinheira. – Continuem a rezar o terço, para alcançarem o fim da guerra. Em Outubro virá também Nosso Senhor, Nossa Senhora das Do- res e do Carmo, S. José com o Menino Jesus para abençoarem o Mundo. Deus está contente com os vossos sacrifícios, mas não quer que durmais com a corda; trazei-a só durante o dia. – Têm-me pedido para Lhe pedir muitas coisas: a cura de al- guns doentes, dum surdo-mudo. – Sim, alguns curarei; outros não. Em Outubro farei o milagre, para que todos acreditem. E começando a elevar-se, desapareceu como de costume.

  1. Treze de Outubro Dia 13 de Outubro de 1917 – Saímos de casa bastante cedo, contando com as demoras do caminho. O povo era em massa. A chuva, torrencial. Minha mãe, temendo que fosse aquele o último dia da minha vida, com o coração retalhado pela incerteza do que iria acontecer, quis acompanhar-me. Pelo caminho, as cenas do mês passado, mais numerosas e comovedoras. Nem a lamaceira dos caminhos impedia essa gente de se ajoelhar na atitude mais humilde e suplicante. Chegados à Cova de Iria, junto da carrasqueira, levada por um movimento interior, pedi ao povo que fechasse os guarda-chuvas para rezarmos o terço. Pouco depois, vimos o reflexo da luz e, em seguida, Nossa Senhora sobre a carrasqueira. – Que é que Vossemecê me quer? – Quero dizer-te que façam aqui uma capela em Minha honra, que sou a Senhora do Rosário, que continuem sempre a rezar o

pequenos detalhes referentes aos pedidos que eu fazia. Como eram coisas meramente materiais, não lhes ligava tanta importância, e talvez por isso se me não gravaram tão vivamente no espírito. E depois, elas eram tantas, tantas! Devido, talvez, a preocupar-me com a recordação das inúmeras graças que tinha para pedir a Nossa Senhora, houve o engano de entender que a guerra acabava no próprio dia 13 (^19 ). Não poucas pessoas se têm mostrado bastante admiradas com a memória que Deus se dignou dar-me. Por uma bondade infinita, ela é em mim bastante privilegiada, em todo o sentido. Mas, nestas coisas sobrenaturais, não é de admirar, porque elas gravam-se no espírito, de tal forma, que é quase impossível esquecê-las. Pelo menos, o sentido das coisas que elas indicam nunca se esquece, a não ser que Deus o queira também fazer esquecer.

III. MAIS APONTAMENTOS SOBRE A JACINTA

1. Uma cura milagrosa

Pede-me ainda, o Senhor Dr. Galamba, para escrever alguma graça mais que tenha sido alcançada por meio da Jacinta. Pensei um pouco e lembro-me de duas apenas. A primeira vez que a boa Senhora Emília, de quem falo no segundo escrito sobre a Jacinta, me foi buscar, para me levar ao Olival, a casa do Senhor Vigário, a Jacinta foi comigo. Quando chegámos à aldeia onde vivia essa boa viúva, era noite. Apesar disso, a notícia da nossa chegada não tardou a divulgar-se e a casa da Senhora Emília achou-se logo cercada de inúmeras pes- soas. Queriam ver-nos, interrogar-nos, pedir graças, etc. Havia aí uma piedosa mulher que costumava rezar em sua casa o terço, com as pessoas da pequena aldeia que se queriam juntar a ela. Veio, pois, pedir para lá irmos a sua casa rezar o terço. Quisemos escusar-nos, dizendo que o rezávamos com a Senhora Emília, mas as instâncias foram tantas que não houve outro remé- (^19 ) Lúcia não afirmou categoricamente que a guerra terminaria no mesmo dia; foi induzida a isso pelas muitas e insistentes perguntas que lhe faziam.

dio senão ceder. À notícia de que íamos, o povo correu em massa para a casa da boa mulher, com o fim de apanhar lugar; e ainda bem que assim nos deixaram o caminho mais livre. Quando íamos a caminho, saiu-nos ao encontro uma rapariga, talvez dos seus vinte anos, a chorar. Prostra-se de joelhos e pede para entrarmos em sua casa a rezar sequer uma Ave-Maria pelas melhoras de seu pai, que havia mais de três anos não podia descansar, com um contínuo soluço. Impossível resistir a umas cenas destas. Ajudei a pobre rapariga a levantar-se; e, como a noite era já bastante adiantada (caminhávamos à luz dumas lanternas), disse à Jacinta que ficasse ela ali, enquanto eu ia rezar o terço com o povo, que na volta a chamava. Ela aceitou. Quando voltei, entrei também nessa casa. Encontrei a Jacinta sentada numa cadeira, em frente dum homem também sentado, de aspecto não muito velho, mas mirrado, e a chorar de comoção. Rodeavam-no algumas pessoas mais, que julgo serem da família. Ao ver-me, levantou-se, despediu-se prometendo não o esquecer nas suas orações, e lá viemos para a casa da Senhora Emília. No dia seguinte, saímos de manhãzinha cedo para o Olival, e voltámos só passados uns três dias. Ao chegar a casa da Senhora Emília, lá nos apareceu a ditosa rapariga, acompanhada já de seu pai, de aspecto bastante melhor, sem aquela aparência de tanto nervosismo e de tão extremada fraqueza. Vinham agradecer a graça recebida, porque, diziam, não tinha tornado mais a sentir o impor- tuno soluço. Todas as vezes que ainda por aí passei, sempre essa boa família me vinha mostrar o seu agradecimento, dizendo que estava completamente curado, que não tinha sentido mais o me- nor assomo de soluços.

  1. Regresso dum filho pródigo A outra era uma tia minha, casada na Fátima, de nome Vitó- ria, que tinha um filho que era um verdadeiro pródigo. Não sei porquê, havia tempo que tinha abandonado a casa paterna, sem se saber que feito era dele. Aflita, minha tia veio um dia a Aljustrel, para me pedir que pedisse a Nossa Senhora por aquele seu filho. Não me encontrando, fez o pedido à Jacinta. Esta prometeu pedir
  1. Jacinta, espelho de Deus O que eu sentia era o que, de ordinário, se sente junto duma pessoa santa que em tudo parece comunicar a Deus. A Jacinta tinha um porte sempre sério, modesto e amável, que parecia traduzir a presença de Deus em todos os seus actos, pró- prio de pessoas já avançadas em idade e de grande virtude. Não Ihe vi nunca aquela demasiada leviandade ou entusiasmo próprio das crianças, pelos enfeites e brincadeiras. (Isto, depois das apari- ções, que, antes, era o número um de entusiasmo e capricho). Não posso dizer que as outras crianças corressem para junto dela, como o faziam para junto de mim. E isto, talvez, porque ela não sabia tanta cantiga e historieta para Ihes ensinar e as entreter; ou, então, porque a seriedade do seu porte era demasiado supe- rior à sua idade. Se, na sua presença, alguma criança ou mesmo pessoas grandes diziam alguma coisa ou faziam qualquer acção menos conveniente, repreendia-as, dizendo: – Não façam isso, que ofendem a Deus Nosso Senhor; e Ele já está tão ofendido! Se a pessoa ou criança retorquia, chamando-lhe beata falsa ou santinha de pau carunchento, ou coisa semelhante, o que acon- tecia várias vezes, ela olhava-as com uma certa severidade e, sem dizer palavra, afastava-se. Talvez fosse este um dos motivos pelo qual não gozava de mais simpatia. Se eu estava junto dela, de- pressa aí se juntavam dezenas de crianças; mas, se me ia embo- ra, depressa ficava só. No entanto, quando estavam junto dela, parecia gostarem da sua companhia. Abraçavam-na com os abra- ços próprios do carinho inocente; gostavam de cantar e jogar com ela. Por vezes pediam-me para a ir buscar, quando não estava; e se eu lhes dizia que ela não queria ir, por elas serem más, prome- tiam ser boas, se ela fosse. – Vai buscá-la e diz-lhe que vamos a ser boas, se ela vier. Na doença, quando, às vezes, a ia visitar, encontrava, fora da porta, um bom grupo, esperando por mim para entrar a vê-la. Pa- recia que um certo respeito as detinha. Antes de me vir embora, às vezes, perguntava-lhe: – Jacinta, queres que diga a algumas que fiquem aqui ao pé de ti, a fazer-te companhia? – Pois sim. Mas dessas mais pequeninas que eu.

Então, todas porfiavam, dizendo: – Fico eu! Fico eu! Depois, entretinha-se com elas, ensinando-lhes o Padre-Nosso, a Ave-Maria, a benzer-se, a cantar e, sobre a cama dela ou senta- das no chão, no meio da casa, se estava levantada, jogavam as pedrinhas, servindo-se, para isso, das pequeninas maçãs, casta- nhas, bolota doce, figos secos, etc., com que minha tia não lhes faltava, para que fizessem companhia a sua filhinha. Rezava com elas o terço, aconselhava-as a não fazerem pe- cados, para não ofenderem a Deus Nosso Senhor e não irem para o inferno. Algumas passavam aí manhãs e tardes quase inteiras, pare- cendo sentirem-se felizes junto dela. Mas, depois de se terem ido embora, não se atreviam a voltar com aquela confiança que pare- cia ser natural entre crianças. Umas vezes, iam procurar-me e pedir-me para entrar com elas; outras, esperavam-me junto da casa ou, então, esperavam, fora da porta, que minha tia ou a própria Jacinta as chamasse e convidasse a entrar e a ir para junto dela. Parecia gostarem dela e da sua companhia, mas sentirem-se retidas por um certo acanhamento ou respeito que as mantinha a uma certa distância.

  1. Jacinta, exemplo de virtudes As pessoas grandes iam também visitá-la; mostravam admi- ração pelo seu porte, sempre igual, paciente, sem a menor queixa ou exigência. Na posição em que a mãe a deixava, assim per- manecia. Se Ihe perguntavam se estava melhor, respondia: – Estou na mesma. Ou, – Parece que estou pior. Muito obrigada. Com um ar mais bem triste, mantinha-se em silêncio diante de quem a visitava. As pessoas sentavam-se aí junto dela, às vezes longo tempo, parecendo sentirem-se aí felizes. Aí tinham também lugar minuciosos e fatigantes interrogatórios, e ela sem mostrar nunca a mínima impaciência ou aborrecimento. Apenas me dizia, depois: – Já me doía tanto a cabeça de ouvir aquela gente! Agora, que